A Morte
de Kim Jong-Il e o Futuro da Coréia do Norte
Por
Rodolfo Kaleb
Fevereiro
de 2012
A Coréia
do Norte, um dos últimos países de economia burocraticamente planificada, tem
um novo “Líder Supremo” para substituir Kim Jong-Il, que morreu no fim de 2011:
o próprio filho do burocrata, Kim Jong-Un. Esta é a segunda transição na
liderança da burocracia estatal norte-coreana dentro dos marcos da família Kim.
Os Kim e toda a camada privilegiada de burocratas de Estado que eles representam
tem um dos regimes mais fechados do mundo. Ao mesmo tempo, o ódio das
televisões, jornais e outros meios de comunicação burgueses contra a Coréia do
Norte não se explica por este fato. Os capitalistas, de Washington a Paris, de
Londres a Tóquio, jamais deixaram de prestar apoio a muitos governos tirânicos
mundo a fora, desde que fossem subservientes a eles. O seu ódio intrínseco
contra a Coréia do Norte, e o apoio enfático aos capitalistas sul-coreanos está
na estrutura de classe daquele país.
Estado,
economia e burocracia
Nenhuma
burguesia nativa ou estrangeira controla a Coréia do Norte. O Estado
norte-coreano é responsável pela manutenção, de maneira deformada e débil, de
uma economia coletivizada, onde existem fortes barreiras contra a acumulação de
capital sob a forma da propriedade privada capitalista. A burguesia foi, como
um todo, expropriada econômica e politicamente e deixou de existir enquanto uma
classe na Coréia do Norte no fim da década de 1940, muito embora a pressão das
burguesias do restante do mundo, principalmente as imperialistas, permaneça
afetando o país. Isso tem inclusive levado a burocracia dominante, que é a
correia dessas pressões no Estado norte-coreano, a adotar medidas de abertura
ao capitalismo, que põem em risco a natureza não-capitalista da economia.
“A Coréia do Norte foi
historicamente organizada sob linhas similares a outras economias centralmente
planificadas. Os direitos de propriedade pertenceram largamente ao Estado,
recursos foram distribuídos através de planos e não através do mercado, e
preços e dinheiro não foram características centrais da economia. Até 1998, a
constituição estatal reconheceu duas categorias econômicas gerais: empresas de
propriedade estatal e cooperativas de trabalhadores. Do fim dos anos 1940 até o
fim dos anos 1980, a Coréia do Norte teve uma das mais completas economias
socialistas [sic] no mundo.”
“O PTC [Partido do Trabalho da
Coréia] é o poder supremo na Coréia do Norte, e ele tem total controle sobre o
governo e os órgãos de Estado. As revisões constitucionais de setembro de 1998
mantiveram as estipulações de que a ‘República Popular Democrática da Coréia
deve conduzir todas as atividades sob a liderança do Partido do Trabalho’.
Nenhuma decisão pode ser tomada sem a aprovação do partido, e o partido retém
total controle sobre as iniciativas econômicas, fábricas e fazendas
cooperativas.” (North Korea: A Country Study. Research
Division, Library of Congress, 2009).
Assim
como nos outros Estados operários deformados remanescentes – Cuba, China e
Vietnã – a burocracia da Coréia do Norte realizou certas aberturas ao
capitalismo (embora em escala muito menor do que os outros três) e uma enorme
desestruturação da economia planificada. Tais medidas são fruto do ainda maior
isolamento econômico desses países após a destruição da URSS, e também uma
capitulação da burocracia a pressões imperialistas. Essas contrarreformas
facilitam o trabalho de restauração dos capitalistas, pois fazem crescer mais
desigualdades e antagonismos na sociedade norte-coreana.
A
propriedade privada existe na Coréia do Norte, dentro de limites estabelecidos
e controlados pela burocracia, enquanto uma forma minoritária de propriedade,
mas a economia do país ainda é, no geral, de propriedade estatal, embora
crescentemente distorcida pela má administração burocrática e pela penetração
do mercado. Entretanto, essas mudanças não redefiniram, por si próprias, o
caráter do poder estatal. Não houve ainda nenhuma destruição ou mesmo abalo sensível
no Estado norte-coreano. A não ser que possamos falar em uma contrarrevolução
“imperceptível” e que o Estado esteja se transformando “aos pouquinhos” em um
Estado burguês (uma idéia que Trotsky corretamente apelidou de “reformismo ao
contrário”) essas reformas econômicas ainda não mudaram o caráter de
classe do poder dominante na Coréia do Norte. Só a destruição do atual
aparelho de Estado e a sua substituição por outro erguido pela burguesia
poderia ser identificada enquanto a vitória de uma contrarrevolução social.
Os
trotskistas tem a tarefa de defender a Coréia do Norte contra qualquer
ameaça de restauração capitalista. A expropriação da classe capitalista
na Coréia do Norte possibilitou muitas conquistas sociais – a saber, grandes
avanços nos campos de direitos das mulheres, alimentação e habitação, saúde e
educação. A renda per capta na Coréia do Norte era maior que a da Coréia do Sul
até meados da década de 1970 (de acordo com a pesquisa Country Studies
sobre a Coréia do Norte). Ao mesmo tempo, a burocracia da Coréia do Norte tem
uma condição privilegiada e a desestruturação econômica que ela causa leva a
desastres econômicos, como a grande fome resultante do colapso agrícola que
afetou o país no início dos anos 1990. A burocracia é um órgão permanente de
desigualdade, obtendo benesses lícitas e ilícitas, erigindo um padrão de vida
desproporcionalmente mais alto do que o da população trabalhadora.
Mas as
condições de vida na Coréia do Norte, ainda que sem as terríveis deformações
impostas pela burocracia, dificilmente poderiam superar a de muitos países
capitalistas centrais. Apesar da retórica de aparência marxista dos governantes
do país, não pode existir socialismo em uma nação tão pequena e atrasada
enquanto o resto do mundo permanece capitalista. Discutindo a caracterização de
“socialista” para a União Soviética (onde o desenvolvimento econômico era bem
maior que na Coréia do Norte), Leon Trotsky concluiu:
“Marx entendia, em todo caso, por
‘estágio inferior do comunismo’ uma sociedade cujo desenvolvimento econômico
seria, desde o início, superior ao do capitalismo avançado.
