Direita
nas ruas, “onda conservadora”, ajuste fiscal e impeachment
Desafios
da atual conjuntura
Março
de 2016
[Como
complemento a este artigo, sugerimos também a leitura de um outro,
recentemente publicado, A agenda do governo e a necessária resposta da classe trabalhadora, que lida mais diretamente com
o projeto de ataques do governo Dilma à classe trabalhadora e como
enfrentá-lo.]
A
reeleição de Dilma em 2014 foi muito apertada, na realidade foi a
eleição presidencial mais apertada que o país teve desde o fim da
última ditadura. Ao longo de suas três gestões anteriores, em
particular o primeiro mandato de Dilma, o PT sofreu um desgaste muito
grande, especialmente entre os extratos médios da sociedade. Ao
mesmo tempo, sua base histórica – os trabalhadores organizados do
movimento sindical e popular – se distanciaram cada vez mais do
partido. A nova base que o manteve no poder nesses últimos anos –
os setores altamente precarizados da classe trabalhadora – começou
em 2013 a demonstrar crescente descontentamento e se distanciou do PT
nas urnas. Sintoma dessa erosão da sua base política, o PT perdeu
urnas até mesmo em alguns de seus mais antigos bastiões na
periferia paulista e no cordão industrial de SP. O governo também
não recebe mais o apoio de setores importantes da burguesia
nacional, que exigem um ritmo cada vez mais rápido de medidas contra
a classe trabalhadora e o povo para que a conta da recessão caia
sobre nós.
Diante
de todo o tumulto político do ano passado, Dilma e sua cúpula
fizeram o exato oposto do que haviam prometido às massas durante o
segundo turno das eleições e aplicaram quase que literalmente o
programa de seu adversário, Aécio Neves/PSDB, em uma clara opção
pelos interesses da burguesia em detrimento daqueles que depositaram
(equivocadamente) sua confiança nela. Essa mostra de “boa fé”
chegou até mesmo ao ponto de dar o comando do Ministério da Fazenda
(historicamente um posto ocupado por economistas inteiramente
alinhados ao suposto “neodesenvolvimentismo” petista) a ninguém
menos que um Chicago boy seguidor estrito da cartilha
neoliberal, Joaquim Levy.
De
mãos dadas a Levy, Dilma lançou um verdadeiro rolo compressor sobre
os direitos e condições de vida dos trabalhadores, tais como o PL
das terceirizações (que cria brechas na CLT), os pesados cortes na
saúde e educação públicas e a lei “antiterrorismo”. E para os
inocentes ou hipócritas que acharam que a culpa era apenas de Levy
(como se isso fosse possível), o novo Ministro da Fazenda, Nelson
Barbosa – que reestabelece a ligação histórica da pasta ao ideal
“neodesenvolvimentista” – já anunciou um ataque à previdência
para 2016, dentre outros que Dilma planeja.
O
acúmulo desses fenômenos ocorre conjuntamente aos efeitos da
segunda fase econômica derivada da crise de 2008 (o esgotamento das
contas públicas, torradas para salvar empresas falidas ou em
dificuldades) e do começo de um novo ciclo de recessão, dessa vez
combinado com inflação crescente. Isso abriu uma nova situação
política no país, na qual há espaço para a construção de
alternativas à hegemonia petista que predominou na última década e
meia. Todavia, esse espaço tem sido ocupado até o momento, não por
forças da classe trabalhadora organizada, mas por demagogos que
parasitam a máquina estatal (como a “Bancada do Boi, da Bala e da
Bíblia” na Câmara) e por uma “nova” direita, que deu as caras
ao longo do ano passado.
Esses
dois grupos de atores políticos tem conseguido (ao menos até o
momento) pautar uma alternativa extremamente conservadora ao petismo.
Dentre outras coisas, essas forças demonizam o comunismo e os
movimentos sociais (esdruxulamente igualados ao PT) e se apresentam
enquanto representantes dos valores “tradicionais” e da “família
brasileira” – uma verdadeira onda conservadora, como tem
sido caracterizada por alguns. Essa tendência começou a ganhar
força de verdade no primeiro semestre de 2015, na forma de um
“terceiro turno” das referidas eleições apertadas, quando
setores da oposição burguesa ao governo se unificaram na convocação
de protestos de rua e em um constante ataque público ao PT e à
presidência, simbolizado nos esdrúxulos “panelaços” da classe
média conservadora ante aparições de Dilma na televisão.
Uma
“nova” direita para velhos interesses
O
primeiro fenômeno a desafiar a esquerda em 2015 foi a tomada das
ruas pela direita. Em março e em abril, centenas de milhares de
pessoas foram às ruas nas principais capitais do país em protestos
dominicais com camisa verde-amarela, bandeiras do Brasil e outros
apetrechos, dançando, fazendo coreografias e tirando “selfies”
com PMs. Foi a primeira vez em muitos anos em que a direita foi capaz
de tomar as ruas em nosso país, alcançando números significativos
em várias cidades, especialmente São Paulo.
Os
manifestantes apontavam como principal demanda o “fim da
corrupção”, que era identificada exclusivamente com o PT (como se
Cunha, PSDB, DEM e o restante da corja capitalista não fossem também
corruptos). Muitos chamavam também pelo impeachment da
presidente. Em praticamente todas as capitais, alguns setores dos
protestos chamavam por uma “intervenção militar” contra o
governo e faziam apologia aberta da ditadura militar brasileira
(1964-85). Foram recorrentes as manifestações de ódio ao
“comunismo” que supostamente o PT quer introduzir no país, de
acordo teorias da conspiração que tem circulado na internet. Em
Jundiaí, a sede do PT sofreu uma tentativa de incêndio criminoso.
No Rio de Janeiro e em outros lugares, pessoas vestindo camisas
vermelhas (mesmo sem qualquer relação com a esquerda) foram
hostilizadas.
As
grandes redes de comunicação, destacando-se a Rede Globo, cobriram
amplamente esses primeiros protestos, com flashes ao vivo
durante todo o dia, estimulando a população a participar dos atos.
Uma postura bem diferente das alcunhas de “vândalos” e
“desordeiros” que “atrapalham o trânsito” que geralmente
essa emissora usa para qualificar as manifestações dos movimentos
sociais e da esquerda. Cobertura semelhante foi dada aos “panelaços”,
através da reprodução de vídeos amadores e da criação de mapas
que mostravam sua ocorrência país afora toda vez que Dilma fazia
algum pronunciamento na TV.
Alguns
institutos de pesquisa traçaram um perfil dos participantes dessas
manifestações de março e abril. O que podemos observar é que se
trata de uma maioria branca, de classe média alta. Em São Paulo,
41% ganhavam mais de 10 salários-mínimos (sendo que mais 27%
ganhavam entre 5 e 10 salários). Em Porto Alegre, a proporção foi
parecida. [1] O que isso demonstra é que o público principal
desses protestos não foi da classe trabalhadora, embora certamente
houvesse muitos trabalhadores iludidos ou reacionários entre os
presentes. Mas o caráter dominante foi de pequenos burgueses,
burgueses e setores aristocráticos da sociedade, que tem razões
sociais distintas para sua insatisfação com o governo Dilma, que
nada tem a ver com as dos trabalhadores. Não à toa, pouco se ouviu
falar nesses dias sobre os cortes nas áreas sociais, sobre a redução
de direitos trabalhistas ou sobre o desemprego. Tais protestos se
configuraram como pontos de encontro dos setores mais reacionários
da política brasileira. Os principais organizadores foram o
Movimento Vem Pra Rua, o Movimento Brasil Livre e o grupo “Revoltados
Online”.
