A “União Revolucionária” (EUA) sobre os Homossexuais
Os Maoístas e o seu preconceito
malicioso
[O artigo a seguir foi escrito
pela então revolucionária Liga Espartaquista e originalmente publicado no periódico
de sua juventude, Young Spartacus n. 26, de novembro de 1974. Ao seu
final, adicionamos uma nota publicada pela então revolucionária Tendência Bolchevique
Internacional no outono de 1992, em seu periódico 1917 West n. 01, falando
sobre o “Partido Comunista Revolucionário”, novo nome que a “União Revolucionária”
tinha adotado à época. Tanto o texto principal como a nota foram traduzidos
pelo Reagrupamento Revolucionário em março de 2014.]
Um documento escandaloso, intitulado “Documento de Posição da
União Revolucionária acerca da Homossexualidade e da Libertação dos Gays” tem circulado
de maneira relativamente seletiva na esquerda. Consistente com a sua análise
economicista dos sindicatos e a sua descarada adaptação ao atraso de
consciência da classe trabalhadora, a União Revolucionária (UR - EUA) nesse
documento dá continuidade à sua capitulação na luta contra as opressões
específicas, ao abraçar e promover como “Marxismo-Leninismo” os mais sórdidos
preconceitos contra os homossexuais. O documento busca informar e assegurar
trabalhadores preconceituosos e lúmpens de que os “homossexuais não podem ser comunistas”,
isso é, não podem pertencer à organizações comunistas – o que se refere, é
claro, à própria UR. Como os filisteus da UR fornecem nesse documento uma
pseudo justificativa política para essa posição anticomunista, o mesmo não pode
passar em branco.
Ainda que a homossexualidade tenha existido nas mais diversas
culturas e sistemas sociais, a UR inicia o seu documento com a alegação de que
a homossexualidade seria uma resposta de indivíduos alienados, ansiosos e
escapistas, “em especial os pequeno-burgueses”, às “pressões da sociedade
capitalista” e à “intensificação das contradições surgidas com a decadência do
imperialismo.” Então é o “sistema [capitalista] que leva essas pessoas à
homossexualidade.” Para esses Maoístas, a homossexualidade é uma doença da
sociedade capitalista, assim como “cultos religiosos exóticos, misticismo,
drogas, pornografia, promiscuidade, orgias sexuais, trotskismo, etc.”, e todos
aqueles que possuem a homossexualidade como uma orientação sexual são “como
todas as pessoas presas na lama e no esterco da decadência burguesa.” Nós já
esperamos que uma organização incapaz de derrotar politicamente o nosso
programa venha a recorrer a tal violência verbal inescrupulosa como uma forma
difamatória de associar o Trotskismo com as drogas, o misticismo e tantas
outras coisas. Nós só exigimos que a UR seja honesta e fale aquilo que eles
insinuam de maneira tão nauseosa: que homossexuais são “pervertidos.”
Tentando se “misturar” com as camadas mais atrasadas da classe
operária, esses “comunistas” aceitam de bom grado o moralismo burguês e “lidam
com as relações homossexuais como elas existem na sociedade atual.” Dessa
perspectiva, os homossexuais estão em “relações que os põe à margem da
sociedade, colocando assim, enormes impedimentos sobre esses relacionamentos”.
Mas, “concretamente”, relacionamentos inter-raciais também estão “à margem”
dessa sociedade racista e certamente envolvem uma série de “enormes
impedimentos”. Será que a UR vai se atrever a rotular esses casais também? Se
homossexuais são desvios anti-sociais, por que eles mostram uma “falta de
vontade de lutar com o sexo oposto em relacionamentos muito importantes”, então
o casamento de pessoas da mesma raça deve ser uma absurda capitulação ao
racismo.
Tomando como base o ostracismo social e a homofobia, a UR
conclui que “portanto, tais relacionamentos podem somente ser soluções
individualistas às contradições do imperialismo”. É assim que o raciocínio
“dialético” desses seguidores de Mao busca, de maneira tosca,
atribuir um cunho classista para as expressões da sexualidade humana através da
história:
“Ao posar uma solução individualista para as contradições do capitalismo monopolista, a homossexualidade é uma ideologia pequeno-burguesa, e, portanto, deve ser claramente distinguida da ideologia proletária.”
Apesar de certos radicais pequeno-burgueses no movimento LGBT
defenderem certas utopias em relação à libertação sexual, a homossexualidade
por si só não é mais “individualista” que a heterossexualidade. O estado
burguês segrega os homossexuais por que a sua orientação rejeita a “sagrada”
família nuclear sobre a qual as sociedades de classe evoluíram e vai de encontro
a diversas das normas de moral e propriedade que foram criadas para justificar
essas sociedades. Enquanto certamente não é a ameaça à existência da sociedade
capitalista que alguns ativistas LGBT afirmam ser, a homossexualidade, assim
como diversas outras formas de expressão que fogem à norma social, irrita a
burguesia. Marx e Engels classificaram a família nuclear como sendo a principal
unidade de socialização no capitalismo e chamaram pela socialização da criação
dos filhos e do trabalho doméstico, assim como pela integração das mulheres na
força de trabalho, de forma que as amarras sociais e econômicas às relações
humanas fossem removidas.
