Fração
Trotskista (LER-QI) e sua ruptura incompleta com o morenismo
Sobre
blocos oportunistas e “instrumentos desafinados” pablistas
Por Rodolfo Kaleb, maio de 2013
A Fração Trotskista – Quarta Internacional
(FT-QI) é a organização internacional impulsionada pelo PTS argentino e da qual
a LER-QI é a seção brasileira. Ao longo dos anos, ela se moveu para a esquerda
com relação às suas origens na corrente política ultraoportunista de Nahuel
Moreno, da qual se separou em 1988. A FT-QI desenvolveu gradualmente uma
crítica à tradição morenista, desassociando-se formalmente do legado de Moreno,
assim como de muitas de suas posições.
Devido à completa confusão que prevaleceu
dentro do movimento trotskista, Moreno se alinhou em certo momento dos anos
1950 com as forças antirrevisionistas que combatiam a destruição da Quarta
Internacional por Michel Pablo. Mas o morenismo refletiu historicamente uma
variante particularmente à direita do pablismo.
Impactados pela enormidade das tarefas históricas
colocadas diante das pequenas forças do movimento trotskista, os pablistas
originais buscaram substitutos em movimentos e lideranças oportunistas e
traidoras do movimento de massas. Eles esperavam que as “forças objetivas”, auxiliadas
pela sua ação, fossem tornar esses agrupamentos aptos para as tarefas da
revolução socialista. Isso os levou a inúmeras capitulações a essas mesmas
forças, na esperança de “empurrá-las para a esquerda”. Se afastando da
concepção leninista clássica, de que as organizações oportunistas são um dos
maiores empecilhos para que o proletariado atinja sua consciência de classe, os
pablistas passaram a ver tais forças como “instrumentos desafinados”, que
apenas precisavam de uma “afinação” (promovida pelos pablistas) para que levassem
a classe trabalhadora a uma vitória revolucionária.
Ao longo das décadas, a corrente de Moreno
também se adaptou a muitos movimentos maiores que temporariamente tinham apoio
das massas, desde o movimento peronista na Argentina, passando por correntes stalinistas
como os maoístas e castristas nos anos 60, várias frentes populares na Europa e
na América Latina, até os movimentos contrarrevolucionários que restauraram o
capitalismo nos países do bloco soviético. Essas práticas oportunistas
receberam uma racionalização por Moreno, que ressuscitou uma variante da teoria
etapista de “revolução democrática” (e não apenas nos países de desenvolvimento
capitalista tardio, mas de uma forma geral) [1].
A renúncia à teoria morenista da “revolução
democrática” permitiu que a FT-QI se distanciasse de algumas políticas mais à
direita de Moreno, mas ela reteve o seu impulso essencialmente pablista sobre a
questão do partido. Enquanto não apoia heróis pablistas típicos, como fez
Moreno em seu tempo, a FT-QI aparentemente redirecionou seus esforços para a
tentativa similarmente utópica de “afinar” os “instrumentos desafinados” que
são os próprios pablistas, morenistas e outras correntes revisionistas.
Argentina: uma frente “revolucionária” de capitulação ao centrismo
Desde 2011, a LER-QI vem convidando os
morenistas do PSTU (a maior corrente que reivindica o trotskismo no Brasil) a
formar uma frente para concorrer às eleições burguesas. Ela tem feito
recorrentes chamados pela construção, no Brasil, de uma frente nos mesmos
moldes da que o PTS (principal seção da FT-QI) compôs na Argentina em 2011. A
LER-QI fez a seguinte descrição dessa frente eleitoral:
“Na Argentina, ano passado, a esquerda classista se unificou numa
frente eleitoral a partir do elemento central da independência política dos
trabalhadores diante de todas as frações burguesas. A partir de um chamado
firme do PTS (Partido de los Trabajadores Socialistas) ao PO (Partido Obrero) e
às demais organizações que se colocam no campo da independência de classe,
organizou-se a FIT ― Frente de Esquerda dos Trabalhadores (FIT em castelhano),
integrada pelo PTS, PO e IS (Esquerda Socialista), que contou posteriormente
com o apoio do PSTU argentino (da mesma tendência internacional do PSTU)...
“Este é um exemplo de primeira ordem para os revolucionários
brasileiros, e acreditamos que deveria ser do interesse dos militantes do PSTU,
pois aqui podemos ver sem sombras de dúvida como uma frente eleitoral
principista ― classista e revolucionária ― pode ser constituída em base a
princípios, programa, táticas e estratégia proletária, contribuindo
efetivamente ― ainda que minoritariamente ― para constituir uma vanguarda
forjada na independência de classe e na preparação para a luta revolucionária,
não apenas em luta política contra os capitalistas, mas também contra as
organizações e partidos reformistas ou centro-esquerdistas, ou seja, partidos
que se dizem de esquerda, mas primam pela conciliação entre frações burguesas e
as massas...”
— O Mau Exemplo que Vem de Belém,
julho de 2012. Disponível em:
A FT-QI sustenta que o PO argentino (associado
ao dirigente Jorge Altamira), assim como o PSTU brasileiro, é uma corrente centrista,
entendendo-a enquanto um obstáculo na luta para que o proletariado e os
oprimidos em geral adquiram uma consciência revolucionária. Apesar dessa
caracterização, a FT-QI busca se aliar programaticamente com essas correntes
maiores e, no caso da FIT argentina, apresentou os revisionistas como fazendo
parte de uma iniciativa supostamente “principista – classista e
revolucionária”, como capazes de defender “princípios, programa, táticas e
estratégia proletária”, e “contribuindo efetivamente para constituir uma
vanguarda forjada na independência de classe e na preparação para a luta
revolucionária”. Será mesmo?
A Fração Trotskista diz combater a posição
oportunista do Partido Obrero de apoio a candidaturas de colaboração com a
burguesia. O PO apoiou, por exemplo, a candidatura burguesa de Evo Morales na
Bolívia em 2005 (como a própria FT-QI denunciou na época). Mas se é assim, como
o PO poderia supostamente “constituir uma vanguarda forjada naindependência de
classe e na preparação para a luta revolucionária”? Os altamiristas teriam
modificado suas posições e feito autocrítica de suas capitulações? De forma
alguma.
Para a Fração Trotskista, o papel supostamente
“revolucionário” cumprido pela FIT não seria abalado pelos seus componentes centristas,
o que inclui também a corrente morenista Esquerda Socialista (IS). Mas os fatos
são como crianças teimosas. Nas eleições de 2011, Jorge Altamira, principal
dirigente do PO e candidato a presidente pela Frente, concedeu uma entrevista a
um jornal argentino no qual falou sobre a FIT da seguinte maneira:
“[Entrevistador]
Quais são as expectativas que tem a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores
(FIT) para essas eleições?