O
Vem Pra Rua é considerado o mais “moderado” desses grupos
direitistas e o que reuniu maiores contingentes ao redor de si
durante as manifestações. Seu principal líder é um empresário e
sócio de uma grande gestora de fundos de investimento, Rogério
Chequer. Ele apoiou Aécio Neves do PSDB nas eleições de 2014 e não
escondia sua preferência política pessoal, ao mesmo tempo em que
afirmava o caráter “apartidário” do movimento e negava qualquer
tipo de financiamento empresarial. Apesar do suposto apartidarismo, o
Vem Pra Rua estava claramente alinhado ao PSDB, cuja ala majoritária
(representada por Serra, Alckmin e FHC) vinha à época se
posicionando contra chamar por um impeachment. [2] [3]
Por
sua vez, o grupo “Revoltados Online” é formado por cerca
de 20 colaboradores de uma página nas redes sociais. Eles defendem
ardorosamente o impeachment e muitas vezes fizeram postagens a favor
da intervenção militar. São propagadores das teorias
conspiratórias sobre os planos “comunistas” do PT (ignorando
toda a política neoliberal levada adiante por Dilma) e elogiam Jair
Bolsonaro, o deputado pró-ditadura e inimigo dos direitos
democráticos das mulheres e LGBT. Ademais, venderam kits
“anti-Dilma”, os quais incluíam (a preços exorbitantes)
camisas, adesivos e cornetas – fazendo o grupo parecer mais uma
empresa oportunista do que uma organização política. [2]
Já
o Movimento Brasil Livre (MBL) é algo realmente “novo”,
em certo sentido. Chama atenção em primeiro lugar o fato de suas
figuras públicas serem todas pessoas de 20 e poucos anos e de muitas
delas não serem defensoras do neoliberalismo “tradicional”, mas
sim “libertárias” – isto é, contra toda e qualquer forma de
intervenção estatal na economia, mesmo que seja para salvar
empresas em falência, financiar determinados empreendimentos ou
mesmo mitigar a desigualdade social em benefício do capital (cabe
lembrar que mesmo Bolsa Família é inspirado nas ideias de “renda
mínima” do guru neoliberal Milton Friedman e aprovado pelo FMI). A
ala “libertária” do MBL, inspirada nas ideias de Ludwig von
Mises – representante da chamada “Escola Austríaca” –
defende um utópico capitalismo sem Estado (alguns chegam ao extremo
de se reivindicarem “anarcocapitalistas”). Agem como se o Estado
fosse um ente autônomo que caiu do céu e acabou com o capitalismo
livre concorrencial, e não um instrumento do capital desde suas
origens, sendo sua atual “interferência” na economia algo feito
para e pelos grandes monopólios surgidos da dinâmica de crises
sistêmicas do capitalismo. [2] [4]
Nesse
sentido, se o neoliberalismo é o programa do grande capital para a
atual etapa da decadência imperialista, o “libertarianismo” é a
utópica resposta dos setores inferiores do empresariado,
especialmente os “empreendedores” à constante ameaça de serem
tirados de jogo por competidores que tem amplos recursos estatais a
seu dispor. Todavia, apesar de soar “nova”, essa direita
aglutinada no MBL foi gestada por atores sociais cujos interesses são
muito velhos. Seus líderes são ligados a grupos de elaboração
estratégica da direita (think tanks), como o Instituto
Liberal e Estudantes pela Liberdade, e estes são todos financiados
por centros da direita americana, por sua vez mantidos com vultuosos
recursos de grandes empresas. Como foi demonstrado no apoio da FIESP
às manifestações de março e abril, até mesmo esses jovens
utópicos com instintos reacionários podem servir como peões no
tabuleiro do grande capital. [2] [4]
Graças
às manifestações puxadas por esses grupos, durante certo momento
do ano passado a oposição burguesa ao governo do PT teve uma chance
real de conseguir colocá-lo em xeque. Todavia, as divisões internas
fizeram com que ela perdesse tal chance, especialmente por conta da
ala majoritária do PSDB ter preferido esperar até o pleito de 2018,
para enfrentar nas urnas um PT enfraquecido. Nas palavras de Aloysio
Nunes, senador do PSDB, o plano é fazer o partido da situação
“sangrar” até as próximas eleições nacionais [4]. Não
obstante a falta de firmeza em relação ao impeachment nessa época,
as manifestações – somadas à falta de popularidade do PT e seu
isolamento na Câmara – fizeram com que Dilma cedesse ainda mais
aos interesses do grande capital, em detrimento dos trabalhadores.
Mas,
ainda que o PSDB tenha preferido usar as ruas como mero instrumento
de pressão para sua política feita por dentro da
“institucionalidade”, parte dos grupos que organizaram as
manifestações seguem firmes em seu desejo de ver Dilma cair, e
seguem convocando protestos de tempos em tempos. Estes têm estado
menores, agora que perderam o apoio direto de setores do grande
capital e de seus representantes políticos, todos apostando nas
brigas palacianas, especialmente depois que o pedido de impeachment
contra Dilma foi aceito pelo legislativo.
Boicotar
e denunciar as manifestações direitistas
Após
o fracasso daquelas convocadas no segundo semestre de 2015, o MLB,
Vem Pra Rua etc. fizeram uma igualmente fracassada manifestação
nacional em Brasília e estão desde então acampados no Planalto
Central, com números irrisórios, sendo que seus representantes
públicos e ideólogos tem se engalfinhado em polêmicas cada vez
mais agudas [5]. Esse quadro só começou a mudar agora no
começo de março, com a nova instabilidade criada pelo fechamento do
cerco da Operação Lava Jato sobre Dilma e Lula, tendo a
manifestação do dia 13 superado um pouco os números daquela de 15
março de 2015. É provável que novas manifestações continuem
sendo convocadas como forma de pressionar pelo impeachment.
Em
primeiro lugar, é necessário denunciar como direitistas e
incentivar os trabalhadores a boicotar essas manifestações.
Por mais óbvio que possa parecer, é preciso dizer que essas
manifestações não são “movimentos de massas” com demandas
populares, mas marchas articuladas pela direita, cujo objetivo último
é aprofundar a onda de ataques contra a classe trabalhadora. Apesar
da aparente obviedade disso, alguns grupos da esquerda – o
MNN/Território Livre, o MRS (Movimento Revolucionário
Socialista) e os maoístas organizados em torno do jornal A
Nova Democracia, foram nas primeiras manifestações, de maior
volume, e consideraram-nas lutas legítimas contra o governo Dilma.
