Princípios
e Táticas
[A
presente declaração é uma versão editada de um documento aprovado
no Quarto Congresso Internacional da então revolucionária Tendência
Bolchevique Internacional, e publicado em seu periódico, 1917 n. 28
(de dezembro de 2005). Sua tradução para o português foi realizada
pelo Reagrupamento Revolucionário]
Em
geral, tendo uma escolha, marxistas votariam “sim” para remover
um governo burguês. Mas no presente caso da Venezuela [um plebiscito
sobre “manter ou não Chávez no poder”], o papel do imperialismo
norte-americano de certa forma complica a situação. Houve casos
análogos no passado, quando os revolucionários não quiseram ver
empreitadas do tipo serem bem-sucedidas, notavelmente o “Referendo
Vermelho”, organizado por nazistas contra o governo
social-democrata da Prússia, que falhou quando os esforços
combinados de nazistas e stalinistas fracassaram em obter o apoio da
maioria do eleitorado. Em seu artigo de 25 de agosto de 1931 acerca
do Referendo Vermelho, Trotsky escreveu:
“[...]
Não temos nenhuma razão para apoiar o governo de Braun ou assumir
sequer sombra de responsabilidade por ele diante das massas, ou
diminuir o mínimo que seja a nossa luta política contra o governo
de Bruening e sua agência prussiana. Mas, temos menos razão ainda
para auxiliar os fascistas a substituir o governo Bruening-Braun.
[...]”
“[...]
Sair à rua com a palavra de ordem: ‘Abaixo o governo
Bruening-Braun!’ quando, segundo a correlação de forças, esse
governo só pode ser substituído por um governo Hitler-Hugenberg, é
puro aventureirismo. A mesma palavra de ordem adquire, entretanto,
sentido inteiramente diverso caso se torne uma introdução à luta
imediata do próprio proletariado pelo poder. [...]”
− As
lições do “Plebiscito Vermelho”, Leon Trotsky, 25 de agosto de
1931.
Nós
nunca daríamos um voto de confiança em um governo burguês, mas, em
certas situações, o melhor posicionamento não é o de apoiar uma
tentativa de derrubar um, e o plebiscito venezuelano de 2004 é
exatamente um desses casos.
Marxistas
rejeitam de forma absoluta a lógica reformista de apoiar o candidato
burguês “menos pior” com base no argumento de que seus
adversários são ainda piores. No segundo turno da eleição
presidencial de 2002 na França, quando a escolha era entre Chirac
(um burguês de direita) e Le Pen (um fascista), nós condenamos os
pablistas e outros supostos revolucionários que votaram “contra Le
Pen”, isto é, em Chirac, enquanto afirmavam que estavam defendendo
a democracia burguesa contra o fascismo ao fazer isso.
A
campanha venezuelana de 2004 pelo impeachment é certamente um
exemplo de interferência imperialista “democrática” e de baixa
intensidade em semicolônias. Apesar do plebiscito venezuelano não
ter sido organizado pelos EUA, os imperialistas certamente apoiaram
aqueles por detrás dele. Alguns militantes de esquerda argumentam
que era necessário votar contra a remoção de Chávez, por conta do
caráter reacionário de seus oponentes. Mas um voto pelo “não”
em uma questão de chamar por novas eleições presidenciais implica
em apoio ao governo burguês em exercício.
Não
há dúvidas de que uma vitória da direita poderia ter criado o
ambiente para “legalizar” ataques de grande monta contra o povo
trabalhador. A derrota da campanha pelo “sim” gerou rachas e
recriminações entre os reacionários venezuelanos e seus apoiadores
imperialistas. Sem dúvidas, ela também fortaleceu a base popular de
Chávez, tal como vitórias de Frentes Populares fizeram no passado
(como na França em 1936 ou no Chile em 1971). Os trabalhadores que
depositam confiança em “seu” governo para defender seus
interesses inicialmente serão hostis àqueles que fizerem críticas
pela esquerda. Mas, ao longo do tempo, conforme a realidade for
ficando clara, tais atitudes irão mudar.
Idealmente,
teria havido uma forma de votar contra os opositores de direita
apoiados pelo imperialismo sem conceder apoio político à Chávez,
mas o formato do plebiscito tornou isso impossível, assim como era
impossível simplesmente votar “contra” Le Pen no segundo turno
das eleições francesas de 2002. O plebiscito venezuelano não foi
um ataque extra-legal executado pela direita, mas uma manobra
parlamentar sancionada pela constituição “bolivariana”. Isso o
torna diferente dos golpes de Estado que depuseram Allende no Chile,
em 1971, ou Aristide no Haiti, em 2004. Chávez aceitou o desafio
porque ele estimava, corretamente, que possuía apoio popular
suficiente para vencer.
A
Venezuela de hoje em dia é uma sociedade altamente polarizada, na
qual um conflito armado é uma possibilidade real. Ao mesmo tempo em
que não damos nenhum apoio ao lamacento programa
bonapartista/reformista de esquerda de Chávez, nós certamente
emblocaríamos com ele militarmente contra qualquer tentativa de
golpe, assim como os Bolcheviques fizeram com o Governo Provisório
de Kerenski em 1917.
