E uma polêmica com o
jornal A Nova Democracia
Marcio Torres e Rodolfo Kaleb, novembro de
2015
Em certo sentido o presente artigo e seu apêndice são complementos à nossa polêmica Qual revisionista veio primeiro: Kruschev ou Stalin?, de outubro de 2014. Sugerimos a leitura conjunta desses materiais.
Em certo sentido o presente artigo e seu apêndice são complementos à nossa polêmica Qual revisionista veio primeiro: Kruschev ou Stalin?, de outubro de 2014. Sugerimos a leitura conjunta desses materiais.
O maoismo, seguindo sua herança
stalinista, historicamente defendeu a realização de alianças políticas com
setores da burguesia para supostamente defender interesses dos trabalhadores. A
condução da terceira revolução chinesa, na qual o Partido Comunista Chinês
liderado por Mao chegou ao poder, foi um episódio efêmero de rompimento político
com a burguesia, na figura do partido nacionalista Kuomintang (KMT), uma
aliança que havia sido proposta pelo Kremlin nos anos da segunda revolução
chinesa (1925-27) e que foi retomada a partir do VII Congresso da Internacional
Comunista, em 1935.
Mao
(impelido pelas pressões conjunturais da crise em curso na China do pós-guerra)
representou uma ala dissidente dentro
do PC Chinês, oposta às orientações da Comintern de Stalin. Ao levar o partido
a romper com sua proposta de um governo conjunto com o Kuomintang e tomar a
estrada rumo à conquista independente do poder, Mao e seus aliados estavam indo
empiricamente contra a política oficial, que submetia o proletariado aos
interesses dessa fração da burguesia.
Em
momento algum as teses aprovadas no VII (e último) Congresso da Internacional
Comunista, apontaram a necessidade da tomada do poder pelas massas populares de
forma independente. Ao contrário, elas defendem a submissão dos trabalhadores à
burguesia “democrática”. Ao tratar da situação chinesa, a Internacional
Comunista dirigida por Stalin foi muito clara em definir como se deveria
aplicar a linha do Congresso:
“A
questão hoje na China não é de sovietização, mas de impedir o povo chinês de
ser devorado pelo imperialismo japonês. É necessário unir largas forças do povo
chinês na luta contra a agressão japonesa para que se mantenha a independência,
liberdade e integridade do povo chinês. E aqui o partido deveria – e no geral
ele o fez – fazer a transição para a posição de luta não pela sovietização da
China, mas pela democracia, pela unificação das forças do povo chinês sob uma
base democrática contra o imperialismo japonês, contra a agressão japonesa.”
—
Discurso na reunião do Secretariado do Comitê Executivo da Internacional
Comunista (inglês), Gregori Dimitrov. 10 de agosto de
1937.
Nós
concordamos plenamente que o imperialismo é o “maior inimigo dos povos” e
derrotar uma invasão militar promovida por um país imperialista é uma tarefa de
caráter prioritário. Na luta para repelir uma agressão imperialista, os
trotskistas sempre defendemos incondicionalmente a nação oprimida, tomando a defesa
militar daqueles dispostos a resistir ao imperialismo – inclusive se
for o governo burguês do país atacado.
Entretanto,
uma posição de defesa militar não implica nenhuma forma de comprometimento político.
Não confiamos que nenhum setor da classe dominante, que frequentemente realiza
acordos econômicos e políticos com os imperialistas, vá resistir de forma
consequente a seus amos. Associar diretamente a resistência militar dos
comunistas contra o imperialismo ao programa de construção de uma “democracia”
burguesa em oposição às tarefas de “sovietização”, ou seja, de
construção de um poder independente, é uma traição às
possibilidades da luta do proletariado.
