16.4.12

O que está acontecendo com o MNN?

O que está acontecendo com o MNN?

Rodolfo Kaleb
Abril de 2012

Esta versão contém pequenas modificações no texto original realizadas em 17 de abril.

As eleições para o Diretório Central de Estudantes (DCE) da USP, maior universidade do país e também um dos principais redutos da esquerda brasileira, foi uma disputa que polarizou os estudantes após os conflitos contra a presença massiva da polícia militar na universidade no ano passado. Enquanto nós não estivemos presentes neste processo, que mereceria uma análise específica, um acontecimento envolvendo as eleições chamou nossa atenção.

O Movimento Negação da Negação (MNN) se retirou da chapa “27 de outubro” (que ele compunha com outras organizações da oposição de esquerda ao DCE) para defender um “voto crítico” na chapa “Não vou me adaptar”, composta pelo MES (PSOL), PSTU e seus simpatizantes. Esta chapa, que terminou as eleições como vencedora, representa a continuidade da burocracia estudantil à frente do DCE, à qual até então o MNN havia se oposto politicamente em todas as eleições nos anos anteriores. De acordo com uma nota publicada no site do MNN:

“Apesar das diversas críticas que temos à chapa ‘Não Vou me Adaptar’, consideramos ser a única no campo da esquerda, hoje, com chance real de vencer a chapa de direita, a ‘Reação’. Nessa situação, algumas centenas de votos podem ser decisivas. Por isso, votaremos criticamente na ‘Não Vou me Adaptar’ e convocaremos os estudantes para que o façam”.

A esquerda nas eleições da USP

O MNN também afirmou que o ideal seria uma “unidade entre todas as chapas da esquerda” para combater os setores políticos de direita da universidade, que eram representados pela chapa “Reação”.

“Para nós, a existência de diversas chapas de esquerda neste momento somente enfraquece a luta maior dos estudantes – contra a PM e a Reitoria –, pois a esquerda passa a lutar entre si”.

Junto a este, o MNN fez vários outros chamados pela “unidade da esquerda”. Mas qual poderia ser o significado disso?

O fetiche com a unidade é uma desculpa que há muito tempo é usada por pablistas e morenistas (assim como oportunistas de outros gêneros) para defender líderes traidores em nome de supostamente “combater a direita”. Como sempre haverá uma oposição de direita a uma direção reformista, formular a necessidade de um bloco político com os líderes do momento (independente do seu papel político) é uma boa saída para aqueles que deixaram de lado a necessidade de disputar os trabalhadores e a juventude para um programa revolucionário, assim como de leva-los à conclusão de romper com os seus falsos líderes.

As previsões do MNN sobre a possibilidade de vitória da direita eram absurdamente (e talvez deliberadamente) exageradas com o propósito de criar medo e facilitar a aceitação de uma posição que poderia ser potencialmente impopular (inclusive internamente). Isso foi feito quando o MNN, por exemplo, sugeriu (no mesmo documento) que:

“Caso a direita (chapa ‘Reação’) vença as eleições, será um duro golpe desferido contra o movimento estudantil e dificultará em muito o trabalho político dos estudantes nos próximos anos. Se não fizermos esta política de unidade hoje, seremos obrigados a fazê-la amanhã, numa situação muito pior.”

E também (como já citado) que:

“Nessa situação, algumas centenas de votos podem ser decisivas. Por isso, votaremos criticamente na ‘Não Vou me Adaptar’ e convocaremos os estudantes para que o façam”.

No fim, a chapa da direita foi derrotada com a diferença não de “centenas”, mas de muitos milhares de votos.

O MNN diz ter dado um “voto crítico” na chapa do MES/PSTU. Os revolucionários dão apoio eleitoral crítico a líderes traidores da classe trabalhadora e dos estudantes como uma forma de expô-los à uma base que tem ilusões nas suas promessas de levar as lutas adiante, uma vez que quando eleitos eles fazem justamente o oposto.

Ao prever estas traições de antemão e ao explicar o porquê da sua posição programática, os revolucionários estabelecem as bases para a construção de uma nova liderança para substituir estes falsos líderes e assim lutar para desenvolver uma consciência revolucionária entre os estudantes ou trabalhadores. Em eleições burguesas, isso também pode às vezes ser uma forma de dar um voto de classe em protesto contra os partidos capitalistas.

Mas o apoio do MNN parece não ter tido a intenção de expor os dirigentes do DCE, que já se desmoralizaram diante de setores politicamente mais conscientes dos estudantes. O MNN viu de forma entusiasta a vitória da chapa do MES/PSTU como uma conquista política:

“A vitória nas urnas da chapa ‘Não Vou Me Adaptar’ nestas eleições para o DCE da USP foi uma vitória política da esquerda que ultrapassou o âmbito universitário.”

