Uma
análise dos discursos de James P. Cannon
[Originalmente
publicado em Workers Vanguard No. 28, de 14 de setembro de 1973.
Traduzido para o português pelo Reagrupamento Revolucionário em
novembro de 2015]
A
publicação de discursos e cartas de James Cannon relativos à luta
fracional ocorrida no SWP em 1952-1953 [Speeches
to the Party.
Nova York: Pathfinder Press, 1973], documentos anteriormente
disponíveis apenas em velhos boletins internos SWP, é um evento
político importante por duas razões. Em primeiro lugar, esses
escritos destacam a enorme força de Cannon como um defensor dos
princípios do programa trotskista durante tempos difíceis, tais
como o desmoralizante período do macartismo. (Eles também revelam
lacunas consideráveis em seu fracasso em lançar em tempo
hábil uma luta fracional internacional contra o liquidacionismo
pablista – o que também facilitou o caminho para a degeneração
qualitativa do SWP dez anos depois). Em segundo lugar, a publicação
pelo SWP dos documentos de Cannon de 1952-53 (juntamente com o seu
livreto sobre a história da cisão com Pablo, a reimpressão de
artigos Trotsky sobre o terrorismo publicados no The
Militant
etc.)
neste momento, com as diferenças sobre a guerra de guerrilha
ameaçando explodirem o pseudo-trotskista “Secretariado Unificado”,
é claramente parte da preparação para um racha entre apoiadores da
maioria europeia centrista e da minoria reformista liderada pelo SWP.
Sem
pretender uma avaliação abrangente do papel de Cannon como um líder
do trotskismo mundial desde 1928, devemos notar que seus escritos
nesta coleção são um modelo de avaliação das questões centrais
em uma disputa. Ele diagnosticou precisamente a existência de um
bloco podre entre os seguidores de Clarke em Nova York, que
capitulavam ao stalinismo, e o grupo de Cochran, de sindicalistas de
Detroit, que refletiam o conservadorismo e a desmoralização entre
os veteranos mais velhos e que agora se encontram confortavelmente
abrigados da luta dentro da CIO [central sindical americana], os
quais simplesmente queriam sair da política revolucionária. Para os
obreiristas de hoje em dia, que vêem “raízes na classe
trabalhadora” como uma garantia contra a degeneração, o discurso
de Cannon em “Sindicalistas e revolucionários” é leitura
obrigatória.
Por
mais de um ano, Cannon lutou por maior clareza programática. Sua
luta foi travada tanto contra a minoria – para forçá-la a
declarar abertamente suas posições políticas reais – e com a ala
abstencionista de elementos “não fracionais” da Maioria (como
Farrell Dobbs), para fazê-los ver as verdadeiras questões políticas
em jogo. Essa resposta não-política de seções dos quadros do
partido já é em si um sinal de perigo, mas o impulso conservador
não encontrou generalização programática até 1963, quando o SWP
codificou sua degeneração revisionista e “reunificou” com o
pablismo. Mas, simplesmente tomar o SWP como já irremediavelmente
degenerado neste momento, liderado pelo “zinovievista” Cannon
(como acusam a Class Struggle League, a Spartacus-BL, a Revolutionary
Socialist League e outros grupos que estão unidos apenas por suas
respectivas reivindicações de serem os primeiros trotskistas desde
Trotsky ou, no caso da RSL, os primeiros trotskistas desde sempre)
significa fechar os olhos para algumas realizações “menores”.
Estas incluem a defesa internacionalista que o partido fez da Coreia
do Norte contra os EUA na Guerra da Coreia e a “Carta Aberta” do
SWP de 1953, que levou à formação do Comitê Internacional e
impediu a completa destruição do movimento trotskista mundial por
Pablo.
No
início da luta com Cochran-Clarke, o forte senso de lealdade
partidária de Cannon se tornou uma paródia de si mesmo quando
aplicado em uma escala internacional. Ele usou a noção de
“fidelidade partidária” ante a liderança Internacional de Pablo
e Germain [Mandel] para deixar de lado e, na verdade, esconder dos
membros do SWP sérias diferenças políticas, em particular acerca
da ideia de Pablo de “séculos de Estados operários deformados”.
Da mesma forma, Cannon encobertou abusos organizacionais de Pablo, ao
não se solidarizar com a maioria francesa contra a sua expulsão
burocrática pelo Secretariado Internacional, que ele admitiu mais
tarde o ter deixado profundamente inquieto naquele momento.
