[A
seguinte carta foi escrita por um militante da então revolucionária
Tendência
Bolchevique Internacional
(IBT)
e
enviada ao Workers
Power
em 30 de março de 2002. Ela trata da crise política ocorrida na
Argentina em 2001/2002 e da demanda de Workers
Power
por uma Assembleia Constituinte como parte da solução – demanda
essa partilhada com outros grupos, como a Fração
Trotskista/PTS.
Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento
Revolucionário em
março de 2013.]
Ao
Editor:
O
movimento internacional dos trabalhadores tem um interesse vital nos
acontecimentos dramáticos em curso na Argentina. Ao discutir a
questão da assembleia constituinte com companheiros do Workers Power
durante a reunião pública que vocês organizaram em 21 de março,
me foi sugerido que eu deveria lhes escrever para fins de
clarificação.
Desde
o começo da atual crise política na Argentina, em dezembro [de
2001], o Workers Power tem laçado de tempos em tempos chamados por
algum tipo de assembleia constituinte, ao mesmo tempo em que defende
a criação de conselhos proletários, um partido revolucionário e
um governo de trabalhadores. Revolucionários lançam a demanda por
uma assembleia constituinte em situações nas quais as massas
trabalhadoras nutrem ilusões no eleitoralismo burguês –
tipicamente após um período de ditadura de direita. Mas a Argentina
tem tido um regime democrático-burguês funcionando por quase 20
anos, e existe uma raiva generalizada contra todo o espectro da ordem
política capitalista. Neste caso, fazer campanha por uma assembleia
constituinte só pode espalhar ilusões populares, em vez de
miná-las.
É
inteiramente possível que, em algum momento, os reformistas,
burocratas sindicais ou peronistas chamem eles próprios por uma
assembleia constituinte, ou algum outro tipo de artifício
parlamentar, visando conter a luta das massas dentro dos limites da
“democracia” capitalistas. Nesse caso, seria necessário que os
revolucionários buscassem expor o conteúdo reacionário de tais
demandas e contrapor a elas a necessidade de órgãos de duplo poder
proletário.
Mas,
em uma declaração de 21 de dezembro de 2001, o Secretariado
Internacional da Liga por uma Internacional Comunista Revolucionária
[LRCI, atualmente chamada de “Liga pela Quinta Internacional” –
L5I] adotou uma abordagem diferente e propôs que, se a burguesia
buscasse escapar de suas dificuldades através de novas eleições:
“...revolucionários
devem defender a eleição de uma assembleia constituinte com
deputados amovíveis. Em um eleição assim, seria vital que os
delegados operários, delegados dos pobres das cidades e dos campos,
se colocarem de forma a garantir que não haja uma dominação dos
políticos corruptos das diferentes oligarquias rivais.”
Essa
posição foi taticamente revertida em uma outra declaração da
LRCI, de 19 de janeiro [de 2002] intitulada “A Luta Contra Duhalde
Continua” [Duhalde era então Presidente Interino da Argentina],
que criticou asperamente todo o burburinho em torno de participar em
qualquer tipo de formação policlassista:
“A
demanda por assembleias e comitês (coordenações) [é] crucial na
atual situação. Ela precisa ser lançada em todas as lutas
parciais, locais, regionais e nacionais que ocorrerem [no] próximo
período. Dada a situação atual, a demanda por assembleias
populares ou organismos policlassistas do tipo na verdade acaba
incorrendo no perigo de deixar os trabalhadores abertos a forças de
outras classes e à demagogos populistas.
(...)
“A
confusão dos centristas é representada em sua confusão de reuniões
de massas com organismos de tipo soviético, compostos por delegados:
ela é representado no uso de assembleias constituintes como a base
para um governo operário...”
