A experiência chinesa com o revisionismo e o
burocratismo pablista
Por
Peng Shuzi
[Esta
carta aberta para James P. Cannon foi escrita pelo líder veterano do trotskismo
chinês à luz da decisão da organização trotskista chinesa de aderir ao Comitê
Internacional. A tradução para o português foi realizada em agosto de 2013 pelo
Reagrupamento Revolucionário a partir da versão disponível em inglês em http://www.marxists.org/archive/peng/1953/dec/30.htm].
30
de dezembro de 1953
Caro
camarada Cannon,
Bem
no começo deste ano eu pretendia escrever a você sobre os eventos e coisas pela
quais passei e observei em pessoa a partir de minha participação no SI
[Secretariado Internacional da Quarta Internacional], e sobre a séria tendência
organizativamente burocrática e politicamente revisionista representada por
Pablo que, eu temia, iria acabar trazendo uma crise à nossa Internacional. Mas
por “prudência” (também foi isso que Manuel [George Novack] me aconselhou a
fazer naquela época) essa carta foi continuamente adiada. Agora a crise
realmente explodiu com ferocidade. Eu, portanto, sou obrigado a escrever essa
carta já atrasada.
A
razão para eu escrever a você é não apenas por você ser o fundador e líder do
SWP, a seção líder do movimento trotskista mundial, mas também porque você
colaborou proximamente com Trotsky em completar o Programa de Transição e em
fundar nossa Internacional, e liderou várias lutas vitoriosas por um longo
período de tempo contra o oportunismo, o sectarismo e o revisionismo. Não menos
importante é o fato de que você lutou por toda a época da Comintern
[Internacional Comunista], em sua ascensão sob a liderança de Lenin e Trotsky e
seu subsequente período de degeneração inicial sob o controle de Stalin, e
dessa forma obteve ricas e profundas experiências, que desde então se tornaram
parte das mais preciosas lições para preservar e fazer avançar o nosso
movimento. Eu acredito que com sua rica experiência e as capacidades do SWP, e
sua colaboração com os genuínos trotskistas de outros países, é possível
superar a presente crise.
A
“Carta aos Trotskistas do Mundo Inteiro”, recentemente publicada pelo SWP,
apesar de bastante excepcional e sem precedentes, é, no entanto, necessária
para salvar a Internacional de um perigo imediato extremamente grave. Essa
“ação excepcional” pode ser provada necessária e justificada aqui também pelas
dolorosas experiências da minha participação pessoal no SI durante esses dois
anos.
Apesar
do fato de que eu me tornei responsável pela atividade do movimento trotskista
na China há mais de vinte anos, foi pouco possível manter uma relação íntima
com a Internacional e participar em suas atividades em razão das condições
particulares nas quais eu estava: constante opressão e extrema perseguição por
todos os tipos de forças reacionárias, frequentemente resultando em um estado
de isolamento. Quando o partido de Mao chegou ao poder, eu fui obrigado a
deixar a China e vir para o exterior. Eu nutria então grandes esperanças de
que, por um lado, eu poderia oferecer à Internacional um relato detalhado dos
eventos que ocorreram na China nos anos recentes para facilitar uma discussão
comum que resultaria em uma resolução e uma orientação geral correta para o
movimento trotskista na China e nos outros países economicamente atrasados do
oriente. Por outro lado, eu estava pronto a contribuir dentro dos limites da
minha capacidade e de minhas próprias experiências com a liderança da
Internacional para ajudar a fazer avançar o nosso movimento. Mas as experiências
desses dois anos e meio mostraram que a realidade é completamente diferente das
minhas aspirações originais, já que eu vi com meus próprios olhos uma
assustadora crise ganhar forma, crescer, se espalhar e penetrar mais e mais nas
diferentes seções da Internacional. Isso me perturbou e me doeu bastante, e
dificultou que eu permanecesse em silêncio.
Agora
permita que eu relacione em ordem cronológica o que eu testemunhei e
experimentei em pessoa durante todo esse período, como se segue:
No
Terceiro Congresso Mundial, uma “Comissão do Extremo Oriente” foi estabelecida
com o intento de realizar uma discussão mais ou menos profunda sobre a questão
chinesa e propor uma resolução sobre essa importante questão ao Congresso
Mundial para seguir para uma discussão mais ampla e a eventual adoção de uma
resolução elaborada de forma mais correta e completa. Eu fui então designado
como relator para essa questão. Mas antes que meu relato tivesse chegado à
metade, o representante do SI, o camarada A. da Índia, que estava encarregado
da Comissão, repentinamente fez uma moção interrompendo o meu relato sobre
pretexto de “segurança” e exigiu que essa Comissão procedesse para votar a
adoção das duas resoluções prévias sobre a questão chinesa, ou seja, aquelas
adotadas nas sétima e oitava plenárias do CEI [Comitê Executivo Internacional].
Eu fiquei bastante surpreso e expressei minha indignação e protesto. Eu
declarei que a Comissão do Extremo Oriente havia sido criada pelo Congresso,
que se impunha acima de todos os outros organismos, e, portanto, não podia
simplesmente se submeter a quaisquer instruções de cessar seu funcionamento que
fossem emitidas pelo SI, que em si era um corpo que seria reeleito. Se a
Comissão do Extremo Oriente tinha a tarefa de meramente proceder para votar as
resoluções prévias, então ela era completamente supérflua. E eu lembrei a eles
que ela havia sido constituída para o propósito de chegar a uma decisão mais
correta depois de uma discussão ampla de acordo com os desenvolvimentos dos
acontecimentos e novas realidades. Ao mesmo tempo, eu afirmei que, uma vez que
havia sido pedido que eu fizesse o relato, eu tinha a responsabilidade e o
direito não apenas de completar minha apresentação, mas também de ouvir
posteriormente as opiniões dos delegados presentes (independente de que eles
concordassem ou discordassem do meu relato) e assim obter uma conclusão
aprovada pela maioria da Comissão para oferecer ao Congresso. Graças ao meu
protesto e à objeção da grande maioria da Comissão à intervenção de A., eu relutantemente
pude terminar meu relato. Mas sem passar a nenhuma discussão, a Comissão do
Extremo Oriente foi encerrada; na realidade, ela foi abortada.
A
falta de conclusão da Comissão do Extremo Oriente deveu-se principalmente ao
fato de que o representante do SI, ouvindo o meu relato na primeira sessão e
percebendo que minhas visões não conformavam com as deles, e receando que
minhas visões influenciassem os camaradas presentes, não hesitou em me
interromper no meio do meu relato de uma maneira autoritária. Isso foi
posteriormente revelado na “explicação” de Livingstone, que compareceu à
segunda sessão no lugar de A. Ele disse que “O SI não havia esperado tal
desenvolvimento da Comissão”. Em outras palavras, eles não esperavam que eu
expressasse no meu relato visões diferentes das deles. Para o representante do
SI, parecia que as Comissões criadas pelo Congresso tinham a tarefa única de
justificar ou provar que estavam corretas as resoluções ou visões prévias do SI
utilizando novos fatos e argumentos. Se decorresse de outra forma, eles não
hesitariam em emitir ordens para interromper os procedimentos da Comissão.
