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Tendência Revolucionária sobre a Revolução Cubana

Tendência Revolucionária do SWP
A Revolução Cubana

O presente documento foi originalmente escrito por Shane Mage em 1961, enquanto resolução da Tendência Revolucionária para o Congresso da Young Socialist Alliance, grupo de juventude do Socialist Workers Party dos EUA (SWP). Ela foi reimpressa em julho/agosto de 1964 em Spartacist No. 2, órgão da então revolucionária Liga Espartaquista. Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em março de 2013, a partir da versão em inglês disponível em marxists.org.


“O documento a seguir, apresentado em 1961 à Young Socialist Alliance por nossa tendência, recebeu desde então impressionante confirmação.”

“Os prognósticos que ele lança – por exemplo, os objetivos contrarrevolucionários da burocracia stalinista russa em Cuba – passou no teste dos eventos que se seguiram: a crise dos mísseis; o acordo de Moscou sobre o açúcar (ver Spartacist No. 1); e, mais recentemente, a oferta de Fidel de chegar a um acordo com o imperialismo norte-americano.”

“A resolução também declara que ‘Tomado como um todo, o processo hoje em curso em Cuba é o de formação de um Estado operário deformado – isto é, a criação de uma sociedade como a que existe na União Soviética, no Leste Europeu e na China.’ Tem sido a nossa opinião por mais de um ano que esse processo atingiu um tal ponto de consolidação, que Cuba se tornou um Estado operário deformado.”

1. A revolução cubana constitui o ponto mais alto do desenvolvimento revolucionário até hoje atingido no Hemisfério Ocidental; ela é potencialmente o começo da revolução socialista norte-americana. A realização desse potencial é possível apenas se a revolução cubana uma vez mais salte à frente, interna e externamente, rumo ao estabelecimento de uma democracia operária em Cuba e à disseminação da revolução para ao menos os países decisivos da América Latina.

2. Apesar de enormes conquistas, Cuba continua economicamente atrasada e isolada num Hemisfério Ocidental sob a dominação do imperialismo dos EUA. Essa situação é a causa direta não só dos obstáculos postos ao progresso da revolução cubana, mas também às poderosas tendências à degeneração.

Sublevação Social

3. Para as massas de Cuba, a conquista econômica mais significativa da revolução foi o aumento substancial dos padrões de vida. Isso foi alcançado através de uma radical redistribuição igualitária da renda e da riqueza, e de uma reorientação do padrão de investimento visando dar prioridade à construção de escolas, casas, e estabelecimentos de cultura e recreação. Ao mesmo tempo, teve começo uma diversificação da agricultura cubana. A ação direta da classe trabalhadora em tomar indústrias e, em muitos casos, em exercer o controle democrático da indústria tomada; a organização do campesinato em cooperativas democraticamente controladas; o armamento das massas com formação de milícias – tudo isso, apesar de não ter se consumado enquanto controle do Estado pela classe trabalhadora, de fato deu às massas um peso bastante real na vida política do país. Essa foi uma importante conquista das massas cubanas e marcou a Revolução como uma profunda sublevação social, que trouxe as massas cubanas pela primeira vez na história ao controle parcial de seu próprio destino.

4. A revolução basicamente revogou as formas de propriedades cubanas anteriores. Os latifúndios possuídos pelos EUA e por cubanos se tornaram propriedade ou dos trabalhadores camponeses ou do Estado. Toda a indústria possuída pelos EUA foi confiscada e as propriedades de uma parte considerável da burguesia cubana também foram expropriadas. Como Cuba segue livre do fardo de significativas compensações e pagamentos de indenizações, essas medidas podem providenciar a base estrutural para uma economia planificada de tipo não-capitalista.

5. A rapidez e profundidade da mudança de propriedade têm sido essencialmente uma resposta às ações do imperialismo dos EUA. Apesar de a revolução cubana ter iniciado com objetivos puramente democrático-burgueses (reforma agrária, derrubada da ditadura de Batista, independência nacional), isso não podia ser atingido sem uma dura batalha contra o imperialismo dos EUA e seus partidários cubanos. A recusa do regime de Fidel em se dobrar diante da chantagem e da agressão econômica dos EUA, o levou a mobilizar as massas cubanas e lutar contra as bases econômicas do imperialismo e o domínio da burguesia. Sua própria sobrevivência o levou a destruir o velho exército e a polícia, que haviam sido os bastiões da “democracia” de Grau e Prio, assim como da ditadura de Batista, e substituí-los por um novo exército revolucionário e por uma vasta milícia popular.