“[Altamira]
Nossa expectativa é conseguir um bloco de esquerda no Congresso Nacional
e modificar com ele a agenda política e social do país, e desenvolver uma
perspectiva de poder.” (ênfase nossa)
...
“[Entrevistador] Quais são as medidas que impulsarão no caso de se
tornarem governo?
“[Altamira] Pôr fim à intervenção oficial na ANSES [Administração
Nacional de Seguro Social] para que seja dirigida por representantes eleitos
por aposentados e trabalhadores. Desse modo, acabaria seu esvaziamento forçado
para pagar a dívida externa e financiar a fuga de capitais. Também estabelecer
um salário mínimo igual ao custo do gasto familiar e acabar com o trabalho
precário — este último assegurando o convênio
coletivo à atividade. Outro ponto é renacionalizar o petróleo, que é a única
forma de fechar a porta à saída de recursos para os acionistas do exterior e o
grupo de ‘amigos’ instalado na YPF-Repsol, e terminar com o esgotamento das
reservas comprovadas de combustíveis. Derrubar os impostos ao consumo (IVA) e
financiar o Estado com impostos diretos.”
— Blaquier
y los K, outubro de 2011. Disponível,
em espanhol, em:
A concepção de Altamira de usar uma frente
eleitoral de esquerda para desenvolver uma “perspectiva de poder” por dentro do
Estado burguês e “modificar a agenda política e social do país” não era uma
exceção pontual, um mero descuido. O candidato a presidente da FIT não via a
frente segundo a tradição bolchevique de campanhas eleitorais ― tribunas de
denúncia do caráter de classe da democracia burguesa e do capitalismo, espaço
de propaganda contra as ilusões de que mudanças sociais significativas podem se
dar através das eleições burguesas. Pelo contrário, ele reproduziu uma
contradição típica do discurso centrista ao defender um programa de grandes
reformas por dentro do Estado burguês.
E diante dessa posição de Altamira e do PO,
onde ficou a FT-QI? Não vimos, nos inúmeros elogios que a LER-QI fez à FIT
desde 2011, nenhuma consideração a respeito desse desvio político do candidato
a presidente da Frente. No mesmo artigo citado anteriormente, além de
considerar a FIT como “revolucionária” e possuindo uma “estratégia proletária”
(por dentro do Estado burguês?), a LER-QI afirmou que “A FIT realizou uma
grande e exemplar campanha eleitoral em 19 estados do país”. É esse o conceito
da LER-QI de uma “campanha exemplar”? Essa concepção certamente é bastante
diferente do legado comunista de Lenin e Trotsky. As Teses do Segundo Congresso
da Internacional Comunista defenderam que:
“(11)
A tribuna do Parlamento burguês é um desses pontos de apoio secundários. Não se
pode invocar contra a ação parlamentar a qualidade burguesa da instituição
mesma. O Partido Comunista entra nele não para desenvolver uma ação orgânica,
mas para solapar do interior a máquina governamental e o Parlamento.”
...
“(14)
A campanha eleitoral em si mesma deve ser conduzida não no sentido da obtenção
do máximo de mandatos parlamentares, mas no sentido da mobilização das massas a
partir das palavras de ordem da revolução proletária.”
Em uma ocasião posterior não relacionada, a
FT-QI criticou o PO por sua posição de que a vitória eleitoral de uma coalizão
de esquerda pudesse representar uma perspectiva de poder para os trabalhadores.
Na Grécia, onde o PO alimentou ilusões de que um governo da organização de
esquerda Syriza seria um “governo de trabalhadores” eleito pelo voto por dentro
do Estado burguês, o PTS apontou que:
“Ao
não existirem organismos das massas na luta que tendam a criar um duplo poder,
este chamado do PO apela à vontade da direção da Syriza para que ‘impulsione’
um governo de trabalhadores, o qual, longe de combater o reformismo e
pacifismo, fortalece as ilusões parlamentaristas alimentadas por esta
centro-esquerda.”
...
“O
chamado a um eventual ‘governo de esquerda’ encabeçado pela Syriza, longe de
contribuir para que setores dos trabalhadores e jovens avancem para tirar as
conclusões de que o único programa para enfrentar o ajuste é um programa
anticapitalista e revolucionário, alimenta as ilusões de que é possível uma
saída parlamentar e pacífica à crise, sem enfrentar as instituições
imperialistas como a UE nem atacar os interesses dos capitalistas.”
— Los
revolucionarios y la cuestión del ‘gobierno de izquierda’, junho de 2012. Disponível, em
espanhol, em:
No entanto, quando Altamira e o PO cometeram o
mesmo oportunismo em casa, na Argentina, a Fração Trotskista não estava
propriamente numa posição onde mantinha as mãos livres para criticá-los, mas
sim conformando a própria frente a que Altamira se referia. E então esse mesmo
oportunismo foi considerado como parte de uma “campanha exemplar” que contribui
para a “preparação da luta revolucionária”. Na verdade, alimentou as mesmas
“ilusões de que é possível uma saída parlamentar e pacífica à crise”.
A Fração Trotskista poderia objetar que não
tem nenhum compromisso com o que Altamira escreveu ou disse na imprensa, como
principal porta-voz e candidato de sua frente conjunta, mesmo quando falando em
nome da FIT. Mas levadas em consideração as devidas proporções, como isso se
distingue das afirmações do PSTU brasileiro, por exemplo, de que na sua frente
de Belém (com PSOL e PCdoB) eles mantinham sua “total independência”? Na época,
a LER-QI afirmou que isso era “o direito de espernear” e zombou do PSTU dizendo
que “chamam isso de ‘autonomia’ ou ‘independência’ do partido”.
Outros pontos no programa da FIT também
representaram uma capitulação do PTS aos seus companheiros de viagem. Quando
mencionou a conjuntura internacional, o programa da FIT proclamou:
“Na
Líbia, a intervenção da OTAN tem como objetivo evitar a queda revolucionária de
Kadafi e trata de intervir nesse país para conter o conjunto do processo
desatado na região. Chamamos a apoiar o triunfo dessas revoluções que sacodem o mundo árabe.
Diferenciamo-nos claramente dos falsos esquerdistas que apoiaram a intervenção
imperialista da OTAN. Como também denunciamos os supostos anti-imperialistas
como o castro-chavismo que fazem causa comum com os ditadores que massacram
seus povos.” (ênfase nossa)
— Declaración
programática del Frente de Izquierda y de los Trabajadores, agosto de 2011. Disponível, em
espanhol, em:
O próprio PTS teve uma posição traiçoeira na
Líbia, ao não defender na prática tomar o lado da nação oprimida (sem nenhum
apoio político ao seu governo ditatorial burguês) contra a OTAN e seus aliados
locais. Mas pelo menos o PTS não defendeu o triunfo da suposta “revolução” dos
rebeldes aliados com a OTAN (a “tropa terrestre” dos imperialistas, como os
classificou na época). [2] Já no
programa da FIT, assinado e defendido pelo PTS, onde foram parar as suas
críticas (ainda que inconsistentes) às posições dominantes na esquerda
internacional de apoio aos rebeldes que recebiam auxílio direto da OTAN? Qual a
importância de escrever dúzias de polêmicas contra essas correntes centristas
maiores se, quando se tornam aliados de bloco, o PTS deixa de lado as suas
visões para defender a mesma posição de apoio a uma “revolução” financiada,
armada e com auxílio direto da intervenção militar da OTAN, ao mesmo tempo em
que cinicamente diz ser “contra o imperialismo”?