Adotar
tal atitude arbitrária com relação a problemas políticos importantes (uma vez
que todos os delegados do Congresso consideravam a questão chinesa como o
problema imediato mais importante) e exercer tal controle sobre as Comissões
criadas pelo Congresso é uma prática muito distante da tradição do bolchevismo.
Essa foi minha primeira impressão desagradável depois de chegar aqui.
Meu descontentamento sobre a Comissão do Extremo Oriente foi,
é claro, percebido por Pablo. As explicações dele foram feitas por Burns [Gerry
Healy] e nelasa responsabilidade foi atribuída ao companheiro A. Além disso,
Burns disse que Pablo estava disposto a aceitar as opiniões de outros e
esperava que eu participasse do SI para colaborar com ele, especialmente
tomando responsabilidades sobre a questão colonial e semicolonial no Oriente.
Embora eu não estivesse muito satisfeito com as explicações de Burns, eu ainda
estava pronto com toda sinceridade a colaborar com Pablo e outros para servir
ao desenvolvimento do nosso movimento.
Imediatamente
depois do Congresso, explodiram novamente as divergências e o conflito entre a
maioria e a minoria no partido francês. A crise envolvida nesse conflito
culminou no início de 1952. Durante as duas reuniões do SI em que a questão
francesa foi discutida, Pablo sempre reiterou a incorrigibilidade da má
tendência representada pelos líderes da maioria e a necessidade de adotar
medidas severas. A opinião que eu expressei invariavelmente foi de que, em
razão de a maioria representar a esmagadora maior parte do partido, dentre os
quais estava um grande número de trabalhadores industriais em importantes
setores, nós deveríamos ainda fazer o máximo possível para convencer a maioria
dos camaradas, especialmente os camaradas proletários, apesar de que certos
líderes na direção manifestassem más tendências. (Na época, eu também tinha
certas más impressões sobre alguns líderes da maioria. Mas eu devo admitir
agora que minhas más impressões foram formuladas principalmente como resultado
da minha confiança e crédito excessivos em Pablo e caracterização feita dos
líderes da maioriapela minoria). Para esse propósito, disse eu, era necessário
levar em frente uma discussão universal e profunda no partido francês e, se
necessário, estender essa discussão às outras seções da Internacional. Dessa
maneira, seria não apenas possível encontrar uma demarcação das diferentes
visões políticas em ambos os lados, mas também aproveitar essa ocasião para
elevar o nível político dos membros como um todo. Essa opinião não encontrou
nenhuma objeção. Pablo, entretanto, procedeu inteiramente de acordo com seu
próprio plano.
Aconteceu
então que Pablo compareceu à Plenária do Comitê Executivo do partido francês em
janeiro (1952) e anunciou na mesma hora uma suspensão de suas funções dos 16
membros da maioria no CE. O fato é que o SI não havia tomado nenhuma decisão
desse tipo. Dentre os cinco membros do SI, três eram completamente ignorantes a
respeito dessa decisão: Germain [Ernest Mandel] e Manuel ambos estavam fora do
país, e eu não fui informado antecipadamente, apesar de estar em Paris. Além
disso, apenas o CEI tem o direito de sancionar ou suspender membros de um comitê
executivo ou uma seção formalmente eleita, mesmo se eles tiverem cometido
graves erros políticos, e mesmo violado a disciplina em ação, enquanto o SI não
tem de forma alguma esse direito. E ainda mais, o SI não tomou essa decisão! A
suspensão de suas funções de 16 membros do CE do partido francês feita por
Pablo, tomando o nome e a autoridade do SI, expôs completamente sua irrestrita
conduta pessoal ditatorial ao abusar da autoridade e ao violar a tradição de
nossa organização.
Depois
da suspensão dos líderes da maioria por Pablo, Germain retornou a Paris; ele
veio me ver e perguntou minhas opiniões sobre esse evento. O cerne do que eu
disse a ele foi o que se segue: as visões políticas da maioria do partido
francês ainda estavam limitadas a divergências sobre táticas, e ainda não
haviam passado para uma discussão geral. Tomar uma medida organizativa naquele
momento era inteiramente inapropriado. Além do mais, a medida aplicada por
Pablo não havia sido aprovada por todos os membros líderes da Internacional e,
portanto, nada mais era que uma ação arbitrária em violação da nossa tradição
organizativa. Expressando seu completo acordo com minha posição, ele me disse
ainda que os líderes da maioria eram todos muito ativos, e Pablo e outros antes
haviam os considerado em alta estima; e agora eles de repente eram descritos
como se não valessem um centavo, e mesmo ameaçados com sua completa expulsão do
movimento! Ao dizer isso, Germain não pôde conter sua indignação.
Para
poder discutir a agravada situação produzida por este ato de suspensão adotado
por Pablo, o SI chamou uma reunião expandida (que poderia ser considerada como
uma conferência preparatória para a Plenária de janeiro de 1952 do CEI). Nessa
reunião, Germain, J. da seção alemã, L. da seção italiana [LivioMaitan] e eu
nos posicionamos contra a medida tomada por Pablo. Mas este ainda tentou
obstinadamente se defender, dizendo que “A sessão prévia do SI decidiu sobre a
necessidade de adotar medidas severas, e os membros que estavam presentes nessa
sessão deveriam se responsabilizar por ela”. Mas qual foi o verdadeiro conteúdo
dessaassim-chamada “medida severa”? Sob quais condições ela deveria ser
aplicada? Sobre isso Pablo nunca disse uma palavra e é claro que não poderíamos
ter tomado nenhuma decisão formal sobre isso, e na realidade de forma alguma o
havíamos feito. Mas Pablo se utilizou da “medida severa” mencionada antes como
uma “fórmula algébrica” e ele fingiu que havia obtido a concordância de todos
para completar ele próprio a fórmula com “caracteres aritméticos”, ou seja, a
suspensão de 16 membros da maioria do CE do partido francês de suas funções.
Isso expôs ainda mais Pablo como um deliberado e sistemático causador de
intrigas.
Essa reunião expandida do SI deveria ter examinado
seriamente o erro na ação de Pablo de suspender os membros do CE do partido
francês e deveria ter desafiado sua autoridade para fazer isso, para abrir
caminho para uma solução razoável para a questão da maioria francesa. Mas Pablo
exerceu sua mais forte pressão ao ameaçar e manobrar para impedir qualquer
discussão sobre esse problema, e aproveitou sua brecha para propor uma
negociação com a maioria francesa em outra tentativa de compromisso. Isso nada
mais foi do que anular na prática a suspensão dos membros da maioria do CE e formar
um Comitê de liderança contendo ambas as frações, com Germain representando o
SI, como árbitro. Esse foi o único resultado da sessão de fevereiro do CEI.