Teoricamente, essa maneira de colocar a questão é irreprovável, pois o
comunismo, considerado em escala mundial, constitui, mesmo no seu
estágio inicial, no seu ponto de partida, um grau superior em relação à
sociedade burguesa. (...) É, pois, muito mais exato chamar o atual regime
soviético, com todas as suas contradições, não de socialista, mas de transitório
entre o capitalismo e o socialismo, ou preparatório para o socialismo.”
(A Revolução Traída, 1936).
O
socialismo, mesmo em seu provavelmente conturbado início pós-revolucionário,
irá superar em muito o capitalismo mais avançado – para o que é necessário
derrotar a burguesia mundial com a intervenção da classe trabalhadora nos
países dependentes e centrais. Isolada, a Coréia do Norte permanece um país
pressionado, e, portanto, prisioneiro das pressões imperialistas, ainda que
indiretamente. O país negou o capitalismo, mas ainda não o superou, o que é
parte essencial do desenvolvimento socialista.
Os
trotskistas buscam fazer a roda da história girar para a frente. O futuro da
Coréia do Norte deve ultrapassar o seu passado capitalista, e não retornar a
ele. Apenas o socialismo despertará as forças produtivas e a prosperidade
global que o desenvolvimento tecnológico capitalista permite, mas que são
retidas irracionalmente pelas crises e desemprego em massa, pelo empobrecimento
da classe trabalhadora, pela divisão nacional entre os países, a concorrência
local e global entre oligopólios imperialistas e pelas guerras geradas por esse
mesmo sistema. Mas para expandir a revolução em nível mundial, os trabalhadores
na Coréia do Norte precisam, em primeiro lugar, se livrar dos parasitas
burocráticos que comandam o seu próprio país.
A Segunda
Guerra Mundial e o Chon Pyong
A
península da Coréia foi, entre 1905 e o fim da Segunda Guerra Mundial, uma
região dominada pelo imperialismo japonês. Era uma nação principalmente
agrária, mas com um proletariado jovem e concentrado nas grandes cidades. O
Partido Comunista de orientação stalinista ganhou influência entre as massas ao
organizar a luta armada contra a ocupação japonesa. A derrota do Japão na
guerra e a subsequente destruição do império colonial japonês removeram o principal
obstáculo para o sucesso de uma revolução no país. Quase toda a frágil
burguesia coreana havia apoiado a ocupação japonesa e as massas populares lhes
nutriam imenso ódio.
O Japão
começou sua retirada da Coréia diante das suas derrotas no Pacífico. A URSS
stalinista declarou guerra ao Japão apenas nos últimos meses da Segunda Guerra,
em 8 de agosto de 1945, e ocupou com seus exércitos a península coreana pelo
Norte. Apesar de inicialmente planejar avançar livremente pelo território, a
pressão dos Estados Unidos fez Stalin aceitar que o exército soviético não
ultrapassasse o 38º paralelo, que garantiria aos capitalistas norte-americanos
o domínio de Seul, desde então a principal cidade industrial da região. Os
Estados Unidos só ocuparam a Coréia um mês depois, após uma invasão anfíbia em
9 de setembro, e mantiveram seus exércitos na parte Sul.
Desde a
saída do Japão, a luta de classes na Coréia entrou em uma situação
pré-revolucionária. Cresceu enormemente a influência do Partido Comunista e
surgiram espontaneamente comitês populares de massa. Vários comitês de
trabalhadores também realizaram ocupações de fábrica de Norte a Sul do país.
Foi a partir de ações desse tipo que se organizou o Chon Pyong
(Conselho Nacional dos Trabalhadores), como uma forma de controle proletário
das indústrias e bairros.
A
ocupação norte-americana no Sul da Coréia recebeu merecido ódio da população
trabalhadora. O exército dos Estados Unido manteve a mesma legislação policial
da ocupação japonesa para lidar com a situação explosiva da luta de classes. Os
representantes da burguesia imperialista também colaboraram com os capitalistas
nativos e montaram um governo fantoche do Partido Democrático Coreano (PDC)
comandado por Synghman Rhee, que estava em uma posição de extrema instabilidade
e não conseguiria ter se mantido sem a presença dos Estados Unidos.
O Chon
Pyong era dirigido principalmente pelos stalinistas, mas também influenciado
por correntes de orientação socialdemocrata. Na parte Sul da Coréia, o
instrumento de duplo poder dos trabalhadores coreanos foi logo posto na
ilegalidade pelo governo burguês de Rhee. A resistência contra as prisões de
líderes stalinistas no início de 1946 desencadeou uma luta de milhões que foi
severamente reprimida e derrotada pela ocupação norte-americana. O impacto
desse embate armado direto teve efeitos severos sobre os rumos da Coréia.
Diante de extrema pressão imperialista, o exército soviético ocupante
expropriou a burguesia nacional e estrangeira no Norte. Essa medida foi tomada
pelos stalinistas porque dela dependia a sua sobrevivência, tendo em vista a
pouca tolerância da ocupação imperialista com a turbulência social.
O novo
“aparato especial de homens armados” no Norte representava os interesses dos
líderes militares stalinistas, que tomaram a URSS como um modelo. Os setores
militares da burocracia stalinista, que dominaram desde o começo este Estado
não tinham características próprias de uma classe social. Eles foram obrigados
a reproduzir na Coréia do Norte a mesma base social estabelecida na União
Soviética pelos trabalhadores revolucionários após 1917, ou seja, monopólio do
comércio exterior e domínio estatal do comércio interno, propriedade estatal
geral das indústrias e demais meios de produção, planificação econômica e estabelecimento
de barreiras à acumulação de capital privado. Todas essas características,
entretanto, foram deformadas pelo domínio da casta burocrática, que na Coréia
do Norte esteve no controle desde a formação do Estado.