Esse
foi o significado da política traidora de “Frente Popular”, adotada pela
Comintern dirigida por Stalin (a quem os maoístas seguem idolatrando), que não
só submeteu os Partidos Comunistas do mundo todo a um programa de manutenção do
capitalismo, impedindo assim o avanço da luta de classes e da consciência
revolucionária do proletariado (chegando a fins trágicos, como na Espanha),
como chegou mesmo a reverter posições já conquistadas:
“E
agora as discussões e conversas com o Kuomintang e com Chiang Kai-shek estão em
curso. Nosso partido está pronto e já tomou os primeiros passos rumo a
transformar e reconstruir na prática as regiões soviéticas, de soviéticas a
serem democráticas, onde o governo Soviético é transformado em governo de uma
Região Especial, e o Exército Vermelho está sendo transformado não em Exército
Vermelho dos Sovietes, mas enquanto parte conjunta do exército
anti-imperialista de todos os chineses etc.”.
— Idem.
Ou seja, não bastasse a submissão
política à ordem capitalista, a IC ainda exigiu que o PC Chinês entregasse o
poder em áreas onde havia obtido controle militar através de seu braço armado
e, mais gritante ainda, exigiu que este se dissolvesse dentro da coalização
burguesa de Chiang e submetesse seu exército às ordens e disciplinas do
exército “democrático” e “antifascista” (burguês) do mesmo senhor que massacrou
os operários chineses de Cantão, na revolta de 1927.
Se o PC Chinês conseguiu chegar ao
poder, isso não foi fruto de uma política acertada, mas sim da ruptura pela
força dos fatos com as orientações traidoras da liderança soviética à época,
ocorrida por conta de uma enorme pressão objetiva: massas (principalmente
camponesas) mobilizadas e extremamente radicalizadas de um lado, e uma
burguesia “nacional” submissa e dependente do imperialismo do outro, esfacelada
e sem apoio das grandes potências. Entre a cruz e a espada, essa ala do PC
chinês se desvencilhou da burguesia e, indo contra as orientações da liderança
de Stalin, se apoiou nos camponeses para tomar o poder.
Mas a orientação política de Mao,
antes e depois da vitória do Exército camponês contra Chiang, foi de
conciliação com interesses burgueses e de construção de uma “Nova Democracia”.
E o que significa tal regime? O próprio Mao nos responde:
“No
curso da sua história, a revolução chinesa deve passar por duas etapas, primeiro
a revolução democrática, e segundo, a revolução socialista, e por suas próprias
naturezas elas são processos revolucionários distintos. Aqui a democracia não
pertence à velha categoria – não é a velha democracia, mas pertence à nova
categoria – é a Nova Democracia.”
“Sem dúvida, a presente revolução é a primeira
etapa, que vai desenvolver a segunda etapa, a do socialismo, em uma
data posterior. E a China vai atingir a verdadeira felicidade apenas quando ela
entrar na era socialista. Mas hoje não é ainda o tempo de introduzir o
socialismo. A presente tarefa da revolução na China é lutar contra o
imperialismo e o feudalismo, e o socialismo está fora de questão
até que esta tarefa esteja completada. A revolução chinesa não pode evitar
passar por duas etapas, primeiro de Nova Democracia e então a do socialismo.
Além do mais, a primeira etapa vai precisar de um tempo bastante longo e não
pode ser cumprida da noite para o dia. Nós não somos utópicos e não podemos nos
esquecer das reais condições que nos confrontam.” (Ênfase nossa).
― “Sobre
a Nova Democracia” (em inglês), janeiro de 1940.
Durante todo o período da “frente antijaponesa”
(1937-45), a política do PC Chinês foi de colaboração e elogios ao Kuomintang.
Foi somente a partir de 1945, com o fim da guerra e o acirramento dos ataques
de Chiang contra o PC, que houve uma mudança na política de Mao. A tomada do
poder de forma independente pelo Partido Comunista Chinês se deu porque nenhum
setor da burguesia jamais esteve disposto a apoiar a construção de uma “Nova
Democracia” que encampasse algum enfrentamento com o imperialismo e o
latifúndio. Até 1945, Mao afirmou frequentemente o desejo de um
governo de coalizão com o Kuomintang e secundarizou a oposição entre os
capitalistas e os trabalhadores, prezando pela “união das classes democráticas”
acima de tudo.
