Comitê
Internacional Ltda.: Chegando ao Fundo do Poço
O Ser
Determina a Consciência
Este
artigo, escrito por Samuel Trachtenberg, foi originalmente publicado pela Tendência Bolchevique
Internacional, em 1917 número 30 (2008). A tradução
para o português foi feita pelo Reagrupamento Revolucionário em abril de 2012.
Na
primavera de 2007, o Partido da Igualdade Socialista/Comitê Internacional
(SEP/CI) foi abalado por um escândalo público quando Scott Solomon, um enraivecido
antigo membro, revelou que David North não é apenas o líder do SEP e do CI, mas
também o executivo chefe da Grand River Printing & Imaging
(GRPI), um negócio multimilionário em Michigan. A liderança do SEP (partido do
Comitê Internacional nos Estados Unidos e sua principal seção) aparentemente
preferia manter esta bem sucedida empreitada comercial em segredo, mas ela não
pode negar os fatos.
A GRPI
evoluiu da prensa caseira que costumava produzir o Bulletin, o
jornal da Workers League (Liga dos Trabalhadores – WL, organização que precedeu
o SEP). Quando o WL/SEP suspendeu a publicação do Bulletin para produzir
apenas uma publicação online diária no seu World Socialist Web Site (WSWS), a
planta de impressão do partido foi aparentemente transformada discretamente em
um negócio de mão cheia.
Por volta
da mesma época, a liderança do SEP/IC descartou a visão marxista tradicional de
que os sindicatos são organizações defensivas da classe trabalhadora e declarou
que eles haviam se tornado meras agências dos capitalistas. David North
escreveu um longo documento sobre esse tema intitulado “A Globalização e os
Sindicatos”, no qual ele anunciou a “transformação objetiva da AFL-CIO [maior
central sindical norte-americana] em um instrumento das corporações e do Estado
capitalista.” Nós polemizamos contra isto no número de 29 de 1917
[publicação da TBI] (conferir “SEP: Defeatist and
Confusionist: The Class Nature of the Unions”).
Os
seguidores de North recentemente comentaram sobre o sórdido acordo assinado
pelo Sindicato dos Trabalhadores Automotivos Unidos (UAW) em outubro de 2007
com a General Motors, o qual permite que a compania se livre da responsabilidade
pela cobertura de planos de saúde dos seus trabalhadores aposentados através de
uma contribuição em dinheiro e papéis convertíveis em 4,4 bilhões de dólares
(baseados no valor das ações da GM) para uma Associação Voluntária para
Benefício dos Empregados (VEBA). O acordo beneficia os patrões ao reduzir
maciçamente as suas obrigações, ao mesmo tempo em que dá aos burocratas do UAW,
que administram o fundo, uma enorme nova fonte de renda e de influência. Os
únicos prejudicados serão os trabalhadores automotivos aposentados, cujos
benefícios serão reduzidos quando o poder de investimento da VEBA se mostrar
insuficiente.
Em uma
declaração de 12 de outubro, o SEP escreveu:
“A assim chamada ‘associação
voluntária para benefício dos empregados’, ou VEBA, irá transformar o sindicato
em uma empresa geradora de lucro e tornar os burocratas sindicais investidores
plenos na exploração dos trabalhadores. A burocracia do UAW vai colocar as mãos
em uma enorme bolada de dinheiro, incluindo fundos da GM, que vão garantir a
sua renda mesmo enquanto ela conduz cortes cada vez mais profundos nos
benefícios dos membros aposentados do sindicato”.
— “The
middle-class ‘left’ and the UAW-GM contract”
Aparentemente
ignorando o paralelo entre a relação da burocracia do UAW com a VEBA e a do SEP
com a GRPI, os seguidores de North declararam: “A transformação aberta do UAW
em um negócio não é um desenlace repentino ou inesperado”. Mas o sindicato dos
trabalhadores automotivos não se transformou em uma empresa capitalista; o UAW
permanece como parte do movimento dos trabalhadores, apesar da grotesca e
crescente corrupção da sua atual liderança. Leon Trotsky descreveu a tendência
da burocracia trabalhista nos países imperialistas a se transformarem de meros
agentes da burguesia em “acionistas” nos negócios da classe dominante:
“A um certo grau de
intensificação das contradições de classe dentro e cada país, dos antagonismos
entre um país e outro, o capitalismo imperialista não pode tolerar (ao menos
por certo tempo) uma burocracia reformista, a não ser que esta lhe sirva
diretamente como um pequeno, mas ativo acionista de suas empresas
imperialistas, de seus planos e programas, tanto dentro do país como no plano
mundial.”