Outros pontos do programa da Frente eram
deliberadamente vagos, com o objetivo de abarcar as posições bastante
divergentes dos seus componentes, como o que chama “Por um governo dos
trabalhadores e do povo, imposto pela mobilização dos explorados e oprimidos”.
É muito fácil proclamar a necessidade de um “governo de trabalhadores” –
qualquer oportunista pode fazer isso dando a esse termo seu próprio
significado, como já apontava Trotsky no Programa
de Transição. Mas como esse governo seria construído e estabelecido? Em uma
revolução em duas etapas, com uma primeira etapa “democrática”, como sugerem os
morenistas? Ou ganhando assentos no parlamento burguês, como sugere o Partido
Obrero? Ao defender a mesma proposição de “governo dos trabalhadores” lado a
lado com o PO e os morenistas, a FT-QI ajudou a confundir a classe trabalhadora
e a sua vanguarda.
A Fração Trotskista parece gostar de acreditar
que, ao compor a FIT, estava diminuindo a distância entre si e PO. Em certo
sentido tem razão, mas essa convergência não se dá sob um programa
revolucionário, mas sob um acordo oportunista. A construção da FIT não foi o
resultado de uma evolução à esquerda do PO, ou dos morenistas da Esquerda Socialista
para convergir com o programa do PTS, mas sim de uma combinação sem princípios
entre os programas desses grupos que, ao considerarem que seu bloco conjunto
era “revolucionário”, estão implicitamente afirmando que suas divergências não
são tão relevantes.
Os trotskistas, em sua luta pelo resgate dos
princípios que tornaram possível a Revolução de Outubro, viam a necessidade
fundamental de combater o centrismo e de manter contra ele uma intransigência
programática, para o que é necessário manter as mãos livres. Ao defender que a
FIT possui uma “estratégia revolucionária” apesar do caráter oportunista
reconhecido de seus componentes, e ao apresenta-la muitas vezes de forma
acrítica, a FT-QI está blindando o caráter oportunista do PO e IS diante da vanguarda
da classe trabalhadora. E faz isso porque considera que essa Frente pode vir a
ser um substituto suficiente (ainda que não perfeito) para o partido
revolucionário.
Embora algumas vezes, perante a vanguarda, a
FT-QI faça críticas corretas a essas organizações revisionistas, quando se
dirige a um público mais amplo ela as deixa de lado em prol da ilusão de que é
possível defender um programa político “revolucionário” em conjunto tais
organizações. Assim, a Fração Trotskista secundariza, diante da perspectiva de
uma união com os oportunistas, o papel de denunciar o centrismo que desvia o
proletariado de uma consciência revolucionária. Por trás da sua Frente
“revolucionária” se escondia a disposição da FT-QI em encobrir e colaborar com
os centristas na sua esperança inócua, como nós demonstraremos, de aperfeiçoar
tais “instrumentos desafinados” para a revolução.
FIT: um bloco oportunista com os “instrumentos desafinados”
Os companheiros da seção simpatizante da FT-QI
na Alemanha, a Revolutionary Internationalist Organisation (RIO), disseram que
a FIT não era um projeto de longa duração, e que também não implicava nenhum
compromisso estratégico entre os seus integrantes:
“Outra
característica importante para a formação da FIT é a questão de frentes
eleitorais como uma frente única temporária baseada em acordos parciais em uma
situação concreta, em oposição a projetos de longo prazo baseados em acordos
mais profundos em termos de programa, estratégia e prática. A FIT não é de
forma alguma um projeto que foi designado em termos de um alinhamento de longo
prazo do PTS com o PO, mas sobre a necessidade concreta de uma frente única dos
trabalhadores contra a repressão burguesa...”.
— The
Electoral Campaign of the FIT in Argentina, julho de 2011. Disponível, em inglês, em:
Não é necessariamente oportunista que
organizações da classe trabalhadora (desde que em oposição a quaisquer
representantes da burguesia) combinem suas forças para lutar contra restrições
legais antidemocráticas para concorrer às eleições, ou para o propósito
limitado temporário de organizar um voto de protesto contra os partidos e
coalizões capitalistas. Mas isso não pode ser feito ao custo de minimizar a
plena exposição de desacordos públicos entre tais correntes, e nem apresentando
a frente com um programa político comum, ou como algum tipo de alternativa
“revolucionária” portadora de uma estratégia que possa levar a classe
trabalhadora à vitória, como foi feito pela Fração Trotskista. Vejamos o que
disse o PTS vários meses depois das eleições argentinas terem sido encerradas:
“Por
outro lado, nos vemos obrigados a insistir que não apenas defendemos com todas
as nossas forças a continuidade da FIT, como também temos sido consequentes
impulsionadores de dar um novo salto, lançando uma grande revista da Assembleia
de Intelectuais, Docentes e Artistas em apoio à FIT, a medida mais audaz para
produzir um novo impacto no cenário político nacional que transcenda os marcos
do acordo eleitoral e a publicação de declarações comuns.”
—
Propuestas
concretas para avanzar, março de 2012. Disponível, em espanhol, em:
Apesar de a FIT ter sido uma frente eleitoral
nas eleições argentinas de 2011, o PTS adotou a sua bandeira para muito além
desse período. O partido passou a ter uma seção do seu site voltada
exclusivamente para discutir sobre a Frente e até hoje ela continua sendo
propagandeada nos setores do movimento onde ele atua. Mais significativamente,
a FIT manteve colunas próprias em protestos de rua e também tem emitido
declarações conjuntas, elaboradas nas suas reuniões. No Brasil, a LER-QI
continua defendendo a FIT como o grande “exemplo a ser seguido” de como
realizar uma campanha “revolucionária”. Nós não sabemos quanto os companheiros
alemães sabem sobre a FIT, mas a sua caracterização em muito difere das
próprias ações das demais seções da FT-QI.
Já que a FIT claramente não era apenas uma
associação temporária sem compromisso programático para burlar a legislação
eleitoral antidemocrática da Argentina (que na prática impede pequenos grupos
de lançarem candidatos), qual era o seu verdadeiro propósito do ponto de vista
da Fração Trotskista?