Um
paralelo pode ser traçado entre o plebiscito venezuelano e as
eleições organizadas na Nicarágua pelos sandinistas, sob pressão
do imperialismo. Nesse caso, nós não votamos na Frente Sandinista
de Libertação Nacional (FSLN), mesmo tendo anteriormente apoiado
ela militarmente contra os Contras e seus aliados burgueses. Nós
adotamos a mesma posição na África do Sul e em El Salvador, quando
o Congresso Nacional Africano (ANC) e a Frente Farabundo Martí de
Libertação Nacional (FMLN) realizaram a transição de combatentes
da resistência para eleitoreiros nacionalistas/frentepopulistas de
esquerda.
Claramente,
os apoiadores de Chávez, diferentemente daqueles da oposição, são
gente que nós gostaríamos de ganhar para nosso programa. Aqueles
que depositaram sua fé em Chávez certamente olhariam com
desconfiança qualquer grupo que tenha se recusado a participar da
campanha pelo “não”, mas eles também esperariam que qualquer
genuíno anti-imperialista votasse na chapa bolivariana em uma
eleição. Militantes de esquerda que votaram para que os oponentes
de Chávez “não” pudessem encurtar seu mandato, e depois se
recusaram a votar “sim” para que ele completasse o mesmo, se
embolariam ao tentar explicar tamanha posição contraditória.
Ao
tratar do plebiscito, trotskistas venezuelanos começariam pela
perspectiva de ajudar a classe trabalhadora a estabelecer seus
próprios interesses políticos. Sua propaganda iria apontar o fato
de que o estrangulamento do imperialismo norte-americano e de seus
vassalos burgueses latinoamericanos só pode ser rompido pela total
expropriação do capital nacional e estrangeiro. Assim como no Egito
de Nasser, no Chile de Allende e outros defensores de fantasias
igualitaristas radicais de “terceira via”, Chávez se opõe a tal
curso. Enquanto deixassem clara sua disposição para defender
militarmente seu governo contra ataques de reacionários,
Bolcheviques-Leninistas venezuelanos tentariam ganhar os elementos
mais à esquerda entre os chavistas para a ideia de que os inimigos
dos oprimidos só podem ser decisivamente derrotados pela
substituição do Estado atual pela dominação do proletariado.
No
caso de tentativas extra-legais de tomada do poder por reacionários
(por exemplo, Kornilov em 1917, Franco em 1936 ou o golpe de 2002
contra Chávez), marxistas defendem militarmente o governo burguês
“legal” (de fato agindo para mantê-lo no poder, ao menos
temporariamente). Mas isso é uma situação muito diferente se
comparado a direitistas usando canais parlamentares constitucionais –
nesses casos, “blocos” eleitorais implicam apoio político.
Algo
foi posto no plebiscito venezuelano que era muito mais significativo
que uma eleição burguesa de rotina, e todos sabiam. Se um
plebiscito semelhante ocorresse no Brasil, onde a burguesia não
sentiu necessidade de recorrer a um golpe para manter seu controle,
os amigos imperialistas não teriam o mesmo interesse. Eles estão
suficientemente felizes com Lula. Para a oposição venezuelana, essa
manobra parlamentar era uma questão de expediente tático, uma vez
que eles já haviam tentado atingir seus objetivos através de um
golpe e de um lockout nacional paralisador, e falhado nisso.
Uma
organização revolucionária com uma base grande o suficiente para
ser um fator significativo no resultado final, poderia ter respondido
a uma crescente atividade direitista através de uma campanha pela
criação de “comitês de ação” no estilo daqueles propostos
por Trotsky após a vitória da frente popular na França, em 1936.
Revolucionários alertariam que, conforme demonstram os casos da
Guatemala em 1954 e do Chile em 1973, os trabalhadores não podem se
proteger através das urnas. Milícias proletárias de defesa são a
única medida eficaz para lidar com a ameaça de bandidos direitistas
violentos, e sua criação também levanta a autoconfiança e o
espírito combativo da classe trabalhadora.
Enquanto
marxistas, nós reconhecemos que ações extra-parlamentares às
vezes assumem aparência parlamentar. Em algumas situações, um meio
constitucional pode fornecer cobertura para um desenvolvimento
profundamente anti-democrático (por exemplo, a ascensão de Hitler à
chancelaria alemã em 1933). Mas em tais circunstâncias, quase que
por definição, não há resposta eleitoral viável. Apesar de que
jamais votaríamos em um Democrata Cristão ou em um gaullista para
manter um nazista fora do governo, nós certamente favoreceríamos
vigorosas ações de massas para rejeitar uma vitória eleitoral
fascista. Nós não queremos Le Pen como o presidente da França, mas
nós não estamos dispostos a votar em Chirac – não apenas por
princípios, mas também porque reconhecemos que, se a sociedade está
tão perto assim de uma tomada do poder pela Frente Nacional [o
partido neonazista francês], a ideia de uma resistência eleitoral
só pode ser uma ilusão debilitante. Em tais situações, ou em caso
de outra tentativa de golpe direitista na Venezuela, a tarefa urgente
dos revolucionários é mobilizar a classe trabalhadora para a
batalha.