Imperialismo dos EUA

6. A principal preocupação do imperialismo dos EUA em sua perversa hostilidade à revolução cubana tem sido a de garantir suas posições econômicas na América Latina. Os EUA tem sido impedidos de uma invasão militar a Cuba apenas pela probabilidade de que uma ação desse tipo faria a revolução se disseminar, ao invés de suprimi-la, e a certeza de que uma tentativa dos EUA de ocupar Cuba seria recebida pelo povo cubano com uma resistência de máxima ferocidade. Dessa forma, a política dos EUA para Cuba tentou estrangular e distorcer a economia cubana através de uma combinação de pressão militar e diplomática com clara agressão econômica.

7. A economia cubana tem sido capaz de continuar funcionando sob esses ataques somente porque a União Soviética veio em sua ajuda, ao receber açúcar cubano em troca de petróleo, munições e produtos industriais essenciais. Longe de ser altruísta, essa ação se dá inteiramente para a vantagem econômica e política da burocracia stalinista contrarrevolucionária que comanda na União Soviética e em outros países do “campo socialista”. Ela objetiva pôr a revolução cubana sob controle e usá-la como pressão sobre os EUA, como forma de ganhar mais concessões em um possível pacto de “coexistência pacífica”.

8. O desenvolvimento político da revolução cubana tem sido até o momento marcado pela ausência de um grande partido político marxista revolucionário e pela total falta de estruturas democráticas através das quais o governo seria controlado e posto sob a responsabilidade dos trabalhadores e camponeses. Por um período considerável, esses fatores foram obscurecidos pelas ações revolucionárias do regime de Fidel e suas respostas positivas às pressões das massas. Não obstante, permaneceu o fato de que o Estado e a economia cubana estavam nas mãos de um aparato administrativo independente separado dos trabalhadores e camponeses, por não estar submetido à eleição e revogabilidade por eles. Até mesmo a mais democrática das instituições, a milícia popular, foi privada do direito democrático essencial de eleger seus próprios oficiais.

Burocratização

9. Mesmo durante o período de sublevação revolucionária havia fortes tendências à imposição de estruturas burocráticas sobre a revolução. Isso era ainda mais nitidamente evidente no caso dos sindicatos cubanos, cuja liderança democraticamente eleita, apesar de seus vícios, era composta por castristas que haviam ganho dos velhos burocratas pró-batistas em 1959. Ao longo de 1960, essa liderança foi arbitraria e antidemocraticamente removida e substituída por uma nova liderança, amplamente stalinista em sua origem, e subserviente ao governo. Em seguida, a estrutura do movimento sindical foi revisada para eliminar a autonomia de sindicatos individuais, colocando o controle centralizado nas mãos de um pequeno grupo burocrático.

10. Desde a invasão de 17 de abril, tem havido uma verdadeira intensificação e aceleração da tendência rumo à burocratização e ao autoritarismo. Muitas cooperativas agrárias, teoricamente controladas por seus membros camponeses, foram transformadas em “Fazendas do Povo”, sob administração centralizada do Estado. Formas experimentais de controle operário na indústria, os “Conselhos Técnicos Consultivos”, foram deixados cair em inatividade. A política governamental, conforme representada por Che Guevara, é especificamente oposta ao controle operário e atribui aos sindicatos cubanos um papel exclusivo em aumentar a produção, sem defender os interesses de classe específicos dos trabalhadores.

11. Conforme o regime cubano desenvolve estruturas políticas, essas tendem de forma semelhante à burocratização e ao autoritarismo. Depois de 17 de abril, sob a máscara de frases sobre “revolução socialista”, um sistema de partido único foi desenvolvido através da junção de todos os grupos políticos restantes na “Organização Revolucionária Integrada”. O aparato stalinista do antigo “Partido Socialista do Povo” desempenha um papel central na ORI, que foi representada no recente “Congresso Nacional da Produção” pelo líder stalinista veterano, Carlos Rafael Rodriguez.

