27.10.03

Os Trotskistas Chineses e o Pablismo


A experiência chinesa com o revisionismo e o burocratismo pablista

Por Peng Shuzi

[Esta carta aberta para James P. Cannon foi escrita pelo líder veterano do trotskismo chinês à luz da decisão da organização trotskista chinesa de aderir ao Comitê Internacional. A tradução para o português foi realizada em agosto de 2013 pelo Reagrupamento Revolucionário a partir da versão disponível em inglês em http://www.marxists.org/archive/peng/1953/dec/30.htm].


30 de dezembro de 1953

Caro camarada Cannon,

Bem no começo deste ano eu pretendia escrever a você sobre os eventos e coisas pela quais passei e observei em pessoa a partir de minha participação no SI [Secretariado Internacional da Quarta Internacional], e sobre a séria tendência organizativamente burocrática e politicamente revisionista representada por Pablo que, eu temia, iria acabar trazendo uma crise à nossa Internacional. Mas por “prudência” (também foi isso que Manuel [George Novack] me aconselhou a fazer naquela época) essa carta foi continuamente adiada. Agora a crise realmente explodiu com ferocidade. Eu, portanto, sou obrigado a escrever essa carta já atrasada.

A razão para eu escrever a você é não apenas por você ser o fundador e líder do SWP, a seção líder do movimento trotskista mundial, mas também porque você colaborou proximamente com Trotsky em completar o Programa de Transição e em fundar nossa Internacional, e liderou várias lutas vitoriosas por um longo período de tempo contra o oportunismo, o sectarismo e o revisionismo. Não menos importante é o fato de que você lutou por toda a época da Comintern [Internacional Comunista], em sua ascensão sob a liderança de Lenin e Trotsky e seu subsequente período de degeneração inicial sob o controle de Stalin, e dessa forma obteve ricas e profundas experiências, que desde então se tornaram parte das mais preciosas lições para preservar e fazer avançar o nosso movimento. Eu acredito que com sua rica experiência e as capacidades do SWP, e sua colaboração com os genuínos trotskistas de outros países, é possível superar a presente crise.

A “Carta aos Trotskistas do Mundo Inteiro”, recentemente publicada pelo SWP, apesar de bastante excepcional e sem precedentes, é, no entanto, necessária para salvar a Internacional de um perigo imediato extremamente grave. Essa “ação excepcional” pode ser provada necessária e justificada aqui também pelas dolorosas experiências da minha participação pessoal no SI durante esses dois anos.

Apesar do fato de que eu me tornei responsável pela atividade do movimento trotskista na China há mais de vinte anos, foi pouco possível manter uma relação íntima com a Internacional e participar em suas atividades em razão das condições particulares nas quais eu estava: constante opressão e extrema perseguição por todos os tipos de forças reacionárias, frequentemente resultando em um estado de isolamento. Quando o partido de Mao chegou ao poder, eu fui obrigado a deixar a China e vir para o exterior. Eu nutria então grandes esperanças de que, por um lado, eu poderia oferecer à Internacional um relato detalhado dos eventos que ocorreram na China nos anos recentes para facilitar uma discussão comum que resultaria em uma resolução e uma orientação geral correta para o movimento trotskista na China e nos outros países economicamente atrasados do oriente. Por outro lado, eu estava pronto a contribuir dentro dos limites da minha capacidade e de minhas próprias experiências com a liderança da Internacional para ajudar a fazer avançar o nosso movimento. Mas as experiências desses dois anos e meio mostraram que a realidade é completamente diferente das minhas aspirações originais, já que eu vi com meus próprios olhos uma assustadora crise ganhar forma, crescer, se espalhar e penetrar mais e mais nas diferentes seções da Internacional. Isso me perturbou e me doeu bastante, e dificultou que eu permanecesse em silêncio.

Agora permita que eu relacione em ordem cronológica o que eu testemunhei e experimentei em pessoa durante todo esse período, como se segue:

No Terceiro Congresso Mundial, uma “Comissão do Extremo Oriente” foi estabelecida com o intento de realizar uma discussão mais ou menos profunda sobre a questão chinesa e propor uma resolução sobre essa importante questão ao Congresso Mundial para seguir para uma discussão mais ampla e a eventual adoção de uma resolução elaborada de forma mais correta e completa. Eu fui então designado como relator para essa questão. Mas antes que meu relato tivesse chegado à metade, o representante do SI, o camarada A. da Índia, que estava encarregado da Comissão, repentinamente fez uma moção interrompendo o meu relato sobre pretexto de “segurança” e exigiu que essa Comissão procedesse para votar a adoção das duas resoluções prévias sobre a questão chinesa, ou seja, aquelas adotadas nas sétima e oitava plenárias do CEI [Comitê Executivo Internacional]. Eu fiquei bastante surpreso e expressei minha indignação e protesto. Eu declarei que a Comissão do Extremo Oriente havia sido criada pelo Congresso, que se impunha acima de todos os outros organismos, e, portanto, não podia simplesmente se submeter a quaisquer instruções de cessar seu funcionamento que fossem emitidas pelo SI, que em si era um corpo que seria reeleito. Se a Comissão do Extremo Oriente tinha a tarefa de meramente proceder para votar as resoluções prévias, então ela era completamente supérflua. E eu lembrei a eles que ela havia sido constituída para o propósito de chegar a uma decisão mais correta depois de uma discussão ampla de acordo com os desenvolvimentos dos acontecimentos e novas realidades. Ao mesmo tempo, eu afirmei que, uma vez que havia sido pedido que eu fizesse o relato, eu tinha a responsabilidade e o direito não apenas de completar minha apresentação, mas também de ouvir posteriormente as opiniões dos delegados presentes (independente de que eles concordassem ou discordassem do meu relato) e assim obter uma conclusão aprovada pela maioria da Comissão para oferecer ao Congresso. Graças ao meu protesto e à objeção da grande maioria da Comissão à intervenção de A., eu relutantemente pude terminar meu relato. Mas sem passar a nenhuma discussão, a Comissão do Extremo Oriente foi encerrada; na realidade, ela foi abortada.

A falta de conclusão da Comissão do Extremo Oriente deveu-se principalmente ao fato de que o representante do SI, ouvindo o meu relato na primeira sessão e percebendo que minhas visões não conformavam com as deles, e receando que minhas visões influenciassem os camaradas presentes, não hesitou em me interromper no meio do meu relato de uma maneira autoritária. Isso foi posteriormente revelado na “explicação” de Livingstone, que compareceu à segunda sessão no lugar de A. Ele disse que “O SI não havia esperado tal desenvolvimento da Comissão”. Em outras palavras, eles não esperavam que eu expressasse no meu relato visões diferentes das deles. Para o representante do SI, parecia que as Comissões criadas pelo Congresso tinham a tarefa única de justificar ou provar que estavam corretas as resoluções ou visões prévias do SI utilizando novos fatos e argumentos. Se decorresse de outra forma, eles não hesitariam em emitir ordens para interromper os procedimentos da Comissão.