“É claro que
ainda há contradições entre essas classes, notavelmente a contradição entre
trabalho e capital, e consequentemente cada um tem suas próprias demandas
particulares. Seria hipócrita e errado negar a existência dessas contradições e
demandas diferenciadas. Mas ao longo da etapa da Nova Democracia, essas
contradições, essas demandas diferenciadas, não vão crescer e transcender as
demandas que todos tem em comum e não se deve permitir isso; elas podem ser
ajustadas. Dado tal ajuste, essas classes podem juntas cumprir as tarefas
políticas, econômicas e culturais do novo Estado democrático”.
…
“Algumas
pessoas suspeitam que os comunistas chineses se opõem ao desenvolvimento da
iniciativa individual, o crescimento do capital privado e a proteção da
propriedade privada, mas eles estão enganados. É a opressão estrangeira e a
opressão feudal que aprisionam cruelmente o desenvolvimento da iniciativa
individual do povo chinês, dificultam o crescimento do capital privado e
destroem a propriedade do povo. É a própria tarefa da Nova Democracia que nós
reivindicamos a remoção desses empecilhos e a interrupção dessa destruição,
para garantir que o povo possa desenvolver livremente suas individualidades
dentro do quadro da sociedade, e desenvolver livremente tal economia
capitalista privada, pois ela vai beneficiar e não ‘dominar a subsistência das
pessoas’, e proteger todas as formas apropriadas de propriedade privada.”
— “Sobre o
Governo de Coalizão” (em inglês),
24 de abril de 1945.
Apesar de tamanha boa vontade, o Kuomintang
frequentemente respondeu à proposta do PC com tiros, forçando-o em um momento
decisivo a mudar de tática. A completa corrupção e esfacelamento do regime de
Chiang ajudaram tal tarefa. A chegada do Partido Comunista ao poder através da
derrota militar do Kuomintang levou à fuga da maior parte dos capitalistas
chineses para Formosa (Taiwan), o que concretamente impediu os maoistas de
realizarem o seu projeto de desenvolver a propriedade privada por um “tempo
bastante longo”.
Mas mesmo assim o programa da “Nova Democracia”
significou que a China permaneceria ainda durante vários anos cambaleando
confusamente entre uma economia formalmente privada e o controle militar
burocrático do PC Chinês, impondo fardos desnecessários ao povo, e efetivamente
roubando das mãos dos trabalhadores o aprendizado fundamental da administração
do poder. Seguindo o regime soviético de Stalin, a República Popular da China
se alinhou com o programa de “fortalecimento da democracia” (burguesa) no
pós-guerra, contribuindo para o seu isolamento em um mundo ainda dominado pelo
imperialismo.
Por que a revolução pôde vencer sob o comando de Mao? Porque mesmo com
uma liderança capitulante como a do PC chinês, uma luta de classes ainda é uma
luta de classes. A improvável vitória dos camponeses chineses com uma direção
que pregara por quase toda a sua existência a colaboração com a burguesia e
construção de uma “nova” democracia burguesa significou muitas conquistas
sociais, mas elas foram deformadas desde o início pelo desgoverno burocrático e
o programa conciliador do Partido Comunista. Ainda assim, passava a ser uma
tarefa de todos os marxistas revolucionários defender essas conquistas contra o
imperialismo e a restauração capitalista.
Mas o que significa defender hoje o programa da “Nova Democracia”?
Significa dizer que “hoje não é ainda o tempo de introduzir o socialismo” e
orientar o proletariado e os camponeses para a construção de um regime burguês
em colaboração com setores da burguesia, já que supostamente “essas classes
podem juntas cumprir as tarefas políticas, econômicas e culturais do novo
Estado democrático”, dentre as quais figura “desenvolver livremente tal
economia capitalista privada”.