O líder
desta casta dominante recém-formada era Kim Il-Sung, que dirigia um
destacamento coreano sob as ordens do exército soviético, e foi escolhido a
dedo por Stalin para este posto. Os comitês populares do Norte foram
incorporados à estrutura estatal e perderam a sua independência, mas mantiveram
temporariamente sua existência. Assim surgiu a separação, marcada pelo 38º
paralelo, entre a “República da Coréia” ao Sul e a “República Democrática
Popular da Coréia” ao Norte.
A Guerra
da Coréia
A
luta de classes na Coréia continuou em graus flamejantes depois da retirada dos
dois exércitos de ocupação em 1949, resultado de acordos diplomáticos. Durante
todo o período anterior à saída da URSS e dos Estados Unidos, uma verdadeira
guerra de baixo impacto ocorria entre o governo burguês da Coréia do Sul e
guerrilhas urbanas pró-Norte. Não foi de nenhuma forma uma surpresa quando
começaram a surgir conflitos de fronteira entre os dois Estados. Ambos os lados
tinham planos belicosos um em relação ao outro. Em 3 de julho de 1950, um
conflito se iniciou entre os dois Estados em razão de uma disputa de fronteira.
O exército da Coréia do Sul derreteu enquanto as tropas do Norte avançavam –
deserções em massa, devido ao amplo apoio popular do Norte, fizeram com que em
pouco tempo as tropas de Kim dominassem quase toda a península, isolando as
tropas sul-coreanas no extremo meridional.
Durante
os três meses nos quais a península foi mantida sob controle da República
Democrática Popular da Coréia, várias empresas estrangeiras foram expropriados.
A burguesia norte-americana, apoiada pelas outras potências imperialistas,
reagiu. Em 15 de setembro de 1950, a recém-fundada organização das Nações
Unidas interviu no conflito. A ONU foi a fachada para um exército formado por
unidades de mais de 16 nações capitalistas, incluindo Estados Unidos,
Grã-Bretanha e Canadá. Em algumas semanas, esse colosso contrarrevolucionário
expulsou as forças do Norte 38º paralelo acima e chegou até a fronteira da
Coréia com a China, no Rio Yalu. O terror contrarrevolucionário é sempre muito
mais violento do que qualquer levante popular. Estima-se que o exército da ONU
cometeu mais de cem mil execuções apenas na sua investida inicial em território
coreano. Deve ficar bem marcado na memória dos trabalhadores como foi que essa
organização que se proclama até hoje como a defensora da “paz mundial”
inaugurou o seu currículo.
A reação
do Norte veio com o apoio do exército da República Popular da China, força
armada do Estado operário deformado que havia se estabelecido nessa gigantesca
nação em 1949. Mao Zedong e os burocratas de Beijing regiram diante da ameaça
imperialista iminente e duzentos mil soldados coreanos e chineses fizeram as
tropas da ONU recuar de volta ao 38º paralelo em julho de 1951. Ali se
estabeleceu um equilíbrio bélico em que nenhuma das tropas conseguia mais
avançar sobre a outra. No mesmo ano começaram negociações para estabelecer um
armistício, mas ele só veio dois anos depois, em 27 de julho de 1953. Nesse
período os bombardeios aéreos da ONU devastaram toda a Coréia e reduziram o
país a escombros.
O
armistício dividiu de forma prolongada o país, situação que se mantém até hoje.
No Sul foi restabelecido um governo burguês ditatorial, regime que se manteve
até o fim dos anos 1980. Já na Coréia do Norte, com a destruição pelo conflito
das experiências dos comitês proletários, se fortaleceu o domínio da burocracia
stalinista. Kim Il-Sung ergueu um culto nacionalista e personalista, enquanto
se autoproclamava o “Grande Líder Perpétuo” do país. Tais ações foram acompanhadas
de um expurgo massivo de quaisquer dissidentes políticos e abriu caminho para o
domínio autônomo da burocracia.
Um
partido trotskista na Guerra da Coréia teria dado apoio militar incondicional
ao Norte. A vitória do Norte, naquelas circunstancias, teria representado a
extensão de uma revolução social, ainda que deformada, e isso teria trazido
vantagens estratégicas para os trabalhadores coreanos em uma luta pelo
socialismo. A vitória dos capitalistas sul-coreanos aliados ao imperialismo
mundial, por outro lado, representaria o completo esmagamento armado dos
trabalhadores politicamente organizados. Mas ao mesmo tempo em que defendessem
militarmente o Norte, os trotskistas não deixariam de denunciar os interesses
antidemocráticos e nacionalistas da burocracia, para preparar a consciência dos
trabalhadores para a sua derrubada por uma revolução política. A posição
política essencial dos trotskistas seria a defesa estratégica do Chon Pyong, os
sovietes coreanos, contra ambos os exércitos capitalistas e possíveis agressões
dos burocratas stalinistas, que temem até hoje a livre expressão política dos
trabalhadores.
Leninismo
vs. Juche
As
contradições da revolução social deformada realizada na Coréia do Norte foram
responsáveis pelas características problemáticas do Estado norte-coreano que
dela surgiu – equivalentes às analisadas por Leon Trotsky para a União
Soviética sob Stalin. A principal dessas características é também a base da política
stalinista – o “socialismo num só país”. A perspectiva do “socialismo num só
país”, dificilmente formulada claramente pelos stalinistas, é a essência
causadora de grandes derrotas para o proletariado mundial. Ela corresponde
perfeitamente, entretanto, aos interesses principais da burocracia dos Estados
operários deformados.
A ideia
de que uma nação atrasada, por supostas “especificidades nacionais”, pode
chegar por si só ao socialismo; a disposição plena de coexistir com a burguesia
imperialista e a capitulação aos seus setores “democráticos”, “de esquerda” ou
“progressivos”; o apoio descarado a partidos e chefes burgueses nos países
atrasados em detrimento da independência da classe trabalhadora; a ideia de que
o socialismo é compatível com a manutenção de um poderoso aparato policial; o
culto à personalidade dos líderes e uma fraseologia de aparência marxista –
nisso consiste a política do stalinismo.