Adotar tal atitude arbitrária com relação a problemas políticos importantes (uma vez que todos os delegados do Congresso consideravam a questão chinesa como o problema imediato mais importante) e exercer tal controle sobre as Comissões criadas pelo Congresso é uma prática muito distante da tradição do bolchevismo. Essa foi minha primeira impressão desagradável depois de chegar aqui.

Meu descontentamento sobre a Comissão do Extremo Oriente foi, é claro, percebido por Pablo. As explicações dele foram feitas por Burns [Gerry Healy] e nelasa responsabilidade foi atribuída ao companheiro A. Além disso, Burns disse que Pablo estava disposto a aceitar as opiniões de outros e esperava que eu participasse do SI para colaborar com ele, especialmente tomando responsabilidades sobre a questão colonial e semicolonial no Oriente. Embora eu não estivesse muito satisfeito com as explicações de Burns, eu ainda estava pronto com toda sinceridade a colaborar com Pablo e outros para servir ao desenvolvimento do nosso movimento.

Imediatamente depois do Congresso, explodiram novamente as divergências e o conflito entre a maioria e a minoria no partido francês. A crise envolvida nesse conflito culminou no início de 1952. Durante as duas reuniões do SI em que a questão francesa foi discutida, Pablo sempre reiterou a incorrigibilidade da má tendência representada pelos líderes da maioria e a necessidade de adotar medidas severas. A opinião que eu expressei invariavelmente foi de que, em razão de a maioria representar a esmagadora maior parte do partido, dentre os quais estava um grande número de trabalhadores industriais em importantes setores, nós deveríamos ainda fazer o máximo possível para convencer a maioria dos camaradas, especialmente os camaradas proletários, apesar de que certos líderes na direção manifestassem más tendências. (Na época, eu também tinha certas más impressões sobre alguns líderes da maioria. Mas eu devo admitir agora que minhas más impressões foram formuladas principalmente como resultado da minha confiança e crédito excessivos em Pablo e caracterização feita dos líderes da maioriapela minoria). Para esse propósito, disse eu, era necessário levar em frente uma discussão universal e profunda no partido francês e, se necessário, estender essa discussão às outras seções da Internacional. Dessa maneira, seria não apenas possível encontrar uma demarcação das diferentes visões políticas em ambos os lados, mas também aproveitar essa ocasião para elevar o nível político dos membros como um todo. Essa opinião não encontrou nenhuma objeção. Pablo, entretanto, procedeu inteiramente de acordo com seu próprio plano.

Aconteceu então que Pablo compareceu à Plenária do Comitê Executivo do partido francês em janeiro (1952) e anunciou na mesma hora uma suspensão de suas funções dos 16 membros da maioria no CE. O fato é que o SI não havia tomado nenhuma decisão desse tipo. Dentre os cinco membros do SI, três eram completamente ignorantes a respeito dessa decisão: Germain [Ernest Mandel] e Manuel ambos estavam fora do país, e eu não fui informado antecipadamente, apesar de estar em Paris. Além disso, apenas o CEI tem o direito de sancionar ou suspender membros de um comitê executivo ou uma seção formalmente eleita, mesmo se eles tiverem cometido graves erros políticos, e mesmo violado a disciplina em ação, enquanto o SI não tem de forma alguma esse direito. E ainda mais, o SI não tomou essa decisão! A suspensão de suas funções de 16 membros do CE do partido francês feita por Pablo, tomando o nome e a autoridade do SI, expôs completamente sua irrestrita conduta pessoal ditatorial ao abusar da autoridade e ao violar a tradição de nossa organização.

Depois da suspensão dos líderes da maioria por Pablo, Germain retornou a Paris; ele veio me ver e perguntou minhas opiniões sobre esse evento. O cerne do que eu disse a ele foi o que se segue: as visões políticas da maioria do partido francês ainda estavam limitadas a divergências sobre táticas, e ainda não haviam passado para uma discussão geral. Tomar uma medida organizativa naquele momento era inteiramente inapropriado. Além do mais, a medida aplicada por Pablo não havia sido aprovada por todos os membros líderes da Internacional e, portanto, nada mais era que uma ação arbitrária em violação da nossa tradição organizativa. Expressando seu completo acordo com minha posição, ele me disse ainda que os líderes da maioria eram todos muito ativos, e Pablo e outros antes haviam os considerado em alta estima; e agora eles de repente eram descritos como se não valessem um centavo, e mesmo ameaçados com sua completa expulsão do movimento! Ao dizer isso, Germain não pôde conter sua indignação.

Para poder discutir a agravada situação produzida por este ato de suspensão adotado por Pablo, o SI chamou uma reunião expandida (que poderia ser considerada como uma conferência preparatória para a Plenária de janeiro de 1952 do CEI). Nessa reunião, Germain, J. da seção alemã, L. da seção italiana [LivioMaitan] e eu nos posicionamos contra a medida tomada por Pablo. Mas este ainda tentou obstinadamente se defender, dizendo que “A sessão prévia do SI decidiu sobre a necessidade de adotar medidas severas, e os membros que estavam presentes nessa sessão deveriam se responsabilizar por ela”. Mas qual foi o verdadeiro conteúdo dessaassim-chamada “medida severa”? Sob quais condições ela deveria ser aplicada? Sobre isso Pablo nunca disse uma palavra e é claro que não poderíamos ter tomado nenhuma decisão formal sobre isso, e na realidade de forma alguma o havíamos feito. Mas Pablo se utilizou da “medida severa” mencionada antes como uma “fórmula algébrica” e ele fingiu que havia obtido a concordância de todos para completar ele próprio a fórmula com “caracteres aritméticos”, ou seja, a suspensão de 16 membros da maioria do CE do partido francês de suas funções. Isso expôs ainda mais Pablo como um deliberado e sistemático causador de intrigas.

Essa reunião expandida do SI deveria ter examinado seriamente o erro na ação de Pablo de suspender os membros do CE do partido francês e deveria ter desafiado sua autoridade para fazer isso, para abrir caminho para uma solução razoável para a questão da maioria francesa. Mas Pablo exerceu sua mais forte pressão ao ameaçar e manobrar para impedir qualquer discussão sobre esse problema, e aproveitou sua brecha para propor uma negociação com a maioria francesa em outra tentativa de compromisso. Isso nada mais foi do que anular na prática a suspensão dos membros da maioria do CE e formar um Comitê de liderança contendo ambas as frações, com Germain representando o SI, como árbitro. Esse foi o único resultado da sessão de fevereiro do CEI. Aqui, novamente, era evidente que Pablo estava fazendo intrigas para encobrir temporariamente sua absurda conduta com relação à liderança de uma seção e preparar o caminho para sua vingança. Assim, a questão da maioria francesa se tornou mais e mais envolvida em confusão e não podia ser resolvida corretamente, o que é provado pelo resultado subsequente.