Aqui, novamente, era evidente que Pablo estava fazendo intrigas para encobrir
temporariamente sua absurda conduta com relação à liderança de uma seção e
preparar o caminho para sua vingança. Assim, a questão da maioria francesa se
tornou mais e mais envolvida em confusão e não podia ser resolvida
corretamente, o que é provado pelo resultado subsequente.
Tendo
visto a ação arbitrária de Pablo sobre a questão da maioria do partido francês
e suas intrigas, eu senti fortemente que consequências assustadoras resultariam
se o SI se submetesse completamente ao manejo e controle de Pablo. Com essa
apreensão, em uma viagem para o sul da França eu tive uma conversa formal com
Manuel, que já estava lá. Eu apontei a ele que a suspensão de suas funções de
16 membros do CE do partido francês por Pablo, feito por conta própria, revelou
uma fraqueza muito séria no próprio SI, que merecia nossa mais séria observação
e atenção; desde que perdemos Trotsky, somente a formação de uma liderança
coletiva poderia evitar a crise interna e confrontar os eventos externos. Nesse
momento, eu ainda considerava Pablo como indispensável para a liderança, mas
que ele não deveria ter a permissão de agir arbitrariamente segundo sua própria
vontade. Além disso, eu acreditava que quanto mais importantes fossem as
questões organizativas e políticas, não apenas o SI não era competente para tomar
certas decisões, mas que mesmo o CEI não era adequado (já que os membros que
podiam estar presentes nas reuniões do CEI eram limitados) e que o SI deveria
buscar opiniões de líderes e colaboradores responsáveis e experientes ao redor
do mundo.
Depois
de eu ter expressão essas visões declaradas acima, Manuel disse que concordava
com a ideia fundamental expressada por mim sobre liderança coletiva e iria
reexaminar a questão fundamental da maioria francesa, e que ele pretendia ter
uma conversa sincera com Pablo no dia seguinte. Mas antes de Manuel poder falar
com Pablo, este começou um ataque brutal e violento contra mim na presença de
Manuel. Talvez tenha sido por isso que Manuel cancelou sua planejada reunião
com Pablo.
Quando
eu retornei do sul para Paris (em meados de maio de 1952), Pablo havia feito
duas acusações de escracho para lançar um ataque de força por eu “tentar ferir
o prestígio da Internacional” e “ação liberal” (que significava violação de
disciplina). Os “fatos” que ele enumerou eram: nós (minha mulher e eu) havíamos
caluniado a Internacional na frente de um casal australiano; depois de retornar
a Paris, nós havíamos novamente caluniado a Internacional diante dos camaradas
vietnamitas; e nós tínhamos nos mudado de um hotel para outro alojamento sem
avisar com antecedência. Quando eu ouvi pela primeira vez essas acusações sem
fundamento, apesar de extremamente enraivecido, eu ainda me contive e pedi a
Pablo que se encontrasse comigo para esclarecer esses mal entendidos. Mas ele
foi tão arbitrário a ponto de recusar o meu pedido, e declarou que as
“histórias mencionadas por ele eram fatos verídicos”. Portanto, eu percebi que
Pablo estava tentando deliberada e sistematicamente me fazer cair numa
armadilha de calúnias para me desacreditar e posteriormente me excluir do SI.
Eu fui então obrigado a exigir do SI que discutisse o assunto dessas calúnias
de Pablo contra mim.
Na
reunião do SI, eu provei com fatos indiscutíveis que todas as acusações feitas
por Pablo contra mim, tais como ferir o prestígio da Internacional, etc. eram
completamente falsas, e podiam ser provadas falsas pelo testemunho do casal
australiano e dos camaradas vietnamitas. Quanto à acusação de “ação liberal”,
era ainda mais absurda. A explicação é muito simples: como eu não pude pagar o
alto custo do hotel, eu fui forçado a buscar a ajuda dos camaradas vietnamitas
para conseguir um alojamento mais barato, e não foi necessário avisar com
antecedência o camarada Pablo. Eu pedi que ele respondesse e explicasse as
calúnias contra mim com fatos concretos. Não apenas ele não foi capaz de
explicar, mas começou a gritar e declarou: “Eu sou o Secretário Geral, eu tenho
minhas normas sobre as coisas!”. Eu disse a ele: “O Secretário Geral não tem
privilégios, e nossa norma é o centralismo democrático. Ninguém tem o direito
de ser ditador, de caluniar ou constranger os outros”. Finalmente uma resolução
foi proposta por Germain sobre a disputa entre Pablo e eu, que foi mais ou
menos como se segue: não havia fatos para provar que eu tentara desacreditar a
Internacional e violar a disciplina, mas também de que Pablo tentara me
caluniar. Essa foi uma resolução inteligente para agradar a ambos os lados sem
fazer justiça à verdade. Minha declaração foi: eu não aceitaria tal tipo de
resolução e eu me reservava o direito de apelar à consideração de um corpo
superior.
Eu
considero que, quando o Secretário Geral do SI calunia outro secretário à bel
prazer, com acusações de “descreditar a Internacional” e “violar a disciplina”,
não é de forma alguma uma mera e nem trivial “disputa pessoal”, mas um fenômeno
sério dentro do aparato de liderança no que diz respeito à questão da
organização e funcionamento de seus membros componentes. Em outras palavras,
essa é uma expressão nua de métodos burocráticos baixos para excluir oponentes
pessoais. Esse tipo de fenômeno foi visto bastante frequentemente nos partidos
stalinistas, mas ele não tinha precedentes no nosso movimento.
Depois
disso, Burns disse para nossa filha que, através da observação independente do
casal australiano, ele tinha compreendido os detalhes de como a esposa de Pablo
tinha nos tratadotiranicamente, especialmente minha mulher, e que não passava
de loucura, e que ele era simpático a nós. Mas ele disse que foi por erro que
Pablo aceitou como verdade o relato de sua esposa, e nos pediu para que não
insistíssemos em um “apelo”. Enquanto isso, Manuel também fez o que pôde para
me dissuadir de fazer isso, dizendo que se eu tornasse esse assunto público,
Pablo não poderia continuar sua função, mas quem poderia então substituí-lo? Em
suma, ele me persuadiu a deixar isso para lá. Para o bem de “preservar a
integridade do movimento em geral”, eu deixei de levar além meu protesto.
Apesar disso, eu sempre achei que as calúnias feitas por Pablo são não apenas
indesculpáveis, mas expressam uma perigosa tendência considerando a posição que
ele mantém. Se ele estivesse no poder, ele teria muito provavelmente cometido
todas aquelas perseguições que Stalin havia feito no passado.