— “Os Sindicatos na Época da
Decadência Imperialista” (1940)
No
entanto, Trotsky concluiu:
“(...) apesar da degeneração
progressiva dos sindicatos e de seus vínculos cada vez mais estreitos com o
Estado imperialista, o trabalho neles não só não perdeu sua importância, como é
ainda maior para todo partido revolucionário. Trata-se essencialmente de lutar
para ganhar influência sobre a classe trabalhadora. Toda organização, todo
partido, toda fração que se permita ter uma posição ultimatista com respeito
aos sindicatos, o que implica voltar as costas à classe trabalhadora, somente
por não estar de acordo com sua organização, está destinada a acabar. E é bom
frisar que merece acabar.”
Quando o
CI anunciou originalmente que ele estava descartando os sindicatos, os nossos
camaradas alemães projetaram que North e compania podiam um dia “se encontrar
em um bloco político com os capitalistas em seus ataques contra as instituições
do movimento dos trabalhadores” (1917 número 20, 1998). A declaração de
outubro de 2007 do SEP faz exatamente isso quando ela afirma: “O Partido da
Igualdade Socialista aconselha aos trabalhadores que se o UAW for aos seus
locais de trabalho, que votem para mantê-lo fora”.
Sem
dúvida os administradores da GRPI também dariam o mesmo conselho a qualquer
empregado que esteja pensando em se sindicalizar. Socialistas, entretanto,
acreditam que os trabalhadores devem se organizar. Numa situação em que o vício
presta homenagem à virtude, a declaração de 12 de janeiro de 2006 do SEP para
as eleições de meio-período nos Estados Unidos reivindicou “o direito garantido
dos trabalhadores de se unir a um sindicato e controlá-lo democraticamente; a
proibição de táticas de ataque aos sindicatos e cortes salariais”. Isto foi
acompanhado de uma peculiar demanda por “apoio do governo para médios e
pequenos negócios”. Mesmo a esquerda reformista não tem historicamente o hábito
de exigir financiamento público para capitalistas privados, mas pelo menos
poucos nela algum dia possuíram “médios negócios”.
Excepcionalidade
do CI no Sri Lanka
A
declaração do SEP/CI de outubro de 2007 sobre o UAW deixa bastante claro que a
sua posição anti-sindicato não se aplica somente à América do Norte:
“Dois fatos demonstram que a transformação do UAW não é simplesmente o
produto das características subjetivas de líderes corruptos ou políticas
erradas, mas sim a expressão de processos objetivos fundamentais radicados na
natureza das organizações sindicais e do impacto das grandes mudanças na
estrutura do capitalismo mundial. O primeiro é o período prolongado, agora se
estendendo por décadas, em que os sindicatos têm trabalhado abertamente para
suprimir a luta de classes e impor cortes nos salários e direitos dos
trabalhadores, juntamente com demissões em massa.”
(...)
“O segundo fato é a escala internacional da degeneração e transformação dos sindicatos. Este não é um fenômeno norte-americano, mas sim mundial, incluindo os sindicatos nos centros capitalistas avançados da América do Norte, Europa e Ásia, bem como aqueles nos chamados países ‘menos desenvolvidos’. Do UAW norte-americano e AFL-CIO ao Congresso de Organizações Sindicais britânico, à Federação Alemã de Sindicatos, até o Conselho Australiano de Sindicatos e o Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos, os sindicatos adotaram uma política corporativista de ‘parceria’ na gestão e trabalharam para reduzir os custos trabalhistas, em detrimento dos empregos, salários e condições de trabalho dos seus membros”.
“A força motriz por trás deste processo universal é a globalização da produção capitalista, que eclipsou a antiga primazia dos mercados nacionais, incluindo o mercado de trabalho, e permitiu às empresas transnacionais vasculhar a terra por fontes de força de trabalho cada vez mais baratas. Isso tornou os sindicatos, tendo em vista suas origens históricas e suas tendências para a colaboração de classes com o mercado nacional e com o Estado nacional, obsoletos e impotentes.”
