28.1.12

Polêmica com Membro do Secretariado Unificado

Polêmica com Membro do Secretariado Unificado
Programa Revolucionário vs. “Processo Histórico”

Esta polêmica escrita pela Tendência Bolchevique foi originalmente impressa em 1917 número 5, no fim de 1988. Nós também incluímos como apêndice os comentários de Samuel Trachtenberg na conferência de 26 de julho de 2008 em Nova Iorque sobre “O Legado de Leon Trotsky e o Trotskismo dos Estados Unidos”. Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em janeiro de 2012.


 Introdução


Nós estamos reproduzindo abaixo uma disputa polêmica com Roy R., apoiador da Tendência Quarta Internacional norte-americana (FIT) de Nova Iorque. A carta de Roy foi motivada pela “carta aberta” de Neil Henderson anunciando a sua saída doSocialist Challenge [Desafio Socialista], o grupo irmão da FIT no Canadá anglófono. O Socialist Challenge, como a FIT, considera Ernest Mandel, líder do “Secretariado Unificado da Quarta Internacional” (SU) centrado na Europa como seu mentor ideológico. A “carta aberta” de Henderson, que nós não incluímos aqui por razões de espaço, não é essencial para uma compreensão da discussão a seguir (ela foi reimpressa, junto com outros materiais documentando a sua luta por uma política trotskista dentro do SC, no Boletim Trotskista número 4).

Roy R. nem sempre foi um apoiador de Mandel. Quando era estudante na Queens College de Nova Iorque no fim dos anos 1970, ele era um conhecido simpatizante da Liga Espartaquista (SL). Em 1982, ele foi brevemente um membro aspirante da SL. Roy ficou politicamente inativo pelos quatro anos seguintes. Ele voltou à política de esquerda como um simpatizante da Tendência Bolchevique (TB) em Nova Iorque no início de 1987.

Logo ficou aparente, entretanto, que Roy tinha mais em comum politicamente com Mandel e o SU do que com a Tendência Bolchevique. Ele rapidamente girou para a órbita da FIT, um dos três grupos norte-americanos associados com o SU. Roy atualmente escreve para o Boletim em Defesa do Marxismo, a revista mensal da FIT.

Carta para a Tendência Bolchevique

“Vocês experimentaram por si próprios a oposição entre o movimento de uma seita e o movimento de uma classe. A seita vê a justificativa para a sua existência e o seu 'ponto de distinção', não no que ela tem em comum com o movimento da classe, mas no seu código de honra particular que a distingue dele.”
Carta de Karl Marx para J. B. Schweitzer, 13 de outubro de 1868, Correspondência Selecionada de Karl Marx e Friedrich Engels (ênfase no original).

Considerando o movimento realizado por Neil Henderson, ele ainda não sentiu por si próprio aquele de uma seita. No entanto, isso vai sem dúvida mudar agora que lançou sua sorte junto com a da Tendência Bolchevique (TB). Já que as políticas da TB são baseadas naquelas da Liga Espartaquista (SL), políticas diretamente enraizadas na própria natureza do grupo como uma seita, que sob toda e qualquer condição deve buscar justificar a sua existência separada como tal. Dirigida por tal motivo, a sua perspectiva se torna inevitavelmente separada de qualquer análise objetiva ou conexão com a realidade e inteiramente subordinada à sua própria auto-justificação. A degradação da teoria para legitimar a existência da s eita; este é o verdadeiro significado do conceito da SL de “defender e aprofundar o programa do fator subjetivo”. Se o credo dos reformistas é “o movimento é tudo, o objetivo não é nada”, então aquele do sectário deveria ser (e de fato é) “o movimento e o objetivo não são nada, o 'programa' ou a 'organização' (ou seja, a seita) é tudo”. Em ambos os casos, construir um partido revolucionário de massa e atingir um objetivo socialista são colocados fora da agenda já que eles anulam, até onde vão as suas pretensões proletárias, tanto a ultra-direita e a ultra-esquerda, confortavelmente abrigadas nos seus pequenos nichos dentro da sociedade capitalista. De fato, o reformismo e o sectarismo são dois lados da mesma moeda já que o interesse de ambos está ligado com a preservação da ordem burguesa.