O PTS buscou uma forma de se conectar ao
Partido Obrero (não é segredo para ninguém que a Esquerda Socialista, um grupo
menor que o PTS, era um fator insignificante na FIT) esperando estabelecer um
esquema no qual o PO, como parte da Frente, transcenderia as suas posições
centristas e seria capaz de defender uma perspectiva revolucionária:
“O
que é seguro é que se apresentará a oportunidade de aproveitar a tribuna
eleitoral para nos dirigirmos aos trabalhadores descontentes com o governo,
levantando um programa operário e socialista que responda às demandas dos
trabalhadores e do povo pobre, e uma perspectiva revolucionária. Apostamos que
a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores esteja à altura dessa nova realidade.”
— La nueva militancia obrera, los
cambios en la clase trabajadora y el PTS, dezembro de 2012. Disponível, em espanhol, em:
Os dirigentes do PTS acreditavam estar
realizando uma manobra com o objetivo de aproximar o Partido Obrero das suas
próprias concepções: influenciar o PO, que era a maior organização da FIT, a
cumprir um papel “revolucionário” uma vez que estivessem associados. Esse tipo
de impulso pablista, que faz concessões programáticas ao centrismo (como o PTS
fez) para apostar na capacidade dos revisionistas de evoluírem até posições
revolucionárias, foi certamente o que orientou a atuação do PTS.
Para os trotskistas, um programa
revolucionário só pode ser defendido consistentemente por um partido proletário
de vanguarda que se aproprie de forma crítica das mais importantes experiências
históricas da classe trabalhadora, ou seja, um partido capaz de recuperar o
programa marxista e atualizá-lo, em oposição a todas as variantes do
oportunismo. A ideia de que uma formação oportunista pode simplesmente ser
forçada a conclusões genuinamente trotskistas pela pressão das massas, ou mesmo
pela pressão de pretensos “revolucionários”, é uma concepção pablista. Isso foi
explicado resumidamente pelo trotskista norte-americano James P. Cannon na
época do seu rompimento com Pablo:
“Se
o nosso rompimento com o pablismo, como nós agora vemos claramente, for
resumido a um ponto e puder ser concentrado em um ponto – esse ponto é a
questão do partido. Isso nos parece claro agora conforme nós temos visto o
desenvolvimento do pablismo na prática. A essência do revisionismo pablista é o
abandono daquela parte do trotskismo que é hoje a sua parte mais vital – a
concepção da crise da humanidade como a crise de liderança do movimento
proletário resumida à questão do partido.
“O
pablismo busca não apenas destruir o trotskismo; ele busca destruir aquela
parte do trotskismo que Trotsky aprendeu de Lenin. A maior contribuição de
Lenin a toda sua época foi sua compreensão e sua luta determinada para
construir um partido de vanguarda capaz de liderar os trabalhadores na
revolução. E ele não confinou sua teoria à sua própria época de atividade. Ele
voltou a 1871 e disse que o fator decisivo na derrota da primeira revolução
proletária, a Comuna de Paris, foi a ausência de um partido de vanguarda
marxista revolucionário capaz de dar ao movimento de massas um programa
consciente e uma liderança resoluta. Foi a aceitação por Trotsky dessa
contribuição de Lenin em 1917 que fez de Trotsky um leninista.
“Isso
está escrito no Programa de Transição,
esse conceito leninista do papel decisivo do partido revolucionário. E é isso
que os pablistas estão jogando pela janela a favor de uma concepção de que as
ideias vão de alguma forma se filtrar para dentro das cabeças da burocracia
traidora, dos stalinistas ou dos reformistas, e de que de uma forma ou de
outra, no ‘dia de São Nunca’, a revolução socialista vai ser realizada e levada
adiante sem um partido marxista revolucionário, isto é, leninista-trotskista.
Essa é a essência do pablismo. Pablismo é a substituição do partido e do
programa por uma fé e uma crença mística.”
— Lucha
fraccional y dirección del partido, novembro-dezembro de 1953. Disponível, em espanhol, em:
A Fração Trotskista irá responder que ela não
capitula aos stalinistas, socialdemocratas ou ao nacionalismo burguês, como
fazem tradicionalmente os pablistas e morenistas, e que não está negando a
necessidade de um partido revolucionário para a vitória do socialismo. Mas o
exemplo da FIT demonstrou que a FT-QI tem plena disposição para capitular ao
“trotskista” Partido Obrero. E não apenas sobre a Líbia ou sobre a questão de
um “governo de trabalhadores” por dentro do Estado burguês, mas na questão mais
importante de todas – que é o papel do partido. Se não está negando aberta e
formalmente o papel do partido, a FT-QI está fazendo isso na prática, ao
atribuir um papel revolucionário a um bloco com os centristas nada regenerados
do PO.
Dizer que uma Frente como a FIT era
“revolucionária” não é um mero equívoco, ou um “erro” infeliz. É dizer que essa
Frente centrista pode cumprir o papel que na realidade pertence a um partido
revolucionário. Ao considerar a FIT como uma frente “revolucionária”, a FT-QI
está compartilhando da concepção pablista segundo a qual a vanguarda
revolucionária pode utilizar “instrumentos desafinados” para armar
programaticamente a classe trabalhadora para a conquista do poder.
O PTS responderá que não está se liquidando
dentro da FIT, como fazem os pablistas. Talvez não organizativamente. Mas
também nem todas as variantes do pablismo pregaram o desaparecimento
organizativo de seus grupos. O que sempre está presente é o liquidacionismo
programático, a atribuição de capacidades revolucionárias a uma força que não a
classe trabalhadora liderada pelo seu partido de vanguarda. É isso que a Fração
Trotskista está fazendo com relação a esse Frente, que não é nem um partido
revolucionário, e nem revolucionária sob qualquer ponto de vista.
Diferentemente da atitude do PST e da FT-QI,
Trotsky foi bem enfático ao discutir com a seção francesa da Quarta
Internacional o significado de blocos oportunistas como o que a FIT representa:
“A
ideia de uma ‘paridade de formações’, isto é, de tendências, é inerentemente
absurda e depravada. As tendências não são iguais em números; mas o que é mais
importante são os diferentes valores ideológicos e políticos das tendências. Há
tendências certas e erradas, progressivas e reacionárias. Aventureiros, para
quem nada é sagrado, podem muito bem se acomodar junto à todas as possíveis
tendências. Mas marxistas são obrigados a combater impiedosamente as tendências
sem princípios e a não fazer alianças com elas em uma base comum. A paridade de
tendências significa a paridade entre o marxismo, o centrismo, o
aventureirismo, etc.”
– The
Crisis of the French Section, L. Trotsky, 1935-36.