Essa não é uma visão enviesada, mas a descrição desse programa etapista
pequeno-burguês nas próprias palavras do “Grande Timoneiro”. Os marxistas
consequentes, que desejam lutar pelo poder da classe trabalhadora, tem o dever
de rejeitar esse programa, que é um manual para a derrota. A contradição está
inteiramente com aqueles que dizem lutar contra a vil burguesia brasileira e
seu patrão imperialista e ainda assim defendem dogmaticamente esse projeto de
submissão da classe trabalhadora a uma “Nova Democracia” capitalista.
A
teoria da revolução permanente, formulada por Leon Trotsky, é destinada aos que
querem fazer triunfar não uma mítica “Nova Democracia”, mas uma revolução
proletária autêntica. É um fundamento da teoria marxista que somente a chegada
dos trabalhadores ao poder em ao menos vários países avançados é capaz de
estabelecer as bases sociais de uma economia socialista no mundo. Mas
os trabalhadores dos países atrasados não precisam ficar de braços cruzados
esperando a ação de seus irmãos de classe nas grandes potências. Desde já,
podem lutar para dar um início à revolução mundial em suas próprias nações, tal
qual fizeram os trabalhadores russos em 1917. Além de obter conquistas
extraordinárias que nenhum regime burguês poderia algum dia alcançar, a
coletivização da propriedade burguesa e o estabelecimento de um poder
democrático dos trabalhadores dão um poderoso impulso à revolução mundial.
A
burguesia dos países atrasados jamais foi consequente com a defesa dos
interesses “nacionais” contra o imperialismo, tampouco ela foi capaz de
realizar uma verdadeira libertação nacional, ou de varrer sequer os aspectos
mais atrasados do capitalismo periférico. Por seu surgimento tardio em um
mercado mundial já repartido, a burguesia colonial ou semicolonial precisou se
apoiar nos imperialistas para se estabelecer e jamais sonhou em se tornar
independente do capital dos países imperialistas.
Embora certos setores desejem maiores
parcelas dos lucros extraídos do proletariado com relação ao montante saqueado
pelas remessas ao estrangeiro, o conjunto da burguesia deseja, acima de tudo,
estabilidade das condições de exploração e teme mortalmente o potencial
revolucionário do proletariado. Para nós, os eventos do século XX, inclusive
a revolução chinesa, comprovam a tese fundamental da teoria da
Revolução Permanente a respeito da burguesia nacional. Afinal, Mao foi incapaz
de construir uma “Nova Democracia” após a derrota do imperialismo e (contra
suas intenções) foi obrigado a romper completamente com o Kuomintang e
estabelecer um Estado proletário deformado.
É evidente que quando há algum processo de resistência parcial de um
setor da burguesia, os trabalhadores devem se utilizar dessa contradição para
os seus interesses, defendendo possíveis reformas (como é o caso de
nacionalizações de algumas empresas imperialistas ou a rejeição do pagamento do
débito com os bancos internacionais) enquanto seguem em oposição a qualquer
governo burguês. Para aqueles interessados em conduzir a luta de classes apenas
até a construção um regime capitalista em colaboração com uma “ala esquerda” da
burguesia, faz sentido embelezar e elogiar políticos burgueses com retórica
radical como possíveis “aliados” dos trabalhadores. Mas para quem quer que as
lutas dos trabalhadores evoluam (sem “etapas” de longa duração) para a
conquista do poder e até um governo proletário, tal proposta só pode ser
rechaçada e os políticos burgueses, expostos pelo que realmente são.
APÊNDICE
Os maoístas brasileiros e Leonel Brizola: um caso de amor
Os
maoistas agrupados ao redor do jornal “A Nova Democracia” se reivindicam
defensores da “Guerra Popular” contra o Estado e, durante as eleições, fizeram
uma campanha pelo voto nulo e “boicote” à farsa eleitoral, que é a sua tática
costumeira. São críticos constantes do eleitoralismo e oportunismo político de
grupos como o PSOL e o PSTU. Isso poderia gerar em muitos companheiros honestos
a impressão de que são uma alternativa “revolucionária” a esses grupos.