Estudantes da USP esmagam a chapa do reitor autoritário

Paralelamente a isso, e revelando suas ilusões nos dirigentes do DCE (apesar das inúmeras demonstrações de oportunismo destes no processo de luta em 2011), o MNN foi agnóstico com relação ao caminho que a chapa recém-eleita vai tomar. Numa declaração publicada após o fim das eleições, escreveu que:

“A ‘Não Vou Me Adaptar só tem duas opções: ser consequente com seu discurso, ser consequente na luta contra Rodas, ou, pelo contrário, pela via da conciliação, baixar o ânimo de luta dos estudantes e jogar fora esse novo e grande setor (...) que se mostra disposto a lutar.”

“O DCE DE 2012 NÃO PODE REPETIR O DCE DE 2011, quando a gestão não chamou assembleias nem atos diante dos ataques sofridos pelos estudantes! Se optar por esfriar o ânimo dos estudantes abrirá necessariamente o caminho para a direita e terá que colher os frutos disso amanhã (o que pode ser catastrófico a médio prazo para toda a esquerda).”

Depois de esmagada a chapa do Rodas, que fazer?

Mas não foi exatamente isso (“abrir o caminho para a direita”) que fez o DCE de 2011, dirigido ou apoiado pelas mesmas forças políticas que compuseram a chapa “Não vou me adaptar”, apesar dos efeitos destrutivos que isto teve e tem para a esquerda e para o movimento estudantil? Não há “duas opções” para o DCE eleito! Os novos dirigentes que estarão à frente do DCE da USP vão trair e desarticular, pelas suas ilusões reformistas e pela sua adaptação à estrutura universitária, todas as lutas que há por vir.

Pelo mesmo motivo, a “unidade” eleitoral proposta pelo MNN só poderia significar dissolver em um bloco comum qualquer oposição de esquerda que pudesse desafiar a direção do DCE. Isto porque uma chapa como esta só poderia chegar a um denominador comum: o programa da própria chapa do MES/PSTU, grupos atualmente com maior peso e influência e que, em momentos decisivos, foram capazes de desarticular o movimento e impediram uma investida decisiva contra Grandino Rodas e a polícia militar. Uma oposição revolucionária aos erros e traições dos dirigentes do DCE da USP só pode triunfar demarcando claramente uma linha entre estes e ela própria.

O MNN, ao não apontar isto com clareza, ao ser agnóstico, e ao prezar por uma unidade política com os dirigentes estudantis que atrapalharam todo o processo de luta em 2011 (ao dizer que o ideal seria que toda a esquerda se unisse a eles numa chapa conjunta) está acobertando-os ao invés de denunciá-los. Isto não é um “voto crítico” – é um apanhado de ilusões com o qual os líderes do MNN estão enganando a sua base e aos seus apoiadores.

Devido à nossa referida ausência nesse processo político, vamos evitar considerar esta posição em todo o seu significado. O que podemos afirmar, entretanto, é que este movimento por parte do MNN (ainda que se tomado isoladamente não represente nenhuma traição histórica de grandes proporções) indica que este grupo está passando por uma mudança derradeira na sua orientação política. Essa mudança consiste em substituir descaradamente qualquer perspectiva de disputa pela consciência dos estudantes e trabalhadores por uma luta em prol do que é imediatamente possível e em pregar uma unidade política com forças comprovadamente traidoras.

A relação do MNN com o Comitê Internacional

Paralelamente ao que representa um giro à direita na sua política cotidiana, parece também estar ocorrendo um afastamento progressivo do MNN com relação ao Comitê Internacional/World Socialist Web Site, dirigido internacionalmente por David North. O MNN costumava realizar inúmeras traduções periódicas de artigos publicados pelo WSWS (wsws.org), site em inglês com publicações diárias do CI. Pudemos perceber lendo as edições digitais do jornal do MNN, uma redução crescente de traduções para o WSWS.

A última tradução realizada foi a de um artigo sobre a eleição de Putin na Rússia de 11 de março, mas tal tradução não foi sequer postada no site do Comitê Internacional, cujo último artigo em português é de 1º de março deste ano. Para qualquer uma destas datas tomada como base, desde 2006 o MNN não ficava por um período tão longo sem traduzir os artigos da corrente que ele tem considerado a continuidade do trotskismo.

Enquanto por uma quantidade considerável de anos o MNN tem traduzido os textos do WSWS, ele não é a seção brasileira do Comitê Internacional, que é liderado pelo SEP (Partido da Igualdade Socialista) norte-americano. Se há relações fraternais entre o MNN e o CI, elas tem uma natureza obscura e não declarada.

Enquanto o MNN afirma que o WSWS é a continuidade do trotskismo e fez a maioria esmagadora das traduções para o português do Comitê Internacional, este não parece divulgar tão amplamente as atividades dos seus apoiadores brasileiros. Através de uma busca no WSWS, podemos verificar que a única referência feita ao MNN está no seguinte trecho, num artigo (originalmente em inglês) sobre lutas na USP em 2009:

“O MNN (Movimento Negação da Negação, um grupo socialista que se identifica com o trotskismo no Brasil) participou ativamente das assembleias, piquetes e protestos, defendendo a continuação da greve sem negociações com a reitora Suely Vilela”.

Brazil: students resist attacks by shock troops at University of Sao Paulo

Parece então que para o CI de David North, o MNN não representa (ao menos publicamente) muito mais além de “um grupo que se identifica com o trotskismo”. É impossível para alguém fora de ambos os grupos afirmar exatamente no que consiste este comentário vago.