A
“doutrina nacional” estabelecida na Coréia do Norte por Kim Il-Sung após o fim
da Guerra da Coréia (e que inspirou seus descendentes) é uma versão de
“socialismo num só país”. O “Juche”, que significa autossuficiência, é a
ideologia oficial do Estado norte-coreano e afirma que essa pequena e pobre
nação tem plenas condições de atingir o socialismo sem qualquer interferência
do proletariado dos outros países. De acordo com Kim Il-Sung:
“Nós sempre nos apegamos ao
princípio de resolver todos os problemas da revolução e da construção
independentemente, de levar em conta as verdadeiras condições do nosso país e confiando
principalmente na nossa própria força. Nós aplicamos criativamente os
princípios universais do Marxismo-Leninismo e as experiências de outros países
para caber nas condições históricas e peculiaridades nacionais do nosso país,
e resolvemos os problemas sob nossa própria responsabilidade, sob todas as
circunstâncias, nos opondo ao espírito de confiança nos outros e levantando o
princípio da autoconfiança. A palavra Juche, amplamente conhecida pelo
mundo, é um termo que expressa tal princípio criativo e independente e a
posição a qual aderiu nosso partido ao conduzir a luta revolucionária e o
trabalho construtivo”. (Respostas às Perguntas da Delegação dos Jornalistas
Iraquianos, 1971, ênfase nossa).
Apesar de
todos os floreios sobre “autoconfiança” e “aplicação criativa” que os
stalinistas norte-coreanos supostamente defendem, o centro da sua política é a
dispensa que fazem dos trabalhadores dos outros países, que consideram um fator
irrelevante para o desenvolvimento do seu “socialismo”. Mas uma nação atrasada
não pode chegar ao socialismo sem que os trabalhadores dos outros países
realizem suas revoluções. O socialismo só pode triunfar quando vitorioso a
nível mundial. Por essa razão, a perspectiva de Lenin e do Partido
Bolchevique/Comunista até 1923 era diametralmente diferente. Ao mesmo tempo em
que faziam tudo que estava ao seu alcance para defender a União Soviética do
ponto de vista econômico e militar, os leninistas colocavam como sua primeira
tarefa apoiar o proletariado dos outros países para que quebrassem o isolamento
do seu próprio. Deixemos que Lenin fale por si próprio:
“Nós sabemos que ajuda de vocês
provavelmente não virá em breve, camaradas trabalhadores norte-americanos, já
que a revolução está se desenvolvendo em diferentes países com formas e ritmos
diferentes (e não pode ser de outra maneira). Nós sabemos que embora a
revolução proletária europeia esteja amadurecendo depressa, ela pode, apesar de
tudo, não irromper nas próximas semanas. Nós apostamos na inevitabilidade da
revolução mundial, mas isso não significa que nós sejamos tolos a ponto de
apostar na inevitabilidade de a revolução vir em uma data específica e
próxima. Nós vimos duas revoluções em nosso país, 1905 e 1917, e nós sabemos
que as revoluções não são feitas por encomenda, nem por acordo. Nós sabemos que
as circunstâncias trouxeram o nosso destacamento do proletariado
socialista ao primeiro plano, não por causa dos nossos méritos, mas em razão do
excepcional atraso da Rússia, e que antes que a revolução mundial
irrompa, uma série de revoluções separadas pode ser derrotada.”
“Apesar disso, nós estamos
firmemente convencidos de que somos invencíveis, porque o espírito da
humanidade não será quebrado pela carnificina imperialista. A humanidade vai
derrota-la. E o primeiro país a quebrar as correntes convictas da guerra
imperialista foi o nosso país. Nós suportamos sofrimentos enormemente
pesados na luta para quebrar essas correntes, mas nós as quebramos. Nós
estamos livres da dependência imperialista, nós levantamos a bandeira da
luta pela completa derrubada do imperialismo para que todo o mundo visse.”
“Nós estamos agora em uma
fortaleza sitiada, esperando pelos outros destacamentos da revolução socialista
mundial para virem ao nosso resgate. Esses destacamentos existem, eles
são mais numerosos que os nossos, eles estão amadurecendo, crescendo,
ganhando mais força conforme as brutalidades do imperialismo continuam. (…)
Lentamente, mas certamente os trabalhadores estão adotando táticas comunistas,
bolcheviques, e estão marchando rumo à revolução proletária, a única capaz de
salvar a cultura e a humanidade que perecem.” (Carta aos Trabalhadores
Norte-americanos, agosto de 1918).
Obviamente,
a Coréia do Norte também é uma “fortaleza sitiada”, ainda que bastante
deformada, cujos verdadeiros leninistas devem buscar resgatar,
não apenas defendendo-a militarmente contra os capitalistas, mas principalmente
lutando pelo sucesso da revolução mundial. A política dos stalinistas da
família Kim ignora esta segunda e mais importante tarefa, o que faz dela (como
as outras variantes do stalinismo) uma ideologia nacionalista pequeno-burguesa.
A verdadeira preocupação dos stalinistas é a manutenção da sua própria condição
privilegiada:
“A paz é a aspiração comum da
humanidade, e apenas quando a paz for garantida podem as pessoas criar uma vida
nova independente. A ideia errada e a política de ultrapassar a independência
de outros países e outras nações e de dominar os outros é a causa da atual
ameaça à paz. Para salvaguardar a paz, todos os países e nações devem manter a
independência, se opor a políticas desse tipo e desenvolver uma poderosa luta
internacional conjunta para prevenir a agressão e a guerra”. (Kim Il-Sung,
Por um Novo Mundo Livre e em Paz – Discurso à Cerimônia de Abertura da 85ª
Conferência Parlamentar, 29 de abril de 1991).