12. Longe de garantir liberdade de expressão para todas as tendências que apoiam a revolução, o governo cubano desde 17 de abril iniciou grandes repressões. A mais importante foi a supressão do jornal trotskista “Voz Proletária” e do livro de Leon Trotsky “A Revolução Permanente”. A censura política foi imposta a filmes e a publicação cultural independente “Lunes” foi forçada a deixar de existir. As prisões arbitrárias e as longas detenções sem acusações de revolucionários socialistas norte-americanos indicam de forma notável a existência de um aparato bem desenvolvido de polícia secreta, livre de limitações democráticas.

Estado operário deformado

13. Tomado como um todo, o processo atualmente em curso em Cuba é o de formação de um Estado operário deformado – isto é, da criação de uma sociedade do tipo que existe na União Soviética, no Leste Europeu e na China. Ao minimizar a influencia da classe trabalhadora na revolução, ao limitar o apelo à revolução para trabalhadores em outros países, ao tender a entregar o poder a uma burocracia incontrolável, e ao submeter o futuro de Cuba à diplomacia contrarrevolucionária do Kremlin, esse processo levanta o perigo de restauração capitalista em Cuba. Entretanto, isso não significa que atualmente em Cuba o aparato burocrático está consolidado ou é dominante como nos países do Bloco Soviético. A mobilização democrática de massas e a participação na revolução de trabalhadores e camponeses tem sido tão poderosa e de longo alcance que, em todos os níveis, ocorre resistência significativa ao processo de burocratização.

Democracia operária

14. Os trabalhadores e camponeses cubanos encontram-se atualmente confrontados com uma dupla tarefa: defender sua revolução dos ataques dos contrarrevolucionários dos EUA e do próprio país, e defender e reverter as tendências de degeneração burocrática da revolução. Para confrontarem essa tarefa eles necessitam crucialmente do estabelecimento de uma democracia operária.

15. Democracia operária, para nós, significa que todos os funcionários administrativos e do Estado sejam eleitos pelo e submetidos ao povo trabalhador da cidade e do campo, através de instituições representativas de gestão democrática. Os melhores modelos históricos para tais instituições foram os soviets da Revolução Russa de 1917 e os Conselhos de Trabalhadores da Revolução Húngara de 1956. Os trabalhadores e camponeses cubanos podem, sem dúvida, desenvolver sua própria variante original dessas formas. Isso é apenas um atributo essencial sem o qual qualquer forma democrática não é senão pretensiosa e zombeteira: deve haver total liberdade de organização e expressão para todos os grupos políticos e tendências que apoiem a revolução, sem nenhuma concessão ao monolitismo stalinista do sistema de partido único.

Partido Revolucionário

16. A vitória completa de qualquer revolução moderna, incluindo a revolução cubana, requer a emergência, em um papel de liderança, de um partido marxista revolucionário de massas. Os pequenos grupos trotskistas, em Cuba e demais lugares, possuem um papel central enquanto núcleo desse partido. Eles podem cumprir esse papel se continuamente preservarem sua independência política e sua habilidade de ação, e se eles evitam o perigo de submeterem suas próprias responsabilidades ideológicas e a missão histórica da classe trabalhadora a lideranças não-marxistas e não-revolucionárias.

Defender a Revolução

17. Em sua relação com a revolução cubana, a YSA, como qualquer outro grupo revolucionário, tem duas tarefas principais:

(a) Desempenhar o maior esforço possível em defender a revolução cubana não apenas contra ataques militares e de outros tipos por parte do imperialismo dos EUA, mas também contra os ataques políticos dos agentes socialdemocratas do imperialismo.

(b) Lutar pelo desenvolvimento e pela extensão da revolução cubana e contra as tentativas do stalinismo contrarrevolucionário de corromper a revolução pro dentro. Buscamos aprofundar esse desenvolvimento e extensão através tanto do apoio a ações revolucionárias da atual liderança, quanto por criticar construtivamente, abertamente e francamente, os erros e inadequações dessa liderança. Tanto para desenvolver quanto para estender a revolução cubana através do Hemisfério, nos baseamos na necessidade imperativa do estabelecimento de uma democracia operária e da formação de um partido marxista revolucionário de massas.

Shane Mage,
21 de dezembro de 1961.