Durante
um ano inteiro, da minha chegada à Europa até a décima primeira Plenária do CEI
em junho de 1952, eu só havia podido fazer um relato sobre a questão chinesa no
Terceiro Congresso e na Comissão do Extremo Oriente, e nunca houve qualquer
troca de opiniões ou discussão sobre essa questão no SI. Mesmo quando o
rascunho de resolução foi submetido à discussão no SI, eu não fui convidado
para expressão minhas visões. Além disso, eu não havia ouvido pessoalmente que
posição havia sido adotada por Pablo antes de ele expressar sua visão na décima
primeira plenária. Apenas indiretamente eu compreendi que Pablo havia assumido
que Mao Tse-Tung havia completado todas as teses fundamentais da Revolução
Permanente, que o PC chinês já tinha se tornado um partido centrista, e que o
regime de Mao era uma ditadura proletária. A posição de [Pierre] Frank me era
completamente desconhecida nesse momento. Apenas Germain havia trocado algumas
visões comigo, mas ele havia declarado que sobre a questão chinesa ele era mais
moderado. Assim, em uma questão tão importante quanto a China, a liderança do
SI não havia sequer compartilhado suas posições comigo, ou havia evitado
deliberadamente fazer isso desde o começo. Não foi de forma alguma planejada
uma discussão coletiva para poder-se chegar a uma posição correta como base
para a resolução que seria submetida ao CEI para discussão e aprovação. Ao
contrário, a liderança do SI lançou um ataque repentino na reunião do CEI
contra as visões que eles consideravam errôneas, com o propósito único de
ganhar uma maioria para adotar seu próprio rascunho de resolução, e
apressadamente encerrou toda a discussão sobre esse tema. Dessa forma eu
descobri que os membros dirigentes do SI não estavam preparados para uma
discussão sincera e consulta mútua para facilitar a colaboração, mas ao invés
disso lançava golpes de todas as maneiras contra as visões divergentes. Isso é
particularmente notável em Pablo, que abertamente enfatizou na sessão do CEI
que existia uma fração sectária da qual se deveria livrar. (Essas palavras não
foram incluídas nos apontamentos publicados de Pablo na edição especial do
boletim internacional sobre “Relato e Discussão sobre a Terceira Revolução
Chinesa”). O sectário ao qual ele se referia era obviamente eu; e a referência
foi uma ameaça e um prelúdio para me jogar para fora da Internacional. Eu não
me intimidei por essa ameaça burocrática, mas uma vez mais foi demonstrado que
Pablo estava pronto a lidar com os camaradas chineses com os mesmos métodos que
ele havia empregado contra a maioria da seção francesa.
Eu
acredito que você já conhece o conteúdo da resolução sobre a Terceira Revolução
Chinesa; minhas críticas a essa resolução, como, por exemplo, em “Alguns
apontamentos para servirem como adendos ao rascunho de resolução sobre a
Terceira Revolução Chinesa”, foram enviadas a você há dois meses, então não é
necessário repeti-las aqui. Eu só tenho um ponto a acrescentar sobre isso.
Quando essa resolução chegou à China, ela não apenas falhou em esclarecer as
visões originais divididas, mas aumentou a confusão e a perplexidade. Além dos
camaradas que se opõem à resolução com argumentos teóricos e fatos, mesmo
aqueles que estão de acordo com ela tem variadas interpretações entre eles
próprios. Consequentemente, não foi possível para eles elaborar um programa de
ação com acordo majoritário com base nessa resolução. A pior coisa é que
ninguém pode encontrar uma perspectiva para os trotskistas chineses nessa
resolução. Por exemplo, um camarada responsável, F., que está em completo
acordo com a resolução disse: “Nós devemos dissolver nossa organização para
poder participar efetivamente das atividades de massa lideradas pelo partido de
Mao”. Isso evidentemente é uma atitude liquidacionista. Outro camarada, Y.,
disse mais francamente: “A resolução da Internacional está correta, mas não há
nenhuma perspectiva para nós trotskistas”. Isso é pessimismo de cabo a rabo.
Assim toda a organização foi desarmada politicamente e desorientada, e dessa
forma se envolveu em disputas organizativas sem fim, e estava cada vez mais à beira
da desintegração.
Naturalmente,
eu não pretendo dizer que a resolução do SI é inteiramente responsável por tal
perigoso estado ao qual a organização chinesa foi conduzida. Eu diria que esse
é principalmente um resultado da situação objetiva da vitória do partido de
Mao, suas perseguições e a pressão incomparável que pesava sobre nós. Mas é um
fato inegável que a resolução da Internacional não fez uma análise razoável e
correta e uma explicação dessa situação objetiva, e nem apontou para uma
perspectiva e uma orientação convincente para a organização chinesa.
Antes de tudo, essa resolução é uma mistura do revisionismo
de Pablo e do conciliacionismo de Germain (ou seja, conciliação com Pablo),
recheado de falácias teóricas, erros factuais e autocontradições. Essas se
juntam a uma idealização do regime de Mao e ilusões sobre sua perspectiva,
fazendo dela uma forte expressão da tendência de conciliação com o stalinismo.
O liquidacionismo e o pessimismo que prevaleceram entre os camaradas chineses
se originou daqui. Portanto, eu posso dizer que o revisionismo de Pablo, ou
seja, a sua conciliação em relação ao stalinismo, já causou consequências
desastrosas na organização chinesa. Isso merece uma séria atenção entre todos
os camaradas.
Na décima segunda Plenária do CEI, em novembro de 1952, o SI
me deixou fazer um relato sobre a situação organizativa na seção chinesa pela
primeira vez. Quando eu relatei as notícias sobre a perseguição incessante e
sistemática dos trotskistas chineses pelo regime de Mao durante esses últimos
anos, toda a reunião foi fortemente abalada. L., o italiano, corou e questionou
por que o SI não havia dado às seções essa informação sobre a perseguição dos
camaradas chineses. Em meio a essa atmosfera tensa, Pablo, evidentemente
desconcertado, se levantou para se defender, dizendo que o massacre dos
trotskistas pelo regime de Mao não era uma ação deliberada, mas um equívoco, ou
seja, os trotskistas haviam sido confundidos com agentes do Kuomintang; e que
mesmo se a perseguição de Mao aos trotskistas fosse um fato, isso só poderia
ser considerado como uma exceção. Então Germain colocou outra questão: sob
quais condições os trotskistas foram massacrados? Eu citei todos os fato e
“condições” para demonstrar que a perseguição dos trotskistas pelo regime de
Mao havia se originado de uma tradição profundamente enraizada de hostilidade
stalinista em relação aos trotskistas, e que era uma tentativa deliberada e
sistemática de exterminar os trotskistas. Eu também apontei que essa
perseguição não era de forma alguma uma “exceção”. Não fazia muito tempo, Ho
Chi Minh havia assassinado toda a liderança trotskista no Vietnã, e na Guerra
Civil Espanhola a GPU do partido stalinista perseguira brutalmente incontáveis
trotskistas; todas essas eram provas de ferro. Mas Pablo virou para mim o
questionamento: “Então você invalidou a tática de entrismo no partido
stalinista e nas organizações de massa sob seu controle, que você havia
aprovado?”. Eu respondi: “Essa tática de entrismo no partido stalinista foi
iniciada por nós há quatro anos, isto é, desde 1949. Mas precisamente por causa
das severas perseguições que Mao infligiu sobre os trotskistas, nós temos que
ser particularmente cuidadosos e sérios ao realizar essa tática, e não
deveríamos ter nenhuma ilusão nos stalinistas”. Eu instei às seções francesa e
italiana a examinar as lições da seção chinesa e a se organizar muito
seriamente ao aplicar essa tática. De outra forma, cairiam no perigo de se
arruinarem e, nesse caso, o CEI seria responsável. Em suma, dessa ilustração da
defesa que Pablo fez da perseguição stalinista aos trotskistas chineses você
pode ver a extensão da idealização e ilusões dele em relação ao regime de Mao.