Agora em 2016, apenas o MRS continua a insistir em tal tática,
ao passo que os demais a tem evitado. [6]
Essas
posições absurdas, que não se importam em estabelecer uma “frente
única” com direita contra o governo, devem ser repudiadas. Tomando
as bases, as lideranças e o programa dessas manifestações, elas
representam interesses completamente alheios e, de fato, opostos aos
da classe trabalhadora e é uma ilusão fatal achar que é possível
disputá-las. É inclusive surpreendente que os membros dessas
organizações não tenham sido linchados, uma vez que uma simples
camiseta vermelha muitas vezes já era suficiente para despertar a
fúria dos mais fanáticos direitistas. Não à toa, esses
“revolucionários” omitiram qualquer referência ao comunismo em
seus materiais e vestimentas ao engrossarem as fileiras de tais
manifestações.
A
disputa intraburguesa muda de terreno: o impeachment
Foi
também nessa situação de instabilidade que emergiu a figura de
Eduardo Cunha na Presidência na Câmara, um demagogo membro da
Bancada Evangélica, perito em manobras estatutárias e aliado aos
sanguessugas descontentes da Câmara. Se aproveitando de seu poder
momentâneo, Cunha e seus aliados da “Bancada BBB” encaminharam
uma série de projetos que foram devidamente chamados de “pauta
conservadora”. Dentre tais projetos, que incluíam um “Estatuto
da Família” (contra a definição de casais homoafetivos como
família), um “Estatuto do Desarmamento”, um “Dia do Orgulho
Hétero” e um em particular que gerou forte reação, o de
restringir o uso de contraceptivos abortivos por mulheres vítimas de
estupro. Este último, encaminhado já em um momento de fragilidade
de Cunha, por ter sido exposto na Operação Lava Jato, foi
respondido com numerosas passeatas e atos públicos em capitais como
Rio de Janeiro e São Paulo, protagonizadas por mulheres que gritavam
“Fica pílula, fora Cunha!”.
Por
conta de toda a polarização do primeiro semestre e da enorme
instabilidade política criada, o impeachment acabou entrando em
pauta no segundo semestre de 2015 e acabou por ter o seu
encaminhamento aprovado em dezembro. Isso ocorreu não só por conta
de manobras dos adversários de Dilma na Câmara, mas também porque
importantes setores empresariais, incluindo aí muitos aliados do
governo, cansaram de lidar com uma bolsa volátil e com o risco de
terem seus executivos citados nos autos da Lava Jato (como ocorreu
com algumas das principais empresas e bancos do país, cujos
presidentes foram parar na cadeia) e resolveram apostar em uma
solução rápida para “por ordem na casa”.
Dilma
e o PT passaram a jogar o jogo palaciano de Cunha e inicialmente
brecaram o processo de impeachment utilizando de trocas de
favores com Ministros do STF e jogando no ventilador a corrupção do
próprio Cunha por meio de alguns aliados do governo que estavam a
“abrir o bico” nas delações premiadas da Lava Jato. A única
interação do PT com as ruas nesse contexto em que se encontrava com
a corda no pescoço foi a utilização da CUT e do MST para formarem
frentes amplas com o objetivo de se blindar dos ataques que vinha
sofrendo (e também gestar uma alternativa eleitoral viável para
2018), tais como as Frentes “Brasil Popular” e “Povo Sem Medo”
– que, hipocritamente, fizeram críticas mais ou menos duras ao
ajuste fiscal na forma de um “Fora Levy”, mas que ignorava por
completo a responsabilidade de Dilma no mesmo.
A
Operação Lava Jato é um fator importante a ser considerado,
especialmente porque o atual retorno do impeachment à pauta da
Câmara se deu na esteira da recente delação do senador petista
Delcídio Amaral, implicando Dilma e Lula. Aos poucos está ficando
claro quais são os interesses político-econômicos que movem o juiz
Sérgio Moro e Cia. [7]. É fato que a dinâmica de prisões
com base em denúncias, que leva os presos a realizarem novas
denúncias, e assim por diante, está jogando no ventilador toda a
podridão do meio empresarial e político brasileiro. Porém, a mídia
corporativa está trabalhando duro para preservar seus “protegidos”
do PSDB, igualmente envolvidos na sujeirada, enquanto usam a
investigação para reforçar seu ataque contra o governo e o PT.
Como
se pode ver por essa breve síntese do que foi 2015 e o começo deste
ano, os desafios que surgiram para a esquerda não foram poucos – e
muitas deles seguem em aberto. Houve muita confusão quando a direita
conseguiu mobilizar nas ruas contingentes consideráveis até abril;
sobre a forma de como reagir ao ajuste fiscal promovido por
Dilma/Levy em um contexto no qual o PT estava sob pesado ataque da
mídia e risco real de perder o Planalto Central; e às frentes
amplas criadas pelos governistas para se blindar nas ruas. No
presente momento, a confusão segue em relação ao impeachment e,
especialmente, ao ajuste fiscal. Sem uma resposta correta a essas
questões, é impossível que a classe trabalhadora consiga se
apresentar enquanto a necessária alternativa à onda conservadora e
aos ataques do governo.
Qual
deve ser a tática da classe trabalhadora?
Enquanto
luta contra o avanço da “onda conservadora” de ataques aos
direitos, é imprescindível que não haja nenhuma capitulação
ao governo. Dilma nada está fazendo para frear o crescimento
dos movimentos conservadores. Lembremos que depois das manifestações
de março, ela ofereceu “dialogar” com os organizadores e acatou
os desejos do grande capital via o “ajuste” de Levy. Está de
mãos atadas por suas alianças com políticos e partidos
conservadores para administrar o Estado burguês. Seu recente acordo
com a cúpula tucana para abrir o pré-sal aos capitais imperialistas
e a sanção da “Lei Antiterrorista” deixa claro que ela fará
ataques cada vez maiores aos trabalhadores como forma de ganhar tempo
junto a seus adversários.
Em
outras palavras, embora estejam sendo visados pela grande imprensa e
pela oposição direitista, o governo é parte e cúmplice da “onda
conservadora”, pois está realizando todas as medidas demandadas
pelo grande capital. Por conta disso, as frentes “Brasil
Popular” e “Povo Sem Medo”, criadas
em resposta ao ascenso da direita e que supostamente estão em luta
contra o “ajuste fiscal”, não passam de uma tentativa de salvar
o mesmo nesse momento de instabilidade. Consequentemente, cooperam
indiretamente com seus ataques contra os explorados e oprimidos do
país.
O
mesmo papel lamentável de blindar o governo vem cumprindo o PCO,
organização que suja o nome do trotskismo com sua colaboração de
classes governista, conforme já denunciamos em Da histeria
golpista à Copa do Mundo. As capitulações do PCO ao governismo
(julho de 2014). Esse partido vem escondendo quaisquer críticas ao
governo e só fala da “luta contra o golpe”, participando e
elogiando entusiasticamente cada manifestação governista pró-Dilma.