Apesar de insistirem ingenuamente que a FIT
era um agrupamento de curto prazo para barrar a legislação eleitoral, os
companheiros alemães da RIO nos ofereceram (sem ter sido sua intenção) uma
visão bastante eloquente do que era o programa da FIT, e mostram como o papel
do partido foi deixado de lado por essa Frente:
“A
única coisa que o programa [da FIT] não faz é mostrar um caminho claro para a
revolução socialista, em termos de uma estratégia concreta para a construção de
um partido revolucionário. De fato, ele nem mesmo faz menção à necessidade de
um partido revolucionário ... Essa discrepância entre as demandas de um
programa transitório e a ausência de referência a um partido revolucionário, e
nesse sentido a ausência de referência a uma estratégia revolucionária clara,
só pode ser explicada pelas grandes diferenças entre as forças na Frente,
especialmente o PO e o PTS, em termos da construção de um partido e o papel da
auto-organização das massas, que também podem ser vistas claramente pela
atuação diferente de ambos na campanha eleitoral.”
...
“Em
conclusão, o programa não é de forma alguma perfeito, mas estabelece uma boa
base para uma unificação temporária das forças contra uma ameaça concreta (a
reforma eleitoral). Não é um programa 100% revolucionário, mas, como dito
antes, essa frente não é de longo prazo, mas uma solução temporária para um
problema concreto, que também pode mostrar as diferenças entre os membros da
frente e assim ajudar o PTS a adquirir um perfil mais claro contra o PO no que
diz respeito à auto-organização das massas e a construção de um partido
revolucionário.”
Para uma frente considerada tão
entusiasticamente como “revolucionária”, é interessante que a “única coisa”
ausente do seu programa tenha sido exatamente o que há de mais importante:
“mostrar um caminho claro para a revolução socialista” e uma “estratégia
concreta para a construção de um partido revolucionário”. Também é difícil de
acreditar, tendo em vista o que expusemos acima, que a constituição da FIT
tenha ajudado o PTS a se diferenciar do PO.
Ora, nenhuma organização revolucionária é
perfeita. Todas cometem erros e desvios. A questão é sua capacidade de
corrigi-los e avançar. Mas o que quer dizer que o programa da FIT não era “100%
revolucionário”? Um programa político não pode ser 80% ou 60% revolucionário
(que é o que a descrição dos companheiros alemães deixa a entender).
A caracterização de um partido ou de um
agrupamento como revolucionário é qualitativa,
e não quantitativa. Diz respeito à
sua capacidade de armar a classe trabalhadora com o programa e a estratégia
revolucionários para a vitória contra a burguesia e seu Estado, apesar de
eventuais erros. O que pode ser entendido a partir do fato de que, por um lado,
a Fração Trotskista considerou a FIT como “socialista”, “revolucionária”,
“constituída em base a princípios, programa, táticas e estratégia proletária” —
ou seja, considerou-a capaz de cumprir tal propósito — e, de outro, que o
programa dessa frente não fazia nenhuma menção à necessidade de um partido revolucionário?
Somente uma coisa (para aqueles que quiserem enxergar). Que na prática, a FT-QI
sustentou a posição de que essa Frente poderia cumprir um papel revolucionário
sem nenhuma menção à questão do partido. Essa concepção entende o partido
revolucionário como um elemento dispensável, facultativo – substituível por um
bloco oportunista.
A Fração Trotskista não tem como objetivo,
dentro da FIT, esclarecer e ganhar os militantes e trabalhadores de base do
Partido Obrero para uma perspectiva de oposição aos seus dirigentes
oportunistas, e sim de pressionar a direção altamirista na expectativa de que
ela possa cumprir o papel de uma liderança revolucionária. Se não fosse essa a
sua intenção, por que aceitaria fazer importantes concessões programáticas ao
PO em uma plataforma conjunta, e consideraria essa frente com Altamira como
“revolucionária”? Isso é uma tentativa de se aproximar da direção do Partido
Obrero, não de esclarecer os militantes do PO sobre o oportunismo da sua
direção.
É claro que a Fração trotskista não está plenamente satisfeita com a
FIT. Ela quer construir um partido conjunto com o PO, como já deixou claro em
mais de uma declaração. Através da FIT, podemos ter uma medida de qual é o
padrão “revolucionário” (repleto de capitulações a um centrismo à sua direita)
que a FT-QI estaria disposta a estabelecer. Por ora o Partido Obrero rejeitou
tais propostas. Mas um partido resultante de uma fusão como essa não seria um
genuíno reagrupamento dos revolucionários em oposição ao centrismo de suas
direções, mas uma “FIT permanente” com Altamira e seu legado de traições aos
interesses da classe trabalhadora – e o PTS servindo como seu advogado de
esquerda.
Às vezes, os dirigentes da FT-QI deixam a
entender que estão realizando apenas uma “manobra” através da qual estão
conseguindo pressionar, ou mesmo atrair, os centristas do PO para uma posição
mais à esquerda. Membros mais conscientes da Fração Trotskista deveriam estar
se perguntando se, ao invés de influenciar os oportunistas a adotar posições
“revolucionárias”, eles próprios não estão sendo puxados para posições cada vez
mais oportunistas. Nos seus esforços para se adequar a essas organizações em
uma Frente ou um partido conjunto, a máscara vai acabar se tornando o
verdadeiro rosto.
Blocos com “instrumentos desafinados” vs.
reagrupamento revolucionário
O motivo pelo qual é possível
enxergar através das intenções da FT-QI, é porque a FIT não foi nem a primeira
e nem a segunda ocasião em que ela afirmou que, se as correntes centristas à
sua direita estiverem unidas com ela própria (mesmo que sem nenhum balanço de
seus oportunismos prévios) elas podem, da noite para o dia, passar a cumprir um
papel “revolucionário”.
Em 2007, por exemplo, a FT-QI lançou um
“Chamado Internacionalista” assinado por todas as suas seções, onde chamava certas organizações – o PSTU brasileiro
(LIT), o PO argentino (CRQI) e o POR boliviano – a “fazer uma campanha conjunta
por três pontos fundamentais” em oposição ao governo Chávez na Venezuela. Esses
pontos eram:
“(A)
Contra as falsas nacionalizações de Chávez, lutar por uma nacionalização sem
indenização de todas as indústrias estratégicas, sob controle e gestão
operária; (B) Lutar por um partido operário independente, para que a classe
trabalhadora comece a pensar na vida política nacional contra todas as
variantes do reformismo e do nacionalismo burguês; (C) A perspectiva de um
governo operário, camponês e do povo pobre como única via real para dar passos
rumo à resolução das principais demandas operárias, camponeses e populares,
contra toda falácia de ‘socialismo do século XXI’.”
— La
tarea de la izquierda ante el proyecto de Chávez, março de 2007. Disponível, em espanhol, em:
Novamente, a proposta não era por uma frente
única, unidade de ação por um objetivo de luta, da qual os revolucionários
participariam sempre que possível. A Fração Trotskista estava chamando essas
organizações centristas maiores para lutarem junto com ela por programa
transitório (“nacionalização sem indenização de todas as indústrias
estratégicas, sob controle e gestão operária”) e por um “governo operário,
camponês e do povo pobre” – ou seja, por um bloco programático.