Parece,
entretanto, que o Sri Lanka é uma exceção a esse “fenômeno mundial”. Talvez não
seja coincidência que este seja o único país em que um membro da liderança de
uma seção do CI também é presidente de um sindicato. Diferente do papel de
North como chefe de uma empresa capitalista, o CI parece ter bastante orgulho
das atividades do seu camarada do Sri Lanka. O relato do WSWS de 13 de novembro
de 2007 a respeito de uma reunião pública em Colombo para denunciar a guerra em
andamento contra os separatistas de origem Tâmil mencionou que um dos
principais porta-vozes foi “K.B. Mavikumbura, membro do comitê central do SEP
[do Sri Lanka] e presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Banco Central
(CBEU)”. O artigo cita extensamente a apreciação de Mavikumbura sobre suas
recentes atividades sindicais:
“Nós apresentamos uma resolução no CBEU chamando os trabalhadores a se
unirem com base em políticas socialistas para acabar com a guerra. Apontamos
que a campanha pela retirada dos militares do nordeste, que está de fato sob
regime militar, é uma condição necessária para unir os trabalhadores (...)”
“Recentemente eu participei de uma reunião sindical para organizar um piquete em apoio aos professores. O governo disse que não poderia aumentar os salários dos professores porque tinha que pagar a guerra. Levou a cabo uma ordem na Suprema Corte para intimidar os professores. Expliquei que os trabalhadores devem assumir uma luta política contra o governo. A questão central é se opor à guerra, mas os líderes dos sindicatos rejeitaram isto. Em vez disso, eles disseram que os trabalhadores devem formar uma aliança com o Partido Nacional Unido (UNP) de oposição, que é conhecido por atacar os direitos dos trabalhadores. Os trabalhadores precisam construir um movimento político independente com base em uma perspectiva socialista.”
— “SEP holds
public meeting in Colombo to oppose the war in Sri Lanka”
Qualquer
um na órbita política dos seguidores de North pode estar se perguntando como as
atividades de Mavikumbura podem ser encaixadas com o ponto de vista de que os
sindicatos são simplesmente agências dos patrões.
‘A
Transformação em um Negócio’
Será que
a posição do CI sobre os sindicatos simplesmente reflete uma perda de confiança
na capacidade da classe trabalhadora de expulsar os burocratas e ganhar o
controle sobre as suas próprias organizações de massa? Ou ela é um reflexo das
pressões sociais de gerir um negócio bem sucedido? Como Marx observou, o ser
tende a determinar a consciência, e para North e compania, a crescente receita
da GRPI poderia certamente prover uma base material para o crescimento de
corrupção político-pessoal dentro da liderança do SEP/CI.
Alex
Steiner e Frank Brenner, antigos colaboradores próximos de North que continuam
a se identificar politicamente com o SEP/CI, sugerem isto na conclusão de um
extenso documento datado de 16 de dezembro de 2007 que relembra como Gerry
Healy (o antigo chefe do CI) aceitou grandes quantias de dinheiro de vários
regimes do Oriente Médio para agir como seu propagandista de esquerda:
“Isto também foi uma das lições
do racha do WRP [Partido Revolucionário dos Trabalhadores britânico] — que a
‘unanimidade’ da liderança do grupo de Healy mascarava todos os tipos de
relações oportunistas baseadas em arranjos pessoais e financeiros. Nós não
temos dúvidas de que o silêncio do resto da liderança do CI também é baseado,
ao menos em parte, em considerações oportunistas de natureza pessoal ou
financeira.”
— “Marxism
Without Its Head or Its Heart”
O
revisionismo do CI não começou com a transformação da planta de impressão da WL
em um negócio, nem mesmo como Steiner e Brenner argumentam, quando North e
outros abandonaram a luta contra o “pragmatismo”. A operação política
mercenária de Gerry Healy (incluindo o seu satélite norte-americano
inicialmente gerido por Tim Wohlforth e depois por North) era programaticamente
muito distante do trotskismo muito antes de eles começarem a promover o Coronel
Kadafi e outros déspotas dos Oriente Médio.
Organizações
de esquerda que obtém financiamento substancial de fontes externas ao seu campo
de atividade política irão inevitavelmente tender a se tornar despolitizadas e
sujeitas à pressão de outras classes. Trotsky discutiu sobre isso em uma carta
de 8 de outubro de 1923 lidando com alguns sintomas da crescente burocratização
do Partido Comunista da União Soviética:
“Há sem sombra de dúvida uma
conexão intrínseca entre o caráter separado e contido dos setores organizativos
– cada vez mais independentes do partido – e a tendência rumo ao
estabelecimento de um fundo de renda tão independente quanto possível do
sucesso ou fracasso do trabalho coletivo de construção partidário.”
