6.3.16

Café da manhã com Dilma

Café da manhã de Dilma com jornalistas 

A agenda do governo e a resposta necessária da classe trabalhadora

Por Rodolfo Kaleb, fevereiro de 2016.

[Nota: este artigo discute a agenda do governo Dilma contra a classe trabalhadora para este ano. Na última seção, nos posicionamos a respeito da política do impeachment contra Dilma, sem elaborar muito sobre a questão. Ela será discutida em maior detalhe (assim como criticadas posições oportunistas na esquerda sobre esse tema) em um outro artigo a ser publicado em breve.]

Ao longo de 2015, o governo do PT realizou uma série de ataques à classe trabalhadora e à juventude do país. Não obstante a diminuição de sua base aliada no Congresso e a instabilidade criada pela oposição de alas do PMDB e pelo PSDB, a gestão de Dilma Rousseff encaminhou, de mãos dadas com o que há de mais podre na política brasileira, como a “Bancada da Bala, Boi e Bíblia” e o conjunto dos parlamentares sanguessugas do PMDB, projetos de lei que atacam os direitos trabalhistas, cortou pesadamente a verba da educação e da saúde pública e ainda aperfeiçoou os instrumentos de criminalização dos movimentos sociais (PL do terrorismo). E tudo indica que este ano será tão agitado quanto.


Logo no começo de 2016, em 15 de janeiro, Dilma realizou um café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto. Seu conteúdo pode ser acessado em http://tinyurl.com/jlg9dfo (G1, 15/01/2016). Ela tem convocado coletivas de imprensa como essa com a intenção de melhorar a popularidade abalada do seu governo. Numa enorme mesa retangular com bastante comida, os jornalistas da grande imprensa fizeram várias perguntas à presidente. O recado claro foi de que as políticas de austeridade e de ataques aos trabalhadores continuarão. Vejamos em detalhes o que foi discutido e para o que nós, trabalhadores, que estamos comendo o pão que o diabo amassou, temos de estar prontos.

Desemprego

Dilma afirmou que sua maior preocupação é com o desemprego. No cálculo do IBGE para o terceiro trimestre de 2015, o desemprego chegou a 9%. Hoje, o número de trabalhadores sem carteira assinada deve estar ainda maior. A presidente disse:


“Todo esforço do governo… é para impedir que, no Brasil, nós tenhamos um nível de desemprego elevado. Para mim, é a grande preocupação, é o que nós olhamos todos os dias. É aquilo que mais me preocupa e aquilo que requer mais atenção do governo”.

Mas a preocupação de Dilma não é com a vida dos trabalhadores que estão sem poder pagar as contas e em dificuldades. Se não, não teria realizado o corte de uma série de direitos trabalhistas desde o ano passado, inclusive dificultado o acesso ao seguro-desemprego e benefícios previdenciários. Nem teria encarregado o novo Ministro da Fazendo, Nelson Barbosa, de uma nova contrarreforma da previdência, que aprofundará o ataque aos aposentados iniciado em 2003 por Lula. A preocupação de Dilma é com os banqueiros e os demais capitalistas que começam a sentir no bolso a inadimplência dos serviços (situação de 1 em cada 5 famílias) e com a instabilidade econômica decorrente.

Desde meados do ano passado, milhares de operário das obras de construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) tem feito grandes mobilizações em defesa de seus empregos (constantemente ameaçados por cortes de pessoal) e salários (constantemente atrasados). Em Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro, os operários da CSN estão passando nesse momento por uma luta encarniçada contra milhares de demissões realizadas pela empresa. A rede de supermercados Wal-Mart anunciou o fechamento de 60 lojas, o que vai acarretar centenas de demissões. Com os cortes nos gastos em obras públicas do PAC (8,6 bilhões), somados aos efeitos da crise que vem se arrastando, a perspectiva é sombria para o proletariado.

Diante do cenário de aumento do desemprego, nós trabalhadores devemos lutar pela organização dos desempregados junto com a luta dos demais trabalhadores. Devemos também exigir que os sindicatos os organizem. Mas os burocratas que dominam a maioria dos sindicatos do país (além da maioria das centrais), tornando-os instrumentos de divisão e contenção da classe trabalhadora em vez de instrumentos de luta, não vão fazer isso. Eles não estão nem aí para os trabalhadores demitidos.

