Relatos de
uma Testemunha Ocular
O Colapso da RDA
Os dois artigos
a seguir foram originalmente impressos em “1917” #8, jornal da então revolucionária Tendência Bolchevique Internacional, no primeiro semestre
de 1990. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento
Revolucionário em setembro de 2012.
10 DE MARÇO ― Uma das coisas mais impactantes sobre os eventos na
RDA [República Democrática Alemã] é a quase completa ausência de atividade dos
trabalhadores com alguma consciência de classe, ou seja, enquanto
trabalhadores. Para entender o porquê, é preciso saber algo sobre a realidade
sócio-política na RDA. Parece que a consciência elementar dos trabalhadores enquanto
classe é muito menor na RDA do que na República Federal [RFA].
Muitos
trabalhadores da RDA não tem ideia de como o capitalismo funciona, ou que
trabalhadores e capitalistas tem interesses contrários. Uma pesquisa recente
mostrou que 56 por cento das pessoas na RDA acreditam que apenas limitações
legais mínimas deveriam ser impostas
aos capitalistas. Na RFA apenas 39 por cento achavam que controles legais
mínimos eram o suficiente. A oposição organizada, os protestos de massas, o
“movimento dos cidadãos” após novembro e os partidos políticos em gestação não
tem um caráter proletário independente. A liderança de todos os partidos, da
esquerda à direita, estava e continua estando nas mãos da pequeno-burguesia:
médicos, acadêmicos, pastores, artistas e advogados. Mesmo os ativistas da
Esquerda Unida [Vereinigte Linke (VL)] são
estudantes ou acadêmicos. A onda de greves que ocorreu no fim de janeiro e no
começo de fevereiro se desarticulou. As reivindicações eram limitadas e
variáveis: salários mais altos, exigências pela destituição de administradores
do SED (o partido stalinista) e por separação das fábricas da Kombinat e do
controle econômico (interesses proletários setoriais).
A restauração capitalista e o
sindicalismo na RDA
Alguns
conselhos de trabalhadores foram formados, mas eles são ou como associações ou então
formações sindicais nascentes. O nível máximo de organização proletária até
agora foi um raivoso e confuso crescimento de atividade sindical. A FDGB (corpo
sindical dominado pelos stalinistas) rapidamente se livrou da sua velha
liderança (muitos se demitiram sem pressão), e está tentando reconstruir um
movimento sindical com um programa sindicalista limitado, defensivo.
A
desconfiança com a velha FDGB (que não havia feito nada por 40 anos) levou ao
surgimento de sindicatos aburguesados com interesses restritos. Professores,
policiais e trabalhadores ferroviários começaram a pedir para se tornarem Beamtenstatus (como na RFA). Essa é uma categoria especial de
trabalhadores públicos que aceitam perder seus direitos de greve em troca de
salários fixos e estabilidade no emprego. Quando o sindicato independente dos
professores pediu proteção social garantida pelo Estado, ou seja, plano de
saúde, auxílio creche e custo de vida (apenas para si próprios), ele recebeu a
rude resposta do novo vice-ministro da educação de que os trabalhadores só têm essas
garantias no socialismo, e de que socialismo significa ditadura. A ideologia do
movimento sindical é copiada diretamente da DGB [movimento sindical da RFA] e
do SPD [partido socialdemocrata da RFA], que estão guiando diretamente e
tentando controlar o movimento sindical na RDA.
A
DGB está aparentemente tendo algum sucesso em persuadir a FDGB de que os
delegados sindicais devem se desligar da base e ter representantes pagos pela
empresa, não pelo sindicato, em tempo integral. Isso é racionalizado como se
fosse dar amplo escopo à democracia proletária, mas na realidade tem o objetivo
de separar os funcionários sindicais da base, e limitar as reuniões nos locais
de trabalho (sejam reuniões da direção ou de todos os trabalhadores) a assuntos
econômicos. É um mecanismo para estabelecer uma estrutura sindical extremamente
burocratizada, alheia a qualquer controle da base, que iria realizar reuniões
sem nenhuma frequência.
O
parlamento da RDA fez uma emenda à proposta de lei básica proibindo os locautes
e garantindo o direito irrestrito à greve. A lei consagra Mitbestimmung, que não significa simplesmente que trabalhadores
e empregadores devam sentar e conversar, mas também que ambas as partes tem
interesses comuns em uma produção eficiente e sem interrupções, e devem agir
juntas para a paz social. Essa é a base legislativa e ideológica do movimento
sindical na RFA. A lei proposta sobre o movimento sindical na RDA incluía
frases que implicavam poder de veto sindical sobre prerrogativas
administrativas como joint-ventures, venda de fábricas, entrada das empresas na
bolsa de valores, etc. Isso foi rejeitado pelo parlamento. Esse direito de
veto, por sinal, é o programa sindical máximo levantado pelo SPD da Alemanha
Ocidental e pela DGB. A legislação, que se tornou parte da constituição da RDA
pelo voto de dois terços do parlamento, passou apesar das objeções de alguns
parlamentares da UDC (RDA) [democracia cristã].
A lei sindical da RDA tem alguns
paralelos com o Ato Norris La Guardia dos Estados Unidos (também chamado Carta
Magna do Trabalho) aprovada nos anos 1930. O PC norte-americano, assim como o
SWP [Partido dos Trabalhadores Socialistas, então seção da Quarta
Internacional] se opuseram à lei como uma extensão do “direito” do Estado
capitalista de intervir e exercer controle sobre as lutas dos trabalhadores. O
PC rapidamente capitulou, mas o SWP trotskista não. É claro que a situação aqui
é diferente porque ainda se trata de um Estado operário deformado.