Sem
fazer coro com enorme histeria criada pelos governistas e seus
ajudantes, como se estivesse em curso uma derrubada do governo à lá
golpe de 64, cabe apontar que partidos e tendências reacionárias de
todo tipo vem ganhando fôlego. O fascismo, por exemplo, vem de fato
crescendo no país. Um novo partido neonazista foi fundado no Brasil
no final do ano passado. Apesar do evento de seu lançamento, unindo
diversos grupos extremistas (como os conhecidos “Carecas de SP”)
ter sido cancelado em cima da hora, por temor de uma reação
organizada da esquerda, ele já possui site e vem organizando
diretórios regionais. [8] O sentimento anticomunista
(associado cretinamente ao governo neoliberal do PT) cresceu muito na
sociedade no último período, principalmente devido ao trabalho dos
direitistas nas redes sociais.
O
movimento dos trabalhadores e as organizações de luta contra as
opressões devem estar atentos e ter unidade de ação para combater
quaisquer agressões ou ameaças que se coloquem em seu caminho. Seja
por parte de grupos fascistas – que ainda são uma pequena minoria,
mas que vem surfando com certo sucesso na onda do crescente
conservadorismo, seja por parte da “nova” velha direita do
MLB/Vem Pra Rua/Revoltados Online, cujos membros já protagonizaram
mais de um episódio de violência contra membros dos movimentos
sociais. Nossa resposta a esse lixo deve ser dada nas ruas,
denunciando seu pensamento rasteiro e as suas verdadeiras intenções
de servir ao grande capital, do qual são tropas de choque, bem como
se preparando para responder concretamente à sua violência com todo
vigor sempre que necessário.
Além
disso, está claro que devemos rejeitar e denunciar esse
impeachment e demais manobras da oposição de direita. Dilma
merece ser julgada por seus crimes contra a classe trabalhadora, como
os cortes de direitos e a cumplicidade com a repressão, a
continuidade da entrega das riquezas do país ao imperialismo etc. O
mesmo vale para Lula. Mas só quem pode fazer isso é a luta da
classe trabalhadora, para barrar e reverter as medidas do governo e
confrontá-lo diretamente. O impeachment, por outro lado, é uma
manobra da oposição PSDB/DEM e de setores do PMDB que querem
assumir eles próprios o governo. Esses senhores querem capitalizar a
crise do PT e de Dilma para seu próprio benefício. Uma queda de
Dilma por essa via não beneficia os trabalhadores e, nesse caso, não
mudaria a onda de ataques, mas ao contrário, a intensificaria. Nós
do Reagrupamento Revolucionário nos opomos ao
impeachment não por capitulação ao PT, mas sim por reconhecermos
esse processo como uma cortina de fumaça da oposição de direita
para se aproveitar da insatisfação da população, angustiada e
cansada pelos ataques que vem sofrendo por parte da burguesia e do
governo.
O
elemento essencial para que a classe trabalhadora enfrente a atual
conjuntura com sucesso é a formação de um polo independente
da oposição de direita e do governo, que unifique as várias
lutas em curso (abrindo sempre novas frentes) em torno dos eixos:
Contra os ataques do governo e seu “ajuste fiscal”! Nenhum
corte de verbas dos serviços públicos, retirada de direitos ou
demissões! Contra a criminalização dos movimentos sociais da Lei antiterrorismo! Que os patrões paguem pela crise! Contra a oposição de
direita e sua manobra hipócrita de impeachment! Essa deve
ser uma frente de unidade nas lutas, baseada nessas posições
fundamentais para os trabalhadores no atual momento. Ao mesmo tempo,
dever permitir a todos os grupos e partidos da classe trabalhadora
que queiram participar uma ampla liberdade de discussão e crítica.
Os
governistas negam a existência de uma situação de crise econômica
(mais precisamente, de recessão – que será aprofundada com a
política de ajuste fiscal de Dilma), alegando que tudo não passa de
“complô da oposição” e “invenção da mídia”, e se usam
da “onda conservadora” para tentar angariar apoio popular ao
governo. Por outro lado, há setores na esquerda que negam o
crescimento do conservadorismo por encararem que admitir isso
implicaria defender Dilma politicamente. A formação de um polo
independe como o que estamos defendendo precisa se opor firmemente a
esse tipo de “posição automática”.
No
primeiro semestre do ano passado chegaram a ocorrer algumas
manifestações em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo,
chamadas por partidos de esquerda e a CSP-Conlutas, que constituíram
experiências embrionárias independentes do governo e da oposição
de direita, mas as frentes de colaboração de classes criadas pelos
governistas através da CUT e do MST deram cabo das mesmas, ao
conseguir recrutar importantes setores que as compuseram, tais como
boa parte das correntes do PSOL e o MTST, como discutiremos a seguir.
A luta contra a direita e o governismo ganhou novo fôlego com a
belíssima luta protagonizada pelas mulheres contra Cunha, no segundo
semestre de 2015, mas segue aberta a tarefa de formação de um polo
de independência de classe e combativo.
Obstáculos
e desvios colocados por duas posições na esquerda: PSOL e PSTU
Desde
outubro do ano passado, o PSOL e a maior parte de suas correntes têm
participado da Frente Povo Sem Medo, incluindo aí alguns
grupos que se reivindicam trotskistas, como Insurgência, o MES e
a LSR [9]. Essa frente diz ter como objetivo a defesa da
classe trabalhadora contra o ajuste fiscal:
“O
‘ajuste fiscal’ do governo federal diminui investimentos sociais
e ataca direitos dos trabalhadores. Os cortes na educação pública,
o arrocho no salário dos servidores, a suspensão dos concursos são
parte dessa política. Ao mesmo tempo, medidas presentes na Agenda
Brasil, como aumento da idade de aposentadoria e ataques aos de
direitos e à regulação ambiental também representam enormes
retrocessos. Enquanto isso, o 1% dos ricos não foram chamados à
responsabilidade. Suas riquezas e seus patrimônios seguem sem
nenhuma taxação progressiva. O povo está pagando a conta da
crise.”
Frente
Povo Sem Medo será lançada nessa quinta em SP, 5 de outubro de
2015. Disponível em: http://tinyurl.com/hx6tcpk.
Porém,
não pode ser ignorado que essa Frente é composta em sua maioria por
organizações que fazem parte do governo que está realizando todos
esses ataques contra a classe trabalhadora: PT, PCdoB, CUT, UNE,
entre outros, e se usam da mesma para blindar Dilma. Atacam o “ajuste
fiscal” apresentando-o como obra do capital financeiro, mas suas
críticas a Dilma são simbólicas, isso quando aparecem. A “onda
conservadora” é apresentada como um fenômeno que não tem a ver
diretamente com o governo. Essas organizações nunca explicam porque
seguem sendo base de apoio a Dilma. A própria formação da Frente
foi uma tática sua para tentar se reinserir no movimento, do qual
estiveram ausentes, e lutar contra os projetos da bancada
conservadora no legislativo sem encostar no governo, fazendo uma
crítica “comportada” ao mesmo, na melhor das hipóteses.