— O Desafio da Oposição de
Esquerda (1923-25)
North
afirmou basicamente a mesma coisa em sua principal declaração de 1986
renunciando ao legado de Healy:
“Além do mais, elementos entre
jornalistas, atores e atrizes que emergiram dos seus redutos para o Comitê
Político do WRP, sem qualquer aprendizado na luta de classes, proporcionou um
elo direto para recursos materiais que o partido jamais havia conhecido. À
parte da luta cotidiana dos membros do partido na classe trabalhadora, grandes
montantes de dinheiro foram conseguidos. A liderança central adquiriu assim uma
independência dos membros de base que destruiu as bases do centralismo
democrático”.
(...)
“A diplomacia secreta de Healy e
o seu repentino acesso a vastos recursos materiais, baseado amplamente na sua
utilização oportunista da [artista de cinema] Vanessa Redgrave como o chamariz
do WRP no Oriente Médio, teve um efeito corrosivo na linha política do partido e
na sua relação com a classe trabalhadora. Qualquer que tenha sido a intenção
original, isso se tornou parte de um processo no qual o WRP se tornou
politicamente refém de forças de classe externas. No momento exato em que era
mais necessária uma correção na linha, o ‘sucesso’ do seu trabalho no Oriente
Médio, ao qual desde o início faltava o mais básico ponto de referência
proletário, tornou-o cada vez menos dependente da sua penetração na classe
trabalhadora britânica e internacional.”
— “How the
Workers Revolutionary Party Betrayed Trotskyism”
O sucesso
comercial da GRPI hoje dá à liderança do SEP muito mais independência da sua
base do que é normal no caso de grupos burocratizados da esquerda, onde a renda
tende a estar estritamente ligada ao tamanho da base e à cotização. A atividade
política do SEP, centrada na internet, exige uma coluna de quadros de
escritores e editores talentosos, mas o fato de que o grupo conduz muito pouco
trabalho político real significa que há poucas oportunidades para membros recém-recrutados
se desenvolverem politicamente, a não ser em eventuais atividades internas. Com
o tempo, nós esperamos que o fluxo de dinheiro gerado pela GRPI vai causar o
mesmo efeito nas camadas mais altas do SEP/IC que a VEBA vai causar nos
ocupantes dos cargos de chefia da Associação de Solidariedade.
O
seguinte comentário sobre o SEP/CI e a GRPI foi originalmente publicado no site
da TBI em maio de 2007
Nas
últimas semanas vieram à tona relatos de que David North, líder da organização
Partido da Igualdade Socialista (SEP) e do Comitê Internacional, que reivindica
o trotskismo, também atua (sob o nome de David W. Green) como executivo
chefe da Grand River Printing & Imaging (GRPI), uma das maiores
companias gráficas de Michigan, que registrou 25 milhões de dólares em
transações no ano passado. Como outros leitores da publicação diária do SEP,
nós esperávamos ver o que o World Socialist Web Site (WSWS) tem a dizer sobre a
revelação envolvendo a GRPI. Parece que, pelo menos por hora, North e compania
decidiram que a discrição é a alma do negócio, e estão mantendo um silêncio
absoluto.
A maioria
dos comentários impressos abaixo foi escrita pelo camarada Samuel T., que foi
recrutado para a Workers League (predecessora do SEP) durante a campanha de
Fred Mazelis como candidato da organização para prefeito de Nova York em 1989.
Sam deixou a WL em 1991 quando o grupo se recusou a chamar pela derrota militar
do imperialismo dos EUA na primeira Guerra do Golfo (veja o Boletim
Trotskista número 8).
No fim de
semana de 31 de março/1 de abril de 2007, Sam e outros membros a TBI foram a
Ann Arbor, Michigan, para participar de uma conferência do SEP contra a guerra
do Iraque, que foi propagandeada como “aberta a todos os leitores do WSWS”.
Quando nossos camaradas chegaram, entretanto, eles descobriram que os
apoiadores de outras organizações que não fossem o SEP não eram bem-vindos, e a
liderança do SEP pareceu um pouco desconcertada com nossas críticas sobre a
afirmação dela de que sindicatos não são mais organizações da classe
trabalhadora (veja 1917 número 29).