O fato de que a nova lei não impõe
limites ao direito de greve resultou em uma tempestade de raiva dos
capitalistas da RDA, e ameaças de que não dariam “ajuda” econômica a não ser
que a lei mudasse para garantir ao menos as restrições existentes na lei
da RFA (que em alguns sentidos é mais restritiva que a dos Estados Unidos). O
candidato do SPD a primeiro ministro na RDA, Boehm, declarou vagamente que essa
lei será “sujeita a discussão”. Há um grande ódio no que é visto como uma
tentativa do PDS (antigo SED) de atender a interesses da classe trabalhadora e
impedir a rápida restauração do capitalismo.
Mas o avanço restauracionista parece
muito forte. Se, depois das eleições, um governo pró-capitalista se consolidar
e a propriedade estatal for privatizada, novas emendas à lei sindical serão
rapidamente impostas para diminuir o espaço de ações proletárias defensivas
“legais”. A Mitbestimmung estabelece o mecanismo de colaboração de
classes envolvendo os sindicatos. Um tipo de precedente para isso já existe na
RFA. Representantes eleitos dos trabalhadores frequentemente tem acesso legal
aos arquivos e relatórios financeiros e comerciais do empregador, mas são
proibidos de dizer aos trabalhadores de base ou oficiais sindicais. A violação
disso pode levar a punições severas.
O
legado do stalinismo prussiano
Por que isso aconteceu? Quarenta anos
de stalinismo resultaram em uma profunda despolitização da classe trabalhadora
na RDA. Os trabalhadores não tinham nem organizações independentes e nem os
mais limitados direitos sindicais. Todos os benefícios vinham de cima, do
partido. O principal bordão do SED não envolvia o “proletariado”, mas sim
“Volk”, que pode ser traduzido como “povo”, mas também carrega conotações
extremamente nacionalistas de raça, cultura e sangue. Tudo era o Volk:
parlamento do povo, exército do povo, polícia do povo. De fato, o velho
elitismo prussiano foi levado a todas as instituições. Acadêmicos e
profissionais parecem ter tido muito mais influência do que os trabalhadores no
aparato econômico e estatal; graduandos de universidade automaticamente se
tornavam oficiais. Os trabalhadores só podiam aspirar a serem soldados.
Acadêmicos com doutorados ocupavam quase todas as posições de liderança, exceto
por um punhado de membros do Politburo.
Era um Estado com um estilo de
organização não-capitalista prussiano e de intolerância e presunção
pequeno-burgueses. A pequeno-burguesia é bem significativa. Oitenta mil
pequenos estabelecimentos privados (limitados a dez trabalhadores) estão em
operação, desde bares e restaurantes e pequenos serviços de conserto até
pequenas fábricas. Há cerca de um milhão de pessoas na RDA trabalhando para
negócios privados fora do setor da economia de propriedade coletivizada. Esses
pequenos empresários, junto com clérigos e acadêmicos, constituíam os quadros
dos movimentos e partidos que lutavam pela reunificação e restauração
capitalista. A eles se juntaram rapidamente a maioria dos administradores e
burocratas da área econômica.
A ideologia política não existia na RDA
exceto na forma crua do stalinismo prussiano. Poucas pessoas (incluindo os
membros do SED) defendiam completamente ou sequer acreditavam nessa visão de
mundo. As pessoas simplesmente foram para casa assistir à TV da RFA (a não ser
nos arredores de Dresden). Enormes pressões sociais haviam sido erguidas, e
quando os protestos de massa começaram, uma quantidade de escritores e
intelectuais tentou dar expressão a uma visão de “socialismo democrático” para
o futuro da RDA. Essa visão muito rapidamente foi varrida e substituída com uma
visão da economia de mercado e reunificação capitalista como o caminho a
seguir.
O regime virtualmente desmoronou. O
secretariado político (Politburo) do SED se demitiu, e a conferência do SED
removeu todo o comitê central sem indicar substitutos. Muitos funcionários do
SED deixaram o partido e abandonaram seus postos no governo. Surgiu um vácuo
político e econômico. O mais importante ministério, o ministério da economia, deixou
de funcionar. O planejamento central (ou mesmo ministerial) entrou em colapso
ou foi abandonado. A Kombinat e a administração do trabalho foram deixadas sem
poder ou sem instruções; corpos de governo regionais caíram por demissão ou por
falta de “legitimidade”. No campo político, muitos funcionários estatais do SED
foram inicialmente substituídos por ministros dos quatro partidos do bloco, e
ministros sem pasta foram indicados desde a Mesa Redonda da oposição. Estes
vieram principalmente dos partidos de “centro”. O PDS está em minoria no
conselho de ministros. Um número significativo de partidos está batendo na
porta do SPD.
A maior parte dos administradores
econômicos e industriais começou a pedir pela legalização da propriedade
capitalista. Alguns poucos administradores da Kombinat estão fazendo apelos hesitantes
em defesa do patrimônio público na indústria pesada, mas claramente sujeito às
pressões do mercado. Em toda a parte, formações de Mesa Redonda surgiram e
estão assumindo poderes administrativos. Estas frequentemente incluem o PDS,
que parece sempre capitular à maioria. Essas formações de Mesa Redonda
indicaram grupos de trabalho para estudar, fazer recomendações, e assumir o
controle de funções administrativas, construções, comunicações, imprensa e da
propriedade da antiga Stasi [a polícia secreta na RDA, que foi desmontada].