Nossa classe deve ser unida. Não devemos aceitar nenhuma demissão por cortes. Amanhã pode ser um de nós. Devemos exigir a diminuição das horas de trabalho, sem diminuição de salário, para reintegrar os demitidos. São os patrões que tanto lucraram nos últimos anos que tem que pagar pela crise do seu sistema. Também devemos exigir a abertura dos arquivos de contabilidade para revelar a fortuna que os grandes capitalistas estão fazendo em cima do suor dos trabalhadores. No caso de fábricas falidas ou que queiram fechar as portas por completo, como o recente caso da MABE (em Campinas e Hortolândia) a ocupação, acompanhada do controle operário, deve ser a tática da classe trabalhadora. São necessárias ações de solidariedade da classe trabalhadora em todo o país para fortalecer esses companheiros.

Terceirização

Apesar de Dilma não ter falado do Projeto de Lei da terceirização (PL 4330/2004), esse é uma importante medida na qual os patrões estão apostando para amenizarem suas contas nesses tempos de recessão e garantirem maiores lucros no próximo ciclo de ascenso econômico. Se aprovado e sancionado, ele permitirá que muitos postos de trabalho hoje regidos pela CLT (com pisos salariais e direitos trabalhistas conquistados a duras penas) passem para a lógica da terceirização, que implica menores salários, menos direitos e constante instabilidade.

Não é a toa que Dilma não tenha mencionado esse PL. A resposta do PT ao mesmo no ano passado foi muito fraca e contraditória, pois ao mesmo tempo em que a CUT realizou certa mobilização contra sua aprovação na Câmara e que os deputados do PT votaram contra o mesmo (ou se abstiveram), o Planalto Central – comprometido até o pescoço com o “ajuste fiscal” então promovido por Joaquim Levy a pedido de Dilma – se calou. Ademais, as mobilizações puxadas pela CUT foram quase que simbólicas, pois os burocratas a frente da central sindical não fizeram nenhum esforço para realmente parar o país com fortes greves.

Se for aprovado no Senado, esse PL será o mais brutal ataque aos direitos trabalhistas desde a ditadura. É essencial barrar o mesmo através de lutas unificadas de todas as categorias e avançar no sentido de acabar de vez com a terceirização, que é uma forma de precarizar a mão de obra e dividir a classe) garantido que os trabalhadores terceirizados sejam todos integrados às empresas para as quais prestam serviços com plenos direitos e isonomia salarial.

Ajuste fiscal

Dilma também deixou claro que vai continuar o ajuste fiscal – agora a cargo do petista Nelson Barbosa – que significa jogar o custo da crise nas costas dos trabalhadores através de corte de gastos públicos e aumento de impostos. Os impostos vão ser mais pesados sobre os trabalhadores, já que incidem sobre consumo ao invés da renda. Os cortes, também. Só para dar um exemplo: a conta de luz teve novo reajuste em novembro, depois de já ter aumentado 48% em 2015. Mas os grandes consumidores, as indústrias, tiveram desconto!

Só no ano passado, Dilma vetou o reajuste dos servidores, suspendeu concursos públicos, cortou 7 bilhões da Educação (provocando uma longa greve nacional nas Instituições de Ensino Superior, que acabou derrotada), quase 4 bilhões da Saúde, 10 bilhões do Bolsa Família, dentre outras medidas. Mas nem pensar em cancelar os pagamentos da “dívida pública” aos credores internacionais, grandes banqueiros e empreiteiras. Estes continuam lucrando e recebendo o dinheiro dos nossos impostos pelos serviços (superfaturados) e empréstimos a juros altíssimos feitos ao governo brasileiro. Reafirmando seu compromisso para com os credores, Dilma recentemente vetou a auditoria dessa dívida, que muitos especialistas indicam ser falsificada. E olha que a Câmara – cuja composição atual tem sido considerada a mais conservadora desde a redemocratização – havia aprovado tal medida.

Por sinal, esses cortes não dividem a oposição de direita e governo, nem o PMDB e nem o Congresso: nisso estão todos juntos contra o povo. Enquanto isso, os salários vão se corroendo pela inflação, que está batendo o índice de 10% ao ano. A próxima medida de Dilma será uma reforma da Previdência para aumentar o tempo de trabalho e reduzir as aposentadorias. No café da manhã, ela disse que


“A reforma da Previdência tem de ser compreendida técnica e politicamente. Essa não é uma questão desse ou daquele governo e sequer pode ser politizada. Têm vários caminhos para o consenso. E um deles é o do fator previdenciário móvel, que pode ser incorporado à reforma”.