Gerry
Healy, o líder fundador do Partido Revolucionário dos Trabalhadores britânico
(WRP), que liderou o CI até meados dos anos 1980, tinha uma bem merecida
reputação de um mercenário político cínico com um fetiche por abobrinhas
pseudo-dialéticas e causador de crises. No fim dos anos 1960, junto com Ernest
Mandel e os pablistas do “Secretariado Unificado” (SU), o CI apoiou vários
bonapartistas do Oriente Médio como supostas manifestações de uma “revolução
árabe” com colaboração de classes. O CI também compartilhou o entusiasmo dos
pablistas pelos “Guardas Vermelhos” da fração de Mao Zedong durante a disputa
massiva entre setores da burocracia chinesa que ficou conhecida com “Grande
Revolução Cultural Proletária”. Hoje, em um desvio simétrico, o SEP de David
North nega que a China algum dia tenha sido qualquer tipo de Estado operário.
Por volta
dos anos 1980, os líderes políticos vendidos do CI estavam agindo como
propagandistas pagos para o ditador líbio Muammar Kadafi e outros déspotas
árabes. O ato mais desprezível desses gangsteres políticos foi passar
informações para o serviço de inteligência do regime de Saddam Hussein sobre
membros emigrados na Grã-Bretanha do Partido Comunista Iraquiano. Quando o WRP/CI
implodiu em 1985-86, antigos membros vieram a público e disseram que recebiam
tarefas de tirar fotografias de exilados de esquerda em protestos, que logo em
seguida a liderança do WRP repassava para a embaixada iraquiana.
Depois da
queda de Healy, a atual liderança do CI, encabeçada por David North, buscou
ajustar a imagem do grupo a algo mais próximo da tradição do “trotskismo
anti-pablista” que ele falsamente diz representar. No seu balanço pouco
inocente sobre o seu tardio rompimento com Healy, intitulado “How the WRP
Betrayed Trotskyism” [Como o WRP traiu o Trotskismo], a liderança da WL
minimizou o seu histórico de anos de obediência serviçal a cada pronunciamento
de Healy. A insistência de North e de seus aliados próximos de que eles não
compartilham nenhuma responsabilidade política pelos crimes do CI, e de que
tudo foi culpa de Healy, lembra a tentativa de Nikita Kruschev em 1956 de
apagar os crimes da burocracia soviética [que havia sido chefiada por Stalin
até a sua morte] ao culpar Stalin de tudo. Aqueles que olharem para trás e
examinarem as edições do Bulletin [jornal produzido pela WL]
verão por si próprios que a adulação acrítica da Workers League com relação à
Kadafi e aos demais financiadores bonapartistas do CI era tão entusiasmada quanto
a do WRP. Eles também verão que o SEP/CI, assim como o SU e quase todas as
tendências pseudo-trotskistas, consistentemente apoiaram a contrarrevolução no
antigo bloco soviético, do Solidariedade polonês de Lech Walesa em 1981 até o
levante pró-imperialista de Iéltsin em Moscou uma década depois. Com a passagem
do tempo, e o influxo de novos membros menos experientes, a liderança do SEP/CI
tem tentado se distanciar da sua história inglória. O tom do WSWS hoje é bem
menos histérico do que o Bulletin costumava ser, mas o programa que ele
defende não é nem um centímetro menos distante de ser revolucionário.
Alguns
sugeriram que o papel dos líderes do SEP na GRPI pode estar conectado com o seu
repúdio da análise trotskista sobre os sindicatos. Nós não afirmamos saber isto
com certeza. Mas ficou claro em Ann Arbor que existe bastante confusão entre os
membros do SEP a respeito da sua posição sobre os sindicatos. Muitos membros
novos parecem desconfortáveis com essa linha, enquanto quadros antigos
defendem-na apaixonadamente, mesmo havendo pouca consistência nos argumentos
que eles usam, e apesar do fato de que nenhum deles é capaz de explicar como a
AFL-CIO hoje é qualitativamente diferente do que era nos anos de 1960 e 70. Um
membro veterano do SEP se aventurou a dizer que talvez a destruição da URSS
tenha de alguma forma, transformado os sindicados nos Estado Unidos em meras
ferramentas da burguesia, ao comentar: “Bom, o colapso da URSS mudou tudo,
então por que não teria também transformado os sindicatos?”.