Os
stalinistas querem o apoio do proletariado internacional somente na medida em
que este lute pela estabilidade e da paz do seu país com as burguesias
imperialistas. Mas a paz em longo prazo com as burguesias imperialistas é uma
ilusão terrível: os capitalistas não podem descansar enquanto não retomarem
completamente o domínio do país. A “defesa das nações e da paz” somada à
negação da tarefa de apoiar o proletariado internacional contra os “seus”
Estados e “suas” burguesias (ou seja, de ajudar a promover os conflitos de
classes dentro dos países capitalistas a favor do proletariado), é uma
acomodação nacionalista do marxismo em favor dos interesses da casta
burocrática stalinista, de coexistir com o capitalismo em nível mundial, e só é
uma receita para a derrota. Como está escrito no documento do II Congresso da
Internacional Comunista dirigida por Lenin e Trotsky:
“O nacionalismo pequeno-burguês
restringe o internacionalismo ao reconhecimento do princípio da igualdade das
nações e (sem insistir sobre seu caráter puramente verbal) conserva intacto o
egoísmo nacional, ao passo que o internacionalismo proletário exige: (1º) A
subordinação dos interesses da luta proletária em um país ao interesse desta
luta no mundo inteiro; (2º) Da parte das nações que venceram a burguesia, o
consentimento para os maiores sacrifícios nacionais em função da derrubada do
capital internacional. No país onde o capitalismo já se desenvolveu
completamente, onde existem partidos operários formando a vanguarda do
proletariado, a luta contra as deformações oportunistas e pacifistas do
internacionalismo, por parte da pequena burguesia, é também um dever imediato
dos mais importantes (...)” (Teses e Acréscimos sobre as Questões Nacional e
Colonial, Segundo Congresso da Internacional Comunista, 1920).
Outra
diferença entre o leninismo e a política dos stalinistas norte-coreanos é o
papel que pode cumprir o nacionalismo para a classe trabalhadora. Kim Il-Sung
tornou o culto à nacionalidade coreana uma pedra de toque da sua doutrina:
“Assim, o patriotismo e o
internacionalismo são inseparáveis. Aquele que não ama o seu próprio país não
pode ser leal ao internacionalismo, e aquele que não tem fé no internacionalismo
não pode ter fé no seu próprio país e povo. Um verdadeiro patriota é
precisamente um internacionalista e vice-versa.” (Kim Il-Sung, Sobre
Eliminar o Dogmatismo e o Formalismo e Estabelecer o Trabalho Ideológico Juche
– Discurso aos Propagandistas e Agitadores do Partido, 28 de dezembro de 1955).
Para
Lenin e os Bolcheviques, o nacionalismo era uma praga perniciosa que no mínimo
(no caso dos países atrasados) atrapalhava a luta pela libertação nacional e
mantinha os trabalhadores presos à burguesia, e no máximo (no caso dos países
avançados) justificava a matança e a dominação imperialista. Em 1913, ainda
como um socialdemocrata revolucionário, Lenin escreveu:
“O marxismo não pode ser
reconciliado com o nacionalismo, nem mesmo na sua forma ‘mais justa’, ‘mais
pura’, mais refinada ou civilizada. No lugar de todas as formas de
nacionalismo, o marxismo propaga o internacionalismo, o amálgama de todas as
nações em uma unidade maior, uma necessidade que cresce diante dos nossos
olhos, com cada quilômetro de ferrovia que é construído, com cada truste
internacional, e com cada associação internacional de trabalhadores que é
formada (uma associação que é internacional em suas atividades econômicas como
nas suas ideias e objetivos).” (Comentários Críticos sobre a Questão
Nacional, capítulo 4, 1913).
Somada ao
culto da pátria norte-coreana, Kim Il-Sung e seus herdeiros também
estabeleceram o culto às suas próprias personalidades. Nisto, os stalinistas
norte-coreanos são os campeões: seu narcisismo chega a graus tão elevados que o
calendário estabelecido no país tem como Ano Um o ano do nascimento de Kim
Il-Sung, 1912. Quanto a isso, nem cabem argumentos. O Juche, assim como
as demais variantes do stalinismo, nada tem a ver com o leninismo.
Trotskismo
e pablismo
A
deformação stalinista do marxismo foi combatida pela Oposição de Esquerda
Internacional (precursora da Quarta Internacional), fundada por Leon Trotsky.
Ele mostrou como a política de Stalin tinha servido como a melhor fachada para
uma casta de burocratas que se aproveitaram da fragilidade do proletariado
russo para se alçar ao poder e defender seus próprios interesses, em oposição
aos da classe trabalhadora.
As
transformações sociais do pós-guerra (não apenas na Coréia do Norte, mas também
na Europa Oriental, China e Vietnã do Norte) levaram à desorientação e ao
surgimento do revisionismo nas colunas do trotskismo. A Quarta Internacional
ficara extremamente fragilizada pelo assassinato de muitos dos seus quadros
mais experientes durante o conflito mundial. Os novos dirigentes da Quarta
Internacional: Michel Pablo, Ernest Mandel, Pierre Frank dentre outros,
impactados de forma impressionista pelos novos eventos, defenderam que os
trotskistas deveriam passar a ser um instrumento de pressão sobre os partidos e
burocracias stalinistas que haviam criado os Estados operários deformados,
porque eles seriam supostamente capazes levar o mundo ao socialismo pelas novas
circunstâncias objetivas. Isso é o mesmo que abandonar uma perspectiva
orientada para a classe trabalhadora, e a oposição irreconciliável do
trotskismo contra o stalinismo.
Esta foi
apenas a primeira operação revisionista de uma metodologia baseada em apoiar
acriticamente vários tipos de lideranças não revolucionárias (fossem elas
reformistas, burocráticas, pequeno-burguesas ou até mesmo burguesas) que
contassem com certo grau de popularidade. Este era o caso do stalinismo
imediatamente após a Segunda Guerra Mundial.
Para
sustentar sua perspectiva, os pablistas (como foram apelidados esses revisionistas)
precisaram abstrair o fato de que os stalinistas, em muito mais situações
potencialmente revolucionárias, fizeram de tudo para restabelecer o poder
burguês. Além disso, havia entre esses novos Estados operários deformados e o
objetivo dos bolcheviques-leninistas (“trotskistas”) diferenças substanciais.