O canto inicial “nós somos o povo” foi
rapidamente substituído pelo slogan “nós somos um povo”. A orgia
nacionalista é mais difundida e histérica do que na RFA. O vácuo ideológico
programático está preenchido quase completamente a partir da RFA. Capitalismo,
reunificação nacional e slogans anticomunistas, assim como expresso pelos
partidos da RFA, foram adotados por completo, e estão refletidos em forma de
palavras de ordem simplistas por quase todos os grandes partidos influentes da
RDA. O nacionalismo alemão domina. “Nossos irmãos e irmãs alemães não nos
permitirão sofrer, mas irão rapidamente nos incorporar no bem sucedido
capitalismo da RFA, com os seus extensivos amortecedores sociais. Afinal, somos
todos alemães!”. A televisão mostra reuniões de fábrica e em locais de trabalho
na RDA onde os trabalhadores pedem conselhos sobre como construir o
capitalismo, ou então os trabalhadores estão apaixonadamente atacando os
membros do antigo SED e dizendo: “Só poderemos avançar quando nos livrarmos de
tudo que é vermelho”. Parece que, no momento, as condições na RDA estão mais
favoráveis para um crescimento rápido de grupos e ideologia neofascistas do que
na RFA. O regime da RDA sempre foi extremamente nacionalista. O fascismo era
sempre caracterizado como primariamente anticomunista. Na região do campo de
concentração de Buchenwald, não há memóriais ou informações sobre o grande
número de judeus que foram aprisionados ou mortos. Na escola, as crianças
aprendem muito pouco sobre o Holocausto. O regime de Ulbricht era abertamente
antissemita. Um número considerável de comunistas judeus voltou para a RDA
depois de 1945. Muitos foram perseguidos, e muitos judeus deixaram a RDA nos
anos seguintes. A RDA supostamente tem apenas 400 pessoas com antecedentes
judeus (o pai de Gysi [líder do PDS] era um comunista judeu alemão). Cerca de 0,8
por cento da população é composta de residentes não-alemães, a maior parte
estudantes ou trabalhadores do Vietnã, Polônia, Moçambique, Angola e Cuba.
Crianças não-alemãs nascidas na RDA não tem direitos de cidadania e
aparentemente é impossível para não-alemães adquirir cidadania. Os
trabalhadores estrangeiros são limitados ao máximo de cinco anos de residência.
Não há exceções. A plataforma eleitoral do PDS não faz menção sobre permitir a
trabalhadores estrangeiros permanecer depois de cinco anos e Christa Luft, vice-premier,
membro do PDS e ministro (sem ministério) da economia, aparentemente despachou
os trabalhadores vietnamitas de volta para o Vietnã.
Trabalhadores e estudantes
estrangeiros, especialmente em Leipzig e Dresden, estão vivendo com medo. Eles
ficam em casa durante os protestos, e os elementos fascistas cada vez mais
ousados estão exigindo a expulsão de todos os não-alemães. Quando um pequeno
grupo de estudantes (alemães e estrangeiros) levantou um pequeno cartaz contra
o racismo e a hostilidade contra os estrangeiros durante um dos regulares
protestos de segunda-feira em Leipzig, as pessoas negaram a existência do
racismo, mas disseram que os estrangeiros deveriam ser mandados para casa ou
completamente segregados.
Übersiedler (as pessoas que estão deixando a RDA para ir para a
RFA) exigem que milhões de turcos na RFA sejam deportados para abrir espaço e
empregos para “verdadeiros” alemães. Toda manhã milhares de pessoas vão até
Berlim Ocidental para exigir os empregos ocupados pelos turcos, e se oferecem
para trabalhar por menos do que o salário mínimo legal ou que o decidido pelo
acordo sindical. Mães de crianças negras ou asiáticas na RDA temem pela
segurança de seus filhos.
A Mesa Redonda recomendou que o Partido
Republicano (neofascista) fosse proibido na RDA. O parlamento da RDA adotou a
lei proposta, mas ninguém a aplica. Skinheads neonazistas fazem protestos
públicos gritando “Fora Vermelhos!” e “Fora Estrangeiros!” e cantando o refrão
do velho hino nacional alemão que fala de uma Grande Alemanha desde o Memel (um
rio na URSS) até o Maas (um rio que passa pela França, Bélgica e Holanda) e o
Etsch (um rio no Norte da Itália). A televisão da RFA realizou muita cobertura
do movimento do Partido Republicano na RDA, incluindo reuniões para estabelecer
novas filiais.
Quando um pequeno grupo de
antifascistas (associados com o movimento Autônomo) tentou confrontar um grupo
de skinheads, a Volkspolizei (a “polícia do povo”) protegeu os
fascistas. Jornalistas da Alemanha Ocidental foram ao escritório do procurador
de justiça de Leipzig. Eles mostraram alguns vídeos de reuniões do Partido
Republicano estabelecendo o partido em Leipzig e tiros disparados em seus
protestos lá. O procurador respondeu negando terminantemente que tal atividade
estava acontecendo. Ele também comentou que o vídeo não havia sido produzido
pela televisão da RDA!
A comissão eleitoral na RDA se recusou
a registrar o Partido Republicano para as eleições de março. Essa ação foi
provavelmente feita porque um grande número de votos nos neofascistas teria alarmado
muitos na RFA (especialmente a base do SPD) e aumentado a resistência à
reunificação em outros países da Europa. Os capitalistas da RFA ainda não
precisam dos fascistas. De fato, o crescente voto dos fascistas está derrubando
o voto na UDC/USC [União Democrata Cristã / União Social Cristã] e colocando em
risco as administrações do governo de Estado, das cidades e dos distritos –
especialmente nos seus redutos nos estados no sul da RFA. A necessidade da USC
e da UDC de formar coalizões de governo com os neofascistas poderia prejudicar
as coalizões de governo da UDC/PDL [Partido Democrata Livre]. Depois da Anschluss
[Reunificação], claro, o Partido Republicano será legalizado – a ideia de uma
confederação alemã com um sistema legal e uma constituição em separado na RDA
levanta problemas demais para uma restauração capitalista rápida. Os partidos
liberais e de direita são a favor de uma rápida e total unificação sob a
constituição e a lei da RFA. O Partido Republicano da RDA é composto
principalmente de trabalhadores, com alguns elementos pequeno-burgueses. Ele
inclui muitos antigos membros do SED. Depois do PDS, os neofascistas são o
partido que tem a base e o perfil mais próximo dos setores populares.