***
Estes comentários são de discussões internas da
Tendência Bolchevique Internacional
Lenin fez
um paralelo entre a traição de 4 de agosto de 1914 dos Socialdemocratas [ao
votarem no parlamento alemão a favor dos créditos para a Primeira Guerra Mundial]
e a posição social privilegiada de aristocracia operária que constituía a sua
base social. Trotsky fez observações similares a respeito da burocracia
stalinista, assim como também associou o abandono da defesa da União Soviética
em 1940 por parte dos seguidores de Shachtman [um rompimento à direita com o
então trotskista Partido dos Trabalhadores Socialista (SWP) norte-americano]
com a sua composição social pequeno-burguesa. Em 1953, James P. Cannon
argumentou que as políticas liquidacionistas dos seguidores de Cochran [outra
tendência à direita no SWP, que se aliou com os pablistas] refletiam os efeitos
conservadores da estabilidade econômica relativa de trabalhadores
especializados de meia-idade. Em 1983, nós próprios apontamos que o giro da SL
[Liga Espartaquista] em seu chamado para salvar as vidas dos fuzileiros navais
norte-americanos no Líbano, e da sua oferta no ano seguinte de prover proteção
militar para a convenção do Partido Democrata, estavam relacionados ao desejo
do líder da SL, James Robertson, de cultivar uma imagem “respeitável” com
elementos das classes dominantes.
Pode ser
perigoso para um pequeno grupo com inclinações de querer parecer muito maior do
que realmente é (uma coisa que os seguidores de North sempre fizeram ao longo
da sua história) acumular um espólio desproporcional ao seu verdadeiro peso
social. Seria surpreendente se gerir uma grande empresa não afetasse a
consciência política da liderança do SEP – como Marx ressaltou, “o ser
determina a consciência”.
***
Eu fiquei
impressionado ao ler o seguinte trecho do programa eleitoral de 2006 do SEP:
“Para estabelecer a base econômica para uma reorganização da vida social
nos interesses da grande massa dos trabalhadores, defendemos a transformação de todas as corporações privadas
industriais, manufatureiras e de tecnologia da informação avaliadas em 10
bilhões de dólares ou mais – as empresas que, se compreendidas, controlam a
parte decisiva da economia dos Estados Unidos – em empresas de propriedade
pública, com compensação integral para os pequenos acionistas e uma negociação
pública dos termos da compensação para os grandes acionistas”.
(...)
“Os direitos de propriedade devem ser subordinados aos direitos sociais. Isso não significa a nacionalização de tudo, ou a abolição das empresas de pequeno e médio porte, que são elas próprias vítimas de grandes corporações e bancos. O estabelecimento de uma economia planejada dará a estas empresas acesso imediato ao crédito e condições de mercado mais estáveis, desde que elas ofereçam salários e condições de trabalho decentes.”
— “For a socialist alternative in the 2006 U.S. elections,” 12 January
2006 (ênfase nossa)
Quantas empresas de impressão nos Estados Unidos valem mais do que 10 bilhões? Eu lembro que Rupert Murdoch está oferecendo 5 bilhões de dólares pela Dow Jones (que inclui o Wall Street Journal). Será que o SEP consideraria isso uma “empresa de médio porte”?
***
Quando eu
era um membro, os militantes da WL ficavam exaustos com um ritmo impensado de
atividade pública (cerca de 8 horas de vendas, etc.) Eu acho que talvez a
mudança para longe da agitação de massa rumo a uma perspectiva mais realista de
propaganda onde os militantes não são destruídos, explica porque o SEP hoje
projeta uma imagem pública mais controlada e racional (um ambiente de extrema
pressão não é bom para a sanidade de ninguém).
Na antiga
WL, ninguém deixava de ser duramente criticado nas reuniões internas (a não ser
que fosse parte da liderança) por não vender jornais o bastante, por não se
dedicar o suficiente, por não contatar um número suficiente de trabalhadores ou
por não dar dinheiro suficiente ao partido – não havia tabela de cotização, ao
invés disso os camaradas anunciavam o quanto eles dariam aqueles mês nas
reuniões de núcleo e lá eles eram pressionados a dar mais.
Eu tive a
impressão de ter sido informado, quando eu era parte do grupo, que a
organização financiava a si própria quase completamente através da contribuição
dos militantes (que se sacrificavam e eram encorajados a coletar dinheiro nas
ruas, ir de porta em porta, pedir emprestado de parentes, etc.). A outra fonte
de renda seria a venda dos jornais (que seria a razão pela qual supostamente
gritavam conosco regularmente por não vender o bastante).
***
Eu lembro
que certa vez, enquanto era membro, perguntei sobre o caráter de classe de
Cuba. Quando não criticado por levantar esse tema para começo de conversa (sob
o argumento de que ele refletia um potencial desejo de se adaptar ao castrismo),
me ofereciam um amplo leque de explicações de diferentes camaradas veteranos.