Tendo visto a ação arbitrária de Pablo sobre a questão da maioria do partido francês e suas intrigas, eu senti fortemente que consequências assustadoras resultariam se o SI se submetesse completamente ao manejo e controle de Pablo. Com essa apreensão, em uma viagem para o sul da França eu tive uma conversa formal com Manuel, que já estava lá. Eu apontei a ele que a suspensão de suas funções de 16 membros do CE do partido francês por Pablo, feito por conta própria, revelou uma fraqueza muito séria no próprio SI, que merecia nossa mais séria observação e atenção; desde que perdemos Trotsky, somente a formação de uma liderança coletiva poderia evitar a crise interna e confrontar os eventos externos. Nesse momento, eu ainda considerava Pablo como indispensável para a liderança, mas que ele não deveria ter a permissão de agir arbitrariamente segundo sua própria vontade. Além disso, eu acreditava que quanto mais importantes fossem as questões organizativas e políticas, não apenas o SI não era competente para tomar certas decisões, mas que mesmo o CEI não era adequado (já que os membros que podiam estar presentes nas reuniões do CEI eram limitados) e que o SI deveria buscar opiniões de líderes e colaboradores responsáveis e experientes ao redor do mundo.

Depois de eu ter expressão essas visões declaradas acima, Manuel disse que concordava com a ideia fundamental expressada por mim sobre liderança coletiva e iria reexaminar a questão fundamental da maioria francesa, e que ele pretendia ter uma conversa sincera com Pablo no dia seguinte. Mas antes de Manuel poder falar com Pablo, este começou um ataque brutal e violento contra mim na presença de Manuel. Talvez tenha sido por isso que Manuel cancelou sua planejada reunião com Pablo.

Quando eu retornei do sul para Paris (em meados de maio de 1952), Pablo havia feito duas acusações de escracho para lançar um ataque de força por eu “tentar ferir o prestígio da Internacional” e “ação liberal” (que significava violação de disciplina). Os “fatos” que ele enumerou eram: nós (minha mulher e eu) havíamos caluniado a Internacional na frente de um casal australiano; depois de retornar a Paris, nós havíamos novamente caluniado a Internacional diante dos camaradas vietnamitas; e nós tínhamos nos mudado de um hotel para outro alojamento sem avisar com antecedência. Quando eu ouvi pela primeira vez essas acusações sem fundamento, apesar de extremamente enraivecido, eu ainda me contive e pedi a Pablo que se encontrasse comigo para esclarecer esses mal entendidos. Mas ele foi tão arbitrário a ponto de recusar o meu pedido, e declarou que as “histórias mencionadas por ele eram fatos verídicos”. Portanto, eu percebi que Pablo estava tentando deliberada e sistematicamente me fazer cair numa armadilha de calúnias para me desacreditar e posteriormente me excluir do SI. Eu fui então obrigado a exigir do SI que discutisse o assunto dessas calúnias de Pablo contra mim.

Na reunião do SI, eu provei com fatos indiscutíveis que todas as acusações feitas por Pablo contra mim, tais como ferir o prestígio da Internacional, etc. eram completamente falsas, e podiam ser provadas falsas pelo testemunho do casal australiano e dos camaradas vietnamitas. Quanto à acusação de “ação liberal”, era ainda mais absurda. A explicação é muito simples: como eu não pude pagar o alto custo do hotel, eu fui forçado a buscar a ajuda dos camaradas vietnamitas para conseguir um alojamento mais barato, e não foi necessário avisar com antecedência o camarada Pablo. Eu pedi que ele respondesse e explicasse as calúnias contra mim com fatos concretos. Não apenas ele não foi capaz de explicar, mas começou a gritar e declarou: “Eu sou o Secretário Geral, eu tenho minhas normas sobre as coisas!”. Eu disse a ele: “O Secretário Geral não tem privilégios, e nossa norma é o centralismo democrático. Ninguém tem o direito de ser ditador, de caluniar ou constranger os outros”. Finalmente uma resolução foi proposta por Germain sobre a disputa entre Pablo e eu, que foi mais ou menos como se segue: não havia fatos para provar que eu tentara desacreditar a Internacional e violar a disciplina, mas também de que Pablo tentara me caluniar. Essa foi uma resolução inteligente para agradar a ambos os lados sem fazer justiça à verdade. Minha declaração foi: eu não aceitaria tal tipo de resolução e eu me reservava o direito de apelar à consideração de um corpo superior.

Eu considero que, quando o Secretário Geral do SI calunia outro secretário à bel prazer, com acusações de “descreditar a Internacional” e “violar a disciplina”, não é de forma alguma uma mera e nem trivial “disputa pessoal”, mas um fenômeno sério dentro do aparato de liderança no que diz respeito à questão da organização e funcionamento de seus membros componentes. Em outras palavras, essa é uma expressão nua de métodos burocráticos baixos para excluir oponentes pessoais. Esse tipo de fenômeno foi visto bastante frequentemente nos partidos stalinistas, mas ele não tinha precedentes no nosso movimento.

Depois disso, Burns disse para nossa filha que, através da observação independente do casal australiano, ele tinha compreendido os detalhes de como a esposa de Pablo tinha nos tratadotiranicamente, especialmente minha mulher, e que não passava de loucura, e que ele era simpático a nós. Mas ele disse que foi por erro que Pablo aceitou como verdade o relato de sua esposa, e nos pediu para que não insistíssemos em um “apelo”. Enquanto isso, Manuel também fez o que pôde para me dissuadir de fazer isso, dizendo que se eu tornasse esse assunto público, Pablo não poderia continuar sua função, mas quem poderia então substituí-lo? Em suma, ele me persuadiu a deixar isso para lá. Para o bem de “preservar a integridade do movimento em geral”, eu deixei de levar além meu protesto. Apesar disso, eu sempre achei que as calúnias feitas por Pablo são não apenas indesculpáveis, mas expressam uma perigosa tendência considerando a posição que ele mantém. Se ele estivesse no poder, ele teria muito provavelmente cometido todas aquelas perseguições que Stalin havia feito no passado.