Eu não vi nenhuma menção ou
cobertura dos protestos ou atividades neonazistas na TV da RDA. A cobertura na
televisão da RDA dos protestos de Leipzig cuidadosamente evita mencionar os
neofascistas, o que não é surpresa, já que o rádio e a TV estão largamente nas
mãos das forças de direita e do SPD na Mesa Redonda. Os partidos da RDA que
estão aliados com os partidos da RFA são bem financiados e adotaram ou então
lançaram jornais novos. As maiores editoras da Alemanha Ocidental formaram um
consórcio de penetração massiva de revistas e jornais na RDA, incluindo o pior
tipo de tabloide de rua de direita (mulheres nuas, assassinatos cometidos por
estrangeiros e conspirações comunistas/terroristas). A imprensa de melhor
qualidade, como o Frankfurter Rundschau, a revista semanal de alta
qualidade Der Spiegel, e o diário de esquerda Tageszeitung (TAZ) estão, é claro, excluídos
desse consórcio.
Todos os antigos partidos do bloco e
quase todos os partidos recém-formados se moveram rapidamente para a direita no
período de dois meses. Por exemplo, o partido do bloco UDC (RDA), que costumava
defender o “socialismo”, está agora em uma aliança eleitoral que se opõe a
todas as formas de propriedade econômica de natureza coletiva ou pública. O
movimento de oposição “Despertar Democrático” começou defendendo o “socialismo
democrático”, depois tentou um bloco com o SPD e, quando isso falhou, acabou no
mesmo bloco com a UDC e o ainda mais direitista DSU.
O vácuo econômico, político, ideológico
e programático está sendo quase completamente preenchido pela RFA. Discussões
na mídia refletem uma versão pouco sofisticada, aguada, do pensamento político
e socioeconômico da RFA. Isso é mais aparente na arena econômica. Parece que
todo acadêmico da RDA com um diploma em economia está trabalhando noite e dia
para explicar como o capitalismo laissez-faire amadureceu até um
capitalismo responsável; como apenas a bolsa de valores é realmente
democrática; como as forças do mercado automaticamente resultam em
flexibilidade e numa eficiente economia produtiva; e como a própria ideia de
uma economia planificada é anticientífica. De acordos com os economistas
acadêmicos, dois terços de todos os negócios na RFA e nos Estados Unidos são
pequenos ou médios (“desmontem as Kombinats!”); a maioria dos negócios bem
sucedidos nos Estados Unidos teria começado com um ou dois homens numa garagem,
e rapidamente teria crescido (“você também pode enriquecer!”), etc. Eles são
igualmente aptos em explicar como propriedade coletivizada só pode significar
“propriedade do partido” e também que só pode operar através de autoritarismo
de cima para baixo. Em contraste, eles afirmam que a livre empresa não pode ser
autoritária porque ela deve operar de acordo com os desejos dos consumidores.
Tudo isso é vergonhosamente ingênuo e
as pessoas na RFA são muito mais cínicas sobre como o mercado “democrático”
realmente é. Uma proporção muito maior dos trabalhadores da RFA acredita que
apenas fortes partidos de trabalhadores e sindicatos podem forçar os
capitalistas a dividir uma grande quantia de todo o produto social para manter
o seu atual padrão de vida.
As coisas não são só flores para os
capitalistas, e o fluxo constante de pessoas da RDA indo para a RFA (10 a 15
mil por semana) é uma fonte de considerável tensão social. O custo de mantê-los
é astronômico. A constituição da RFA considera todas essas pessoas como alemães
plenos (ou seja, cidadãos das RFA) que são automaticamente aptos ao auxílio
social, escola, seguro desemprego e benefícios de aposentadoria. Em adição, as
leis obrigam a RFA (ou os governos estaduais) a ajudar a mobiliar suas casas,
pagar as despesas e conseguir empregos. A
RFA já tem uma severa escassez de moradia e quase dois milhões de
desempregados. A maior parte dos Übersiedler está atualmente sem casa, em
galpões esportivos, navios, contêineres, trailers ou quartéis do exército. O
alcoolismo e o vício em drogas são um problema sério. Há muitos relatos de
brigas entre cidadãos da RDA e poloneses de descendência alemã. Além disso
tudo, mesmo muitos dos cidadãos capacitados e escolarizados da RDA não
conseguem empregos. Eles não estão acostumados com o ritmo ou com a disciplina
de trabalho capitalista. A não ser que eles recebam ordens diretas, eles
costumam jogar baralho ou ficar ociosos.
Eles
esperam que se exija deles apenas a realização de uma tarefa simples, ou tem o
hábito de chegar tarde e largar cedo. O comportamento rude, egoísta e machista
de muitos deles aparentemente tem causado problemas com colegas de trabalho, assim
como a sua extrema intolerância para com normas de vestuário, comportamento ou
estilo de vida que sejam minimamente diferentes daquelas na RDA. Os pais não
estão acostumados à ausência de creches acessíveis, baratas e razoáveis. Tem
havido relatos de alguns deles simplesmente chegando nas creches e deixando as
crianças sozinhas, sem registro. Já há evidência de desmoralização entre muitos
daqueles que esperavam que um carro novo, um apartamento bom e barato e um
emprego fácil eram parte do pacote do “mundo livre”.