Nesse
meio tempo, eu recebi a versão em inglês da edição especial do BoletimInternacional
contendo o relato e discussão sobre a Terceira Revolução Chinesa e eu descobri
que o meu documento criticando o rascunho de resolução sobre a Terceira
Revolução Chinesa não havia sido impresso nele. Eu, portanto, apontei isso na
reunião expandida do SI e questionei Pablo sobre a razão para não publicar o
documento. A resposta foi que o documento fora publicado em outra edição do
Boletim Internacional. Mas depois eu procurei por todos os Boletins
Internacionais e não pude encontrar minha crítica ao rascunho da resolução. Era
óbvio que Pablo havia deliberadamente suprimido esse documento, já que minha
crítica apontava com fatos irrefutáveis vários erros fundamentais no rascunho
de resolução: a revisão da teoria da Revolução Permanente, a distorção do
“governo operário e camponês”, a ficção de uma suposta “violação das intenções
do Kremlin pelo partido de Mao” e a ilusão de uma “transformação de todo o
partido de Mao Tse-Tung em um partido centrista”. Nenhuma dessas críticas foi
refutada ou rejeitada nem pelo relator, nem pelos participantes da discussão
com argumentos teóricos ou fatos. Precisamente por essa razão, Pablo estava
decidido a esconder minha crítica ao rascunho de resolução dos camaradas ao
deixa-la no escuro. Essa é uma típica manifestação dos métodos burocráticos do
stalinismo, e foi precisamente o que nós resolutamente combatemos dentro da
Comintern em seu estágio inicial de degeneração 25 anos atrás, e uma das
principais causas para constituir a Oposição de Esquerda. Mas Pablo não parou
aí. Quando eu perguntei a ele por que ele não havia publicado meu documento,
ele mentiu abertamente dizendo que havia sido publicado em outra edição do
Boletim Internacional. Isso acrescentou mentira e trapaça, o cúmulo dos métodos
burocráticos arbitrários.
Aqui
eu devo mencionar que particularmente desde o começo de 1952, quando eu me opus
à medida arbitrária de Pablo na questão francesa, pelo período de um ano ele
não apenas empregou vários métodos burocráticos contra mim, mas também
informalmente me privou do direito de participar em todas as reuniões do SI; ou
seja, durante todo esse ano, Pablo nuncame chamou para comparecer a qualquer
reunião do próprio SI. Os membros do SI eram oficialmente eleitos pelo CEI. Mas
sem passar por nenhuma discussão formal e decisão na reunião do CEI, ele me
privou informalmente do direito de participar nas reuniões do SI. Isso é
claramente outra manifestação do burocratismo mais arbitrário e insolente!
Por
volta do mesmo período, eu descobri que Manuel fora excluído das reuniões do SI
por outro método: ele foi enviado para outro país com a tarefa de ajudar o
trabalho lá, ficando assim efetivamente impedido informalmente do seu direito
de participar e trabalhar no SI. Mas todos sabiam que Manuel viera com o único
propósito de participar das atividades do SI. Isso prova inteiramente que, para
monopolizar o SI, Pablo não tinha nenhum limite em seus métodos burocráticos e
intrigas para gradualmente excluir do SI os representantes do Hemisfério
Ocidental e da Ásia.
Por
outro lado eu me familiarizei com o fato de que Clarke havia iniciado uma luta
fracional no SWP e lançado ataques contra a liderança do partido em uma
tentativa de ganhar a direção. Isso foi evidentemente instigado por Pablo por
trás dos panos. Eu ouvia frequentemente dos lacaios de Pablo que “Clarke é o
melhor líder nos EUA”, que era equivalente a dizer que o SWP deveria ser
liderado por ele. Ao mesmo tempo, um camarada chinês, H., que estava estudando
aqui me disse pessoalmente que desde a primavera passada (1952) Pablo havia
agido de forma particularmente amigável e confidencial com ele e havia
oferecido várias vezes manda-lo de volta à China para “reorganizar o partido”.
Esse camarada respondeu: “Eu não tenho autoridade e prestígio na organização
chinesa”. Então Pablo o encorajou dizendo: “Não tenha receio, nossa
Internacional vai apoiá-lo. Basta você agir ousadamente”. Dessas palavras ditas
por Pablo, H. entendeu claramente não apenas que Pablo não confiava em mim nem
um pouco, como também era hostil a mim e, portanto, queria lhe dar essa missão
especial de começar um trabalho fracional na organização chinesa. Naturalmente,
ele não estava nem um pouco disposto a se envolver nesse assunto, e
consequentemente nos disse isso francamente.
A
partir dos fatos enumerados acima, eu senti profundamente que Pablo havia
manifestado uma tendência revisionista, e especialmente que ele estava
empregando terríveis métodos burocráticos para exercer controle sobre o SI e
tinha começado a construir suas próprias frações nas diferentes seções em uma
tentativa de dominar todo o movimento internacional. Por essa razão, quando
Manuel estava indo embora e veio se despedir de nós, eu enumerei alguns desses
fatos e disse a ele francamente que um sério perigo estava escondido no aparato
de liderança da Internacional, e estava se desenvolvendo em velocidade
acelerada. Eu expressei esperança de que ele iria encontrar um modo de tornar
essa opinião conhecida à liderança do SWP e especialmente a você, de forma que
você fosse alertado em tempo e tentasse consertar a situação. Entretanto Manuel
não tenha expressado nenhuma reação às minhas palavras, ele prometeu encaminhar
minhas opiniões a você e alguns outros líderes do partido.
Na
plenária do CEI de maio de 1953, houve duas coisas dignas de nota:
1.