Vejamos, por exemplo, a convocatória para manifestações que estão
sendo chamadas para o dia 31 de março:
“Os
eixos da mobilização unitária são os seguintes: Contra a Reforma
da Previdência; Não ao Ajuste Fiscal e cortes nos gastos sociais;
Em defesa do Emprego e dos Direitos dos Trabalhadores; Fora Cunha;
Contra o Impeachment.”
Nota
sobre a mobilização nacional de 31/3, 16 de fevereiro de 2016.
Disponível em http://tinyurl.com/jpqyck6.
Esse
chamado é assinado pela Frente Povo sem Medo e pela Frente Brasil
Popular e não é atípico do seu conteúdo de nenhuma denúncia ao
governo. Portanto, o papel que cumpre essa Frente Povo sem Medo,
assim como a Frente Brasil Popular, é de ser um obstáculo
para a conformação de uma frente de luta efetiva e combativa da
classe trabalhadora contra o conservadorismo e também os ataques do
governo. Ao se atrelar à “ala esquerda” de um dos campos
burgueses em disputa, o PSOL enfraquece a perspectiva de derrotar os
ataques, que só pode ser vitoriosa travando uma verdadeira guerra de
classe contra ambos governo e os direitistas pró-impeachment. A
Frente é contra o impeachment, mas não fala uma palavra do governo
em 90% das ocasiões. Quando o faz, é com um tom ameno.
Um
militante honesto do PSOL poderia argumentar que a participação do
partido seria uma tática para rachar a base do governo, chamando
isso de “frente única”. A frente única conforme defendida pela
Internacional Comunista em sua época revolucionária é uma unidade
de ação em torno de bandeiras de interesse comum para os
trabalhadores, na qual os partidos revolucionários poderiam mostrar
também a superioridade do seu programa e ganhar os trabalhadores
para o mesmo. De fato, o PT e o PCdoB ainda possuem influência sobre
uma base que esperamos um dia que sejam ganhos para a revolução.
Mas mesmo que essa frente pudesse articular uma luta combativa contra
o ajuste fiscal, o que não vai acontecer, o PSOL deveria travar uma
batalha encarniçada contra os governistas, denunciando o uso que
eles querem fazer da mesma. Mais uma vez, isso não ocorre. O
problema com essa suposta “tática” do PSOL é que em suas
declarações sobre a Frente Povo sem Medo, ele deixa de lado todas
as críticas aos governistas para manter a unidade. Vejamos, como
exemplo, a sua nota sobre o lançamento da Frente em São Paulo.
“Diversas
entidades e movimentos sociais convidam para o lançamento da Frente
Povo Sem Medo, nesta quinta-feira (…). Uma frente política que
propõe saídas à esquerda para a crise brasileira, contra qualquer
ataque aos direitos dos trabalhadores, seja do governo federal, seja
de sua oposição de direita. O PSOL soltou uma resolução nacional
nesta semana chamando sua militância a se incorporar a esta frente,
inclusive diversos de nossos parlamentares são signatários de sua
carta convocatória.”
Carta
Convocatória de lançamento da Frente Povo sem Medo, 7 de outubro de
2015
Disponível em: http://tinyurl.com/hd5fly5
Disponível em: http://tinyurl.com/hd5fly5
Em
seguida é reproduzida a carta de lançamento da Frente, no tom que
já explicamos. Mas em nenhum momento dessa convocatória do PSOL
existe uma crítica ao PT, PCdoB, CUT, UNE etc. etc. Será que a
frente propõe mesmo “saídas à esquerda” para a crise? Esses
governistas querem, de fato, uma transformação do país? Sustentar
isso seria demais até para o PSOL. Em outros artigos, sobre a
difusão da Frente pelos estados ou no lançamento da mesma no
Maranhão, a mesma coisa acontece. Nem mesmo uma linha sobre os
“aliados” do PSOL nessa Frente [10]. Com isso, o que o
PSOL está fazendo não é direcionar essa Frente para lutar contra o
governo e os governistas, até porque isso não seria aceito pelos
mesmos.
O
PSOL está é se adaptando à posição dessas forças. Quando o
objetivo comum é blindar um governo burguês e os seus apoiadores de
críticas sobre os crimes cometidos contra a classe trabalhadora, o
nome disso não é “frente única”, mas oportunismo. Esse
oportunismo tem raiz na falsa crença de que Dilma e o PT são um
“mal menor” que deve ser apoiado em relação à oposição de
direita, posição defendida pela direção do PSOL e muitas de suas
figuras públicas, como Jean Wyllys e Marcelo Freixo, que também
chamaram a votar por Dilma no segundo turno das últimas eleições,
dizendo que ela defendia “direitos humanos” e das minorias [11].
O
governo composto pelo PT foi a ponta de lança dos ataques contra a
nossa classe. Nesse momento em que grande parte dos trabalhadores
passa a nada esperar do PT, um partido revolucionário teria terreno
fértil para erguer, do cemitério do programa governista de
conciliação com a burguesia, uma alternativa classista para a
solução dos problemas do proletariado. Ao invés disso, os líderes
do PSOL optam por ajudar a blindar um inimigo da classe trabalhadora
que é esse governo, ao dar cobertura pela esquerda na Frente Povo
sem Medo. Apesar da direção do MTST (principal componente da
Frente) parecer ter enfim se dado conta do beco sem saída dessa
política conciliatória, anunciando recentemente (7 de março) que
passará a fazer firme oposição ao governo Dilma e que mobilizará
sua base em uma jornada de lutas, tudo indica que essa Frente (da
qual o MTST não se retirou) continuará blindando Dilma. Por isso
chamamos o PSOL e todos os seus militantes a romper com a mesma, que
só pode atrapalhar a organização da classe trabalhadora para lutar
contra o ajuste fiscal.
O
PSTU tem uma posição distinta. Eles também têm criticado a
presença do PSOL nessa Frente com o governismo e chamado,
corretamente, pela composição de um polo da classe trabalhadora em
oposição ao governo e à direita:
“Os
trabalhadores e a maioria do povo não devem apoiar Dilma, nem apoiar
Cunha-Aécio, que defendem que governe Michel Temer ou Aécio Neves
com esse Congresso. A classe trabalhadora e a juventude precisam ir à
luta em defesa das suas reivindicações e contra todos eles. É
através da mobilização para botar todos eles para fora, em defesa
das nossas reivindicações e contra o ajuste fiscal que todos eles
defendem, que podemos construir uma alternativa dos de baixo para
governar o país.”
Fora Dilma, Fora Cunha, Fora Temer, Fora Aécio e esse Congresso Nacional! Fora todos eles!, 3 de dezembro de 2015.
Disponível em http://tinyurl.com/z5zwnb2.
Fora Dilma, Fora Cunha, Fora Temer, Fora Aécio e esse Congresso Nacional! Fora todos eles!, 3 de dezembro de 2015.
Disponível em http://tinyurl.com/z5zwnb2.
Porém,
estamos em desacordo com a posição do PSTU em dois níveis. O
primeiro é que a proposta do PSTU para a investida contra os
inimigos da classe trabalhadora está em torno do chamado por
“eleições gerais”:
“De
imediato, se ainda não temos uma organização dos trabalhadores e
do povo pobre apoiada nas suas lutas para governar, que é o caminho
que pode garantir mudança de verdade, então que se convoquem novas
eleições gerais no país, para presidência da República,
senadores, deputados federais e governadores. Que o povo possa trocar
todo mundo, se quiser. O que não dá para aceitar é que qualquer um
desses que estão aí hoje governem.”