O
custo da restauração do capitalismo será bastante alto. Antes da economia ser
reorientada para o lucro, tratar a RDA como simplesmente uma colônia de
exploração significaria que o grosso de uma população de 16 milhões debandaria
para a RFA. Eles têm esse direito
constitucional! Os empregadores na RFA estão dizendo aos trabalhadores que
uma semana laboral mais curta ou que um aumento de salário significativo está
fora de questão. Os capitalistas dizem aos trabalhadores que eles terão de se
sacrificar para ajudar aos seus irmãos e irmãs do Leste, ou seja, os impostos
irão aumentar e os benefícios sociais serão reduzidos. A DGB e o SPD podem vir
a desenvolver diferenças agudas com o governo da RFA sobre a questão de quem
vai pagar pela reunificação. O sindicato dos metalúrgicos com dois milhões de
membros está se organizando em torno da demanda da semana de 35 horas somada a
um aumento salarial de 8,5 por cento. O sindicato dos gráficos e da imprensa
tem reivindicações similares. Pode haver uma grande onda de greves na RFA por
volta da primavera. O entusiasmo inicial pela reunificação está claramente
recuando do momento anterior em que todos os partidos na Bundestag (exceto
parte do Partido Verde) apoiaram a reunificação.
A
economia planificada foi efetivamente abandonada na RDA. Os administradores econômicos,
confrontados pela ansiedade dos trabalhadores sobre empregos e salários, pediram
ajuda de forma impotente e argumentaram que só a privatização rápida pode fornecer
uma negociação. O programa do PDS se limita a um apelo ocasional para reter
como propriedades públicas algumas minas e indústrias pesadas. O regime está
recuando rapidamente em todas as frentes, especialmente na questão da
propriedade coletivizada. Mas os capitalistas da Alemanha Ocidental estão mantendo
a exigência da remoção de todas as leis na RDA que de alguma forma restrinjam
as atividades capitalistas, incluindo a redução dos (antes altos) impostos para
pequenos e médios negócios. Propositalmente, toda a terra e propriedade
confiscada dos pequenos negócios em 1972 foi recentemente devolvida.
A
contrarrevolução capitalista vai resultar em um desemprego massivo, aluguéis
mais altos e no desmonte dos programas sociais. A realidade do “capitalismo
realmente existente” resultará em uma tremenda ansiedade social, que poderá ser
expressa em tudo, desde greves até massacres anticomunistas. A intolerância
social é bem alta na RDA, e o stalinismo prussiano ensinou ao povo da RDA que
luta política significa suprimir os seus oponentes. Conforme a realidade do
capitalismo se torna clara para mais amplas seções da população, o PDS,
cumprindo o papel traidor de socialdemocracia de esquerda, poder oferece
liderança a essa consciência de classe elementar, mas limitá-la ao trade-unionismo
(simples sindicalismo) burguês e ao parlamentarismo.
Em
anexo está uma cópia da carta de apoio crítico, que nós distribuímos na
campanha do Spartakist-Arbeiterpartei Deutschlands
[SpAD – organização alemã afiliada à Liga Espartaquista dos Estados Unidos, de
Jim Robertson], que lida com a afirmação deles de que tem ocorrido uma
revolução política na RDA nos últimos meses.
Para
fazer tais afirmações, a TLD/SpAD simplesmente fecha os olhos para a realidade
política. Nenhum conselho de trabalhadores está lutando pelo poder. Nenhuma
formação proletária que é, ou mesmo que aspire ser, um organismo de duplo poder
se desenvolveu na RDA. Os conselhos de soldados estão limitados a simplesmente
discorrer sobre as condições de “trabalho” dos soldados, ou então representam
grupos de pressão para o pessoal militar especializado, e são dominados por
oficiais.
O
SpAD deve estar passando por uma crise de expectativas. A sua moral parecia
baixa quando nós os vimos. A única coisa que eles fizeram bem – distribuir
centenas de milhares de panfletos e jornais – aparentemente não poderá
continuar. A orientação deles em direção à base desmoralizada e despolitizada
do SED/PDS não gerou frutos. Eles não tem mais base em Leipzig e, fora de
Berlim, a única base deles é em Greifswald, região das grandes plantas de
energia nuclear. A exposição da condição perigosamente deteriorada dessas
plantas de tecnologia de ponta tipo-Chernobyl fez com que duas delas fossem
desativadas. O SpAD interviu com a linha de que o perigo relatado tinha sido
inventado pelo Ocidente. Mas quase ninguém acreditou nisso. Até mesmo o PDS
concorda que má construção, gerenciamento ineficiente e idade avançada tornam
uma planta inutilizável. Os argumentos do SpAD de que apenas os trabalhadores
da planta poderiam tomar a decisão provavelmente não vai lhes dar muita
audiência.
Para
conseguir eleger um membro para o parlamento, que nesse momento é provavelmente
o seu cenário mais otimista, o SpAD terá que ganhar 0,25 por cento dos votos ou
um voto a cada 400 por representação proporcional.
21 DE MARÇO ― O SpAD ganhou menos votos do que o esperado; menos
do que a União dos Bebedores de Cerveja Alemães, que só concorreu em Rostock.