Durante um ano inteiro, da minha chegada à Europa até a décima primeira Plenária do CEI em junho de 1952, eu só havia podido fazer um relato sobre a questão chinesa no Terceiro Congresso e na Comissão do Extremo Oriente, e nunca houve qualquer troca de opiniões ou discussão sobre essa questão no SI. Mesmo quando o rascunho de resolução foi submetido à discussão no SI, eu não fui convidado para expressão minhas visões. Além disso, eu não havia ouvido pessoalmente que posição havia sido adotada por Pablo antes de ele expressar sua visão na décima primeira plenária. Apenas indiretamente eu compreendi que Pablo havia assumido que Mao Tse-Tung havia completado todas as teses fundamentais da Revolução Permanente, que o PC chinês já tinha se tornado um partido centrista, e que o regime de Mao era uma ditadura proletária. A posição de [Pierre] Frank me era completamente desconhecida nesse momento. Apenas Germain havia trocado algumas visões comigo, mas ele havia declarado que sobre a questão chinesa ele era mais moderado. Assim, em uma questão tão importante quanto a China, a liderança do SI não havia sequer compartilhado suas posições comigo, ou havia evitado deliberadamente fazer isso desde o começo. Não foi de forma alguma planejada uma discussão coletiva para poder-se chegar a uma posição correta como base para a resolução que seria submetida ao CEI para discussão e aprovação. Ao contrário, a liderança do SI lançou um ataque repentino na reunião do CEI contra as visões que eles consideravam errôneas, com o propósito único de ganhar uma maioria para adotar seu próprio rascunho de resolução, e apressadamente encerrou toda a discussão sobre esse tema. Dessa forma eu descobri que os membros dirigentes do SI não estavam preparados para uma discussão sincera e consulta mútua para facilitar a colaboração, mas ao invés disso lançava golpes de todas as maneiras contra as visões divergentes. Isso é particularmente notável em Pablo, que abertamente enfatizou na sessão do CEI que existia uma fração sectária da qual se deveria livrar. (Essas palavras não foram incluídas nos apontamentos publicados de Pablo na edição especial do boletim internacional sobre “Relato e Discussão sobre a Terceira Revolução Chinesa”). O sectário ao qual ele se referia era obviamente eu; e a referência foi uma ameaça e um prelúdio para me jogar para fora da Internacional. Eu não me intimidei por essa ameaça burocrática, mas uma vez mais foi demonstrado que Pablo estava pronto a lidar com os camaradas chineses com os mesmos métodos que ele havia empregado contra a maioria da seção francesa.

Eu acredito que você já conhece o conteúdo da resolução sobre a Terceira Revolução Chinesa; minhas críticas a essa resolução, como, por exemplo, em “Alguns apontamentos para servirem como adendos ao rascunho de resolução sobre a Terceira Revolução Chinesa”, foram enviadas a você há dois meses, então não é necessário repeti-las aqui. Eu só tenho um ponto a acrescentar sobre isso. Quando essa resolução chegou à China, ela não apenas falhou em esclarecer as visões originais divididas, mas aumentou a confusão e a perplexidade. Além dos camaradas que se opõem à resolução com argumentos teóricos e fatos, mesmo aqueles que estão de acordo com ela tem variadas interpretações entre eles próprios. Consequentemente, não foi possível para eles elaborar um programa de ação com acordo majoritário com base nessa resolução. A pior coisa é que ninguém pode encontrar uma perspectiva para os trotskistas chineses nessa resolução. Por exemplo, um camarada responsável, F., que está em completo acordo com a resolução disse: “Nós devemos dissolver nossa organização para poder participar efetivamente das atividades de massa lideradas pelo partido de Mao”. Isso evidentemente é uma atitude liquidacionista. Outro camarada, Y., disse mais francamente: “A resolução da Internacional está correta, mas não há nenhuma perspectiva para nós trotskistas”. Isso é pessimismo de cabo a rabo. Assim toda a organização foi desarmada politicamente e desorientada, e dessa forma se envolveu em disputas organizativas sem fim, e estava cada vez mais à beira da desintegração.

Naturalmente, eu não pretendo dizer que a resolução do SI é inteiramente responsável por tal perigoso estado ao qual a organização chinesa foi conduzida. Eu diria que esse é principalmente um resultado da situação objetiva da vitória do partido de Mao, suas perseguições e a pressão incomparável que pesava sobre nós. Mas é um fato inegável que a resolução da Internacional não fez uma análise razoável e correta e uma explicação dessa situação objetiva, e nem apontou para uma perspectiva e uma orientação convincente para a organização chinesa.

Antes de tudo, essa resolução é uma mistura do revisionismo de Pablo e do conciliacionismo de Germain (ou seja, conciliação com Pablo), recheado de falácias teóricas, erros factuais e autocontradições. Essas se juntam a uma idealização do regime de Mao e ilusões sobre sua perspectiva, fazendo dela uma forte expressão da tendência de conciliação com o stalinismo. O liquidacionismo e o pessimismo que prevaleceram entre os camaradas chineses se originou daqui. Portanto, eu posso dizer que o revisionismo de Pablo, ou seja, a sua conciliação em relação ao stalinismo, já causou consequências desastrosas na organização chinesa. Isso merece uma séria atenção entre todos os camaradas.

Na décima segunda Plenária do CEI, em novembro de 1952, o SI me deixou fazer um relato sobre a situação organizativa na seção chinesa pela primeira vez. Quando eu relatei as notícias sobre a perseguição incessante e sistemática dos trotskistas chineses pelo regime de Mao durante esses últimos anos, toda a reunião foi fortemente abalada. L., o italiano, corou e questionou por que o SI não havia dado às seções essa informação sobre a perseguição dos camaradas chineses. Em meio a essa atmosfera tensa, Pablo, evidentemente desconcertado, se levantou para se defender, dizendo que o massacre dos trotskistas pelo regime de Mao não era uma ação deliberada, mas um equívoco, ou seja, os trotskistas haviam sido confundidos com agentes do Kuomintang; e que mesmo se a perseguição de Mao aos trotskistas fosse um fato, isso só poderia ser considerado como uma exceção. Então Germain colocou outra questão: sob quais condições os trotskistas foram massacrados? Eu citei todos os fato e “condições” para demonstrar que a perseguição dos trotskistas pelo regime de Mao havia se originado de uma tradição profundamente enraizada de hostilidade stalinista em relação aos trotskistas, e que era uma tentativa deliberada e sistemática de exterminar os trotskistas. Eu também apontei que essa perseguição não era de forma alguma uma “exceção”. Não fazia muito tempo, Ho Chi Minh havia assassinado toda a liderança trotskista no Vietnã, e na Guerra Civil Espanhola a GPU do partido stalinista perseguira brutalmente incontáveis trotskistas; todas essas eram provas de ferro. Mas Pablo virou para mim o questionamento: “Então você invalidou a tática de entrismo no partido stalinista e nas organizações de massa sob seu controle, que você havia aprovado?”. Eu respondi: “Essa tática de entrismo no partido stalinista foi iniciada por nós há quatro anos, isto é, desde 1949. Mas precisamente por causa das severas perseguições que Mao infligiu sobre os trotskistas, nós temos que ser particularmente cuidadosos e sérios ao realizar essa tática, e não deveríamos ter nenhuma ilusão nos stalinistas”. Eu instei às seções francesa e italiana a examinar as lições da seção chinesa e a se organizar muito seriamente ao aplicar essa tática. De outra forma, cairiam no perigo de se arruinarem e, nesse caso, o CEI seria responsável. Em suma, dessa ilustração da defesa que Pablo fez da perseguição stalinista aos trotskistas chineses você pode ver a extensão da idealização e ilusões dele em relação ao regime de Mao.