Na discussão da resolução sobre o problema da URSS depois da morte de Stalin,
uma disputa importante surgiu. Nessa disputa, Burns apontou primeiramente que o
espírito da resolução era otimista demais; ele alertou que da falha em absorver
completamente o significado dos eventos da Iugoslávia, os quais tinham
resultado em uma avaliação exageradamente otimista, nós deveríamos ter
aprendido certas lições. Ele também declarou que os partidos stalinistas
permaneciam sendo stalinistas, e que nós não deveríamos ter muitas ilusões
sobre eles. Mas Pablo fez um ataque ameaçador contra essas observações. O
resumo de suas palavras era que, como um líder responsável, Burns deveria
evitar expressar visões em violação à linha da Internacional. De acordo com ele,
todas as resoluções rascunhadas pelo SI conformavam a “linha da Internacional”
e nenhuma dúvida ou objeção era permitida. Portanto, os membros do CEI tem
simplesmente que levantar suas mãos para adotar qualquer resolução que dissesse
respeito a eventos que haviam acabado de ocorrer sobre problemas importantes.
Quaisquer dúvidas ou visões opostas ao rascunho de resolução do SI são
consideradas “violar a linha da Internacional”. Isso é diferente da atitude
burocrática dos PCs no que diz respeito à “linha geral” de Stalin, a qual era
proibido se criticar?
2.
Nessa Plenária, Pablo propôs a eleição de um novo SI. A razão era que não havia
número suficiente membros efetivos para participar das atividades do SI, então
dois membros das seções britânica e italiana foram adicionados como membros
permanentes do SI. Dessa maneira, representantes do Hemisfério Ocidental e da
Ásia foram formalmente eliminados, e o SI virou praticamente um SE
(Secretariado Europeu). Desde então, Pablo tem modificado “legalmente” a composição
do SI para poder controlar livremente e manipulá-lo e proceder “legalmente” com
sues desígnios de excluir e eliminar seus oponentes e seguir com sua trama de
usurpar a Internacional.
Na
Plenária de maio do CEI, eu submeti dois documentos, “Um apelo dos Trotskistas
Chineses por Ajuda” e a minha “Carta Aberta à Liderança do PC Chinês”,
protestando pela perseguição dos trotskistas, na esperança de que a Plenária
fosse discutir e comentar sobre eles e decidir publicá-los nos órgãos públicos
de diferentes seções, para poder realizar uma ampla campanha para ajudar os
trotskistas perseguidos na China. Mas Pablo me disse através de Germain que
esses documentos deveriam ser discutidos e a decisão seria tomada só no SI. Na
reunião do SI (dessa vez só Pablo e Frank estavam presentes), eu declarei que
eu esperava que ambos os documentos fossem transmitidos às seções para
publicação, e que fosse aproveitada a ocasião para uma campanha para resgatar
os camaradas perseguidos. Ambos Pablo e Frank concordaram em publicar “Um apelo
dos Trotskistas Chineses”, mas disseram que não podiam concordar com os vários
pontos contidos em minha carta de protesto, e iriam se consultar comigo para
tomarem uma decisão final.
De
maio a setembro, quatro meses se passaram, mas eu ainda não vi aparecer “Um
apelo dos Trotskistas Chineses”. Então eu comecei a suspeitar que Pablo
houvesse novamente suprimido o documento. No começo de setembro eu enviei uma
cópia desse documento para os Estados Unidos, pedindo que ele fosse enviado
para o Militant [jornal do SWP norte-americano], e questionando se ele
já havia chegado lá por parte do SI. A resposta que eu recebi foi: “Nunca
recebido”. Uma vez mais eu descobri que Pablo estava fazendo joguinhos para me
enganar. Sobre os seus motivos para recorrer a tais truques para suprimir esse
documento: primeiro, ele sempre idealiza o regime de Mao. A publicação desse
apelo teria exposto a realidade contradizendo suas ilusões e idealização. Em
segundo lugar, ele vinha por muito tempo propagando nas diversas seções a noção
de que os trotskistas chineses eram sectários, fugitivos de uma revolução, etc.
A publicação desse documento teria desmascarado categoricamente suas mentiras e
calúnias. Em terceiro lugar, Pablo temia que a publicação do documento iria
interferir com seu ideal mais ardorosamente defendido de “entrismo”, ou seja,
ele temia que ao ver a cruel perseguição dos comunistas chineses pelo partido
de Mao, como revelado nesse apelo, os camaradas franceses, italianos e
vietnamitas começariam a duvidar da sua idealizada “tática de entrismo” e
exigiriam uma nova discussão.
Ao
suprimir esse documento, Pablo não apenas enganou conscientemente a mim e aos
camaradas chineses, mas também cometeu dois crimes indesculpáveis: (1)
objetivamente ajudou o PC chinês a esconder das massas os fatos mais horríveis
e concretos da sua perseguição aos trotskistas chineses. (2) Ele tornou
impossível para os camaradas de diferentes países que estivessem aplicando ou
se preparando para aplicar a “tática de entrismo” aprender as lições das
brutais perseguições infligidas sobre os camaradas chineses. Isso é como
coloca-los para trabalhar numa zona de perigo sem deixá-los saber do perigo.
Uma verdadeira política de avestruz! Deixe-me citar outro incidente para
ilustrar essa atitude. Quando os camaradas vietnamitas estavam prontos para
retornar ao seu país para aplicar a “política de entrismo”, e fizeram uma
reunião na qual eu fui convidado para fazer um discurso, o organizador da mesa
nessa reunião fez um pedido para que eu não mencionasse aos camaradas as
perseguições recentes experimentadas pelos camaradas chineses. Eu sabia muito
bem que isso era uma instrução ou sugestão de Pablo. Embora eu tenha observado
o pedido do organizador, eu ainda o alertei pessoalmente que a “política de
avestruz” era a mais perigosa.
Minha
Carta Aberta foi escrita como resultado de uma proposta de Manuel na Plenária
de novembro de 1952 do CEI, que foi então decidida e aprovada unanimemente. Seu
objetivo era tornar públicos internacionalmente os fatos sobre as perseguições
aos trotskistas chineses para angariar simpatia da classe trabalhadora mundial
e grupos progressivos e exercer pressão sobre o partido de Mao para impedi-lo
de continuar a perseguir os trotskistas chineses e outros elementos revolucionários.
Em razão de um desejo de coletar as informações mais confiáveis, essa carta foi
terminada apenas em abril. Já estava um bocado atrasada. Mas sob o pretexto de
enviar alguém para me consultar sobre o conteúdo dessa carta, Pablo novamente
teve sucesso em retê-la por mais dois meses (durante esses dois meses, Frank
discutiu comigo duas vezes, escolhendo alguns pontos não muito importantes para
discutir comigo e, é claro, não houve conclusão alguma). Finalmente, no começo
de julho, Germain veio conversar comigo. Ele começou criticando o formato da
carta como completamente errado, e pediu que ela fosse reescrita. De acordo com
suas ideias, eu deveria ter aberto a carta expressando um total apoio ao
movimento sob a liderança do partido de Mao, elogiando suas conquistas
revolucionárias, e então por fim chegar ao ponto da enumeração dos fatos sobre
as suas perseguições e protestar. Em segundo lugar, Germain notou que as visões
expressas nessa carta divergiam consideravelmente da linha da resolução da
Internacional, e por essa razão ele me denunciou como um “sectário sem
esperança”. Por fim, ele disse que o SI não poderia tomar a responsabilidade de
enviar esse documento para as diferentes seções para publicação. Se eu
insistisse em tê-lo publicado, eu próprio deveria me responsabilizar por
qualquer medida a respeito.