Os
stalinistas jamais lideraram a classe trabalhadora ao poder numa revolução
proletária. Onde expropriaram a burguesia, foi comandando exércitos de Estados
operários burocratizados, ou exércitos de guerrilha com base camponesa, impondo
de cima para baixo uma transformação social progressiva, porém profundamente
deformada, em países atrasados. Essas características levaram essas novas
formações sociais à mesma “coexistência pacífica” com as potências capitalistas
e a negação dos princípios internacionalistas do marxismo, assim como o
estabelecimento de um aparato hostil à classe trabalhadora. Os pablistas
apagaram a distinção crucial do trotskismo entre um Estado operário e um Estado
operário deformado ou degenerado. Por isso, os verdadeiros
bolcheviques-leninistas se mantiveram firmes no combate intransigente contra
todas as variantes do stalinismo.
O PCB e a
herança stalinista
Quando a
Morte de Kim Jong-il foi anunciada no fim de dezembro, um dos grupos da
esquerda brasileira que se pronunciou sobre este evento foi o Partido Comunista
Brasileiro, que publicou uma declaração assinada pelo seu Comitê Central
intitulada “O povo norte-coreano é que deve decidir o seu destino”.
O PCB, um dos herdeiros da herança stalinista no
Brasil, foi cauteloso. Comentou sobre a ausência de informações confiáveis na
imprensa e que “seria uma irresponsabilidade política (...) dar uma opinião
categórica a respeito da conjuntura por que está passando a Coréia do Norte”.
A escassez
de informação é algo que realmente afeta toda a esquerda quando o assunto é a
Coréia do Norte. É impossível, por exemplo, ter posições políticas sobre
questões provavelmente importantes da luta de classes do país, às quais nós
simplesmente não temos acesso. Frequentemente é preciso se limitar às questões
teóricas mais essenciais, que envolvem a natureza do país e a partir daí
desenvolver o programa marxista de forma limitada. A censura estatal
norte-coreana, o PCB se “esqueceu” de acrescentar, também contribui para essa
dificuldade.
Mas o
PCB, obviamente, não se limitou a declarar tais obstáculos empíricos. De forma
um pouco surpreendente, afirmou:
“No entanto,
pelas poucas informações de fontes confiáveis de que dispomos e pela literatura
oficial do regime, preocupam-nos os indícios de falta de democracia popular e
de riscos de regressão dos fundamentos socialistas. Por outro lado, registramos
como positivas diversas conquistas sociais, com destaque para a educação
universal, e a firme postura anti-imperialista.”
Devemos
nos perguntar o que poderia estar por trás deste apanhado enigmático de
afirmações. “Preocupa” o comitê central do PCB que não haja democracia, e que
podem estar regredindo os “fundamentos socialistas” na Coréia do Norte. Mas quais
são as causas dessa regressão e da falta de democracia proletária? Quem são os
agentes sociais que levam à desagregação da economia planificada e às aberturas
ao capitalismo? Quem são os responsáveis pela supressão de direitos de
organização sindical e partidária dos trabalhadores e pela rígida censura
estatal? Quais são as tarefas dos comunistas no país em decorrência disso?
Sobre essas questões, a declaração do PCB nada tem a dizer. Obviamente, o
partido não levanta nem sequer a mais sutil crítica contra o governo da
burocracia.
A suposta
“firme postura anti-imperialista” do governo norte-coreano, por outro lado,
carece de justificação. Se estivesse realmente preocupado com qualquer
“fundamento” que representasse um avanço para a classe trabalhadora da Coréia
do Norte, o PCB não prestaria tributo aos burocratas comprometidos em manter a
sua “autossuficiência” cercada pelos Estados imperialistas e cada vez
caminhando a passos mais largos para a completa capitulação diante deles. A
burocracia que impede a democracia proletária há quase 60 anos (e com ela o
exercício racional das formas econômicas coletivizadas e qualquer iniciativa
pela revolução mundial) é a principal culpada pelo fato de o país estar isolado
e sofrendo forte pressão imperialista.
Muitos
anos repetindo a mentira de que a União Soviética e outros Estados com os quais
estivesse politicamente alinhado eram “socialistas” (num mundo ainda dominado
pelas burguesias imperialistas) fez com que alguns membros da liderança do PCB
desenvolvessem a compreensão de que para ser efetivamente “anti-imperialista”,
não é necessário lutar pela revolução mundial – algo que definitivamente não é
interesse dos burocratas norte-coreanos e que a burocracia soviética sempre
trabalhou para evitar. A declaração continua:
“O PCB
expressa sua mais firme solidariedade ao povo norte-coreano, que soberanamente
deve decidir os destinos de seu país, sem qualquer ingerência de potências
estrangeiras. No que se refere ao processo de construção do socialismo, cabe ao
PCB apenas nutrir esperanças de que os trabalhadores norte-coreanos possam
ajustar seu rumo, assumindo papel dirigente no fortalecimento do poder popular
e na luta contra qualquer forma de restauração capitalista.”
Temos acordo com o PCB de que a Coréia do Norte
deve ser defendida contra qualquer ataque de potências imperialistas, assim
como também possíveis tentativas internas de restauração do capitalismo, por
sinal. Está correto afirmar, em geral, que o povo norte-coreano deve decidir o
seu destino. Mas falta a esta afirmação qualquer indicação sobre qual deve ser
o programa político defendido pelas massas norte-coreanas, ou qual deve ser a
sua atitude com relação ao governo despótico da burocracia que, na prática,
impede que tais massas decidam seu destino.