Esta
lacuna levou diretamente à grande fraqueza revelada durante a luta –
a falha de Cannon em realizar uma luta fracional internacional
contra
o pablismo. Para evitar ter que implementar políticas pablistas,
Cannon postulou a ideia de uma federação internacional. (Este
desvio cobrou seu preço na forma posterior do “Secretariado
Unificado”, em que as diferenças sobre o racha de 1953, China e
outras questões foram encobertas com cada organização nacional
seguindo alegremente seu próprio caminho.) A concepção federalista
do Cannon acerca do internacionalismo se refletiu em uma polêmica
contra (de todas as coisas) “Comintermismo”! No início, a
Internacional Comunista, escreveu ele, era altamente centralizada por
causa da tremenda autoridade de Lenin e da Revolução Russa, assim
como da possibilidade financeira de consultas frequentes (uma vez que
o partido soviético detinha o poder do Estado). Sob Stalin, este
centralismo tornou-se um instrumento para suprimir o pensamento
independente. E hoje “seria melhor para o centro limitar-se
principalmente ao papel de líder ideológico, e deixar de lado a
interferência organizacional tanto quanto possível ...” (p. 74).
Mais tarde, no mesmo discurso, ele rejeitou a ideia de aceitar
ordens, em qualquer lugar e em qualquer circunstância, e referiu-se
ao Secretariado Internacional como meros “colaboradores”. Cannon
aqui não consegue distinguir entre o centralismo democrático de
Lenin e o centralismo burocrático de Stalin. Pablo certamente tinha
apetite para ser um ditador mesquinho e a autonomia tática para
seções nacionais é desejável, mas responder às intrigas
tortuosas do “Papa de Paris” rejeitando uma Internacional
centralizada é uma reação qualitativamente exagerada.
O
problema não era que Cannon não tinha conhecimento das questões em
disputa internacionalmente. Suas críticas a ideia de Pablo sobre
“séculos de Estados operários deformados”, à “tese da
guerra-revolução” e às atrocidades organizacionais da liderança
internacional deixam isso claro. Em vez disso, ele não sentia a
necessidade de travar uma luta fracional internacional para uma linha
comum, de uma Internacional democrático-centralista. Ele não reagiu
energicamente quando as teorias revisionistas foram expressas pela
primeira vez (1949), nem mesmo quando Pablo começou a seguir as
conclusões organizacionais delas, expulsando a liderança
Bleibtreu-Lambert da seção francesa (1952). Somente quando se
tornou claro que o pablismo significava liquidacionismo para o SWP é
que Cannon viu necessidade de uma luta internacional. Isto está em
nítido contraste com a sua abordagem ante a luta Cochran-Clarke
dentro do partido americano, onde ele tentou agressivamente forçar
os “indecisos” a tomarem partido. Internacionalmente, ele ficou
em cima do muro quase até seu próprio partido estar diretamente
ameaçado e quando já restavam poucas saídas além de uma carta
pública, que logo foi seguida pela expulsão do SWP e de seus amigos
feita por Pablo.
Quando
Cannon finalmente rompeu com Pablo, ele declarou guerra, desmentindo
a versão de conto de fadas atual do SWP acerca do racha. Em um
recente livreto educativo do SWP, Evans escreve que o SWP “nunca
disse que este [o pablismo] foi uma revisão teórica do trotskismo
ou que os prognósticos [de Pablo] eram totalmente impossíveis. O
que defendemos é que esse esquema não era o mais provável"
(Toward
a History of the Fourth International,
Part I, p. 11). Ou ainda: "O partido ... não expulsou os
pablistas para fora do movimento trotskista" (p. 16)! O
que o SWP disse na época era bem diferente:
“Nós pensamos que as diferenças entre a seção francesa e Pablo fossem táticas e isso nos levou a emblocar com Pablo ....
“Mas, no fundo, as diferenças foram de caráter programático. O fato é que os camaradas franceses da maioria viram o que estava acontecendo mais claramente do que nós. O 8º Congresso do seu partido declarou que ‘um grave perigo ameaça o futuro e até mesmo a existência da Quarta Internacional .... concepções revisionistas, nascidas da covardia e do impressionismo pequeno-burguês apareceram dentro da liderança .... a instalação de um sistema de domínio pessoal, baseando a si e a seus métodos antidemocráticos no revisionismo do programa trotskista e abandono do método marxista.’ (La Vérité, 18 de setembro de 1952).
-- Uma carta aos trotskistas ao redor do mundo, novembro 1953.
Na
presente coleção, Cannon mostra uma atitude igualmente afiada:
“Estamos rompendo com Pablo e o pablismo para sempre, não só aqui, mas no campo internacional ... Estamos em guerra com este novo revisionismo.
“A essência do revisionismo pablista é o ataque à parte do trotskismo que é hoje a sua parte mais vital – a concepção da crise da humanidade como a crise da direção do movimento operário resumida na questão do partido” (p. 181).
Como
a recente convenção do SWP revela, Hansen e companhia estão se
preparando para uma repetição do cenário de 1952-1953. Este livro,
as comparações da Tendência Internationalista [fração do SWP que
era pró-SU] com Cochran-Clarke, a descoberta de uma facção secreta
(a “carta Barzman”) etc., soam uma nota familiar. Os
pseudo-trotskistas do SU que estejam seriamente interessados em
traçar um balanço científico da luta contra o pablismo de
1951-1953 e descobrir as lições para hoje fariam bem em fazer um
estudo sério dos discursos de Cannon para o partido, junto com
Gênese
do pablismo
(Spartacist
No.
21, primavera de 1972).