Café
da manhã de Dilma com jornalistas
A
agenda do governo e a resposta necessária da classe trabalhadora
Por
Rodolfo Kaleb, fevereiro
de 2016.
[Nota:
este artigo discute a agenda do governo Dilma contra a classe
trabalhadora para este ano. Na última seção, nos posicionamos a
respeito da política do impeachment contra Dilma, sem elaborar muito
sobre a questão. Ela será discutida em maior detalhe (assim como
criticadas posições oportunistas na esquerda sobre esse tema) em um
outro artigo a ser publicado em breve.]
Ao
longo de 2015, o governo do PT realizou uma série de ataques à
classe trabalhadora e à juventude do país. Não obstante a
diminuição de sua base aliada no Congresso e a instabilidade criada
pela oposição de alas do PMDB e pelo PSDB, a gestão de Dilma
Rousseff encaminhou, de mãos dadas com o que há de mais podre na
política brasileira, como a “Bancada da Bala, Boi e Bíblia” e o
conjunto dos parlamentares sanguessugas do PMDB, projetos de lei que
atacam os direitos trabalhistas, cortou pesadamente a verba da
educação e da saúde pública e ainda aperfeiçoou os instrumentos
de criminalização dos movimentos sociais (PL do terrorismo). E tudo
indica que este ano será tão agitado quanto.
Logo
no começo de 2016,
em 15 de janeiro, Dilma realizou um café da manhã com jornalistas
no Palácio do Planalto. Seu
conteúdo pode ser acessado em
http://tinyurl.com/jlg9dfo
(G1,
15/01/2016).
Ela
tem convocado coletivas de imprensa como essa com a intenção de
melhorar a popularidade abalada do seu governo. Numa enorme mesa
retangular com bastante comida, os jornalistas da grande imprensa
fizeram várias perguntas à presidente.
O recado claro foi de que as políticas de austeridade e de ataques
aos trabalhadores continuarão. Vejamos
em detalhes o
que foi discutido e para o que nós, trabalhadores, que estamos
comendo o pão que o diabo amassou, temos de estar prontos.
Desemprego
Dilma
afirmou que sua maior preocupação é com o desemprego. No cálculo
do IBGE para o terceiro trimestre de 2015, o desemprego chegou a 9%.
Hoje, o número de trabalhadores sem carteira assinada deve estar
ainda maior. A presidente disse:
“Todo esforço do governo… é para impedir que, no Brasil, nós tenhamos um nível de desemprego elevado. Para mim, é a grande preocupação, é o que nós olhamos todos os dias. É aquilo que mais me preocupa e aquilo que requer mais atenção do governo”.
Mas
a preocupação de Dilma não é com a vida dos trabalhadores que
estão sem poder pagar as contas e em dificuldades.
Se não, não teria realizado o corte de uma série de direitos
trabalhistas desde o ano passado, inclusive dificultado o acesso ao
seguro-desemprego e benefícios previdenciários. Nem
teria encarregado o novo Ministro da Fazendo, Nelson Barbosa, de uma
nova contrarreforma da previdência, que aprofundará o ataque aos
aposentados iniciado em 2003 por Lula.
A preocupação de Dilma é com os banqueiros e os demais
capitalistas que começam a sentir no bolso a inadimplência dos
serviços (situação de 1 em cada 5 famílias) e
com a instabilidade econômica decorrente.
Desde
meados do ano passado, milhares de operário das obras de construção
do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) tem feito
grandes mobilizações em defesa de seus empregos (constantemente
ameaçados por cortes de pessoal) e salários (constantemente
atrasados). Em Volta Redonda, no estado do
Rio de Janeiro, os operários da CSN estão passando
nesse momento por uma
luta encarniçada contra milhares de
demissões realizadas pela empresa. A rede de supermercados Wal-Mart
anunciou o fechamento de 60 lojas, o que vai acarretar centenas de
demissões. Com os cortes nos gastos em obras públicas do PAC (8,6
bilhões), somados aos efeitos da crise que vem se arrastando, a
perspectiva é sombria para o proletariado.
Diante
do cenário de aumento do desemprego, nós trabalhadores devemos
lutar pela organização dos desempregados
junto com a luta dos demais trabalhadores.
Devemos também exigir que os sindicatos os
organizem. Mas os burocratas que dominam a
maioria dos sindicatos do país (além da maioria das centrais),
tornando-os instrumentos de divisão e contenção da classe
trabalhadora em vez de instrumentos de luta, não vão fazer isso.
Eles não estão nem aí para os trabalhadores demitidos.