Nesse meio tempo, eu recebi a versão em inglês da edição especial do BoletimInternacional contendo o relato e discussão sobre a Terceira Revolução Chinesa e eu descobri que o meu documento criticando o rascunho de resolução sobre a Terceira Revolução Chinesa não havia sido impresso nele. Eu, portanto, apontei isso na reunião expandida do SI e questionei Pablo sobre a razão para não publicar o documento. A resposta foi que o documento fora publicado em outra edição do Boletim Internacional. Mas depois eu procurei por todos os Boletins Internacionais e não pude encontrar minha crítica ao rascunho da resolução. Era óbvio que Pablo havia deliberadamente suprimido esse documento, já que minha crítica apontava com fatos irrefutáveis vários erros fundamentais no rascunho de resolução: a revisão da teoria da Revolução Permanente, a distorção do “governo operário e camponês”, a ficção de uma suposta “violação das intenções do Kremlin pelo partido de Mao” e a ilusão de uma “transformação de todo o partido de Mao Tse-Tung em um partido centrista”. Nenhuma dessas críticas foi refutada ou rejeitada nem pelo relator, nem pelos participantes da discussão com argumentos teóricos ou fatos. Precisamente por essa razão, Pablo estava decidido a esconder minha crítica ao rascunho de resolução dos camaradas ao deixa-la no escuro. Essa é uma típica manifestação dos métodos burocráticos do stalinismo, e foi precisamente o que nós resolutamente combatemos dentro da Comintern em seu estágio inicial de degeneração 25 anos atrás, e uma das principais causas para constituir a Oposição de Esquerda. Mas Pablo não parou aí. Quando eu perguntei a ele por que ele não havia publicado meu documento, ele mentiu abertamente dizendo que havia sido publicado em outra edição do Boletim Internacional. Isso acrescentou mentira e trapaça, o cúmulo dos métodos burocráticos arbitrários.

Aqui eu devo mencionar que particularmente desde o começo de 1952, quando eu me opus à medida arbitrária de Pablo na questão francesa, pelo período de um ano ele não apenas empregou vários métodos burocráticos contra mim, mas também informalmente me privou do direito de participar em todas as reuniões do SI; ou seja, durante todo esse ano, Pablo nuncame chamou para comparecer a qualquer reunião do próprio SI. Os membros do SI eram oficialmente eleitos pelo CEI. Mas sem passar por nenhuma discussão formal e decisão na reunião do CEI, ele me privou informalmente do direito de participar nas reuniões do SI. Isso é claramente outra manifestação do burocratismo mais arbitrário e insolente!

Por volta do mesmo período, eu descobri que Manuel fora excluído das reuniões do SI por outro método: ele foi enviado para outro país com a tarefa de ajudar o trabalho lá, ficando assim efetivamente impedido informalmente do seu direito de participar e trabalhar no SI. Mas todos sabiam que Manuel viera com o único propósito de participar das atividades do SI. Isso prova inteiramente que, para monopolizar o SI, Pablo não tinha nenhum limite em seus métodos burocráticos e intrigas para gradualmente excluir do SI os representantes do Hemisfério Ocidental e da Ásia.

Por outro lado eu me familiarizei com o fato de que Clarke havia iniciado uma luta fracional no SWP e lançado ataques contra a liderança do partido em uma tentativa de ganhar a direção. Isso foi evidentemente instigado por Pablo por trás dos panos. Eu ouvia frequentemente dos lacaios de Pablo que “Clarke é o melhor líder nos EUA”, que era equivalente a dizer que o SWP deveria ser liderado por ele. Ao mesmo tempo, um camarada chinês, H., que estava estudando aqui me disse pessoalmente que desde a primavera passada (1952) Pablo havia agido de forma particularmente amigável e confidencial com ele e havia oferecido várias vezes manda-lo de volta à China para “reorganizar o partido”. Esse camarada respondeu: “Eu não tenho autoridade e prestígio na organização chinesa”. Então Pablo o encorajou dizendo: “Não tenha receio, nossa Internacional vai apoiá-lo. Basta você agir ousadamente”. Dessas palavras ditas por Pablo, H. entendeu claramente não apenas que Pablo não confiava em mim nem um pouco, como também era hostil a mim e, portanto, queria lhe dar essa missão especial de começar um trabalho fracional na organização chinesa. Naturalmente, ele não estava nem um pouco disposto a se envolver nesse assunto, e consequentemente nos disse isso francamente.

A partir dos fatos enumerados acima, eu senti profundamente que Pablo havia manifestado uma tendência revisionista, e especialmente que ele estava empregando terríveis métodos burocráticos para exercer controle sobre o SI e tinha começado a construir suas próprias frações nas diferentes seções em uma tentativa de dominar todo o movimento internacional. Por essa razão, quando Manuel estava indo embora e veio se despedir de nós, eu enumerei alguns desses fatos e disse a ele francamente que um sério perigo estava escondido no aparato de liderança da Internacional, e estava se desenvolvendo em velocidade acelerada. Eu expressei esperança de que ele iria encontrar um modo de tornar essa opinião conhecida à liderança do SWP e especialmente a você, de forma que você fosse alertado em tempo e tentasse consertar a situação. Entretanto Manuel não tenha expressado nenhuma reação às minhas palavras, ele prometeu encaminhar minhas opiniões a você e alguns outros líderes do partido.