Não politizar” o debate é uma verdadeira piada. É preciso formar um movimento independente do governo e da burguesia contra os cortes de direitos e o arrocho salarial, no qual estejam presentes os partidos, sindicatos, associações de classe e de luta contra a opressão. Essas organizações de luta devem ter unidade de ação, com greves e manifestações para denunciar e combater esses ataques. Essa é a maneira de mostrar a força da classe trabalhadora contra o governo e deixar claro que não vamos engolir mais ataques enquanto os grandes capitalistas seguem lucrando. Se o governo alega rombo no orçamento, então devemos demandar a taxação progressiva das grandes fortunas.

Leilões do Petróleo

Questionada sobre os leilões dos blocos de petróleo que foram adiados, Dilma disse que:


“Ninguém faz leilão de bloco de exploração [com o barril do petróleo] a US$ 30 (…) Como faço, em 2016, com o petróleo a US$ 30, uma concessão de 30 anos? (…) Não é o momento. Talvez poços menores. Estamos olhando isso em áreas menos rentáveis.”


Eis uma característica do governo petista: ainda quer manter a aparência de que é “independente” dos grandes capitais imperialistas e que defende os interesses da nação. Talvez um governo ainda mais entreguista não se importasse com um “detalhe” como a baixa histórica do preço do barril e vendesse agora mesmo o que resta do petróleo e gás brasileiro. Mas o governo Dilma diz que vai se limitar aos “poços menores” e esperar um aumento antes de abrir novamente as portas para as grandes empresas estrangeiras. Pura retórica. Em 2013, a Agência Nacional do Petróleo realizou grandes leilões onde deu às empresas privadas (em sua maioria europeias, canadenses e americanas) o direito de explorar os blocos de poços profundos por trinta e cinco anos.

Dilma fez demagogia prometendo reverter os royalties (o imposto anual pelo direito de exploração) para saúde e educação. O que não falou, porém, foi que esses impostos, assim como o preço de venda, são uma fatia minúscula do que essas empresas vão lucrar explorando seus trabalhadores e os recursos naturais do país.

Vejamos, como exemplo, o Campo de Libra, situado na costa do Rio de Janeiro, que é a maior reserva de petróleo descoberta até hoje no Brasil (8 a 12 milhões de barris). O campo foi vendido por 15 bilhões de dólares a um consórcio reunindo a Petrobras e as empresas Total (França) e Shell (Inglaterra e Holanda), além da participação menor de duas estatais chinesas. Ora, mesmo se considerarmos o preço atual do petróleo, a exploração renderia cerca de 300 bilhões de dólares. Na época do leilão, a presidente mandou o exército, que supostamente deveria “defender os interesses do país de ameaças externas”, atacar os manifestantes que protestavam contra esse absurdo.

O valor dos royalties varia com o preço do barril. Por isso, a queda no preço fez cair a arrecadação e deixou os estados produtores, como o Rio de Janeiro, em grave situação orçamentária (já que a maior parte do orçamento já é usada para bancar isenções de impostos a empresas privadas). O governador Pezão (PMDB) – da base aliada do governo e escudeiro de Dilma é claro, não pensou duas vezes antes de cortar da saúde e da educação. Os servidores estaduais do RJ tem sofrido com constantes atrasos de salários e com o não pagamento de seu 13º salário. Os trabalhadores terceirizados de empresas que prestam serviços para hospitais, universidades e órgãos do estado estão em situação ainda pior.

Para resolver essa situação, nós trabalhadores devemos exigir a reestatização da Petrobras e a expropriação sem indenização das companhias privadas nacionais e estrangeiras, sob controle dos trabalhadores. Com isso, a produção pode realmente voltar seus recursos para saúde, educação e investimento em energias limpas. Os petroleiros têm um tremendo potencial de luta e, junto com o restante da nossa classe, são muito mais capazes de defender os interesses do povo do que o governo entreguista de Dilma. Se somarem forças aos servidores estaduais que já se encontram em luta, como no caso do RJ, podem fortalecer imensamente a batalha para que sejam os patrões a pagarem pela crise.

Manifestações

Dilma foi questionada pelos jornalistas sobre as manifestações de rua que estavam acontecendo nas principais cidades do país contra o aumento das tarifas dos transportes, especialmente em São Paulo. Ela teve a cara de pau de afirmar: 


“Acho que, no nosso caso, conquistamos a democracia, e ela tem de ser cuidada e suas regras respeitadas (…). As manifestações, nós aprendemos a conviver e a respeitá-las. Acho que tratar das questões da democracia, as manifestações são uma prática normal.”