Para
mim foi uma grande surpresa ver o quanto a atitude de Germain tinha mudado
desde a sua postura anterior “moderada” e conciliatória com relação a mim.
Dessa vez ele era pablista de cabo a rabo. Eu já havia entendido que Pablo não
tinha a menor disposição em ter essa carta publicada; em geral as razões eram
as mesmas que aquelas referentes a “Um Apelo dos Trotskistas Chineses”. Quanto
a essa carta ter sido ou não escrita “de um jeito completamente errado” em sua
“forma” e com um “sectarismo sem esperança” em seu conteúdo, uma vez que agora
ela é publicada no Militant aqueles que a leram podem fazer um
julgamento aberto. A última das minhas intenções é me defender. Entretanto, a
partir das visões expressas acima por Germain, enquanto representante do SI, pode-se
ver claramente que eles esperavam que eu submetesse um elogio ao partido de Mao
para buscar conciliação com ele. A tendência conciliacionista em direção ao
stalinismo novamente se reflete indiretamente aqui.
Nesse
ponto, eu gostaria de fazer um breve comentário sobre a modificação da atitude
de Germain durante esses dois anos, que pode ser alguma ajuda para que você
entenda o papel dele no SI e na presente luta.
Eu
posso dizer que desde o meu primeiro contato com Germain depois de chegar aqui
eu tenho sempre tido a maior simpatia por ele. Esse sentimento se derivou da
minha observação da sua seriedade e de sua devoção ao trabalho, sua sinceridade
e cordialidade com os camaradas, sua considerável maturidade política e
respeito por nossa tradição nos assuntos organizativos, e certa vez eu o
considerei um dos mais promissores novos líderes do nosso movimento. Apesar de
que eu também ter notado sua falta de uma análise penetrante ao observar vários
problemas, seu temperamento impressionista, vacilação e espírito
conciliacionista manifestado muito frequentemente em importantes questões, e
sua facilidade em modificar suas posições, eu ainda confiava que ele seria
capaz de superar essas fraquezas através da experiência no movimento conforme
ele se desenvolvesse. Então quando eu ouvi entre os seguidores de Pablo todo o
tipo de propaganda depreciativa sobre ele por um longo período, retratando ele
como alguém sem visões independentes, ou mesmo como um mero “secretário com a
função de coletar materiais para Pablo” (nas palavras de A.), eu me senti
bastante indignado pela injustiça cometida a seu respeito. Quando a crise do
partido francês explodiu novamente, Germain se opôs abertamente à medida
arbitrária tomada por Pablo. Eu vi a mim mesmo enquanto ele era violentamente
atacado por Pablo e pela minoria francesa, e frequentemente me senti mal por
ele. Eu havia enviado uma mensagem de simpatia através da minha filha, e ele
disse que sem o apoio das seções alemã e italiana ele teria sido derrubado há
muito tempo. Precisamente porque ele tinha tal apoio, Pablo fez compromissos
especiais com ele e o promoveu como representante do SI para participar da
“coalizão de liderança” da maioria e da minoria francesa, e fez dele o
“árbitro”. Daí em diante, Germain foi posto na linha de frente do conflito
direto com a maioria francesa, e executou para Pablo o plano preconcebido que
outrora ele havia sido violentamente contra. Por volta da mesma época, Pablo
deu a ele a tarefa de rascunhar a resolução sobre a questão chinesa para coloca-lo
em oposição a mim. Desde então, sob os “compromissos” e “promoções” de Pablo
(elevado quase à altura do próprio Pablo), Germain gradualmente abandonou sua
posição conciliatória e se envolveu mais e mais na armadilha do burocratismo de
Pablo.
Hoje,
o fato de ele estar tomando uma posição completamente ao lado do pablismo, em
oposição à luta liderada pelo SWP contra o revisionismo e o burocratismo,
indica o quão inconscientemente ele caiu na armadilha de Pablo. Eu ainda estou
muito triste pela degeneração dele. Se Pablo não tivesse o apoio de Germain
agora, ou seja, o apoio das lideranças alemã e italiana através dele, ele não
teria sido capaz de seguir seu percurso sozinho, e um racha poderia ser
evitado. Desse ponto de vista, o papel criminoso desempenhado por Germain nessa
luta é de uma natureza decisiva. Em suma, eu tenho de tirar as seguintes
conclusões das minhas observações e experiências com Germain durante esses dois
anos: em muitos aspectos, especialmente em seu temperamento, ele se parece com
Bukharin. Ele frequentemente vacila entre a consciência revolucionária e a
consideração momentânea de forças. Quando uma é adotada por um tempo, a outra é
posta de lado. Só será possível que ele retorne ao trotskismo ortodoxo quando
sua consciência revolucionária for despertada ao descobrir toda a conspiração
de Pablo, e quando ele perceber que já está envolvido em uma armadilha
terrível.
Eu
aprendi que o conflito entre a maioria e a minoria no seu partido, que vinha
acontecendo por mais de um ano e meio, foi acentuado depois da Plenária de maio
e então ficou cada vez mais à beira de um racha. Se o secretário do SI
estivesse realmente preocupado com os interesses do nosso movimento, ele teria
chamado a tempo uma sessão extraordinária do CEI para discutir e examinar as
diferenças de ambos os lados, e adotar uma posição correta de forma a ajudar a
vitória do lado correto. Mesmo se isso não pudesse ser feito, ao menos o SI
deveria ter enviado para os membros do CEI e para as lideranças das diferentes
seções os documentos da disputa no seu partido para permitir que eles os
estudassem, discutissem e expressassem suas opiniões e críticas, para ajudar
indiretamente o conflito no seu partido a proceder de maneira objetiva.
Entretanto, o SI sob o controle de Pablo encobriu completamente as notícias
sobre a sua luta e todos os documentos de discussão dos membros do CEI e das
lideranças das seções. No meu caso, por exemplo, foi só no começo de setembro
que eu soube vagamente dos principais argumentos de ambos os lados através de
um amigo. Sem essa fonte eu teria permanecido completamente no escuro até o
momento em que você publicou a Carta Aberta. O fato é simplesmente que os
membros responsáveis do SI jamais me informaram sobre a situação da luta
interna no seu partido. Pablo e companhia adotaram métodos burocráticos para
guardar de nós a informação porque em seus esquemas eles queriam mantê-la
escondida. E agora está bastante claro: a minoria do seu partido é não apenas a
propositora, defensora e elaboradora do revisionismo de Pablo, mas foram
inspirados e dirigidos por trás dos panos por Pablo na luta, como é
inteiramente revelado pelos métodos que eles adotaram em sua conduta de
sabotagem. Em outras palavras, o grau e a consequência do racha provocado pelo
conflito no seu partido é causado diretamente pela conduta de Pablo no
interesse de sua própria fração.