Alguns me deram uma versão do ‘capitalismo com a sombra da burguesia’ (uma
posição lambertista que, como eu descobri depois, nunca foi adotada pelos
healyistas). [Pierre Lambert, líder a Organização Comunista Internacionalista
francesa (OCI), participou com Healy do Comitê Internacional até 1971, quando
eles se separaram]. Outros membros da WL me disseram que apesar do que eu havia
lido em livros e jornais, havia na verdade significativa propriedade privada em
Cuba. Eles estavam todos improvisando, porque o CI/WL/SEP, no meu conhecimento,
sempre evitou qualquer tentativa de explicar seriamente a sua posição por
escrito. Membros que perguntassem demais sobre assuntos delicados como Cuba
logo aprendiam a não fazê-lo, já que isso era entendido como uma vontade de
abandonar a classe trabalhadora. Eu suspeito que uma reação similar esteja
sendo usada hoje para aqueles que ousarem perguntar sobre a GRPI.
***
Na
discussão sobre a questão da GRPI numa rede de relacionamento na internet, um
apoiador muito recente do SEP resumiu da seguinte forma a explicação que lhe
deram:
- A GRPI não financia o SEP;
- A GRPI dá emprego para vários camaradas;
- Ninguém está ficando rico através do envolvimento com a GRPI;
- A GRPI é uma compania bem sucedida que ganhou vários prêmios por ser uma empregadora de qualidade
Se eu
fosse um membro, eu estaria me perguntando para que propósito serve a GRPI, já
que ela nem serve aos interesses do SEP, nem enriquece ninguém. Eu também
estaria curioso sobre quais camaradas do SEP conseguem empregos e como eles são
selecionados. Eu suponho que seja bom ganhar prêmios, mas a maioria das pessoas
iria preferir trabalhar em um lugar onde haja um sindicato que as defenda ao
invés de ter que confiar na boa vontade dos gestores. (Eu acho que é seguro
presumir que, já que “os sindicatos essencialmente completaram a sua
degeneração”, eles não representam os trabalhadores da GRPI).
***
Quando o
SEP acabou com as suas publicações impressas para poder se dedicar apenas à
publicação online, eles diziam que estavam fazendo isso por meramente
reconhecer a realidade de que, na nova era da internet, material impresso
estava se tornando obsoleto como uma forma de chegar às pessoas. Está claro que
o SEP seguiu fazendo imensos investimentos para ter suas publicações online
diárias. O WSWS, que em geral é bem escrito e cobre uma enorme variedade de
tópicos sob uma perspectiva de esquerda, possivelmente tem um número de
leitores maior do que qualquer outra publicação em inglês reivindicando o
marxismo. Ele dá ao SEP uma influência no cyber-espaço que vai muito além do
seu peso no mundo real.
A
existência da GRPI, e o tempo e energia que North e compania obviamente
empregam nela, me fazem questionar que a verdadeira motivação para encerrar a
produção de propaganda impressa talvez tenha sido permitir que a compania
atingisse o seu potencial máximo. Quando eu era membro, nós tínhamos que
comprar grandes quantidades do Bulletin semanal sob consignação – cada
membro vendia algo em torno de 100 jornais por semana. O grupo também imprimia
uma Young Socialist mensal, uma publicação mensal em espanhol para
imigrantes, uma publicação mensal ou bimensal em francês vendida em Quebec e
para os imigrantes haitianos em Nova York (entre os quais nós tínhamos uma
quantidade significativa de leitores), um jornal canadense mensal, muitos
panfletos, uma revista teórica trimensal e, na maioria dos meses, um livreto ou
um livro. A descoberta de que papel impresso tinha se tornado obsoleto (embora
aparentemente não para propósitos lucrativos) pode também ter sido o resultado
da decisão de que cumprir metas de vendas indo de porta em porta, montando
bancas na frente de supermercados e todas as outras coisas que nós costumávamos
fazer, não era uma forma eficiente de usar o tempo político dos membros. É
digno de nota que a mudança de papel impresso para a publicação online, e a
transformação da velha planta de impressão do partido em um negócio empresarial
de mão cheia, parece coincidir mais ou menos com a mudança na posição sobre os
sindicatos. Isso pode ser um exemplo clássico de “programa gera teoria”.