Seu total, 2.396 votos, é muito pequeno. É claro que a maré estava fortemente a
favor da reunificação, mas eu acredito que a inabilidade deles de ajustar a
propaganda eleitoral às mudanças na realidade também lhes prejudicou. Quando
ficou claro que os votos iriam esmagadoramente para a restauração capitalista e
unificação, eles deveriam, sem se comprometer sobre essa questão chave, ter
tentado também levar em conta as questões mais imediatas de defesa da classe
trabalhadora e especialmente questões básicas sindicais e da luta de classes. A
Esquerda Unida (VL), com algumas centenas de membros, discutiu sobre questões
sindicais dentro do contexto de defender a classe trabalhadora e terminou
ganhando um posto no parlamento, com 0,18 por cento dos votos. Apoiadores da VL
também intervieram ativamente no movimento sindical e em seus organismos
dirigentes.
Nós
vimos uma discussão na TV da RDA com um participante do SpAD. Foi um desastre
embaraçoso. O espartaquista era uma caricatura da Nova Esquerda em estilo e
aparência, e uma caricatura de um trotskista politicamente. Ele simplesmente
leu uma série de slogans, e pareceu ser incapaz de responder de qualquer forma
que fosse às questões sobre reestruturação econômica, aluguéis, auxílio
maternidade, desemprego, subvenções e a reforma monetária.
Essas
foram todas boas aberturas de discussão, que poderiam ter sido conectadas com a
necessidade do poder da classe operária e as formas de propriedade
coletivizada. Sobre o parlamentarismo, ele disse: “Nós vamos esmagar este
parlamento com conselhos de trabalhadores e milícias operárias”, enquanto
ignorou completamente a questão dos direitos sindicais, e o possível curso das
lutas dos trabalhadores no futuro próximo. Ele foi pior do que o mais
inexperiente recruta da SYL [antiga juventude da Liga Espartaquista] nos anos
1970. O estilo do SpAD é professoral e arrogante, assim como o velho estilo do
SED. O panfleto eleitoral do SpAD enfatizou a defesa da URSS, mas em nenhum
momento descreveu a URSS como um Estado operário degenerado! Outros partidos na discussão na televisão simplesmente
ignoraram o porta-voz do SpAD.
Os
resultados eleitorais mostram que o programa “capitalismo já / unificação já /
nenhuma interferência dos sindicatos” da conservadora Aliança pela Alemanha
ganhou seu principal apoio do sul fortemente industrializado e de pequenas
cidades e vilarejos. Em áreas onde mais de 45 por cento das pessoas trabalham
na indústria, a Aliança conseguiu 56 por cento dos votos; onde serviços e
agricultura dominam a economia, a Aliança conseguiu de 30 a 42 por cento. 58
por cento daqueles que se consideram “trabalhadores” votaram pela Aliança.
Apenas 32 por cento daqueles que se intitulam como “intelectuais” votaram pela
Aliança; uma porcentagem equivalente desse grupo votou no PDS e no Bündnis 90.
Esse último grupo inclui os três “movimentos dos cidadãos”, que lideraram
amplamente a “revolução de novembro”. Em cidades com 200.000 ou mais, a Aliança
conseguiu apenas 26,5 por cento dos votos, contrastando com o voto das cidades
com 2.000 ou menos, onde ela conseguiu mais de 56 por cento. O lugar onde a
Aliança conseguiu menos votos foi, é claro, Berlim (22 por cento), aonde eles
chegaram em terceiro atrás do SPD e do PDS. A Aliança também não obteve maioria
nas regiões do Norte de Rostock, Schwerin e Neubrandenburg,
nem nas áreas de Potsdam (RDA central) e Frankfurt no Oder.
O
SPD, que começou há dois meses com mais de 50 por cento de apoio na RDA, jogou
a carta do nacionalismo, e ganhou o jogo! Os intelectuais que lideraram a “revolução”,
mas que não puderam discorrer sobre questões econômicas com a menor claridade,
ganharam muito pouco apoio.
Os
trabalhadores da RDA se acostumaram a receber benefícios e instruções de um
Estado autoritário e poderoso. Parece que nas eleições eles transferiram a sua
aceitação passiva para o establishment
da RFA. Os trabalhadores ainda estão amplamente inconscientes das dificuldades à
frente para tentar transformar a RDA em uma parte completamente desenvolvida do
capitalismo alemão.
Nas
últimas semanas da campanha eleitoral, mesmo o SPD e os outros partidos
considerados à esquerda do centro (como Bündnis 90) e os Verdes, estavam
receosos de ir às ruas de Leipzig. Qualquer um carregando uma bandeira da RDA
nessa cidade provavelmente seria atacado. Mesmo em Berlim, gangues de skinheads
atacaram grupos fazendo campanha pela lista alternativa da juventude. Jovens de
extrema direita invadiram centros da juventude e bateram em pessoas lá dentro.
Dezenas de ameaças a bomba contra militantes de esquerda foram ignoradas na
RFA, exceto pela TAZ. O resultado mais surpreendente da eleição foram os 16,33
por cento de votos no PDS. Há dois meses, o partido estava desmoralizado e na
época teria conseguido no máximo 5 por cento. Nas eleições, apenas 26 por cento
dos antigos membros do SED votaram pelo PDS! Muitos altos e médios funcionários
se demitiram, mas repentinamente muitas pessoas jovens entraram no PDS, e ele
rapidamente começou a construir um perfil de defesa dos padrões de vida, das
garantias sociais e dos direitos sindicais. O PDS até mesmo afirma defender o
setor estatal da economia ― mas, é claro, dentro do contexto das condições de
mercado.