De
todos esses fatos narrados acima, que eu testemunhei e experimentei
pessoalmente, uma conclusão geral pode ser tirada conforme se segue:
politicamente, a tendência revisionista de Pablo, de conciliação com o
stalinismo, é totalmente revelada por sua idealização do partido de Mao e de
seu presente regime, das ilusões nutridas ao seu respeito, e especialmente as
desculpas oferecidas e a defesa do partido de Mao em sua perseguição aos
trotskistas. O conciliacionismo já envolveu a seção chinesa em confusão
extrema, e até mesmo a levou à beira da desintegração através do
liquidacionismo e pessimismo derivado das teses de Pablo. Organizativamente, o
nível impressionante e perigoso de burocratismo atingido por Pablo pode ser
demonstrado pelos fatos de que ele abusou livremente do nome do SI ao suspender
por conta própria os membros da maioria do CE do partido francês e excluir seus
oponentes conforme sua vontade; que ele monopolizou o SI e controlou o CEI
através do SI; que ele tentou e conseguiu criar uma panelinha pessoal,
conspirando para tomar a liderança das seções; que ele suprimiu documentos que
deveriam ter sido publicados, e mesmo aqueles que ele prometeu publicar; e que
ele isolou e desfez as relações normais entre camaradas de liderança, e que
calunia, inventa e mente sobre eles e os engana. Todos esses crimes, que eu vi
pessoalmente e havia encontrado 25 anos atrás na Comintern degenerada sob
Stalin, eu agora vi aplicados no órgão de liderança da Internacional sob o
controle de Pablo! O rompimento dos partidos conduzido pelas minorias nos
Estados Unidos e na Grã-Bretanha recentemente, e as atividades conspiratórias
aceleradas de Pablo para rachar toda a Internacional agora são o
desenvolvimento lógico da sua ambição pessoal de usurpar toda a Internacional e
do seu burocratismo.
Os
fatos enumerados acima e suas conclusões justificaram suficientemente a ação
adotada pelo SWP como necessária e correta.
Recentemente
um camarada responsável da seção chinesa (que concorda politicamente com a
nossa posição) me escreveu e perguntou: “Por que o SWP não agiu de acordo com o
centralismo democrático, tentando, através da discussão internacional, ganhar o
apoio da maioria, ao invés de fazer antes de tudo uma carta aberta (se
referindo à Carta Aberta aos Trotskistas do Mundo Inteiro), apelando para todas
as seções para se livrarem de Pablo?”. Camaradas como ele, que não entendem o
verdadeiro estado de coisas e ainda nutrem inocentes concepções legalistas, não
são pouco numerosos. É precisamente numa tentativa de explorar essa situação
que Pablo e seus apoiadores estão fazendo um grande alarde: “A carta aberta
publicada por Cannon está em completa violação da tradição organizativa
trotskista, e em violação da disciplina do centralismo democrático”, esperando
dessa forma confundir e enganar camaradas e encobrir a própria conspiração de
Pablo para usurpar a autoridade da Internacional por métodos burocráticos, das
suas próprias trapaças na tradição organizativa e das suas próprias violações
da disciplina do centralismo democrático. Portanto, eu sei a seguinte resposta
no dia 8 desse mês à seção chinesa sobre a questão colocada acima:
“Embora
haja tais sérias divergências entre as visões políticas de ambos os lados (me
referindo a vocês e ao lado representado por Pablo), ainda assim, se o SI
tivesse mantido seu funcionamento normal e razoável, poderia e deveria ter
havido a possibilidade de uma completa discussão interna, e de se chegar a uma
solução através do centralismo democrático. Mas o dado extremamente infeliz é
que o SI tem estado inteiramente controlado e usurpado por Pablo, que utiliza
esse ‘aparato legal’ para agir arrogantemente com a organização de sua
conspiração, excluindo arbitrariamente seus oponentes do SI e estabelecendo
secretamente sua própria panelinha ou facção com o objetivo de tomar a
liderança de uma seção ou rachar a organização. Isso tornou impossível qualquer
discussão normal de acordo com o princípio do centralismo democrático e assim
obrigou o SWP, liderado por Cannon, a adotar hoje essa ação excepcional,
publicando a Carta Aberta exigindo a expulsão de Pablo e de seus agentes dos
órgãos de liderança da Internacional. Isso é realmente sem precedentes na história
do nosso movimento internacional, e é uma ação de natureza revolucionária. Essa
ação se tornou necessária não apenas para esmagar as tentativas de usurpação de
Pablo, mas também para ganhar tempo para resgatar o movimento, e reorganizar e
coordená-lo em tempo para confrontar a nova guerra mundial e revolução que se
aproxima. Se a mobilização dessa luta se prolongasse até a explosão da Terceira
Guerra Mundial, seria tarde demais.”
Eu
também devo apontar que a conspiração de Pablo para usurpar o órgão de
liderança da Internacional durante esses anos recentes, e todos os tipos de
métodos burocráticos de natureza absurda e extremamente arbitrária, foram mais
ou menos revelados de muitos lados. O fato é que a nossa Internacional como um
todo e os líderes responsáveis das diferentes seções não foram vigilantes o
suficiente e não exerceram cedo o suficiente uma fiscalização severa, crítica,
intervenção e contenção. O resultado, essa situação extremamente perigosa e
descontrolada, merece o nosso exame especial e revisão. Todo membro responsável
e todo trotskista ortodoxo deveria tirar uma séria lição desse caso Pablo.
(Sobre isso, caso você queira, eu posso oferecer alguns materiais e opiniões
para discutir com você).
Como
último ponto, eu quero lhe dizer de passagem que desde que a organização
chinesa recebeu a carta aberta do SWP, seu órgão de liderança, o Comitê
Nacional, realizou imediatamente uma série de reuniões devotadas à mais séria
discussão. Como resultado, aprovou quase unanimemente (com apenas uma
abstenção) as visões e posições contidas na sua Carta Aberta, e expressou uma
vontade resoluta em participar nessa luta liderada por você contra o
revisionismo e o burocratismo. Tendo passado por essa discussão, eles
recuperaram sua confiança original, e estão começando a se desprender das
confusões, conflitos e desorientação dos anos recentes. Eles estão agora
iniciando uma discussão geral na base em uma tentativa de reexaminar todas as
questões políticas fundamentais de acordo com a tradição trotskista ortodoxa, e
a obter unanimidade e unidade para marchar adiante rumo a um partido
revolucionário. Eu considero isso como o primeiro sinal mais otimista no
processo de luta contra o revisionismo.
Fraternalmente,
S. T.
Peng