Nossa
classe deve ser unida. Não devemos aceitar nenhuma demissão por
cortes. Amanhã pode ser um de nós. Devemos
exigir a diminuição
das horas de trabalho, sem diminuição de salário, para reintegrar
os demitidos. São os patrões que
tanto lucraram nos últimos anos que tem que pagar pela crise do seu
sistema. Também devemos exigir
a abertura dos arquivos de
contabilidade para revelar a fortuna que os grandes capitalistas
estão fazendo em cima do suor dos
trabalhadores. No caso de fábricas falidas
ou que queiram fechar as portas por completo, como
o recente caso da MABE (em Campinas e Hortolândia)
a ocupação, acompanhada do controle operário, deve ser a tática
da classe trabalhadora. São necessárias
ações de solidariedade da classe trabalhadora em todo o país
para fortalecer esses companheiros.
Terceirização
Apesar
de Dilma não ter falado do Projeto de Lei da terceirização (PL
4330/2004), esse é uma importante medida na qual os patrões estão
apostando para amenizarem suas contas nesses tempos de recessão e
garantirem maiores lucros no próximo ciclo de ascenso econômico. Se
aprovado e sancionado, ele permitirá que muitos postos de trabalho
hoje regidos pela CLT (com pisos salariais e direitos trabalhistas
conquistados a duras penas) passem para a lógica da terceirização,
que implica menores salários, menos direitos e constante
instabilidade.
Não
é a toa que Dilma não tenha mencionado esse PL. A resposta do PT ao
mesmo no ano passado foi muito fraca e contraditória, pois ao mesmo
tempo em que a CUT realizou certa mobilização contra sua aprovação
na Câmara e que os deputados do PT votaram contra o mesmo (ou se
abstiveram), o Planalto Central – comprometido até o pescoço com
o “ajuste fiscal” então promovido por Joaquim Levy a pedido de
Dilma – se calou. Ademais, as mobilizações puxadas pela CUT foram
quase que simbólicas, pois os burocratas a frente da central
sindical não fizeram nenhum esforço para realmente parar o país
com fortes greves.
Se
for aprovado no Senado, esse PL será o mais brutal ataque aos
direitos trabalhistas desde a ditadura. É essencial barrar o mesmo
através de lutas unificadas de todas as categorias e avançar no
sentido de acabar de vez com a terceirização, que é uma forma de
precarizar a mão de obra e dividir a classe) garantido que
os trabalhadores terceirizados sejam todos integrados às empresas
para as quais prestam serviços com plenos direitos e isonomia
salarial.
Ajuste
fiscal
Dilma
também deixou claro que vai continuar o ajuste fiscal –
agora a cargo do petista Nelson Barbosa –
que significa jogar o custo da crise nas costas dos trabalhadores
através de corte de gastos públicos e aumento de impostos. Os
impostos vão ser mais pesados sobre os trabalhadores,
já que incidem sobre consumo ao invés da renda.
Os cortes, também. Só para dar um exemplo: a conta de luz teve novo
reajuste em novembro, depois de já ter aumentado 48% em 2015. Mas os
grandes consumidores, as indústrias, tiveram desconto!
Só
no ano passado, Dilma vetou o reajuste dos servidores, suspendeu
concursos públicos, cortou 7 bilhões da Educação (provocando
uma longa greve nacional nas Instituições de Ensino Superior, que
acabou derrotada), quase 4 bilhões da
Saúde, 10 bilhões do Bolsa Família, dentre outras medidas. Mas nem
pensar em cancelar os pagamentos da “dívida pública” aos
credores internacionais, grandes banqueiros e empreiteiras. Estes
continuam lucrando e recebendo o dinheiro dos nossos impostos pelos
serviços (superfaturados) e empréstimos a juros altíssimos feitos
ao governo brasileiro. Reafirmando seu
compromisso para com os credores, Dilma recentemente vetou a
auditoria dessa dívida, que muitos especialistas indicam ser
falsificada. E
olha que a Câmara – cuja composição atual tem sido considerada a
mais conservadora desde a redemocratização – havia aprovado tal
medida.
Por
sinal, esses cortes não dividem a oposição de direita e governo,
nem o PMDB e nem o Congresso: nisso estão todos juntos contra o
povo. Enquanto isso, os salários vão se corroendo pela inflação,
que está batendo o índice de 10% ao ano. A próxima medida de Dilma
será uma reforma da Previdência para aumentar o tempo de trabalho e
reduzir as aposentadorias. No café da manhã, ela disse que
“A reforma da Previdência tem de ser compreendida técnica e politicamente. Essa não é uma questão desse ou daquele governo e sequer pode ser politizada. Têm vários caminhos para o consenso. E um deles é o do fator previdenciário móvel, que pode ser incorporado à reforma”.
“Não
politizar” o debate é uma verdadeira piada. É preciso formar um
movimento independente do governo e da burguesia contra os cortes de
direitos e o arrocho salarial, no qual estejam presentes os partidos,
sindicatos, associações de classe e de luta contra a opressão.