Mas se os maoistas não estão envolvidos
em oportunismos eleitorais nesse momento, isso não significa que os
trabalhadores possam confiar neles como portadores de uma política coerente
para enfrentar o regime capitalista. Ao contrário, eles se baseiam em uma
deturpação do marxismo que os leva a semear ilusões em políticos burgueses.
Esse é o conteúdo do seu slogan de “Nova Democracia” – um regime capitalista ao
lado da “burguesia nacional”.
A política de AND, inclusive as
acusações de oportunismo contra aqueles na esquerda que realizam frentes de
colaboração de classe, parece não olhar para sua própria herança política e os
erros que dela derivam. Vejamos a seguir um exemplo prático dos oportunismos a
que são levados os maoistas por sua teoria política. Em um artigo publicado em
2011 no seu site da internet, AND disse o seguinte sobre o histórico político brasileiro Leonel Brizola:
“A
burguesia nacional — enquanto fenômeno na época do imperialismo, como demonstra
todas as experiências dos países dominados —, dado a sua natureza e sua conduta
política vacilante, no processo de luta política, se divide em três alas: uma
ala de direita, uma de centro e outra de esquerda.”
“Leonel Brizola, como representante mais destacado da ala
esquerda, foi sempre mais afirmativo e mais firme. Suas posições até então
foram as de levar a luta até o fim como demonstrou naqueles anos, por isto
granjeou mais respeito da classe operária e das massas populares brasileiras e
se tornou um dos mais odiados inimigos da reação e do sistema imperialista no
Brasil. Mesmo não assumindo mais posições revolucionárias, seguiu sendo
combatido, vide a perseguição e bombardeio que sofreu por parte do
arquirreacionário Roberto Marinho.”
—
Há 50 anos cadeia da legalidade barrava ensaio golpista dos generais, AND N. 80, agosto de 2011.
Esse artigo falava do período seguinte à renúncia de Jânio Quadros em
1961 e da chamada “campanha da legalidade”, a resistência à tentativa de golpe
para impedir a subida do vice-presidente eleito João Goulart ao poder. O texto
é repleto de elogios a Brizola e termina com essa “aula” maoista sobre a
suposta natureza da burguesia no Brasil. Mas a análise mecanicista dos
maoistas, que (seguindo a cartilha etapista do stalinismo) acreditam que as
condições estruturais do países dependentes produz frações burguesas
progressistas, está muito distante da realidade.
Políticos burgueses como Brizola são fruto do acirramento da luta de classes, que
faz com que alguns populistas tentem explorar politicamente o proletariado em
benefício de seus próprios interesses eleitorais (e para conter as lutas proletárias nos
limites da manutenção do capitalismo). Para isso, se usam de discursos variados
envolvendo a soberania, a defesa do povo e da pátria etc. Porém, o máximo que
os populistas burgueses podem oferecer é o desvio de uma migalha dos
ladrões imperialistas para pequenas reformas ou nacionalizações, que em nada
mudam a natureza do sistema capitalista e não ameaçam o esquema de remessa de
lucros para os imperialistas (embora isso frequentemente seja o suficiente para
fazer com que estes salivem de ódio). Esse era o
caso de Leonel Brizola, cujos atos estavam muito distantes de sua retórica
populista demagógica e do caráter progressivo e supostamente “inimigo do
imperialismo” a ele atribuído pelos maoistas de AND.
Aliás, é muito curioso para quem hoje defende um boicote a todos os
representantes da burguesia e denuncia o eleitoralismo de boa parte da
esquerda, elogiar um político nacionalista burguês, que inclusive sempre se
usou das eleições para enganar o povo. AND reconhece que “Brizola se rendeu às armadilhas do
imperialismo e suas vias ‘institucionais e democráticas’ para a conquista do
poder de Estado para o povo e a libertação nacional”,
mas conclui insistindo que “Brizola foi
um patriota e democrata, sem sombra de dúvidas. Até então, o representante mais
coerente da burguesia nacional genuína no Brasil, expressando suas virtudes,
mas também seus pecados”.