Idem.
Acreditamos,
como o PSTU sustenta, na necessidade de um governo de trabalhadores
baseado em nossas organizações de luta e estabelecido por uma
revolução para resolver a crise econômica e as desigualdades e
absurdos desse país. Mas enquanto uma revolução não é sentida
pelos trabalhadores brasileiros como uma necessidade e o socialismo
está distante do seu horizonte de expectativas, existe uma ampla
insatisfação com o “ajuste fiscal”, o qual é defendido por
todos os partidos da burguesia. Um movimento de trabalhadores
independente de todas as frações burguesas para combater esse
ajuste e os cortes do governo é uma perspectiva viável e que
prepararia nossa classe para começar a agir como uma “classe para
si”, ou seja, na defesa combativa de seus próprios interesses.
A
proposta do PSTU por eleições gerais, porém, vai na contramão de
ambas perspectivas. A tática de unidade na luta contra o ajuste e os
cortes de direitos avança para uma ação independente dos
trabalhadores. Já querer eleições gerais como um objetivo para o
atual período de instabilidade só serviria para desviar as
expectativas do proletariado para o pântano lamacento da falsa
democracia dos ricos, ainda que os pivôs dos escândalos de
corrupção não participassem, como o PSTU defendeu em outras
declarações. A burguesia nunca tem dificuldades em repor seus
fantoches e homens fortes. Nesse sentido, é também equivocada, e
cumpre igualmente papel de desvio, a linha assumida pelo MRT/Esquerda
Diário, de chamar por uma Assembleia Constituinte [12] –
uma linha recorrente desse grupo, à qual futuramente dedicaremos uma
polêmica à parte.
Qualquer
partido revolucionário deveria saber que as eleições burguesas são
nada mais que um jogo de cartas marcadas, e que a burguesia só
financia e divulga maciçamente aquelas campanhas dispostas a
defender os seus interesses. Além disso, os trabalhadores não podem
decidir, nas eleições, sobre as questões que realmente afetam as
suas vidas, nem a forma como seu local de trabalho será gerido, nem
quem pagará pela crise econômica, nem sobre leis cortando seus
direitos, por exemplo. As eleições não passam de uma oportunidade
que o proletariado tem para escolher os seus carrascos.
Marxistas
normalmente chamam por eleições gerais em casos quando estas se
contrapõem a uma ditadura que reprime todas as formas de liberdades
democráticas burguesas. Nesses casos, o chamado por eleições serve
para desmascarar regimes ditatoriais e representa a abertura de um
espaço político para agitação revolucionária. Especialmente
quando a população tem expectativas de que as coisas seriam
drasticamente diferentes em uma democracia. Mas no atual cenário
brasileiro, a população e os trabalhadores em especial sentem
profundo desdém e não acreditam no sistema eleitoral burguês.
Os
revolucionários podem continuar usando, em momentos de calmaria, os
períodos eleitorais para denunciar a farsa que as eleições
representam. Mas de forma alguma é aceitável apresentar a proposta
de um novo processo eleitoral nesse momento, quando o que a
conjuntura exige é uma luta incansável contra os ataques do governo
e da direita. Um processo eleitoral no meio das lutas serviria
somente para desviar as atenções, seria um caminho para longe dos
esforços pela construção imediata de um polo classista. Sem contar
que as eleições gerais que se seguiriam à queda da presidente,
seriam provavelmente ganhas pela oposição de direita. De que forma
isso ajudaria a barrar os ataques da burguesia contra nossa classe? É
uma pergunta difícil de responder mesmo para o PSTU.
Outro
aspecto da posição do PSTU com qual temos desacordo ainda não é,
até o momento, tão concreto. É a sua tendência a flertar com as
investidas contra o governo Dilma mesmo se partirem da oposição de
direita. A LIT, organização internacional da qual o PSTU faz parte,
tem mantido de forma consistente a linha de enxergar qualquer
movimentação de massas contra o governo da vez como algo
progressivo, sem considerar o caráter de classe que está à frente
do movimento de oposição e quais forças efetivamente dirigem a
derrubada do governo da vez. Fizeram isso na Líbia, ao não ter
nenhum pudor de reivindicar uma unidade de ação com a OTAN para
derrubar o ditador Kaddafi; na Síria, ao apoiar os reacionários
rebeldes do Exército Livre da Síria, de programa burguês
pró-imperialista, como uma alternativa ao tirano Assad; na Ucrânia,
ao chamar de “revolução” e apoiar o levante do EuroMaidan,
dirigido pela direita pró-União Europeia; no Egito, ao sustentar
que o golpe militar que derrubou o ex-presidente da Irmandade
Muçulmana foi uma “revolução vitoriosa”. [13] Essa é a
mesma tendência que permitiu à corrente internacional do PSTU
enxergar a queda da URSS e demais Estados operários burocratizados
europeus no começo dos anos 1990 como uma “vitória histórica dos
trabalhadores” [14].
Tal
tendência não foi, por ora, levada até esses extremos. O PSTU tem
rejeitado abertamente se somar aos atos organizados pelos opositores
de direita e não apoia o impeachment, embora dificilmente o partido
se pronuncie contra este processo. Ao longo dos meses,
disse que “não o propõe”: “O PSTU não está propondo
impeachment da presidenta Dilma. Não queremos colocar nas mãos
deste Congresso Nacional, corrupto e controlado pelo poder econômico,
a solução da crise vivida pelo país” (Quem faz o jogo da
direita, 28 de julho de 2015). Ou então que um
impeachment “não basta”: “Por isso dizemos que não basta
tirar a Dilma. É necessário colocar para fora também toda essa
corja do PMDB e do PSDB, começando pelo picareta maior do Eduardo
Cunha, Temer, Aécio Neves e esse Congresso…”. (Nota da
Direção Nacional do PSTU, 3 de dezembro de 2015).
A
ideia de que o impeachment “não basta” ou “não resolve nossos
problemas” (como também foi expressa) está diretamente
relacionada à palavra de ordem de “Fora Dilma, Fora
Cunha, Fora Temer, Fora Aécio e esse Congresso Nacional! Fora todos
eles!” defendida pelo PSTU. Idealmente, somos a favor de
um “fora todos” no sentido de que queremos tirar do poder todos
os representantes da burguesia. Porém, defender essa demanda na
atual conjuntura, em que a única possibilidade concreta é que o
“Fora Dilma” leve a um governo do PMDB-PSDB, não é advogar a
causa do proletariado, mas ser indiferente quanto às conclusões a
que a concretização dessa demanda poderia levar. Isso seria
diferente se a ameaça pairando sobre Dilma fosse a do movimento da
classe trabalhadora, é claro.