Todo
o estilo deles mudou. Os representantes do PDS surgem como pedagógicos,
ultrademocráticos e humildes. Os seus candidatos e outras pessoas públicas
estavam provavelmente menos contaminados pela antiga colaboração com a Stasi do
que os candidatos e funcionários da Aliança. Eles tomaram a dianteira em
emendar a Constituição da RDA para incluir o direto a um emprego, o direito à
moradia, o direito ilimitado à greve, e uma proibição constitucional a
locautes. O PDS é agora baseado em Hamburgo. Gregor Gysi, secretário do PDS,
diz que as próximas eleições da RFA verão o PDS no parlamento. Isso poderia
significar uma base real para a socialdemocracia de esquerda na RFA.
O
parlamento recém-eleito não pode mudar a constituição ou a lei básica sem colaboração
entre os socialdemocratas e a Aliança. O compromisso dos socialdemocratas a uma
reestruturação rápida e restauração capitalista provavelmente irá leva-los a
emblocar com os capitalistas da RFA, que estão mantendo amplos investimentos na
economia da RDA até que a lei e a constituição sejam mudadas para garantir um
domínio capitalista completo. Os capitalistas da RFA estão rapidamente devorando
os setores mais importantes e mais produtivos da economia da RDA, tais como a
produção de maquinário pesado, a construção de locomotivas, eletrônicos, ótica
e montagem de veículos, ou “raspando a cobertura do bolo”, como se diz.
A
economia da RDA antes da “revolução de novembro” apresentava um quadro
contraditório. Embora a RDA fosse o décimo país no ranking da produção mundial
de produtos e serviços, a produção por trabalhador ficava atrás de todos os
países da Comunidade Econômica Europeia [CEE] exceto Grécia e Portugal. A
agricultura ofereceu um superávit para exportação, mas teve apenas metade da
produtividade por pessoa do que na CEE. Muitas indústrias operavam com
equipamento obsoleto. A indústria química tem largamente tecnologia dos anos
1930, e a infraestrutura de transportes e comunicação precisa seriamente ser
substituída e modernizada. As poluições do ar, da distribuição de água, da
comida e do ambiente levaram a uma queda na saúde, e a uma subida crescente nas
doenças. A mortalidade infantil é maior do que em qualquer país industrial. A
saúde e a segurança no trabalho eram provavelmente ainda piores que nos Estados
Unidos. Não havia mecanismos pelos quais os trabalhadores podiam levantar
demandas para diminuir os riscos de saúde no trabalho, já que o SED afirmava
que todas essas reclamações vinham de uma propaganda capitalista, antioperária
e de estilo de vida pequeno-burguês...
Uma vez que a fronteira caiu, a RDA
efetivamente perdeu controle da sua moeda. A erosão do monopólio do comércio
exterior tornou a produção da RDA vulnerável a forças de mercado do Ocidente, assim
como uma abrupta queda no comércio com os países da Comecon e um aumento de
problemas comerciais com a URSS estavam inutilizando amplos setores da economia
com base para exportação. A considerável dívida externa e o crescente
desequilíbrio do comércio exterior confrontaram o SED com a necessidade de
reduzir severamente as importações e as condições de vida. Nesse contexto, as
esperanças de muitos no período imediato pós-novembro, por uma RDA “socialista
democrática” ― aspirações expressas por praticamente todos os partidos e
movimentos ― foi rapidamente substituída por um senso de fatalismo, falta de
esperança e impotência. Nenhum grupo apresentou uma solução crível ou
realizável para os problemas econômicos, e as pessoas logo concluíram que uma
“terceira via” não era possível. Hoje na RDA, “socialismo” é uma das palavras
mais sujas que se pode usar. Ela é amplamente associada com repressão
stalinista e comandismo. A massiva campanha de desestabilização da RFA
preencheu o vácuo programático com nacionalismo e com a mágica expressão
“economia de mercado social”. Os capitalistas ganharam, e ganharam grandemente
até agora. Mas o regime de Kohl não pode cumprir as suas promessas à população
da RDA. Conforme os aspectos desagradáveis do “mercado social” se manifestarem
nos dias à frente, vai se tornar claro que realizar uma contrarrevolução social
exige mais do que simplesmente comprar uma eleição.
TB Visita a Filial do SED/PDS
Um Relance para Dentro da ‘Fortaleza’
7 DE FEVEREIRO ― Nós recebemos um convite para falar aos membros do
PDS [Partido do Socialismo Democrático, antes conhecido como Partido da Unidade
Socialista (SED), o partido stalinista dominante na República Democrática Alemã
(RDA)] em Finsterwalde, a meio caminho entre Berlim e Dresden. Obviamente nós
decidimos ir. Uma chance como essa não se desperdiça. Ela abriu nossos olhos
para a verdadeira situação do PDS/SED, ao menos nessa área...
Quando
chegamos lá, nós percebemos que a maior parte das casas estava muito bem conservada.
Isso deve ser difícil, considerando o nível de poluição do ar. Eu nunca fui
obcecado por ecologia, mas o Trabbi [carro da RDA] é um poluidor nojento. Você
consegue ver fumaça preta saindo da traseira da maioria deles. Mas isso não é
nada comparado à fumaça imunda que sai aos montes das chaminés das fábricas –
todas as quais pareciam se localizar bem no meio dos quarteirões residenciais!
O carvão marrom que elas queimam produz vapores venenosos de dióxido de
enxofre. É literalmente insuportável.
Nós
chegamos logo depois do espetacular discurso de Modrow capitulando à
reunificação. Isso foi como um terremoto para os membros do SED.
No
Sábado, nós visitamos o que restava da liderança local do PDS/SED. Eles nunca
tinham falado com ninguém do lado ocidental. Mesmo membros do PC da RFA
[República Federal Alemã], alguns dos quais tinham a permissão de visitar
parentes na RDA (geralmente membros do SED), nunca eram autorizados a visitar
os escritórios do SED ou ir às suas reuniões e fóruns. Até novembro, mesmo reuniões informais entre membros do SED
e o PC da Alemanha Ocidental eram proibidos.