Na plenária do CEI de maio de 1953, houve duas coisas dignas de nota:

1. Na discussão da resolução sobre o problema da URSS depois da morte de Stalin, uma disputa importante surgiu. Nessa disputa, Burns apontou primeiramente que o espírito da resolução era otimista demais; ele alertou que da falha em absorver completamente o significado dos eventos da Iugoslávia, os quais tinham resultado em uma avaliação exageradamente otimista, nós deveríamos ter aprendido certas lições. Ele também declarou que os partidos stalinistas permaneciam sendo stalinistas, e que nós não deveríamos ter muitas ilusões sobre eles. Mas Pablo fez um ataque ameaçador contra essas observações. O resumo de suas palavras era que, como um líder responsável, Burns deveria evitar expressar visões em violação à linha da Internacional. De acordo com ele, todas as resoluções rascunhadas pelo SI conformavam a “linha da Internacional” e nenhuma dúvida ou objeção era permitida. Portanto, os membros do CEI tem simplesmente que levantar suas mãos para adotar qualquer resolução que dissesse respeito a eventos que haviam acabado de ocorrer sobre problemas importantes. Quaisquer dúvidas ou visões opostas ao rascunho de resolução do SI são consideradas “violar a linha da Internacional”. Isso é diferente da atitude burocrática dos PCs no que diz respeito à “linha geral” de Stalin, a qual era proibido se criticar?

2. Nessa Plenária, Pablo propôs a eleição de um novo SI. A razão era que não havia número suficiente membros efetivos para participar das atividades do SI, então dois membros das seções britânica e italiana foram adicionados como membros permanentes do SI. Dessa maneira, representantes do Hemisfério Ocidental e da Ásia foram formalmente eliminados, e o SI virou praticamente um SE (Secretariado Europeu). Desde então, Pablo tem modificado “legalmente” a composição do SI para poder controlar livremente e manipulá-lo e proceder “legalmente” com sues desígnios de excluir e eliminar seus oponentes e seguir com sua trama de usurpar a Internacional.

Na Plenária de maio do CEI, eu submeti dois documentos, “Um apelo dos Trotskistas Chineses por Ajuda” e a minha “Carta Aberta à Liderança do PC Chinês”, protestando pela perseguição dos trotskistas, na esperança de que a Plenária fosse discutir e comentar sobre eles e decidir publicá-los nos órgãos públicos de diferentes seções, para poder realizar uma ampla campanha para ajudar os trotskistas perseguidos na China. Mas Pablo me disse através de Germain que esses documentos deveriam ser discutidos e a decisão seria tomada só no SI. Na reunião do SI (dessa vez só Pablo e Frank estavam presentes), eu declarei que eu esperava que ambos os documentos fossem transmitidos às seções para publicação, e que fosse aproveitada a ocasião para uma campanha para resgatar os camaradas perseguidos. Ambos Pablo e Frank concordaram em publicar “Um apelo dos Trotskistas Chineses”, mas disseram que não podiam concordar com os vários pontos contidos em minha carta de protesto, e iriam se consultar comigo para tomarem uma decisão final.

De maio a setembro, quatro meses se passaram, mas eu ainda não vi aparecer “Um apelo dos Trotskistas Chineses”. Então eu comecei a suspeitar que Pablo houvesse novamente suprimido o documento. No começo de setembro eu enviei uma cópia desse documento para os Estados Unidos, pedindo que ele fosse enviado para o Militant [jornal do SWP norte-americano], e questionando se ele já havia chegado lá por parte do SI. A resposta que eu recebi foi: “Nunca recebido”. Uma vez mais eu descobri que Pablo estava fazendo joguinhos para me enganar. Sobre os seus motivos para recorrer a tais truques para suprimir esse documento: primeiro, ele sempre idealiza o regime de Mao. A publicação desse apelo teria exposto a realidade contradizendo suas ilusões e idealização. Em segundo lugar, ele vinha por muito tempo propagando nas diversas seções a noção de que os trotskistas chineses eram sectários, fugitivos de uma revolução, etc. A publicação desse documento teria desmascarado categoricamente suas mentiras e calúnias. Em terceiro lugar, Pablo temia que a publicação do documento iria interferir com seu ideal mais ardorosamente defendido de “entrismo”, ou seja, ele temia que ao ver a cruel perseguição dos comunistas chineses pelo partido de Mao, como revelado nesse apelo, os camaradas franceses, italianos e vietnamitas começariam a duvidar da sua idealizada “tática de entrismo” e exigiriam uma nova discussão.

Ao suprimir esse documento, Pablo não apenas enganou conscientemente a mim e aos camaradas chineses, mas também cometeu dois crimes indesculpáveis: (1) objetivamente ajudou o PC chinês a esconder das massas os fatos mais horríveis e concretos da sua perseguição aos trotskistas chineses. (2) Ele tornou impossível para os camaradas de diferentes países que estivessem aplicando ou se preparando para aplicar a “tática de entrismo” aprender as lições das brutais perseguições infligidas sobre os camaradas chineses. Isso é como coloca-los para trabalhar numa zona de perigo sem deixá-los saber do perigo. Uma verdadeira política de avestruz! Deixe-me citar outro incidente para ilustrar essa atitude. Quando os camaradas vietnamitas estavam prontos para retornar ao seu país para aplicar a “política de entrismo”, e fizeram uma reunião na qual eu fui convidado para fazer um discurso, o organizador da mesa nessa reunião fez um pedido para que eu não mencionasse aos camaradas as perseguições recentes experimentadas pelos camaradas chineses. Eu sabia muito bem que isso era uma instrução ou sugestão de Pablo. Embora eu tenha observado o pedido do organizador, eu ainda o alertei pessoalmente que a “política de avestruz” era a mais perigosa.

Minha Carta Aberta foi escrita como resultado de uma proposta de Manuel na Plenária de novembro de 1952 do CEI, que foi então decidida e aprovada unanimemente. Seu objetivo era tornar públicos internacionalmente os fatos sobre as perseguições aos trotskistas chineses para angariar simpatia da classe trabalhadora mundial e grupos progressivos e exercer pressão sobre o partido de Mao para impedi-lo de continuar a perseguir os trotskistas chineses e outros elementos revolucionários. Em razão de um desejo de coletar as informações mais confiáveis, essa carta foi terminada apenas em abril. Já estava um bocado atrasada. Mas sob o pretexto de enviar alguém para me consultar sobre o conteúdo dessa carta, Pablo novamente teve sucesso em retê-la por mais dois meses (durante esses dois meses, Frank discutiu comigo duas vezes, escolhendo alguns pontos não muito importantes para discutir comigo e, é claro, não houve conclusão alguma). Finalmente, no começo de julho, Germain veio conversar comigo. Ele começou criticando o formato da carta como completamente errado, e pediu que ela fosse reescrita. De acordo com suas ideias, eu deveria ter aberto a carta expressando um total apoio ao movimento sob a liderança do partido de Mao, elogiando suas conquistas revolucionárias, e então por fim chegar ao ponto da enumeração dos fatos sobre as suas perseguições e protestar. Em segundo lugar, Germain notou que as visões expressas nessa carta divergiam consideravelmente da linha da resolução da Internacional, e por essa razão ele me denunciou como um “sectário sem esperança”. Por fim, ele disse que o SI não poderia tomar a responsabilidade de enviar esse documento para as diferentes seções para publicação. Se eu insistisse em tê-lo publicado, eu próprio deveria me responsabilizar por qualquer medida a respeito.