Não
é à toa, porém, que foi quando a perspectiva do impeachment se
tornou concreta que o PSTU passou a defender tal demanda. Mais
seriamente, em certa ocasião um dos principais dirigentes do PSTU
apoiou (no seu perfil nas redes sociais) um “panelaço” da classe
média conservadora contra os pronunciamentos de Dilma, dizendo que
era “perfeitamente merecido”:
PANELAÇO
NA DILMA E NO PT! MAS PANELAÇO TAMBÉM NO AÉCIO E NO PSDB! PANELAÇO
NESTA CORJA TODA!
“Inacreditável
a cara de pau da direção do PT no programa que acaba de ir ao ar na
TV. Mostram um país que só existe no conto da carochinha dos
dirigentes deste partido e seu governo. E acham que enganam alguém
com isso. Perfeitamente merecido o panelaço que se ouviu por todo
lado durante o programa. Mas panelaço não pode ser só no PT e na
Dilma, não. Tem de ser também no Aécio e no PSDB, no Temer e
Eduardo Cunha do PMDB, tem de ser panelaço neles todos. Eles estão
unidos para atacar os direitos dos trabalhadores e para defender o
lucro dos bancos”.
Os
revolucionários não se opõem ao impeachment por considerar o PT
uma organização operária ou seu governo com sendo de esquerda.
Não, sabemos que são um partido e um governo dos patrões, que
merecem a cova, junto com os tucanos e o restante da direita. Mas o
algoz do PT não deve ser um impeachment e nem os tribunais
controlados pela direita, mas sim a classe trabalhadora organizada.
Portanto, denunciamos e nos opomos firmemente à hipocrisia do
impeachment do PSDB-PMDB como uma tentativa de angariar os frutos do
desgaste do governo. O chamado por um “Fora Dilma! Fora Todos!”
defendido pelo PSTU – e também pela CST (PSOL) [15] –
não prioriza a perspectiva de derrotar o governo Dilma e suas
políticas antioperárias, mas sim a sua retirada ou saída do poder,
sem que o movimento da classe trabalhadora esteja pronto, nesse
momento, para se beneficiar disso e quando só a oposição de
direita pode fazê-lo. Reafirmamos que somente a formação de um
polo proletário independente tanto da oposição direitista quando
do governo Dilma oferece a perspectiva de derrotar esses dois
algozes.
O
cerco sobre Lula e as falsas expectativas na Operação Lava Jato
Com
o vazamento da suposta delação do senador petista Delcídio Amaral
pela revista Isto É, no último dia 3 de março, a situação
de Dilma se tornou ainda mais instável e o ex-presidente Lula foi
posto no olho do furacão. Lula, a atual aposta do PT para as
eleições de 2018, foi levado a depor coercitivamente pela Polícia
Federal no dia 4 de março e teve prisão preventiva solicitada pelo
Ministério Público de São Paulo. Apesar das acusações contra ele
e Dilma não estarem confirmadas, a oposição de direita e setores
do PMDB voltaram a bradar pelo impeachment e a convocação para a
manifestação que organizam para o dia 13 de março ganhou muito
mais fôlego. Ante essa situação, de novos atos de rua convocados
pela oposição de direita e por grupos da “nova” direita,
reforçamos aquilo que dissemos em relação às manifestações do
início de 2015. O mesmo vale para nosso posicionamento em relação
ao impeachment contra Dilma.
Porém,
a reposta dada ao evento por setores da esquerda reforçam
nossas críticas a esses partidos e grupos. A direção da CSP-Conlutas,
hegemonizada pelo PSTU, emitiu uma nota em que não questiona a
arbitrariedade e as intenções de Moro e da Polícia Federal e
demandou que também Cunha, Aécio e Cia. fossem investigados:
“Assim,
não podemos cair no discurso que essa ação [a investigação sobre
Lula] é um ‘golpe da direita’, precisamos exigir que as
investigações avancem e cheguem a todos os políticos corruptos e
às empresas corruptoras. É dessa forma que vamos virar esse jogo
para o lado dos trabalhadores.”
Não
basta avançar na investigação sobre Lula, é preciso apurar também
as falcatruas do PSDB, PMDB, DEM e outros partidos de direita!, 12 de
março de 2016.
Disponível em http://tinyurl.com/zu82883.
Disponível em http://tinyurl.com/zu82883.
Qualquer
um pode ver que essa
ação
faz parte da sórdida investida da oposição de direita contra o PT,
além do que cruza a própria legalidade de investigações
criminais. Aqui, a direção da CSP-Conlutas parece confiar na Lava
Jato (que não é criticada em nenhum momento do artigo) para
investigar todos os outros partidos da burguesia. Quaisquer que sejam
os interesses “justiceiros” de Moro e da Lava Jato, a condução
das operações está prestando auxílio às intenções dos setores
da oposição de direita para criar instabilidade. Um partido
revolucionário não deveria delegar à polícia e à justiça dos
patrões a tarefa de realizar a limpeza dos corruptos, pois é
evidente que isso não acontecerá. Como a própria nota da
CSP-Conlutas afirma, “a burguesia protege os seus”. Não há
motivo, portanto, para crer que a continuidade de investigações da
Lava Jato irá “virar esse jogo para o lado dos trabalhadores”.
Como afirmamos, esta é uma manifestação da tendência de não
diferenciar os golpes sofridos pelo governo e PT por parte da classe
trabalhadora daqueles que vêm, ou acabam sendo instrumentalizados,
pela oposição de direita.
O
PSOL também está dando apoio à continuidade das investigações. O
site do partido afirmou que “Apoiamos
o aprofundamento das investigações, na expectativa de que sejam
levadas até o fim, sem qualquer diferenciação entre os acusados,
tendo prerrogativa de foro ou não.”
[16]
Essa “expectativa”
é uma ilusão séria. A Lava Jato já demonstrou que não vai se
colocar a serviço de uma investigação da casta política ou do
meio empresarial de forma imparcial. Não será “levada até o fim”
pois a Justiça burguesa não pode fazê-lo.
A
CST/PSOL emitiu nota de teor semelhante, em que demanda o
aprofundamento das investigações e diz que “Lula e Dilma devem
ser investigados e punidos!” [17] Mas por
quem? Nós do Reagrupamento Revolucionário encaramos
que Lula, Dilma, Aécio, Cunha e cia. precisam sim ser investigados,
mas não conferimos confiança alguma à justiça burguesa. Apenas o
movimento operário organizado tem legitimidade para realizar uma
investigação séria contra essa corja, a começar pela devassa das
finanças das grandes empresas envoltas em toda essa falcatrua. E
vemos necessidade de denunciar firmemente a forma como Moro e a PF
vem atuando, que revela a podridão dos aparelhos repressivos do
Estado burguês.
Mas
se a posição da direção da CSP-Conlutas e da CST/PSOL são preocupantemente equivocadas,
cabe ressaltar que a do MNN/Território Livre
ultrapassa todos os limites do bom senso. Tal grupo emitiu duas notas
em que efetivamente comemorou ditas ações e ainda pediu pela
imediata prisão de Lula e queda de Dilma, com a demanda “Que
Lula seja preso!” [18], alegando que isso
favorecerá as condições para a construção de organizações
revolucionárias. Uma ilusão delirante de que um processo controlado
pelo Estado e pela Justiça dos patrões e posto a serviço dos
direitistas pode trazer frutos políticos para o proletariado.