***
Os
marxistas geralmente encaram o revisionismo como uma expressão de pressão de
outras classes dentro do movimento dos trabalhadores. Pequenas organizações de
propaganda, com pouca conexão orgânica com o movimento proletário, experimentam
essa pressão de formas mais indiretas do que os partidos de massa. Em um
pequeno grupo de esquerda, as características pessoais e os apetites políticos
dos membros de liderança são ao menos tão importantes em determinar a linha e o
caráter do regime interno quanto às forças sociais invisíveis que moldam a
consciência de massa.
Marx e
Engels escreveram uma quantidade significativa de polêmicas contra o
desenvolvimento de cultos de personalidade dentro de pequenas organizações
socialistas, enquanto Lenin, Trotsky e Luxemburgo, que trabalharam em uma época
em que as ideias socialistas eram parte do cotidiano do movimento operário,
normalmente não prestaram atenção a este fenômeno.
Ignorando
o contexto histórico e aplicando uma caricatura de análise leninista/trotskista
sobre as burocracias sindicais, socialdemocratas e stalinistas, o CI há muito
denuncia todos os outros grupos na esquerda como “pequeno-burgueses” (enquanto
a sua própria composição social não é muito diferente) e simultaneamente exigia
dos críticos da sua organização altamente burocrática que estes demonstrassem
sob que estrato social materialmente privilegiado a liderança do CI se baseava.
A recente publicidade em torno da GRPI pode levar a liderança do CI a ser um
pouco mais cuidadosa antes de acusar outros grupos de “pequeno-burgueses” por
um tempo.
***
Uma
organização pequena e rigidamente hierárquica que se diz socialista, sem
conexões significativas com o movimento dos trabalhadores ou qualquer outro
movimento social de massa, que tem uma existência política em grande parte
literária, com muito pouca atividade pública além de ocasionalmente lançar
candidatos para as eleições burguesas, está propensa a desenvolver alguns
desvios políticos peculiares. Se os líderes de tal organização também estão
sujeitos às pressões sociais de gerir um negócio multimilionário, é pouco surpreendente
que eles exibam indiferença quanto às lutas reais e as necessidades da classe
trabalhadora, ou ao menos tenham dificuldade em conectar as lutas imediatas
limitadas da classe com a necessidade da revolução socialista (ou seja,
encontrar o tipo de “ponte” que Trotsky descreveu no Programa de Transição).
Trotsky
via como algo essencial para os revolucionários lutar pelo programa marxista
dentro das organizações de massa existentes do proletariado, ou seja, os
sindicatos. A liderança do SEP, em contraste, tende a se basear em um tipo
abstrato de “socialismo dos dias de festa”, no qual a proposta operacional
principal é frequentemente chamar “construa o SEP”.
***
Por
décadas o CI tendeu a se adaptar à consciência atrasada dos setores mais privilegiados
da classe trabalhadora e mostrar pouco interesse em questões de opressão
específica (tais como o machismo, o racismo ou a homofobia). Aqueles que
insistem na importância de os marxistas discutirem essas questões são atacados
por “odiarem a classe trabalhadora” ou de serem motivados por ideologias de
outras classes, como o feminismo burguês ou o nacionalismo negro. Tim
Wohlforth, enquanto ainda era líder da Workers League, descreveu isso no seu
infame comentário de que “A classe trabalhadora odeia hippies, bichas e
feministas, e nós também!” Enquanto esta tendência está bem menos crua hoje, a
cobertura do WSWS sobre a destruição de New Orleans pelo Furacão Katrina, por
exemplo, foi profundamente falha pela tendência a ignorar o racismo evidente
que caracterizou a resposta da oficialidade capitalista à esta crise.
***
Os
quadros que produzem o WSWS podem certamente não ter culpa pela sua dedicação
ao trabalho – é uma façanha impressionante para um grupo tão pequeno ter
sustentado tal empreitada por tanto tempo. Mas o valor desse projeto, de um
ponto de vista revolucionário, depende do programa político que ele divulga. O
profundo revisionismo do SEP sobre as revoluções sociais que produziram os
Estados operários deformados chinês e cubano, seu apoio às restaurações
capitalistas no bloco soviético, a sua posição derrotista e reacionária sobre
os sindicatos, a sua tendência histórica à indiferença a respeito de questões
de opressão específica e o seu abandono da posição bolchevique de “derrotismo
revolucionário” para as potências nas guerras imperialistas, anulam qualquer
valor que o WSWS possa ter como instrumento de propaganda socialista.