Esse “chamado internacionalista” era bastante
diplomático. Ele não continha nenhuma crítica àqueles a quem a FT-QI propôs a
campanha. Não denunciou, por exemplo, que o PSTU brasileiro não luta ativamente
por um programa transitório no seio da classe trabalhadora ou que sua teoria da
“revolução democrática” subordina o proletariado a “variantes do reformismo e
do nacionalismo burguês”; nem tampouco que em momentos chave do passado ambos o
PO argentino e POR boliviano abandonaram a luta por um governo dos
trabalhadores em troca de uma ou outra variante da burguesia “anti-imperialista”,
algo que certamente repetirão no futuro.
Esse tipo de “manobra” só tem como resultado
prestigiar os centristas aos olhos da vanguarda da classe trabalhadora. Isso só
cumpre o papel de desorientar sobre a natureza do centrismo. Se a Fração
Trotskista tivesse cumprido nessa ocasião o papel de denunciar o fato de que as
organizações a quem propõe essa campanha cruzam repetidamente a linha de
classe, o próprio chamado não faria sentido. A Fração Trotskista estaria, no
mínimo, pedindo para que esses centristas que se encontram à sua direita
rejeitassem todo o seu longo histórico de capitulações. Diferente do que parece
esperar a Fração Trotskista, nenhuma dessas correntes irá simplesmente repudiar
sua trajetória e passar a cumprir um papel “revolucionário”, mesmo que num
bloco conjunto com ela.
Se há alguma coisa de consistente nessas
tentativas da FT-QI, é a sua disposição em tentar criar blocos oportunistas para
substituir o papel de um partido revolucionário. Se os pablistas clássicos
buscavam “afinar” “instrumentos desafinados” que já existiam, a FT-QI busca se
associar a estes instrumentos, criando um bloco ainda mais “desafinado” perante
as tarefas revolucionárias.
Um dos maiores testes políticos para uma seção
da FT-QI até hoje, a crise argentina de 2001-2002, não foi exceção nas
tentativas utópicas de criar blocos oportunistas com os “instrumentos desafinados”.
Com o enorme clamor popular pela queda do presidente burguês, ao mesmo tempo em
que faltava às massas trabalhadoras precisamente um programa claro e a
preparação para defender uma solução revolucionária, a posição do PTS foi
propor um “bloco de esquerda” para atuar conjuntamente com centristas de
direita e reformistas:
“Para impulsionar essas tarefas e um programa como o que
propomos nessas páginas, é preciso buscar unir a esquerda em um bloco. Mas nem
toda esquerda está disposta a lutar por uma saída desse tipo. Para pôr um
exemplo recente, na marcha à Praça do Congresso convocada pela CGT de Moyano, o
PC se opôs acirradamente a que a coluna da esquerda fosse encabeçada pela
bandeira de ‘greve geral até que se vão’. Os companheiros do MST e do PO
cederam. Por isso marchamos separados. O PC está comprometido com a cúpula
dirigente da CTA e a Frente Contra a Pobreza, que mostrou toda a sua impotência
nos atuais acontecimentos. Não querem nenhuma saída de fundo por fora desse
regime de engano e miséria porque pretendem reformas cosméticas. Propomos ao
MST, se decidir se separar do PC-IU, e ao PO formar um bloco da esquerda,
operário, socialista e revolucionário para intervir em comum no processo
atual.”
— Expropiar a los expropiadores, dezembro de 2011. Disponível, em espanhol, em:
Mesmo sem entrar na discussão sobre o programa
levantado pelo PTS nesse mesmo artigo (que defendeu substituir o governo
burguês por uma Assembleia Constituinte para criar uma “democracia muito mais
ampla”, em que as massas “fariam muito mais rapidamente sua experiência”),
vemos aqui mais uma demonstração de como a FT-QI defendeu que os oportunistas
poderiam ser parte de um “bloco da esquerda,
operário, socialista e revolucionário”.
Quando a classe trabalhadora argentina mais
precisou de um partido revolucionário, o objetivo principal da FT-QI não foi
trabalhar para construir um de forma independente dos oportunistas em geral,
mas sim apostar em um bloco oportunista com eles, para tentar utilizar “instrumentos
desafinados” para cumprir tarefas revolucionárias. Trotsky defendeu que “Para
levar a cabo eficazmente” todas as tarefas revolucionárias “são necessárias
três condições: o partido, o partido, e uma vez mais o partido.” (A revolução espanhola e as tarefas dos
comunistas, janeiro de 1931). Para a FT-QI, era necessário, acima de tudo,
um bloco com os centristas e reformistas.
Alguns companheiros da FT-QI sustentam que
através das “manobras” como a FIT, estão apenas lutando para construir um
partido revolucionário o mais rápido possível. Verificar as possibilidades de
fusão com outras organizações é uma tarefa fundamental para que os pequenos
grupos trotskistas possam se desenvolver. Mas isso deve se dar ao mesmo tempo
em que se trava uma batalha contra todas as concepções oportunistas. Não se
combate seriamente o centrismo do PO, por exemplo, encobrindo as posições
dúbias de Altamira, ou dizendo que este pode cumprir um papel revolucionário.
Essa tarefa de combater seriamente o centrismo, a Fração Trotskista abandona
quando quer se apresentar para a classe trabalhadora sob a mesma bandeira das
organizações oportunistas.
O partido mundial da revolução socialista não
será reconstruído em colaboração com o centrismo. Em alguns momentos, a Fração
Trotskista tem o mérito de se opor à colaboração de classes com os setores da
burguesia com os quais muitos na esquerda flertam e consideram
“anti-imperialistas”, “objetivamente revolucionários”, “progressivos” ou coisas
do gênero. Mas isso não tem nenhum valor se ela está a serviço de um projeto de
construção de partido que não é independente desses grupos centristas e, por
vezes, cumpre o papel de blindar os seus oportunismos sob o rótulo de
“revolucionário”.
A história da construção da Quarta
Internacional está repleta de exemplos de como é possível se aproximar de
organizações centristas jovens e instáveis e ganha-las para o programa
revolucionário. Isso foi feito sem capitular ao centrismo, e sem dizer que este
podia simplesmente passar a cumprir um papel revolucionário sem um rompimento
claro e aberto com seu programa prévio. Tanto o PSTU brasileiro quanto o PO
argentino são grupos centristas consolidados, com uma trajetória de várias
décadas de traições aos interesses da classe trabalhadora. É extremamente
improvável, para dizer o mínimo, que esses grupos, com sua atual liderança,
possam ser ganhos como um todo para o programa revolucionário. Mas mesmo se
isso fosse possível, certamente não aconteceria através da postura
“diplomática” dos chamados da FT-QI e nem nas ilusões nutridas no caráter
“revolucionário” de frentes como a FIT. Como nós explicamos em outra ocasião:
“Os
revolucionários não são indiferentes ao fato de que as organizações centristas
(como o PSTU), e mesmo partidos reformistas, possuem contradições internas,
muitas à esquerda, e que podem ser resolvidas ganhando largas frações de tais
grupos para uma política revolucionária. Mas essa ruptura precisa se dar em
algum momento e somente os revolucionários podem cumprir o papel de separar os
militantes honestos que são atraídos inadvertidamente para organizações
engessadas e aqueles que já estão conscientemente presos a políticas centristas
ou ao aparato burocrático do partido... Mas o PSTU em si, como partido que
existe hoje, afasta os militantes honestos das concepções genuinamente
revolucionárias, ao invés de aproximá-los delas.”