Esses
novos acontecimentos em nada alteram nossa posição de oposição ao
governo Dilma. Tampouco vemos motivos para baixar o tom quanto ao
papel histórico cumprido por Lula de trair e conter os movimentos da
classe trabalhadora. Com o acirramento dos ânimos, governistas tem
inclusive assumido posturas agressivas que devem ser rechaçadas com
o necessário vigor pelo conjunto dos movimentos sociais e da
esquerda, como a censura e tentativa de agressão a militantes do
Movimento Mulheres em Luta (que compõe a CSP-Conlutas) no ato de 8
de março em São Paulo. Da mesma forma, os direitistas mais
fanáticos e com tendências fascistoides realizam agressões contra
sedes de sindicatos da CUT, militantes ou mesmo pessoas aleatórias
vestidas de vermelho que passam pelas suas manifestações. É
preciso unidade dos lutadores para rebater esses reacionários
violentos, com todos os meios necessários. O governismo e a reação
de direita devem ser derrotados nas lutas e ruas, por meio da
mobilização e unidade da classe trabalhadora.
Notas
[1]
Institutos
de pesquisa fazem levantamentos sobre o perfil dos manifestantes em
Porto Alegre,
16 de março de 2015. Disponível em: http://tinyurl.com/m39kn27
[2]
Conforme
A
nova roupa da direita,
Pública, 23/06/2015 (disponível em http://tinyurl.com/plbh27b),
Três
grupos organizam os atos anti-Dilma, em meio a divergências,
El País Brasil, 15/03/2015 (disponível em
http://tinyurl.com/jpky7rz)
e Quem
financia os grupos que pedem o impeachment?,
Diário do Centro do Mundo, 15/03/2015 (disponível em
http://tinyurl.com/j4kwkyl).
[3]
Contrariando
líderes tucanos, FH diz que pedido de impeachment é precipitado,
O Globo, 19/04/2015. Disponível em: http://tinyurl.com/hc4fveo.
[4]
Sobre
os defensores da “Escola Austríaca”, que tem dado as caras no
Brasil recentemente, ver o artigo de André Augusto, O
que está em jogo no "Mais Mises, Menos Marx".
Disponível em: http://tinyurl.com/jag83aj.
[5]
Conforme
Barraco
na direita: Olavo, Reinaldo, Constantino, Bolsonaro e Kataguiri
trocam acusações,
Portal Fórum, 13/01/2016. Disponível em:
http://tinyurl.com/j3vl8xj.
[6]
A
esse respeito, ver “Tomar
as massas em seu movimento”, site
do MNN, 17/03/2015 (disponível em http://tinyurl.com/hptdyvy),
Fora
Dilma, Fora Todos!,
Facebook do MRS, 16/08/2015 (disponível em
http://tinyurl.com/h9uo4gh),
O
Brasil precisa de uma Grande Revolução, Jornal
a Nova Democracia n. 147, março/2015 (disponível em:
http://tinyurl.com/h5lgjmh)
e Porque
ir aos atos do dia 13 de março?,
Facebook do MRS, 12/03/2016 (disponível em
http://tinyurl.com/h8uv2un).
[7]
Recente pesquisa do Esquerda
Diário
indica que se trataria de uma forte resposta de um bilionário cartel
internacional de produção de navios-sonda à tentativa de formação
de um cartel competidor “tupiniquim”. Esquerda
Diário investiga delações,
Esquerda Diário (portal do MRT), 29/01/2016. Disponível em:
http://tinyurl.com/j7tg9y4.
[8]
Conforme
Fascistas
vão fundar a Frente Nacionalista em Curitiba com um festival lotado
de banda ruim,
Vice, 11/12/2015 (disponível em http://tinyurl.com/zj792q4)
e Grupo
fascista cancela congresso na região de Curitiba,
Gazeta do Povo, 11/12/2015 (disponível em
http://tinyurl.com/hohxs5q)
[9]
O
PSOL é um partido formado por tendências, de forma que nem todas
assinam a participação na Frente Povo sem Medo. Os movimentos do
PSOL que aparecem assinando o lançamento da Frente são os
seguintes: Coletivo
Juntos, Juventude Socialismo e Liberdade (JSOL), RUA – Juventude
Anticapitalista, Coletivo Construção e Bloco de Resistência
Socialista. Um
notável ponto fora da curva foi a corrente morenista CST, seção
brasileira da UIT.
[10]
Ver
Frente
Povo Sem Medo é lançada no Maranhão, com a presença do PSOL
(http://tinyurl.com/hekglsp),
31
de março é dia nacional de luta unificada contra o ajuste fiscal e
a reforma da previdência
(http://tinyurl.com/zqo8djy)
e Frente
Povo Sem Medo começa a se organizar nos estados
(http://tinyurl.com/gon6cl7).
[11]
Ver
Marcelo
Freixo apoia Dilma Rousseff
(https://www.youtube.com/watch?v=on3oysCoxj8)
e Jean
Wyllys: No segundo turno, eu voto em Dilma
(http://tinyurl.com/gtflrgh).
[12]
Conforme Por
uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana imposta pela força da
mobilização,
de dezembro de 2015 (http://tinyurl.com/jr9ncc7).
Em nosso arquivo histórico há um documento de polêmica com a seção
irmã do MRT na argentina, quando esta adotou linha semelhante na
crise política que passou aquele país em 2001 (ver Acerca
do chamado por uma assembleia constituinte na Argentina,
de março de 2002, http://tinyurl.com/zxc3oz2).
[13]
Sobre
as posições da LIT / PSTU ante as guerras civis líbia e síria e o
conflito na Ucrânia e no Egito, ver (respectivamente) nossa polêmica
De
que Lado da Trincheira?,
de
novembro de 2011 (http://tinyurl.com/ztu5e67),
o artigo do PSTU Quatro
anos da revolução síria,
de março de 2015 (http://tinyurl.com/jc8rtdy),
a
Declaração
da LIT-QI sobre a situação na Ucrânia,
de maio de 2014 (http://tinyurl.com/jplyqc5)
e nossa polêmica O
golpe militar no Egito e a posição escandalosa do PSTU/LIT,
de outubro de 2013 (http://tinyurl.com/z4b87l8).
[14]
Ver,
por exemplo, O
veredito da história,
de julho de 2015 (http://tinyurl.com/zqy78gy).
[15]
Conforme Nem
governistas, nem tucanos. Fora Todos!,
de agosto de 2015 (http://tinyurl.com/hctwcng).
[16]
Conforme “Apoiamos
o aprofundamento das investigações”: Nota da bancada do PSOL
sobre as novas prisões da Lava Jato (http://tinyurl.com/hgpkkjo
).
[17]
Conforme Lula
e Dilma devem ser investigados e punidos!,
de março de 2016 (http://tinyurl.com/zfmc83v).
[18]
Confira: Lula
na prisão!
(5/3/2016 http://www.movimentonn.org/?p=802
e http://tinyurl.com/hwe63t8).