Político parlamentar do PTB, depois prefeito de Porto Alegre e
governador do Rio Grande do Sul, defensor do “Trabalhismo” e afilhado político
do ex-ditador Getúlio Vargas, Brizola sem dúvida não era um político burguês
“tradicional”. Suas medidas de estatização de algumas empresas americanas, suas
reformas sociais e sua oposição ao golpe militar de 1964 lhe angariaram muito
apoio das classes populares. Porém, Brizola jamais escondeu sua posição de
classe, sua intenção clara de defender o capitalismo e recorrentemente se aliou
com partidos bastante distintos do que seu discurso pregava. Quando se elegeu
governador do Rio Grande do Sul em 1958, por exemplo, fez uma aliança com o
arquirreacionário PRP (Partido da Representação Popular), reconhecidamente
antidemocrático e antigo simpatizante do fascismo. Na coletânea de discursos e
textos publicados pela série Perfis Parlamentares,
vemos com clareza que o “inimigo da reação” Leonel Brizola realizava o mesmo
tipo de cretinismo parlamentar que AND tanto critica atualmente:
“O
candidato trabalhista diz que as objeções acerca da coligação com os
perrepistas são maliciosas e infundadas e que a noção de democracia, de acordo
com a Constituição, está baseada na pluralidade dos partidos políticos e que,
por serem diferentes, PTB e PRP já haviam lutado em lados opostos, mas que isso
era comum na vida democrática.”
“Outro
texto de campanha, assinado por Brizola, dizia respeito ao apoio dos comunistas
à sua candidatura, anunciado por dirigentes do Partido Comunista Brasileiro no
Rio Grande do Sul. Ele recusou o apoio dos comunistas, para não perder os votos
católicos na região serrana, e tratou de marcar as diferenças e explicar suas
razões:
‘Entre
outras coisas cumpre dizer que o trabalhismo é nacionalista, o comunismo é
internacional; o comunismo é materialista, o trabalhismo se inspira na doutrina
social cristã; o comunismo é a abolição da propriedade, o trabalhismo defende a
propriedade dentro de um fim social; o comunismo escraviza o homem ao Estado e
prescreve o regime de garantia do trabalho, o trabalhismo é a dignificação do
trabalho e não tolera a exploração do homem pelo Estado nem do homem pelo
homem; o comunismo educa para formar uma sociedade de formigas, o trabalhismo
educa para o progresso, para a liberdade, para a elevação da pessoa humana. O
comunismo existe onde pontifica o capitalismo reacionário e explorador e desaparece
nas comunidades e países bem organizados sob o ponto de vista social e
humano’.”
— Leonel Brizola – Perfil, Discursos e
Depoimentos (1922-2004), p. 50.
Embora em algumas ocasiões tenha denunciado enfaticamente o
“processo espoliativo” dos imperialistas no Brasil, Brizola de forma alguma
tinha intenções de romper com o capital internacional de forma definitiva, mas
apenas de limitar seus traços mais abusivos. Em um discurso proferido em 1961,
na sede da UNE, deixou claro seu ponto de vista:
“Se os Estados Unidos desejam fazer grandes empréstimos ao Brasil,
e se quiserem ser nossos amigos, não pensem em emprestar às organizações
privadas americanas aqui sediadas, porque, neste caso, estarão agravando a
nossa situação. Que emprestem ao poder público, de governo para governo. Não
quero com isto dizer que devemos expulsar pura e simplesmente do Brasil as
empresas americanas. Não, elas podem ficar aqui, podem ficar, mas sob o nosso
controle, com participação minoritária nas organizações.”
“Agora mesmo, estou em discussão no Rio Grande do Sul com a
empresa telefônica, subsidiaria que é de um grande truste norte-americano. Eu
não vou encampá-la. Eu não a quero comprar, inclusive porque o seu equipamento
não serve para mais nada. Fundei uma sociedade de economia mista e fiz um
convite à aludida empresa para participar da sociedade, mas, apenas e no
máximo, com 25% do capital”.