“A
liderança da LER-QI possui sérias ilusões no PSTU (e em sua direção) se
compreende que esse partido pode ser influenciado por ela e simplesmente passar
a cumprir um papel progressivo na luta pela construção da vanguarda comunista.
Como em todas as épocas, os revolucionários devem saber separar os elementos
mais avançados daqueles que simplesmente se adaptaram ao ritmo ou ao aparato
conservador dos partidos centristas.”
—
O
Vermelho Deles e o Nosso, agosto de 2011. Disponível em:
FT-QI: uma ruptura incompleta com o morenismo
Para aqueles que têm alguma familiaridade com
a tradição morenista, fica patente a proximidade que a FT-QI ainda mantém com
esta no que diz respeito à questão de como construir o partido. O impulso da
FT-QI por construir blocos com correntes oportunistas (“instrumentos
desafinados”) que estejam à sua direita tem equivalentes diretos nessa tradição.
Nesse sentido, sua estratégia de construção de partido está muito mais próxima
do morenismo do que da perspectiva trotskista de reagrupamento revolucionário.
Moreno, que expunha de forma muito mais descarada o seu oportunismo, explicou
da seguinte forma o seu método:
“Concretamente,
é preciso formar por meio de acordos com centristas e grupos progressivos um
partido centrista de esquerda legal que nos permita chegar melhor à vanguarda
operária.”
—
El
Golpe Gorila de 1955, meados de 1956. Disponível, em espanhol, em:
Desde o início de sua militância, Moreno e
seus colaboradores próximos construíram os mais diversos blocos oportunistas com
outros grupos nacionais e internacionais, que raramente duraram muito. [3] Entretanto, em fins dos anos 50, quando
ainda estava alinhado ao Comitê Internacional anti-pablista, Moreno
racionalizou na forma de uma teoria o seu oportunismo acerca da construção do
partido, tal qual fizera antes ao elaborar a estratégia semi-etapista da
“revolução democrática”. Aos blocos que visava construir com os oportunistas à
sua direita, Moreno passou a chamar de “Frente Única Revolucionária”. Essa
racionalização, junto à estratégia da “revolução democrática”, pavimentou sua
reunificação temporária com o Secretariado Internacional pablista em 1963,
seguindo os passos do SWP norte-americano.
O documento que contém tal racionalização de
forma mais clara são as chamadas “Teses de Leed”, ou “Teses Sobre a Frente
Única Revolucionária”, apresentadas em 1958, em uma conferência do Comitê
Internacional (ocorrida na cidade inglesa de Leed). Delineando uma análise
quase igual à dos pablistas do Secretariado Internacional, Moreno alegou que o
ascenso revolucionário de então produziria uma crise nos aparatos e organizações
oportunistas da classe trabalhadora, que rachariam e dariam origem a “forças
revolucionárias inconscientes” (termo de Moreno). Devido a sua fraqueza, Moreno
previa que as forças trotskistas revolucionárias não seriam capazes de absorver
tais tendências de imediato. Propôs então que se formasse “unidades de ação
revolucionária” com tais forças, alçando-as à direção das massas ao buscar responder
às “necessidades revolucionárias mais urgentes” destas. Conforme resume o
próprio documento:
“O
importante é compreender que a Frente Única Revolucionaria significa toda uma
nova estratégia geral que se sintetiza na necessidade de que nossas
organizações trotskistas nacionais assumam a tarefa obrigatória de organizar a
ação comum das tendências revolucionarias que surjam da crise dos aparatos no
movimento de massas, para postular com redobradas forças o direito e a
necessidade de que haja uma direção revolucionária do movimento de massas, e
para ajudar essas tendências a se elevarem verdadeiramente a atuarem enquanto
uma direção revolucionária.”
— Tesis
Sobre El Frente Unico Revolucionario,
N. Moreno, 1958. Disponível, em espanhol, em:
Obviamente, em momentos de crise e de
conflitos internos nas organizações centristas, os trotskistas buscam intervir
de forma a promover um reagrupamento de forças revolucionárias – muitas vezes,
possível apenas com um setor dessas organizações, que precisam rachar para tal.
Entretanto, as forças com as quais Moreno visava reagrupar nesse momento de
crise (e com as quais passou a buscar se reagrupar mesmo em momentos de
calmaria) eram, na sua própria definição, “centristas de esquerda ou
ultraesquerdistas”. Forças que “não se elevaram à compreensão da necessidade de
nosso programa”, mas que supostamente, mesmo “com todas as suas limitações e
erros levarão o movimento de massas a posições revolucionárias”.
Portanto, Moreno claramente propunha algo que
na prática era idêntico à ideia pablista de “afinar” “instrumentos desafinados”
– porém, no lugar de uma dissolução organizativa (“entrismo sui generis”),
colocava a formação de um bloco oportunista (“Frente Única Revolucionária”).
Sem dúvidas é aí que reside o impulso da FT-QI
de formar blocos com grupos “trotskistas” à sua direita. Nesse artigo buscamos
apresentar de maneira aprofundada o aspecto prático que esse impulso assume na
Argentina, através das ações da maior seção da FT-QI. Entretanto, a vontade do
PTS de se amalgamar com o PO (que já gerou alguns chamados públicos para
discussões de fusão que não apresentavam nenhum balanço sério das diferenças
entre ambas organizações) se expressa não só a nível nacional, mas é também generalizado
para outras seções da FT-QI, constituindo assim uma verdadeira estratégia
centrista de construção de partido. Em uma resolução adotada em seu último
congresso, o PTS apontou como tarefa:
“3) Ratificar o chamado discutido pelos grupos
da FT de colocar de pé um Movimento por uma Internacional da Revolução
Socialista – que para nós é a Quarta Internacional – em base a um Manifesto
Programático. Este chamado está dirigido tanto aos setores da vanguarda
operária e da juventude, como à ala esquerda dos operários de Huanuni, como às organizações da esquerda trotskista,
em particular a plataforma Y do NPA e a Coordenadoria pela Refundação da Quarta
Internacional (CRCI a qual pertence o Partido Operário da Argentina), com quem
esperamos abrir discussões que nos permitam confluir nesta tarefa de dimensões
históricas.” (nossa ênfase)
— XIII Congresso do PTS,
abril de 2013. Disponível em:
Diante da crítica que fazemos à sua política
com relação aos grandes grupos centristas, algumas vezes companheiros da LER-QI
(que no Brasil buscam aplicar uma lógica semelhante em relação ao PSTU)
respondem verbalmente às nossas críticas com acusações de “sectários” ou mesmo
de “puristas”. Trotsky explicou que uma organização revolucionária se distingue
de uma organização centrista pelo seu “cuidado atento aos princípios, clareza
de posição, consistência política e integralidade organizacional” (Dois Artigos sobre o Centrismo, 1934).