Essas organizações de luta devem ter unidade de ação, com greves
e manifestações para denunciar e combater esses ataques. Essa é a
maneira de mostrar a força da classe trabalhadora contra o governo e
deixar claro que não vamos engolir mais ataques enquanto os grandes
capitalistas seguem lucrando. Se o governo alega rombo no orçamento,
então devemos
demandar a
taxação progressiva das grandes fortunas.
Leilões
do Petróleo
Questionada
sobre os leilões dos blocos de petróleo que foram adiados, Dilma
disse que:
“Ninguém faz leilão de bloco de exploração [com o barril do petróleo] a US$ 30 (…) Como faço, em 2016, com o petróleo a US$ 30, uma concessão de 30 anos? (…) Não é o momento. Talvez poços menores. Estamos olhando isso em áreas menos rentáveis.”
Eis
uma característica do governo petista: ainda quer manter a aparência
de que é “independente” dos grandes capitais imperialistas e que
defende os interesses da nação. Talvez um governo ainda mais
entreguista não se importasse com um “detalhe” como a baixa
histórica do preço do barril e vendesse agora mesmo o que resta do
petróleo e gás brasileiro. Mas o governo Dilma diz que vai
se limitar aos “poços menores” e esperar um aumento antes de
abrir novamente as portas para as grandes empresas estrangeiras. Pura
retórica. Em 2013, a Agência Nacional do Petróleo realizou
grandes leilões onde deu às empresas privadas (em sua maioria
europeias, canadenses e americanas) o direito de explorar os blocos
de poços profundos por trinta e cinco anos.
Dilma fez demagogia prometendo reverter os royalties (o imposto anual pelo direito de exploração) para saúde e educação. O que não falou, porém, foi que esses impostos, assim como o preço de venda, são uma fatia minúscula do que essas empresas vão lucrar explorando seus trabalhadores e os recursos naturais do país.
Vejamos,
como exemplo, o Campo de Libra, situado na costa do Rio de Janeiro,
que é a maior reserva de petróleo descoberta até hoje no Brasil (8
a 12 milhões de barris). O campo foi vendido por 15 bilhões de
dólares a um consórcio reunindo a Petrobras e as empresas Total
(França) e Shell (Inglaterra e Holanda), além da participação
menor de duas estatais chinesas. Ora, mesmo se considerarmos o preço
atual do petróleo, a exploração renderia cerca de 300 bilhões de
dólares. Na época do leilão, a presidente mandou o exército, que
supostamente deveria “defender os interesses do país de ameaças
externas”, atacar os manifestantes que protestavam contra esse
absurdo.
O
valor dos royalties varia com o preço do barril. Por isso, a queda
no preço fez cair a arrecadação e deixou os estados produtores,
como o Rio de Janeiro, em grave situação orçamentária (já
que a maior parte do orçamento já é usada para bancar isenções
de impostos a empresas privadas). O
governador Pezão (PMDB) – da base aliada
do governo e escudeiro de Dilma – é
claro, não pensou duas vezes antes de cortar da saúde e da
educação. Os servidores estaduais do RJ
tem sofrido com constantes atrasos de salários e com o não
pagamento de seu 13º salário. Os trabalhadores terceirizados de
empresas que prestam serviços para hospitais, universidades e órgãos
do estado estão em situação ainda pior.
Para
resolver essa situação, nós trabalhadores devemos exigir a
reestatização da Petrobras e a
expropriação sem indenização das companhias privadas nacionais e
estrangeiras, sob controle dos trabalhadores.
Com isso, a produção pode realmente voltar seus recursos para
saúde, educação e investimento em energias limpas. Os petroleiros
têm um tremendo potencial de luta e, junto com o restante da nossa
classe, são muito mais capazes de defender os interesses do povo do
que o governo entreguista de Dilma. Se
somarem forças aos servidores estaduais que já se encontram em
luta, como no caso do RJ, podem fortalecer imensamente a batalha para
que sejam os patrões a pagarem pela crise.
Manifestações
Dilma
foi questionada pelos jornalistas sobre as manifestações de rua que
estavam
acontecendo nas principais cidades do país contra o aumento das
tarifas dos transportes, especialmente em São Paulo. Ela teve a cara
de pau de afirmar:
“Acho que, no nosso caso, conquistamos a democracia, e ela tem de ser cuidada e suas regras respeitadas (…). As manifestações, nós aprendemos a conviver e a respeitá-las. Acho que tratar das questões da democracia, as manifestações são uma prática normal.”