— “O
Brasil, a América Latina, os Estados Unidos e ‘o caso cubano’”, Op. Cit. p. 500 e 501.
Por um lado, vemos aqui como
o “patriota” Brizola estava disposto em coexistir com o imperialismo instalado
no Brasil e inclusive disposto a acordos com este. Do outro, o seu pedantismo
de afirmar a possibilidade de manter a propriedade imperialista desde que “sob
o controle” nacional através de sociedades capitalistas “mistas”. Além de
ilusória, tudo que essa posição poderia fazer seria funcionar como uma barreira
desviando o proletariado do programa de expropriação da propriedade capitalista
(imperialista ou nacional). Vamos lembrar também que Brizola foi alçado à vida
pública pelo caudilho Vargas, a quem defendia calorosamente. Ele afirmou em um discurso parlamentar:
“O preparo do terreno para a ordem democrática, no que tem de bom
nos nossos dias, foi feito a partir de 1930. É por isso que podemos afirmar,
com segurança, que a democracia de hoje no Brasil deve muito e muito àquele que
tem sido acusado e apontado como ditador, o senador Getúlio Vargas.”
“Antes de 1930 não possuíamos na verdade democracia no Brasil. Têm
assento, nesta Casa, inúmeros veteranos das lides políticas do Rio Grande, que
podem atestar, com veemência e com conhecimento de causa, que estou fazendo uma
referência absolutamente verdadeira.”
— “O
difícil caminho da redemocratização”, discurso na Câmara rio-grandense, Op. Cit. p. 455.
Poderíamos nos estender muito mais, mas achamos que o que foi dito
é o suficiente para desfazer o mito do “democrata” Brizola, defensor de Vargas
– este que foi o carrasco dos comunistas de 1935 e responsável pela perseguição
e repressão de toda uma geração de trabalhadores combativos. Agora resta tentar
entender porque os maoistas, de radicais defensores da “guerra popular” e do
“boicote à farsa eleitoral” capitulam sem a menor vergonha a este notório
populista burguês.
AND está numa
situação bastante frágil ao tentar manter uma aparência não eleitoreira e
anticapitalista enquanto enche de elogios ao senhor Brizola. Sua análise histórica sobre a
existência de uma “ala esquerda” da burguesia levanta uma série de perguntas. Quem
representaria atualmente essa ala? Se o proletariado supostamente possui
aliados em alguma ala da burguesia, é natural desejar saber quais são os
partidos, grupos ou representantes que, segundo AND, poderiam forjar junto aos
trabalhadores um genuíno “Estado democrático”.
Mas sobre esse assunto, AND silencia.
Aparentemente, não é conveniente mencionar nas suas campanhas de boicote ao
“circo eleitoral” da burguesia e em seus discursos inflamados que os mesmos
acham que há líderes burgueses que merecem “respeito da classe operária”. Não
interessa a radicalidade tática de uma luta se ela estiver desligada de um
programa para orientar a classe trabalhadora às vitórias revolucionárias. Ao
longo da história, existiram muitos exemplos de “reformistas com um fuzil nas
mãos” que ao lado de uma luta armada, buscavam paralelamente acordos com
setores “democráticos” da classe dominante e, mesmo que tivessem em suas mãos o
poder, o entregariam à classe dominante e manteriam o sistema de exploração
capitalista.
Ainda que não esteja atualmente capitulando a
nenhum partido ou líder populista, a teoria seguida pelos maoistas conduz
inevitavelmente a essa conclusão. Contra a deformação maoista do marxismo (e
também contra os revisionistas que falsamente se reivindicam “trotskistas”, mas
se aliam com partidos burgueses) os revolucionários proclamam a necessidade de
quebrar todas as ilusões em uma suposta “ala esquerda” da burguesia. O
proletariado pode contar apenas com as suas próprias forças (e deve lutar para
ganhar o apoio do campesinato pobre e de outras camadas exploradas que sofrem
as opressões do capitalismo).