Para mim foi uma grande surpresa ver o quanto a atitude de Germain tinha mudado desde a sua postura anterior “moderada” e conciliatória com relação a mim. Dessa vez ele era pablista de cabo a rabo. Eu já havia entendido que Pablo não tinha a menor disposição em ter essa carta publicada; em geral as razões eram as mesmas que aquelas referentes a “Um Apelo dos Trotskistas Chineses”. Quanto a essa carta ter sido ou não escrita “de um jeito completamente errado” em sua “forma” e com um “sectarismo sem esperança” em seu conteúdo, uma vez que agora ela é publicada no Militant aqueles que a leram podem fazer um julgamento aberto. A última das minhas intenções é me defender. Entretanto, a partir das visões expressas acima por Germain, enquanto representante do SI, pode-se ver claramente que eles esperavam que eu submetesse um elogio ao partido de Mao para buscar conciliação com ele. A tendência conciliacionista em direção ao stalinismo novamente se reflete indiretamente aqui.

Nesse ponto, eu gostaria de fazer um breve comentário sobre a modificação da atitude de Germain durante esses dois anos, que pode ser alguma ajuda para que você entenda o papel dele no SI e na presente luta.

Eu posso dizer que desde o meu primeiro contato com Germain depois de chegar aqui eu tenho sempre tido a maior simpatia por ele. Esse sentimento se derivou da minha observação da sua seriedade e de sua devoção ao trabalho, sua sinceridade e cordialidade com os camaradas, sua considerável maturidade política e respeito por nossa tradição nos assuntos organizativos, e certa vez eu o considerei um dos mais promissores novos líderes do nosso movimento. Apesar de que eu também ter notado sua falta de uma análise penetrante ao observar vários problemas, seu temperamento impressionista, vacilação e espírito conciliacionista manifestado muito frequentemente em importantes questões, e sua facilidade em modificar suas posições, eu ainda confiava que ele seria capaz de superar essas fraquezas através da experiência no movimento conforme ele se desenvolvesse. Então quando eu ouvi entre os seguidores de Pablo todo o tipo de propaganda depreciativa sobre ele por um longo período, retratando ele como alguém sem visões independentes, ou mesmo como um mero “secretário com a função de coletar materiais para Pablo” (nas palavras de A.), eu me senti bastante indignado pela injustiça cometida a seu respeito. Quando a crise do partido francês explodiu novamente, Germain se opôs abertamente à medida arbitrária tomada por Pablo. Eu vi a mim mesmo enquanto ele era violentamente atacado por Pablo e pela minoria francesa, e frequentemente me senti mal por ele. Eu havia enviado uma mensagem de simpatia através da minha filha, e ele disse que sem o apoio das seções alemã e italiana ele teria sido derrubado há muito tempo. Precisamente porque ele tinha tal apoio, Pablo fez compromissos especiais com ele e o promoveu como representante do SI para participar da “coalizão de liderança” da maioria e da minoria francesa, e fez dele o “árbitro”. Daí em diante, Germain foi posto na linha de frente do conflito direto com a maioria francesa, e executou para Pablo o plano preconcebido que outrora ele havia sido violentamente contra. Por volta da mesma época, Pablo deu a ele a tarefa de rascunhar a resolução sobre a questão chinesa para coloca-lo em oposição a mim. Desde então, sob os “compromissos” e “promoções” de Pablo (elevado quase à altura do próprio Pablo), Germain gradualmente abandonou sua posição conciliatória e se envolveu mais e mais na armadilha do burocratismo de Pablo.

Hoje, o fato de ele estar tomando uma posição completamente ao lado do pablismo, em oposição à luta liderada pelo SWP contra o revisionismo e o burocratismo, indica o quão inconscientemente ele caiu na armadilha de Pablo. Eu ainda estou muito triste pela degeneração dele. Se Pablo não tivesse o apoio de Germain agora, ou seja, o apoio das lideranças alemã e italiana através dele, ele não teria sido capaz de seguir seu percurso sozinho, e um racha poderia ser evitado. Desse ponto de vista, o papel criminoso desempenhado por Germain nessa luta é de uma natureza decisiva. Em suma, eu tenho de tirar as seguintes conclusões das minhas observações e experiências com Germain durante esses dois anos: em muitos aspectos, especialmente em seu temperamento, ele se parece com Bukharin. Ele frequentemente vacila entre a consciência revolucionária e a consideração momentânea de forças. Quando uma é adotada por um tempo, a outra é posta de lado. Só será possível que ele retorne ao trotskismo ortodoxo quando sua consciência revolucionária for despertada ao descobrir toda a conspiração de Pablo, e quando ele perceber que já está envolvido em uma armadilha terrível.

Eu aprendi que o conflito entre a maioria e a minoria no seu partido, que vinha acontecendo por mais de um ano e meio, foi acentuado depois da Plenária de maio e então ficou cada vez mais à beira de um racha. Se o secretário do SI estivesse realmente preocupado com os interesses do nosso movimento, ele teria chamado a tempo uma sessão extraordinária do CEI para discutir e examinar as diferenças de ambos os lados, e adotar uma posição correta de forma a ajudar a vitória do lado correto. Mesmo se isso não pudesse ser feito, ao menos o SI deveria ter enviado para os membros do CEI e para as lideranças das diferentes seções os documentos da disputa no seu partido para permitir que eles os estudassem, discutissem e expressassem suas opiniões e críticas, para ajudar indiretamente o conflito no seu partido a proceder de maneira objetiva. Entretanto, o SI sob o controle de Pablo encobriu completamente as notícias sobre a sua luta e todos os documentos de discussão dos membros do CEI e das lideranças das seções. No meu caso, por exemplo, foi só no começo de setembro que eu soube vagamente dos principais argumentos de ambos os lados através de um amigo. Sem essa fonte eu teria permanecido completamente no escuro até o momento em que você publicou a Carta Aberta. O fato é simplesmente que os membros responsáveis do SI jamais me informaram sobre a situação da luta interna no seu partido. Pablo e companhia adotaram métodos burocráticos para guardar de nós a informação porque em seus esquemas eles queriam mantê-la escondida. E agora está bastante claro: a minoria do seu partido é não apenas a propositora, defensora e elaboradora do revisionismo de Pablo, mas foram inspirados e dirigidos por trás dos panos por Pablo na luta, como é inteiramente revelado pelos métodos que eles adotaram em sua conduta de sabotagem. Em outras palavras, o grau e a consequência do racha provocado pelo conflito no seu partido é causado diretamente pela conduta de Pablo no interesse de sua própria fração.