O
resultado das contradições da Coréia do Norte enquanto Estado operário
deformado ainda não foram decididas pela história. Por isso,
prestamos nossa solidariedade à classe trabalhadora do país, a única capaz de
resolver essa contradição a favor do socialismo, e dedicamos toda nossa ira e
denúncias contra a casta de burocratas que usurpam e destroem a economia
expropriada dos capitalistas e sempre afogaram, desde a sua subida ao poder,
qualquer iniciativa dos trabalhadores. “Nutrir esperança” em um futuro
socialista enquanto na prática não há a menor preocupação em apontar quem são
os aliados e os inimigos dos trabalhadores, quais devem ser os seus objetivos
estratégicos ou sequer se devem ou não apoiar politicamente o governo
norte-coreano só pode significar lavar as mãos e deixar que a História se faça
sozinha.
O método
do marxismo busca uma compreensão analítica sobre a realidade para poder
intervir sobre ela. Este é o centro da afirmação de Marx de que a questão não é
entender a realidade como um fim em si, mas para modificá-la. Os
leninistas não devem enxergar o desenvolvimento histórico como uma sucessão de
eventos pré-definidos que independem da dinâmica da relação entre as classes
sociais e de seus respectivos estratos, assim como da intervenção consciente
dos marxistas. Era por esse motivo que Lenin sempre estabelecia tarefas
concretas para orientar a classe trabalhadora, tanto nos momentos de maior
reação como nos de maior levante revolucionário.
O PCB,
entretanto, parece adotar uma metodologia de completa indiferença sobre as
tarefas concretas da classe trabalhadora norte-coreana, já que o partido sequer
tenta encontrar as causas dos problemas (pelos quais eles próprios reconhecem
estar passando a Coréia do Norte) na dinâmica das relações entre as diferentes
camadas sociais. Muito menos estão dispostos a reconhecer que o motivo
principal dos problemas apontados está nos interesses da casta burocrática
dominante liderada pela família Kim, que segue rumos diferentes das
necessidades práticas e históricas da classe trabalhadora.
Na
política como na vida, as decisões que tomamos ontem são a base das que
tomaremos amanhã. Os líderes do PCB não poderiam deixar de lado a escola na
qual foram educados. Muitos membros mais jovens do “Partidão” não encaram o
stalinismo com o mesmo entusiasmo que a liderança e veem nele até mesmo um mal
“necessário” do século passado. Mas um estudo sério das posições do PCB no
passado e no presente, desde o “voto crítico” em candidaturas burguesas como a
de Dilma (no segundo turno das eleições de 2010) até a defesa dos principais
crimes da burocracia da União Soviética contra os trabalhadores (como o
esmagamento da revolução espanhola de 1936-7 e dos sovietes húngaros de 1956)
encontram na metodologia do stalinismo a sua explicação. Na hora de afirmar seu
progenitor ideológico, o PCB não teve dúvidas, nem foi deliberadamente vago:
“O PCB nunca
teve relações bilaterais formais com o Partido do Trabalho da Coréia.
Historicamente, nossas relações internacionais têm origem no campo político que
foi liderado pelo Partido Comunista da União Soviética. Recentemente, em 2010,
um conselheiro da embaixada norte-coreana no Brasil nos honrou com sua presença
e saudação em nosso XIV Congresso Nacional.”
Para
aqueles membros do PCB que tinham quaisquer dúvidas sobre a orientação do seu
partido, está claro que um Comitê Central que se sente “honrado” com a presença
da diplomacia de Kim Jong-Il em seu próprio Congresso não deve estar do lado
dos trabalhadores da Coréia do Norte, nem a favor do sucesso a nível mundial da
revolução socialista.
Por que a
Coréia do Norte é um Estado operário deformado?
Apesar de
declararmos que a classe trabalhadora da península coreana foi estrangulada
pela contrarrevolução da ONU e pelo stalinismo, que ela não foi protagonista na
construção do atual Estado da Coréia do Norte, e que hoje ela é oprimida pela
burocracia, acreditamos que, apesar disso tudo, o país é um Estado operário
deformado. Por que um Estado que controla e oprime a classe trabalhadora
merece qualquer título de proletário?
Esta não
é uma questão teórica nova. Essa pergunta ignora as formas que podem tomar o
domínio da classe proletária em países atrasados e isolados sob a pressão
capitalista. Tal questionamento foi levantado em 1937 na disputa dentro do Socialist
Workers Party (Partido dos Trabalhadores Socialistas) norte-americano a
respeito da natureza e das tarefas para a URSS na guerra mundial que se
aproximava. Leon Trotsky respondeu da seguinte forma
ao questionamento sobre a possibilidade de haver uma “classe dirigente e ao
mesmo tempo oprimida”:
“Como nossa
consciência política poderia deixar de se indignar — dizem os
ultra-esquerdistas — quando nos querem obrigar a crer que na URSS, sob o regime
de Stalin, o proletariado é a classe dirigente? Sob uma forma tão abstrata,
semelhante afirmação é, efetivamente, suscetível de provocar indignação. Mas o
problema é que as categorias abstratas, necessárias no processo de análise, não
são totalmente convenientes para síntese que exige o maior caráter concreto
possível. O proletariado soviético constitui a classe dirigente em um país
atrasado, onde os bens materiais de primeira necessidade são produzidos em
quantidade insuficiente. O proletariado da URSS domina em um país que não
representa mais do que um doze avos da humanidade; o imperialismo domina os
outros onze doze avos. A dominação do proletariado, já deformada pelo atraso e
pobreza do país, está ainda duas ou três vezes mais deformada pela pressão do
imperialismo mundial. O órgão de dominação do proletariado — o Estado —
converte-se assim, em órgão da pressão do imperialismo (a diplomacia, o
comércio exterior, as ideias e os costumes). Na escala histórica a luta pela dominação
não se dá entre o proletariado e a burocracia, mas sim entre o proletariado e a
burguesia mundial. Nesta luta a burocracia não é mais do que um mecanismo de
transmissão. A luta não terminou. (...) A burguesia, seja fascista ou
democrática, não pode satisfazer-se com as isoladas proezas
contrarrevolucionárias de Stalin, tem necessidade da contrarrevolução completa
nas relações de propriedade e de abertura no mercado russo. Enquanto não
conseguir isto, considera o Estado soviético como um inimigo. E tem razão.” (Um
Estado não operário e não burguês, novembro de 1937)
Apesar de
toda a podridão da burocracia dominada pela família Kim na Coréia do Norte, e
de todos os seus crimes contra o socialismo e a classe trabalhadora, o país se
baseia, até hoje, nas formas sociais proletárias. Esse modo de
produção foi estabelecido numa situação excepcional, como resposta à pressão do
imperialismo de um lado, e da classe trabalhadora coreana e mundial do outro;
mas pelo atraso do país e pelo controle, desde o início, da casta burocrática
de Kim Il-Sung, a classe trabalhadora não pôde exercer com eficiência e
democracia as formas proletárias da economia, nem lutar pela revolução mundial
através do Estado dominado pela burocracia “autossuficiente”.