Temos com ele pleno acordo nesse aspecto.
O nosso suposto “sectarismo” não seria por uma
recusa em participar sempre que possível da luta de classes, dos sindicatos, de
frentes únicas, das eleições burguesas (para propaganda revolucionária) ou de
qualquer arena onde a classe trabalhadora esteja em luta; mas simplesmente por
nos opormos a considerar “revolucionária” uma frente programática contendo
partidos “trotskistas” que já realizaram grandes desserviços à causa da luta
pela reconstrução da Quarta internacional e, consequentemente, pela revolução
socialista. Durante a construção da Quarta Internacional, Trotsky fez uma
descrição bastante relevante do papel do centrismo:
“... A nova Internacional não pode se formar de outra forma que não
seja na luta contra o centrismo. A intransigência ideológica e a frente única
flexível são, nessas condições, duas armas para buscar um mesmo fim.”
...
“O centrista, nunca certo da sua posição e métodos, detesta o
princípio revolucionário: chamar as coisas do que são; ele se inclina a
substituir os princípios políticos por combinações pessoais e pequenas
diplomacias organizativas.”
“O centrista mantém sempre uma dependência espiritual com grupos à direita,
é induzido a cortejar a boa vontade do mais moderado, a manter silêncio sobre
as falhas oportunistas dele e a blindar suas ações diante dos trabalhadores.”
...
“... É precisamente nesse plano que se deve agora golpear com
princípios o centrismo. Para realizar esse trabalho com sucesso, é essencial
conservar as mãos livres; isso significa não apenas manter uma completa
independência orgânica, mas também uma intransigência crítica com relação às
ramificações mais ‘de esquerda’ do centrismo.”
— Two Articles on Centrism,
fevereiro/março de 1934. Disponível, em inglês, em:
Por não ter sido capaz de absorver tal lição,
a ruptura da FT-QI com o morenismo não pode ser tida como completa nem
revolucionária. Ela certamente foi progressiva em muitos aspectos, mas ela
apresenta nítidos resquícios do oportunismo morenista em alguns pontos centrais,
como no que diz respeito à construção de um partido revolucionário. [4]
Concluímos com a seguinte citação de uma das
organizações que, de um ponto de vista programático, foi predecessora do
Reagrupamento Revolucionário. Ela condensa uma das linhas divisórias que nos
separa da FT-QI e de outras organizações aparentemente “ortodoxas”:
“Nos últimos quinze anos o movimento fundado por
Leon Trotsky sofreu uma profunda crise teórica, política e organizativa. A
manifestação superficial dessa crise foi o desaparecimento da Quarta
Internacional como uma estrutura significativa. O movimento consequentemente
foi reduzido a um grande número de pequenos grupos ... Políticos superficiais
esperam superar a crise por uma fórmula organizativa – ‘unidade’ de todos pequenos grupos que queiram se unir em torno de um
programa de denominador comum. Essa proposta obscurece e, na verdade, agrava as
causas políticas e teóricas fundamentais dessa crise. ... A Quarta
Internacional não irá renascer através da adaptação ao revisionismo pablista:
somente com uma luta teórica e política contra todas as formas de centrismo é
que o partido mundial da revolução socialista pode finalmente ser estabelecido.”
— Rumo ao Renascimento da Quarta
Internacional, junho de 1963. Disponível em:
NOTAS
[1] Para uma análise crítica da
estratégia morenista da “revolução democrática” (ou “revolução de fevereiro”),
conferir estes artigos, disponíveis
respectivamente em:
- A Frente de Belém na Lógica do
Morenismo, de agosto de 2012, http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2012/08/a-frente-de-belem-psolpstupcdob-na_25.html
- O
Morenismo e a Posição da CST (UIT) na Síria, de outubro de 2012, http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2012/10/o-morenismo-e-posicao-da-cst-na-siria_4494.html
[2] Para uma crítica dessa posição de
“neutralidade” ante a invasão imperialista, conferir:
- PSTU, Fração Trotskista e a Defesa da Líbia Contra o Imperialismo,
de novembro de 2011, http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2011/11/polemica-com-o-pstu-e-com-ler-qi-sobre.html
[3] Para citar o que talvez seja um dos exemplos
mais conhecidos, entre fins de 1979 até meados de 1981, Moreno formou um grupo
internacional com Pierre Lambert. Extremamente instável, o bloco se desfez
rapidamente com ambos os lados trocando acusações de “oportunismo”. Antes
disso, Moreno havia rompido com Comitê Internacional em 1963, para se
reunificar com os pablistas do Secretariado Internacional, tal qual estava
fazendo o SWP norte-americano. Para mais detalhes sobre o bloco com Lambert,
formado após a saída de Moreno do Secretariado Unificado, confira os seguintes
dois artigos disponíveis em nosso Arquivo Histórico em espanhol:
- Hijo de Perón cohabita con hijo de Mitterrand, http://www.regroupment.org/main/page_ist_11180__espaol_.html
- Hijo de Perón abandona a hijo de Mitterrand, http://www.regroupment.org/main/page_ist_2582_2__espaol_.html
[4] Encaramos que outro ponto
central que demonstra a insuficiência dessa ruptura reside na ausência de um
balanço crítico, por parte da FT-QI, das posições traidoras que o morenismo
adotou diante das contrarrevoluções no Leste Europeu, durante meados da década
de 80. Em geral essas posições se resumem no fato do morenismo ter apoiado
politicamente os diversos movimentos restauracionistas, como o “sindicato”
Solidariedade. A esse respeito, sugerimos a leitura dos seguintes materiais,
disponíveis em nosso Arquivo Histórico em Português (mais alguns serão
adicionados em breve):
- Teses Sobre o Solidariedade
Polonês, http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2012/02/teses-sobre-o-solidariedade-polones.html
-
A Contrarrevolução Triunfa na
URSS, http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2011/08/contra-revolucao-triunfa-na-urss.html
- Entendendo a Rússia Direito, http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2011/07/carta-de-rompimento-de-sam-
- Uma Explicação Marxista Sobre o Fim da URSS, http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2011/07/polemica-com-lrp-sobre-o-fim-da-urss.html