De todos esses fatos narrados acima, que eu testemunhei e experimentei pessoalmente, uma conclusão geral pode ser tirada conforme se segue: politicamente, a tendência revisionista de Pablo, de conciliação com o stalinismo, é totalmente revelada por sua idealização do partido de Mao e de seu presente regime, das ilusões nutridas ao seu respeito, e especialmente as desculpas oferecidas e a defesa do partido de Mao em sua perseguição aos trotskistas. O conciliacionismo já envolveu a seção chinesa em confusão extrema, e até mesmo a levou à beira da desintegração através do liquidacionismo e pessimismo derivado das teses de Pablo. Organizativamente, o nível impressionante e perigoso de burocratismo atingido por Pablo pode ser demonstrado pelos fatos de que ele abusou livremente do nome do SI ao suspender por conta própria os membros da maioria do CE do partido francês e excluir seus oponentes conforme sua vontade; que ele monopolizou o SI e controlou o CEI através do SI; que ele tentou e conseguiu criar uma panelinha pessoal, conspirando para tomar a liderança das seções; que ele suprimiu documentos que deveriam ter sido publicados, e mesmo aqueles que ele prometeu publicar; e que ele isolou e desfez as relações normais entre camaradas de liderança, e que calunia, inventa e mente sobre eles e os engana. Todos esses crimes, que eu vi pessoalmente e havia encontrado 25 anos atrás na Comintern degenerada sob Stalin, eu agora vi aplicados no órgão de liderança da Internacional sob o controle de Pablo! O rompimento dos partidos conduzido pelas minorias nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha recentemente, e as atividades conspiratórias aceleradas de Pablo para rachar toda a Internacional agora são o desenvolvimento lógico da sua ambição pessoal de usurpar toda a Internacional e do seu burocratismo.

Os fatos enumerados acima e suas conclusões justificaram suficientemente a ação adotada pelo SWP como necessária e correta.

Recentemente um camarada responsável da seção chinesa (que concorda politicamente com a nossa posição) me escreveu e perguntou: “Por que o SWP não agiu de acordo com o centralismo democrático, tentando, através da discussão internacional, ganhar o apoio da maioria, ao invés de fazer antes de tudo uma carta aberta (se referindo à Carta Aberta aos Trotskistas do Mundo Inteiro), apelando para todas as seções para se livrarem de Pablo?”. Camaradas como ele, que não entendem o verdadeiro estado de coisas e ainda nutrem inocentes concepções legalistas, não são pouco numerosos. É precisamente numa tentativa de explorar essa situação que Pablo e seus apoiadores estão fazendo um grande alarde: “A carta aberta publicada por Cannon está em completa violação da tradição organizativa trotskista, e em violação da disciplina do centralismo democrático”, esperando dessa forma confundir e enganar camaradas e encobrir a própria conspiração de Pablo para usurpar a autoridade da Internacional por métodos burocráticos, das suas próprias trapaças na tradição organizativa e das suas próprias violações da disciplina do centralismo democrático. Portanto, eu sei a seguinte resposta no dia 8 desse mês à seção chinesa sobre a questão colocada acima:

“Embora haja tais sérias divergências entre as visões políticas de ambos os lados (me referindo a vocês e ao lado representado por Pablo), ainda assim, se o SI tivesse mantido seu funcionamento normal e razoável, poderia e deveria ter havido a possibilidade de uma completa discussão interna, e de se chegar a uma solução através do centralismo democrático. Mas o dado extremamente infeliz é que o SI tem estado inteiramente controlado e usurpado por Pablo, que utiliza esse ‘aparato legal’ para agir arrogantemente com a organização de sua conspiração, excluindo arbitrariamente seus oponentes do SI e estabelecendo secretamente sua própria panelinha ou facção com o objetivo de tomar a liderança de uma seção ou rachar a organização. Isso tornou impossível qualquer discussão normal de acordo com o princípio do centralismo democrático e assim obrigou o SWP, liderado por Cannon, a adotar hoje essa ação excepcional, publicando a Carta Aberta exigindo a expulsão de Pablo e de seus agentes dos órgãos de liderança da Internacional. Isso é realmente sem precedentes na história do nosso movimento internacional, e é uma ação de natureza revolucionária. Essa ação se tornou necessária não apenas para esmagar as tentativas de usurpação de Pablo, mas também para ganhar tempo para resgatar o movimento, e reorganizar e coordená-lo em tempo para confrontar a nova guerra mundial e revolução que se aproxima. Se a mobilização dessa luta se prolongasse até a explosão da Terceira Guerra Mundial, seria tarde demais.”

Eu também devo apontar que a conspiração de Pablo para usurpar o órgão de liderança da Internacional durante esses anos recentes, e todos os tipos de métodos burocráticos de natureza absurda e extremamente arbitrária, foram mais ou menos revelados de muitos lados. O fato é que a nossa Internacional como um todo e os líderes responsáveis das diferentes seções não foram vigilantes o suficiente e não exerceram cedo o suficiente uma fiscalização severa, crítica, intervenção e contenção. O resultado, essa situação extremamente perigosa e descontrolada, merece o nosso exame especial e revisão. Todo membro responsável e todo trotskista ortodoxo deveria tirar uma séria lição desse caso Pablo. (Sobre isso, caso você queira, eu posso oferecer alguns materiais e opiniões para discutir com você).

Como último ponto, eu quero lhe dizer de passagem que desde que a organização chinesa recebeu a carta aberta do SWP, seu órgão de liderança, o Comitê Nacional, realizou imediatamente uma série de reuniões devotadas à mais séria discussão. Como resultado, aprovou quase unanimemente (com apenas uma abstenção) as visões e posições contidas na sua Carta Aberta, e expressou uma vontade resoluta em participar nessa luta liderada por você contra o revisionismo e o burocratismo. Tendo passado por essa discussão, eles recuperaram sua confiança original, e estão começando a se desprender das confusões, conflitos e desorientação dos anos recentes. Eles estão agora iniciando uma discussão geral na base em uma tentativa de reexaminar todas as questões políticas fundamentais de acordo com a tradição trotskista ortodoxa, e a obter unanimidade e unidade para marchar adiante rumo a um partido revolucionário. Eu considero isso como o primeiro sinal mais otimista no processo de luta contra o revisionismo.

Fraternalmente,
S. T. Peng