Quando alguns dos atuais membros de nossa organização faziam parte do Coletivo Lenin (leia a carta de ruptura), passaram por uma experiência com a Tendência Bolchevique Internacional que, ao menos superficialmente, se assemelha um pouco com esta. A situação foi relatada no documento em que o Coletivo Lenin rompeu relações com a TBI (de dezembro de 2010):

“Por cerca de três anos utilizamos uma adaptação do documento da IBT ‘Pelo Trotskismo’ enquanto nosso programa político formal. Nós considerávamos e declarávamos publicamente (até dois meses atrás) que a IBT representava a continuação programática do trotskismo, afirmação que podia ser constatada em nosso site e em materiais e intervenções apresentadas ao movimento operário e estudantil. Fomos nós que traduzimos todos os documentos presentes na seção em português do site deles. E apesar disso tudo, a IBT recusou declarar publicamente que mantinha relações conosco ou mesmo que existíamos (...). Nessa época, consideramos tal postura extremamente estranha, uma vez que a declaração pública de relações fraternais é o primeiro passo dentro de uma perspectiva de fusão com outra organização.”

No caso da TBI, esta postura “estranha” encobria interesses de construir uma “Internacional” sob a completa subordinação e controle dos seus líderes burocráticos. Como nós apontamos:

Naquele ponto começamos a desconfiar que a IBT, apesar de suas afirmações, não possuía interesse real em fundir com nossa organização. Que eles fundiriam apenas com grupos que abrissem mão de todas as suas diferenças e opiniões independentes. Tal tipo de ‘fusão’ exigiria que antes fôssemos psicologicamente destruídos, cessando assim a possibilidade de sermos genuínos revolucionários”.

Enquanto não podemos afirmar o que exatamente está por trás do relacionamento entre o MNN e o WSWS, certamente podemos dizer que o reconhecimento feito pelo MNN do Comitê Internacional enquanto uma organização revolucionária é unilateral. A repentina ausência de novas traduções do WSWS em português faz apenas surgir mais perguntas sobre a natureza pouco saudável dessa relação.

Para onde vai o MNN?
                   
Não será uma surpresa se o giro do MNN no movimento estudantil e o seu distanciamento do WSWS estiverem relacionados. É possível que após anos infrutíferos de discussões com o Comitê Internacional, a resposta dos líderes do MNN tenha sido, ao invés procurar uma alternativa à esquerda do CI, escolher uma saída mais fácil e atraente de “unidade” da esquerda brasileira.

O Comitê Internacional possui problemas políticos extremamente graves, alguns dos quais buscamos expor recentemente com a tradução para o português do artigo O Ser Determina a Consciência, que foi escrito quando nós ainda estávamos politicamente alinhados com a TBI por um antigo apoiador do Comitê Internacional que atualmente é membro do Reagrupamento Revolucionário. Buscamos demonstrar com a tradução deste artigo que o atual CI é uma organização cujo programa político passa longe de ser capaz de armar o proletariado para a sua vitória final.

Apesar disso, acreditamos que ao menos uma parte dos militantes do MNN tenha sido atraída pelos pontos positivos da tradição histórica de combate ao revisionismo pablista que o CI diz representar (ao reivindicar a continuidade da luta correta iniciada contra o pablismo em 1953). Um exemplo disso está no fato de que o MNN foi o primeiro grupo a traduzir para o português o texto de James P. Cannon, Uma Carta Aberta aos Trotskistas do Mundo Inteiro. Este é um documento que para nós representa um combate correto e historicamente fundamental (ainda que tenha sido tardio e imperfeito) contra o revisionismo de Pablo e Mandel, que dominou o movimento trotskista no início dos anos 1950.

O MNN (que também nunca foi isento de desvios políticos) parece também estar perdendo seu próprio potencial polêmico contra as tendências que antes ele reconhecia como revisionistas do trotskismo, e passa agora defender uma “unidade” com elas, sem deixar claro sob qual programa. Parece que o MNN está atualmente passando por um estado de desintegração ideológica. O seu aparente afastamento do CI/WSWS não parece estar levando ao um balanço genuinamente trotskista da corrente de David North, mas simplesmente levando-o à direita.

Para aqueles membros do MNN que entendem a importância da luta anti-pablista travada pelo Comitê Internacional em seus primeiros anos e que desejam lutar de forma bem sucedida pela revolução socialista, é necessário romper com a política representada pelo WSWS, assim como com o giro à direita do MNN.

Nós do Reagrupamento Revolucionário baseamos a nossa política na luta original do Comitê Internacional contra o pablismo. Nós também nos baseamos naqueles que lutaram contra a sua degeneração sob a liderança de Gerry Healy. Nós, portanto, imaginamos que muitos membros do MNN, desorientados pela mudança no rumo político da sua organização, se beneficiariam em estudar alguns documentos em nosso site. Os documentos seguintes são uma boa introdução para compreender algumas questões fundamentais da história do movimento trotskista depois de Trotsky.