Cerca
de dois meses atrás, havia em torno de cinco mil membros do SED nessa área.
Nesse momento eles ainda dizem possuir mil e novecentos, mas o número real é
bem menor. Quando me disseram que não tinham sido capazes de entrar em contato
com muitos dos líderes da filial na localidade nem por carta, nem por telefone,
eu sugeri que talvez isso indicasse que o número nominal de membros de mil e
novecentos incluía alguns que simplesmente não tinham se importado sequer em
devolver os pertences do partido. Isso foi respondido com silêncio.
Esse
ano, a convocação do ato de rua anual Luxemburgo/Liebknecht, em janeiro, foi
feita rabiscando um aviso no quadro negro do escritório do partido. Trezentas
pessoas apareceram. Mas não houve cartas, nem telefonemas, nenhum pôster ou
panfleto. Eles disseram que hoje em dia eles têm dificuldade em colocar
anúncios no jornal. Parece que o Neues Deutschland [ND, o
jornal diário do PDS/SED] está tão ocupado com as grandes notícias que ele só
lança anúncios de protestos em Berlim. A máquina quebrou.
Os
líderes do PDS (e membros) parecem totalmente despreparados para as próximas
eleições. Eles não parecem capazes de produzir um panfleto, um texto ou mesmo
um anúncio de imprensa. Antes de novembro, eles diziam para que as pessoas ligassem
para o departamento de propaganda do partido e eles mandariam o que você
quisesse. Eu ouvi que frequentemente eles mandavam coisas que ninguém queria; e
às vezes nem era preciso ligar. Mas naquela época, o SED não tinha como perder
eleições, então por que se preocupar?
Quando
nós tivemos a chance de fazer uma apresentação para um setor da filial local,
pareceu logo de cara que nós tínhamos impactado alguns elementos de esquerda.
Mas nós logo começamos a nos perguntar por que não havia discordância
aparecendo. Afinal, stalinistas supostamente tem diferenças consideráveis com trotskistas, não tem?
Foi tudo um tanto estranho. Eles concordavam com a necessidade de conselhos
operários (embora depois tenha ficado claro que os que eles tinham em mente
eram apenas os sindicatos de colaboração de classe no modelo da RFA). Eles
concordaram que uma Alemanha reunificada naquele momento só podia significar
uma perigosa potência imperialista (mas eles infelizmente não tinham muita
noção do que “imperialista” significava, a não ser algo do qual você chama as
pessoas de quem você discorda). Eles concordaram com tudo na nossa declaração
publicada na edição em alemão de 1917 [publicação da Tendência
Bolchevique]. Mas nenhuma dessas concordâncias significava muito – eles
dificilmente pareciam preparados para discordar. Ninguém nunca tinha ouvido
falar de Gramsci, nem ninguém tinha nunca ouvido falar de sovietes antes. Nunca tinham sido parte das leituras exigidas!
Finalmente eu pedi para que levantassem as mãos aqueles entre os presentes que
haviam lido o Manifesto Comunista.
Todos ficaram sentados parecendo envergonhados.
Na
RDA, parece que a atitude em relação a Marx e Lenin é a mesma que a atitude dos
meus colegas de classe na escola quando tiveram que ler poetas clássicos
alemães como Schiller, e odiavam. A maioria deles nunca descobriu o grande
escritor que ele era. Quando eu perguntei sobre onde comprar uma grande
coletânea das obras de Marx e alguns volumes de Luxemburgo, as pessoas
pareceram genuinamente impressionadas que alguém estivesse interessado nesse
tipo de coisa.
Se
você quer falar de política com alguém, com raras exceções, tudo tem que ser
limitado a um nível bastante elementar. Você deve presumir que as pessoas não leram
nada dos fundadores do nosso movimento. A maioria dos membros do SED leem ND e tiram a sua política daí. Aqueles
com memórias decentes puderam recitar, de forma mais ou menos inteligente, os
últimos discursos ou diretivas do partido – mas isso foi tudo. Apenas um de
todos os membros do PDS/SED com quem eu falei tinha cópias das obras de
Marx/Engels e de Lenin em seis volumes cada. Ele também era o único que tinha
lido todo O Estado e a Revolução (que
só tem 120 páginas!) e Imperialismo, Fase
Superior do Capitalismo. Que grande trabalho fizeram os stalinistas ao
erradicar qualquer tipo de tradição marxista na RDA, especialmente considerando
o número de velhos comunistas vivendo lá. Eu ainda estou um tanto abalado por
esse nível político apavorante.
Depois
de um tempo, ficou claro que a preocupação imediata dos membros do PDS/SED não
era realmente política, mas organizativa. Eles pareciam não ter absolutamente
nenhum tipo de experiência partidária da forma como nós a entendemos; eles não
conseguiam reunir todos os seus membros no mesmo lugar e hora certos; eles
parecem não ter ideia sobre como criar células funcionais. (Eles parecem não
ter mais células agora, já que as organizações por local de trabalho e local de
moradia desapareceram). Os membros que ainda se reúnem, o fazem quase que
casualmente, no trabalho ou nas unidades residenciais. Muitos membros do PDS
que nós encontramos pareciam ansiosos para organizar as coisas, mas era
evidente que eles não compartilhavam um determinado conjunto de ideias
(programa) ao redor do qual se reorganizar. Eles não sabiam se eram capazes de
concordar com um determinado programa, e geralmente pareciam acreditar que, sob
as atuais circunstâncias, era melhor evitar possíveis pontos de controvérsia,
porque isso poderia levar a um racha. Absolutamente coisa de louco.