Dilma
fingiu que não viu a
repressão brutal da polícia militar paulista contra os
manifestantes nos últimos dias. Nem as agressões criminosas da
polícia contra os vitoriosos estudantes secundaristas que lutaram
para que suas escolas não fossem fechadas no fim de 2015. E
pelo visto “esqueceu” que partiu do Executivo
o projeto de lei que tipifica atos e grupos “terroristas”, um
adicional jurídico importante para garantir a repressão aos
movimentos sociais durante as Olimpíadas de 2016, tal qual ocorrera
com a “Lei Geral da Copa” em 2014 (também iniciativa do Planalto
Central).
Quando grupos e partidos da oposição de direita organizaram
protestos no ano passado, a polícia posou para fotos e os tratou com
gala. Mas diante dos que lutam contra as medidas dos governos para
piorar nossa vida, a resposta é com os porretes e bombas. Diante de
tudo isso, Dilma comia uma fatia de queijo e falava que “aprendemos
a conviver”.
Devemos
reivindicar o
fim da polícia militar e outras forças de repressão contra os
movimentos sociais.
Precisamos
defender o
direito de manifestação, um direito democrático cada vez mais
cerceado pelos governos. E
também exigir a
queda de todos os processos contra os lutadores das causas populares,
inclusive os 23 criminalizados por protestar
durante a Copa do Mundo de 2014. As organizações dos trabalhadores
devem se defender contra as agressões policiais, que ocorrem diante
de qualquer greve ou movimento combativo.
Impeachment
Por
fim, Dilma também comentou o processo de impeachment lançado contra
ela no fim do ano passado. Afirmou que
É a isso que Dilma resumiu o impeachment: não gostar dela e do seu governo. Não está muito longe da verdade, já que, como visto, existe um amplo acordo entre os partidos da burguesia sobre as medidas de ajuste a serem tomadas. Nessas questões centrais, o governo do PT-PMDB pouco diverge da oposição de direita. Mas esta oposição de direita, junto a uma ala do PMDB, gostaria de ter controle direto sobre o Executivo.
“Não se pode, no Brasil, achar que você tira um presidente porque não está simpatizando com ele. Isso não é nem um pouco democrático, achar que você tira um presidente porque, do ponto de vista político, você também não gosta dele.”
É a isso que Dilma resumiu o impeachment: não gostar dela e do seu governo. Não está muito longe da verdade, já que, como visto, existe um amplo acordo entre os partidos da burguesia sobre as medidas de ajuste a serem tomadas. Nessas questões centrais, o governo do PT-PMDB pouco diverge da oposição de direita. Mas esta oposição de direita, junto a uma ala do PMDB, gostaria de ter controle direto sobre o Executivo.
O
motivo imediato para o início do processo foi o rompimento do
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, com o governo.
Cunha, um fundamentalista evangélico homofóbico e machista, contra
quem pesam acusações fortíssimas de aceitação de propina e que
possui uma conta não-declarada com milhões de dólares na Suíça,
vinha sendo blindado pelo governo. Como deputados do PT votaram pelo
encaminhamento das investigações contra ele, Cunha contra-atacou.
Além dessa disputa sórdida, podemos esperar que um governo do PMDB
vai ter ainda menos pudores que o PT em acelerar o ajuste fiscal. O
PT, afinal, ainda mantém uma relação com burocratas sindicais que
precisam enganar suas bases.
Nós,
trabalhadores, devemos nos posicionar contra esse impeachment.
Não por querer a continuidade do governo de Dilma. Estamos também
contra os movimentos que blindam Dilma e pedem a continuidade de seu
governo, pois escondem todos os ataques realizados contra nós e as
alianças espúrias que ela ainda mantém com o PMDB. Mas o
impeachment é uma maquinação de partes do PMDB e da oposição
PSDB/DEM para se aproveitar do desgaste político do governo. Se
chegarem ao poder, vão continuar as medidas de ajuste e repressão
de forma igual, ou pior. Nada temos a ganhar com esse impeachment.
Por isso, devemos denunciar aqueles que o defendem.
Os
capitalistas e seus governos (como é o governo Dilma) fazem de tudo
para salvar seu sistema decadente, nos oprimindo e explorando cada
vez mais. Querem nos arrancar tudo. Mesmo as minúsculas reformas
realizadas pelo PT nesses 12 anos de governo encontraram um ódio
raivoso das classes dominantes. Mas este governo cumpriu sempre as
determinações da burguesia e nunca lhe faltou quando foi
necessário. As reivindicações que apresentamos ao longo desse
texto apontam para a necessidade de os trabalhadores tomarem para si
o poder econômico e político. Para melhorar significativamente
nossas condições de vida, para mudar os rumos destrutivos do
capitalismo em uma direção racional, precisamos de um governo dos
trabalhadores da cidade e do campo, baseado em nossas organizações
de luta. Como comunistas revolucionários, defendemos que esta é a
única maneira de acabar com a exploração e a opressão que nos
atingem.