13.3.11

Acerca do Chamado por uma Assembleia Constituinte na Argentina

[A seguinte carta foi escrita por um militante da então revolucionária Tendência Bolchevique Internacional (IBT) e enviada ao Workers Power em 30 de março de 2002. Ela trata da crise política ocorrida na Argentina em 2001/2002 e da demanda de Workers Power por uma Assembleia Constituinte como parte da solução – demanda essa partilhada com outros grupos, como a Fração Trotskista/PTS. Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em março de 2013.]

Ao Editor:

O movimento internacional dos trabalhadores tem um interesse vital nos acontecimentos dramáticos em curso na Argentina. Ao discutir a questão da assembleia constituinte com companheiros do Workers Power durante a reunião pública que vocês organizaram em 21 de março, me foi sugerido que eu deveria lhes escrever para fins de clarificação.

Desde o começo da atual crise política na Argentina, em dezembro [de 2001], o Workers Power tem laçado de tempos em tempos chamados por algum tipo de assembleia constituinte, ao mesmo tempo em que defende a criação de conselhos proletários, um partido revolucionário e um governo de trabalhadores. Revolucionários lançam a demanda por uma assembleia constituinte em situações nas quais as massas trabalhadoras nutrem ilusões no eleitoralismo burguês – tipicamente após um período de ditadura de direita. Mas a Argentina tem tido um regime democrático-burguês funcionando por quase 20 anos, e existe uma raiva generalizada contra todo o espectro da ordem política capitalista. Neste caso, fazer campanha por uma assembleia constituinte só pode espalhar ilusões populares, em vez de miná-las.

É inteiramente possível que, em algum momento, os reformistas, burocratas sindicais ou peronistas chamem eles próprios por uma assembleia constituinte, ou algum outro tipo de artifício parlamentar, visando conter a luta das massas dentro dos limites da “democracia” capitalistas. Nesse caso, seria necessário que os revolucionários buscassem expor o conteúdo reacionário de tais demandas e contrapor a elas a necessidade de órgãos de duplo poder proletário.

Mas, em uma declaração de 21 de dezembro de 2001, o Secretariado Internacional da Liga por uma Internacional Comunista Revolucionária [LRCI, atualmente chamada de “Liga pela Quinta Internacional” – L5I] adotou uma abordagem diferente e propôs que, se a burguesia buscasse escapar de suas dificuldades através de novas eleições:

...revolucionários devem defender a eleição de uma assembleia constituinte com deputados amovíveis. Em um eleição assim, seria vital que os delegados operários, delegados dos pobres das cidades e dos campos, se colocarem de forma a garantir que não haja uma dominação dos políticos corruptos das diferentes oligarquias rivais.”

Essa posição foi taticamente revertida em uma outra declaração da LRCI, de 19 de janeiro [de 2002] intitulada “A Luta Contra Duhalde Continua” [Duhalde era então Presidente Interino da Argentina], que criticou asperamente todo o burburinho em torno de participar em qualquer tipo de formação policlassista:

A demanda por assembleias e comitês (coordenações) [é] crucial na atual situação. Ela precisa ser lançada em todas as lutas parciais, locais, regionais e nacionais que ocorrerem [no] próximo período. Dada a situação atual, a demanda por assembleias populares ou organismos policlassistas do tipo na verdade acaba incorrendo no perigo de deixar os trabalhadores abertos a forças de outras classes e à demagogos populistas.

(...)

A confusão dos centristas é representada em sua confusão de reuniões de massas com organismos de tipo soviético, compostos por delegados: ela é representado no uso de assembleias constituintes como a base para um governo operário...”

Tudo o que faltou foi uma explicação de sua “confusão” anterior acerca do uso dessa demanda. Mas então, na edição de fevereiro [de 2002] de Workers Power, a demanda por uma assembleia constituinte reapareceu no meio de uma longa declaração do Secretariado Internacional da LRCI (“Da rebelião à revolução”, 28 de janeiro). Dessa vez foi dado um ar mais de esquerda, enquanto uma “assembleia constituinte soberana e revolucionária”, mas ela ainda era apresentada enquanto forma de responder às “contínuas mobilizações de massas nas quais as classes médias desempenham um papel proeminente, enquanto a classe trabalhadora organizada... ainda não entrou na cena política de forma organizada.” A assembleia constituinte “revolucionária” do Workers Power é claramente projetada enquanto uma formação burguesa:

As massas populares – apesar de sua desilusão com todos os partidos e políticos, ainda possuem grandes ilusões democráticas.
Muitas pessoas exigem novas eleições porque o governo de Duhalde cancelou as eleições previstas para março. Qualquer nova crise política para Duhalde vai partir da questão da ilegitimidade de sua administração em termos de um mandato popular.”

Ao mesmo tempo, a declaração sugere: “Para que uma tal assembleia responda à vontade do povo, seria necessária a intervenção e o controle das organizações dos trabalhadores e de organismos populares democráticos...”. A ideia de chamar por uma assembleia parlamentar burguesa sob controle dos trabalhadores é um clássico exemplo do que Trotsky chamava de “confusão cristalizada”.

Hoje a tarefa chave para os Trotskistas na Argentina é lutar para forjar uma liderança revolucionária baseada em um programa de independência proletária de todas as alas da burguesia. A influência do peronismo (nacionalismo populista burguês) entre o movimento dos trabalhadores argentinos não pode ser combatida com tentativas de projetar demandas por uma assembleia constituinte enquanto a via para um governo dos trabalhadores. Isso só é capaz de gerar confusão e criar um cenário para derrotas.

Sua paixão pela demanda por uma assembleia constituinte parece estar ligada à sua procura pelo Partido dos Trabalhadores pelo Socialismo [PTS, principal seção da Fração Trotskista]. Parece que a adaptação ao PTS produziu confusão política em torno de outros temas além da assembleia constituinte. Na página cinco da edição de fevereiro [de 2002] de Workers Power, em meio a uma entrevista com um membro do PTS, há um box chamando pela criação de “um partido revolucionário dos trabalhadores com real influência” na Argentina. É sugerido que para realizar tal meta, o “Partido Obrero [PO], o Movimiento Al Socialismo (MAS) e em alguma medida o Movimento Socialista de los Trabajadores (MST) deveriam somar forças” em lançar um novo partido político com um “programa revolucionário que esteja de acordo com a situação atual”. Em outras palavras, um pântano que sempre perdoe a si próprio.

Na página oito da mesma edição, uma declaração do Secretariado Internacional da LRCI louva o PTS por “lançar os elementos fundamentais de uma estratégia revolucionária” e convocar “a todas a forças operárias e populares combativas a se juntarem para criar um partido operário revolucionário de massas”. Entretanto, para proteger seu flanco esquerdo, o Secretariado da LRCI também alerta contra “um ‘reagrupamento’ daqueles que chamam a si próprios de ‘revolucionários’ ou ‘trotskistas’”, que poderia:

...ser bem pior, pois levaria os revolucionários diretamente ao pântano oportunista. Uma tal fusão só pode ser realizada com base em um programa que não seja revolucionário. Isso não iria fortalecer as forças revolucionárias, mas enfraquecê-las fatalmente. Se mostraria um bloco podre, explodindo diante do primeiro desafio sério. Cegaria a lâmina da crítica revolucionária precisamente quando ela mais se faz necessária.”

Me choca que o PTS não é o único disposto a “cegar a lâmina da crítica revolucionária” na busca por um bloco podre.

Saudações camaradas,
Alan D.
pela IBT [Grã-Bretanha]