Diferentemente de Marx e Engels, a UR acredita que a unidade
social correspondente à “ideologia proletária” é a família nuclear! No seu
documento está escrito:
“Nós acreditamos que a
melhor forma de lutarmos com essas contradições em nossas vidas pessoais é
através de relacionamentos monogâmicos estáveis entre homens e mulheres
baseados em amor e respeito mútuos [...] . Na realidade, a libertação
homossexual é antiproletária e contrarrevolucionária. Os seus ataques à família
privarão o povo pobre e trabalhador da sua unidade social mais viável para a
luta revolucionária contra o sistema imperialista.”
Como o Partido Comunista (CPUSA) e o Partido Operário Progressista (PLP), que
há muito tempo proclamam a família como sendo uma “unidade de luta para o
socialismo”, a causa do preconceito da UR pelos homossexuais é o mesmo que
leva à burguesia a tratá-los como párias.
Sob Lenin e Trotsky, a União Soviética aboliu todas as leis que
discriminavam os homossexuais e as mulheres, e buscou avançar no caminho rumo à
libertação das mulheres e crianças da prisão do patriarcado. Essas conquistas
foram umas das primeiras a serem destruídas pela ascensão da
contrarrevolucionária burocracia Estalinista, cujo poder se baseava na
expropriação política da classe trabalhadora. A burocracia subiu ao poder se
apoiando nas massas de consciência mais atrasada, ainda influenciadas pelo
chauvinismo grão-russo, antissemitismo, machismo e homofobia, lutando contra o
que existia de vanguarda política consciente. A burocracia, virando às costas
para o internacionalismo proletário, submeteu à si todas as relações sociais,
para impulsionar a construção do “socialismo em um só país”. A família foi restaurada,
consertando o estrago causado a ela pelas medidas libertárias da Revolução de
Outubro. A política reacionária dos regimes Estalinistas, da China até Cuba, em
relação à questão homossexual surge da manutenção da família pelo estado.
Baseados na teoria Estalinista da “revolução por etapas” (o que
quer dizer sem revolução alguma), a UR defende que, apesar de que os
homossexuais nunca poderão ser comunistas, alguns podem se afastar o bastante
“do seu egoísmo, da sua autoindulgência e da sua decadência”, e se tornarem
“combatentes anti-imperialistas”. Aparentemente os homossexuais que quiserem
dedicar sua vida à luta contra o capitalismo devem ser gratos por receberem a
mesma denominação que o Xá do Irã, o Bandaranaike do Ceilão e a OTAN!
Esses “anti-imperialistas” presumidamente poderiam entrar no
grupo estudantil “anti-imperialista” impulsionado pela UR, a Brigada
Revolucionária Estudantil (antiga “Brigada Attica”) e atuar no meio da
radicalidade pequeno-burguesa, aonde a homossexualidade é menos escondida e de
certa forma até elegante. Claramente a posição radicalmente homofóbica é
voltada para os trabalhadores, visto que a UR “não acredita que a Brigada
Attica precisa tomar uma posição sobre esse assunto”.
O programa da revolução socialista não toma uma posição no valor
de qualquer orientação sexual do indivíduo. Nos opomos a todas as formas de
discriminação e perseguição de LGBTs, tal como às leis que inibem o direito
democrático à privacidade e liberdade sexual de adultos agindo consentidamente.
Nós só temos asco à posição de que os homossexuais são incapazes de serem
comunistas conscientes e de virem a se tornarem quadros de uma organização
revolucionária.
Na sua homofobia, assim como na sua santificação política da família, a UR se aproxima mais do Puritanismo que do Marxismo.
***
Homofobia à parte
Defender o RCP!
No mês de julho de 1991, o Comitê de Manifestações da Guilda
Nacional de Advogados (NLG)
decidiu que não irá mais defender o Partido Comunista Revolucionário (RCP
[ex-UR]) por causa da posição reacionária do grupo em relação à
homossexualidade. Essa decisão não proíbe advogados individuais da NLG de
defender membros do RCP, nem significa que a NLG tratará de maneira
diferenciada os militantes desse partido envolvidos em atos organizados por
frentes únicas com outras organizações. Porém, a NLG como organização não irá
mais providenciar advogados ou observadores legais para eventos organizados
exclusivamente pelo RCP.
A BT [Tendência Bolchevique – EUA] condena fortemente a
homofobia do RCP, que mantém a sua posição de que a homossexualidade é fruto da
decadência do capitalismo e que, após a revolução proletária, será feito um
esforço para a erradicação da mesma. Essa posição é herdada do grande articulador
de derrotas, Josef Stalin, que associou a homossexualidade à “decadência
burguesa” e cuja consolidação de poder na União Soviética na década de 1920
serviu de base para a catástrofe que se desenrola agora na URSS e na Europa
Oriental. A homofobia é totalmente contrária ao espírito do Bolchevismo, que se
posiciona sempre pela libertação da humanidade da forma mais abrangente
possível.
Apesar disso, discordamos da decisão da NLG. O RCP é parte do
movimento operário e, portanto, deve ser defendido sempre que necessário,
apesar de suas posições ruins, uma vez que, quando deixa-se de defender
qualquer parte do movimento da classe trabalhadora contra as investidas da
burguesia, acaba-se por enfraquecer toda a luta contra a opressão. Nós chamamos
pela irrestrita defesa de todos os setores da esquerda, dos trabalhadores e dos
grupos oprimidos, de acordo com a tradição da “Defesa Operária Internacional”
estabelecida por James Cannon e pelo então revolucionário Partido Comunista [dos
EUA] na década de 1920. Um ataque a um é um ataque a todos!