Tudo
o que faltou foi uma explicação de sua “confusão” anterior
acerca do uso dessa demanda. Mas então, na edição de fevereiro [de
2002] de Workers
Power,
a demanda por uma assembleia constituinte reapareceu no meio de uma
longa declaração do Secretariado Internacional da LRCI (“Da
rebelião à revolução”, 28 de janeiro). Dessa vez foi dado um ar
mais de esquerda, enquanto uma “assembleia constituinte soberana e
revolucionária”, mas ela ainda era apresentada enquanto forma de
responder às “contínuas mobilizações de massas nas quais as
classes médias desempenham um papel proeminente, enquanto a classe
trabalhadora organizada... ainda não entrou na cena política de
forma organizada.” A assembleia constituinte “revolucionária”
do Workers Power é claramente projetada enquanto uma formação
burguesa:
“As
massas populares – apesar de sua desilusão com todos os partidos e
políticos, ainda possuem grandes ilusões democráticas.
“Muitas
pessoas exigem novas eleições porque o governo de Duhalde cancelou
as eleições previstas para março. Qualquer nova crise política
para Duhalde vai partir da questão da ilegitimidade de sua
administração em termos de um mandato popular.”
Ao
mesmo tempo, a declaração sugere: “Para que uma tal assembleia
responda à vontade do povo, seria necessária a intervenção e o
controle das organizações dos trabalhadores e de organismos
populares democráticos...”. A ideia de chamar por uma assembleia
parlamentar burguesa sob controle dos trabalhadores é um clássico
exemplo do que Trotsky chamava de “confusão cristalizada”.
Hoje
a tarefa chave para os Trotskistas na Argentina é lutar para forjar
uma liderança revolucionária baseada em um programa de
independência proletária de todas as alas da burguesia. A
influência do peronismo (nacionalismo populista burguês) entre o
movimento dos trabalhadores argentinos não pode ser combatida com
tentativas de projetar demandas por uma assembleia constituinte
enquanto a via para um governo dos trabalhadores. Isso só é capaz
de gerar confusão e criar um cenário para derrotas.
Sua
paixão pela demanda por uma assembleia constituinte parece estar
ligada à sua procura pelo Partido dos Trabalhadores pelo Socialismo
[PTS, principal seção da Fração Trotskista]. Parece que a
adaptação ao PTS produziu confusão política em torno de outros
temas além da assembleia constituinte. Na página cinco da edição
de fevereiro [de 2002] de Workers
Power,
em meio a uma entrevista com um membro do PTS, há um box
chamando pela criação de “um partido revolucionário dos
trabalhadores com real influência” na Argentina. É sugerido que
para realizar tal meta, o “Partido
Obrero
[PO], o Movimiento
Al Socialismo
(MAS) e em alguma medida o Movimento
Socialista de los Trabajadores
(MST) deveriam somar forças” em lançar um novo partido político
com um “programa revolucionário que esteja de acordo com a
situação atual”. Em outras palavras, um pântano que sempre
perdoe a si próprio.
Na
página oito da mesma edição, uma declaração do Secretariado
Internacional da LRCI louva o PTS por “lançar os elementos
fundamentais de uma estratégia revolucionária” e convocar “a
todas a forças operárias e populares combativas a se juntarem para
criar um partido operário revolucionário de massas”. Entretanto,
para proteger seu flanco esquerdo, o Secretariado da LRCI também
alerta contra “um ‘reagrupamento’ daqueles que chamam a si
próprios de ‘revolucionários’ ou ‘trotskistas’”, que
poderia:
“...ser
bem pior, pois levaria os revolucionários diretamente ao pântano
oportunista. Uma tal fusão só pode ser realizada com base em um
programa que não seja revolucionário. Isso não iria fortalecer as
forças revolucionárias, mas enfraquecê-las fatalmente. Se
mostraria um bloco podre, explodindo diante do primeiro desafio
sério. Cegaria a lâmina da crítica revolucionária precisamente
quando ela mais se faz necessária.”
Me
choca que o PTS não é o único disposto a “cegar a lâmina da
crítica revolucionária” na busca por um bloco podre.
Saudações
camaradas,
Alan
D.
pela
IBT [Grã-Bretanha]