Dilma fingiu que não viu a repressão brutal da polícia militar paulista contra os manifestantes nos últimos dias. Nem as agressões criminosas da polícia contra os vitoriosos estudantes secundaristas que lutaram para que suas escolas não fossem fechadas no fim de 2015. E pelo visto “esqueceu” que partiu do Executivo o projeto de lei que tipifica atos e grupos “terroristas”, um adicional jurídico importante para garantir a repressão aos movimentos sociais durante as Olimpíadas de 2016, tal qual ocorrera com a “Lei Geral da Copa” em 2014 (também iniciativa do Planalto Central). Quando grupos e partidos da oposição de direita organizaram protestos no ano passado, a polícia posou para fotos e os tratou com gala. Mas diante dos que lutam contra as medidas dos governos para piorar nossa vida, a resposta é com os porretes e bombas. Diante de tudo isso, Dilma comia uma fatia de queijo e falava que “aprendemos a conviver”.

Devemos reivindicar o fim da polícia militar e outras forças de repressão contra os movimentos sociais. Precisamos defender o direito de manifestação, um direito democrático cada vez mais cerceado pelos governos. E também exigir a queda de todos os processos contra os lutadores das causas populares, inclusive os 23 criminalizados por protestar durante a Copa do Mundo de 2014. As organizações dos trabalhadores devem se defender contra as agressões policiais, que ocorrem diante de qualquer greve ou movimento combativo.

Impeachment

Por fim, Dilma também comentou o processo de impeachment lançado contra ela no fim do ano passado. Afirmou que

“Não se pode, no Brasil, achar que você tira um presidente porque não está simpatizando com ele. Isso não é nem um pouco democrático, achar que você tira um presidente porque, do ponto de vista político, você também não gosta dele.” 

É a isso que Dilma resumiu o impeachment: não gostar dela e do seu governo. Não está muito longe da verdade, já que, como visto, existe um amplo acordo entre os partidos da burguesia sobre as medidas de ajuste a serem tomadas. Nessas questões centrais, o governo do PT-PMDB pouco diverge da oposição de direita. Mas esta oposição de direita, junto a uma ala do PMDB, gostaria de ter controle direto sobre o Executivo.

O motivo imediato para o início do processo foi o rompimento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, com o governo. Cunha, um fundamentalista evangélico homofóbico e machista, contra quem pesam acusações fortíssimas de aceitação de propina e que possui uma conta não-declarada com milhões de dólares na Suíça, vinha sendo blindado pelo governo. Como deputados do PT votaram pelo encaminhamento das investigações contra ele, Cunha contra-atacou. Além dessa disputa sórdida, podemos esperar que um governo do PMDB vai ter ainda menos pudores que o PT em acelerar o ajuste fiscal. O PT, afinal, ainda mantém uma relação com burocratas sindicais que precisam enganar suas bases.

s, trabalhadores, devemos nos posicionar contra esse impeachment. Não por querer a continuidade do governo de Dilma. Estamos também contra os movimentos que blindam Dilma e pedem a continuidade de seu governo, pois escondem todos os ataques realizados contra nós e as alianças espúrias que ela ainda mantém com o PMDB. Mas o impeachment é uma maquinação de partes do PMDB e da oposição PSDB/DEM para se aproveitar do desgaste político do governo. Se chegarem ao poder, vão continuar as medidas de ajuste e repressão de forma igual, ou pior. Nada temos a ganhar com esse impeachment. Por isso, devemos denunciar aqueles que o defendem.

Os capitalistas e seus governos (como é o governo Dilma) fazem de tudo para salvar seu sistema decadente, nos oprimindo e explorando cada vez mais. Querem nos arrancar tudo. Mesmo as minúsculas reformas realizadas pelo PT nesses 12 anos de governo encontraram um ódio raivoso das classes dominantes. Mas este governo cumpriu sempre as determinações da burguesia e nunca lhe faltou quando foi necessário. As reivindicações que apresentamos ao longo desse texto apontam para a necessidade de os trabalhadores tomarem para si o poder econômico e político. Para melhorar significativamente nossas condições de vida, para mudar os rumos destrutivos do capitalismo em uma direção racional, precisamos de um governo dos trabalhadores da cidade e do campo, baseado em nossas organizações de luta. Como comunistas revolucionários, defendemos que esta é a única maneira de acabar com a exploração e a opressão que nos atingem.