A
burocracia tem o interesse principal de sugar as forças da economia
nacionalizada. Mas a base econômica proletária não pode ser uma bolsa de sangue
que alimenta um parasita. A burocracia está em contradição com a base social
sobre a qual ela reside e vai, a todo o momento, deformar mais profundamente o
Estado e as conquistas sociais, sujar o nome do socialismo para a classe
trabalhadora do mundo inteiro e fazer surgir setores na sociedade
norte-coreana, e dentro da própria burocracia, comprometidos diretamente com a
destruição da economia coletivizada.
Como não
representam uma nova classe, os burocratas que se estabeleceram após a ocupação
do exército soviético tiveram de repetir a mesma formação social criada pelos
trabalhadores (e degenerada pela burocracia) que existia na URSS. Apesar de
tais deformações, muitas tarefas da revolução dos trabalhadores já foram
alcançadas. Chegando ao poder, os trabalhadores na Coréia do Norte não vão
precisar, no dia seguinte à sua vitória, ter que expropriar a burguesia e
enfrentar a resistência de uma classe exploradora enraizada na produção.
Os
trabalhadores norte-coreanos, apesar de oprimidos pela burocracia, são a classe
principal na economia do país: a burocracia, mera administradora,
não tem a posse das indústrias, terras, portos e outros meios de
produção; não pode transmitir esses direitos por herança, por exemplo. Apenas
os mais impressionistas considerariam que a sucessão aparentemente dinástica da
burocracia norte-coreana pode representar algum tipo de herança familiar. A família
Kim se mantém por um delicado equilíbrio de poder entre os vários setores da
burocracia.
Chamamos
o Estado norte-coreano de Estado operário deformado, porque a coerência e a
sobrevivência das formas de propriedade sob as quais ele reside pertence
inteiramente à classe trabalhadora. Acreditamos que, para além do domínio da
burguesia, a classe trabalhadora é a única capaz de estabelecer o seu próprio
poder em longo prazo. Os coveiros stalinistas, que compartilham
responsabilidade pelo estrangulamento da revolução coreana, foram capazes (em
uma dentre cem oportunidades traídas) de expropriar a burguesia, em um país
atrasado, através de métodos militares e burocráticos. Mas são incapazes em
absoluto de desenvolver a revolução permanente, de usar isto como uma forma de
alavancar a revolução mundial. Limitam-se à sua “autossuficiência” sob a
pressão imperialista, isolamento e pobreza material. Essa situação não pode
durar para sempre e a cada ano criam-se novas brechas que facilitam o objetivo
dos restauracionistas. Só os caminhos da revolução de Outubro – a única
revolução proletária vitoriosa até hoje – podem servir de exemplo ao objetivo
dos trabalhadores na Coréia. “A luta não terminou”.
Pela
reunificação revolucionária da Coréia!
Os
revolucionários em todo o mundo devem lutar pelo fim da aberração criada pela
Guerra da Coréia – um país dividido em dois. Mas a reunificação capitalista da
Coréia, como desejam os imperialistas, só pode significar a contrarrevolução.
Os trabalhadores da Coréia do Sul e do Norte devem buscar confraternizar
e lutar pela revolução social no Sul, que derrube o capitalismo, e pela
revolução política no Norte, para manter o essencial da base econômica e
derrubar a burocracia que a usurpa, estabelecendo a democracia proletária em
toda a península. Os trotskistas devem lutar pela reunificação
revolucionária do país, o que poderia levantar a classe trabalhadora no mundo
inteiro a partir do exemplo dado.
É tarefa
dos trabalhadores na Coréia do Sul, do Norte e em todos os outros países
defender o Estado norte-coreano contra qualquer tentativa, interna ou externa,
de restabelecimento do capitalismo. Nisso, pode ser necessário entrar em blocos
militares temporários com setores da burocracia norte-coreana, que pelos seus
próprios interesses parasitas, queiram defender as bases sociais coletivizadas.
Esta tarefa dos trotskistas também inclui a defesa dos direitos da Coréia do
Norte de possuir armas nucleares como forma de se defender das
pressões imperialistas.
Mas os
métodos dos trabalhadores não podem ser os métodos policiais da burocracia. A
forma suprema de defender (e estender) as conquistas sociais é não ter nenhuma
confiança na burocracia dirigida por Kim, nem na sua capacidade de defender de
forma consequente os trabalhadores e seus interesses sociais e democráticos. A
burocracia é uma casta instável que cria as condições para o seu próprio fim,
facilitando o trabalho dos imperialistas. Os trabalhadores só podem reagir
contra isso preparando a sua revolução. Os trotskistas na Coréia devem se
declarar abertamente como o partido da democracia proletária. Sua meta deve ser
construir, nas lutas, um partido revolucionário de trabalhadores,
no Norte e no Sul, como parte de uma Quarta Internacional a ser reconstruída.
Essa a melhor forma de avançar para que a classe trabalhadora coreana esteja
preparada, quando a oportunidade surgir, de retomar a sua história
revolucionária após quase 60 anos do fim da guerra que dividiu o seu país.
Leia aqui, como apêndice de interesse histórico, um
pequeno artigo publicado pela juventude da Liga Espartaquista dos Estados
Unidos, comentando sobre a primeira transição na burocracia norte-coreana,
entre Kim Il-Sung e seu filho Kim Jong-Il.