Tendo perdido todo contato com a realidade, o sectário deve ou negar a realidade toda de uma vez ou “mudar” a realidade para que caiba no seu “programa” (o código de honra favorito do espartaquismo). Fazer o contrário é entrar em “liquidacionismo programático”; em outras palavras, questionar a compreensão da seita sobre o mundo e a sua relação com ele. Pior que tudo é levantar a questão se a luta de classes pode avançar (e a classe trabalhadora triunfar) sem a intervenção divina da seita no processo.

Assim, toda o conjunto das “organizações do CI (Comitê Internacional)” que foram pegas despreparadas pelas mudanças no mundo pós-Segunda Guerra Mundial e não puderam cooperar com as vitórias da revolução proletária na Iugoslávia, China, Vietnã e Cuba, buscaram ou ignorar a realidade (Gerry Healy) ou distorcê-la (James Robertson) em razão do seu medo dela torna-los historicamente irrelevantes. A “ortodoxia” estéril que Neil Henderson e seus amigos recém-encontrados na TB manifestam são meios de permanecer parados de forma não-dialética em face de uma realidade mundial em constante mudança. Isso pode cair bem para os seguidores “ortodoxos” de uma fé mosaica, mas certamente não é o caso para os marxistas revolucionários que buscam entender a sociedade para mudá-la. Esse “programa” merece ser enterrado já que ele não provê nenhuma resposta para crise alguma, muito menos aquela de liderança do proletariado.

Levada à sua “conclusão lógica”, essa linha de pensamento leva ao culto ao líder, um fenômeno bem personificado por ambos Gerry Healy e James Robertson. Além do mais, se dentro do movimento de massas de muitos milhões, apenas um punhado de altos sacerdotes “ortodoxos” são capazes de interpretar as sagradas escrituras, deve-se concluir que dentro deste sacerdócio apenas o deus-rei infalível (ou secretário nacional) tem uma linha direta com os próprios deuses. Tal perspectiva leva a seita, assim como apontou Marx, a contrapor o seu movimento ao movimento de massas, e no caso da SL, a se opor ao movimento se ele falha em estar de acordo com os padrões rígidos da pureza programática estabelecidos por James Robertson. Neil Henderson e a TB podem responder que eles não juram mais lealdade a Robertson (depois de ter feito isso por anos), mas todo os seus pontos de honra sectários, ou “testes ácidos” no jargão da TB, são exatamente os mesmos que aqueles do espartaquismo. Um espartaquista com outro nome ainda é um espartaquista!

Tendo contraposto o seu próprio movimento àquele das massas, o sectário tem pouca dificuldade em dispensar as massas e seus movimentos, com desprezo e condescendência, como nada além de fantoches de líderes em particular. Essa visão da classe trabalhadora pode de fato refletir a vida interna da SL e a relação entre Robertson e seu minguado bando da apoiadores, mas ela tem pouca semelhança com a estratégia e as táticas que revolucionários de Marx a Lenin a Trotsky empregaram para ganhar hegemonia comunista entre as colunas da classe trabalhadora. Quantas vezes Lenin escreveu sobre a necessidade de “pacientemente explicar as coisas para os trabalhadores”. Certamente não é o suficiente para os espartaquistas, como qualquer um que teve a desafortunada experiência de encontrar um deles bem sabe.

É só através das experiências comuns em lutas comuns que as massas de trabalhadores serão ganhas para o marxismo revolucionário e romperão com a influência dos reformistas; é necessário para o primeiro demonstrar a superioridade do seu programa na prática, não no papel. Os sectários tem denunciado por anos o reformismo e ainda não exorcizaram esse demônio das colunas do proletariado. Nem eles nunca irão e as chances são de que eles não tenham o menor desejo de fazer isso, já que a existência dos primeiros provê uma desculpa para a existência do outro. Para o sectário, é claro, qualquer ação comum com qualquer um a não ser aqueles que estão em completo acordo com seus determinados pontos de honra constitui...”liquidacionismo programático”. Trotsky, entretanto, tinha isto a dizer sobre aqueles que preferem não agir de forma alguma ao invés de arriscar expor a suas pretensões vazias e colocar em questão o seu papel auto-proclamado de “vanguarda dos trabalhadores”:

“É possível ver nessa política [a frente única] uma reaproximação com os reformistas apenas do ponto de vista de um jornalista que acredita que ele se livra do reformismo criticando-o ritualmente sem nunca deixar o seu escritório editorial, mas que tem medo de se enfrentar com os reformistas diante dos olhos das massas trabalhadoras e dar às últimas uma oportunidade para apreciar o comunista e o reformista num plano de igualdade da luta de massas. Atrás desse medo aparentemente revolucionário de 'reaproximação' está na verdade uma passividade política que busca perpetuar uma ordem de coisas onde os comunistas e os reformistas retém cada um a sua esfera de influência rigidamente demarcada, suas próprias audiências nas reuniões, sua própria imprensa, e tudo isso junto cria uma ilusão de luta política séria.”
Leon Trotsky, “Sobre a Frente Única”, 1922.

Tais são as “consequências organizativas” a que o fetichismo programático dos sectários leva. E tal programa, baseado no isolamento e na irrelevância, não vale o papel no qual é impresso, mesmo se esse papel for o WV [Workers Vanguard, jornal da Liga Espartaquista]!

Levantado o véu, nós podemos ver que a obsessão da seita com o seu código de honra particular é o que está por trás da sua análise dos eventos importantes na luta de classes internacionalmente. Ao invés de se preocuparem analisar objetivamente eventos dados em cada país e usar essa análise como um guia para ação para ser capaz de melhor intervir neles, a seita busca acima de tudo colocar a si própria e frequentemente contra o movimento das massas. Para poder justificar isso é necessário recorrer à calúnia e acusações de “traição”. Assim, Henderson, talvez para mostrar aos seus amigos na TB o quão bem ele progrediu na escola espartaquista de sectarismo, audaciosamente declara que “o SU (Secretariado Unificado da Quarta Internacional) repetidamente demonstrou a sua tendência a estar do lado errado da luta de classes internacional”. Bastante forte! Alguém poderia pensar que “estar do lado errado” significa apoiar a classe capitalista contra a classe trabalhadora, aquilo que é o trabalho dos reformistas. No entanto, Henderson e companhia teriam muita dificuldade em apontar uma situação em que a QI [SU] de fato “esteve” do lado da burguesia. Ou seja, a não ser pelo termo “luta de classes internacional”, Henderson tem na verdade em mente a “guerra de classes global” de Sam Marcy [1], com cujas políticas stalinofílicas a SL-TB vieram a se parecer. Marcy rompeu com o trotskismo para emblocar com a burocracia stalinista na revolução húngara de 1956 e desde então teve uma linha praticamente indistinguível daquela do PC. Para a SL-TB, a questão chave no mundo hoje é a “questão russa” e o seu “teste ácido para trotskistas” é o apoio ao general Jaruzelski. Mais do que serem traidores nas colunas da classe trabalhadora, a QI [SU] ousou ir contra o código de honra sectário do espartaquismo segundo o qual a “defesa da URSS” começa em todo lugar desde Belize a Benin, de Burma a Burbank [2]. Hoje, enquanto Gorbachev e Reagan barganham sobre como melhor impedir a revolução ao redor do mundo, os sectários terão ainda maior dificuldade em fazer com que trabalhadores de consciência revolucionária aceitem o seu “teste ácido”, tanto quanto os patrões terão dificuldade em manter sobre eles a exigência de testes de urina.

O catálogo de Henderson dos crimes alegadamente cometidos pela QI [SU] ao redor do mundo por si próprio merece pouco mais do que chacota. Fazer o contrário é dignificar o que não é nada além do que a caracterização espartaquista das posições realmente tomadas pela QI [SU] nos países em questão. Para os espartaquistas, obscurecer a posição dos oponentes é muito mais fácil do que confrontá-la (como a própria TB acabou descobrindo). Entretanto, eles tipificam a metodologia dos sectários quando confrontados pela presença de uma situação revolucionária e a bancarrota completa da sua “ortodoxia” programática como um tipo de guia para a ação para a classe trabalhadora.

Assim, no Irã eles nos dizem que a QI [SU] “seguiu Khomeini criminosamente” e foi “incapaz ou não quis entender que a burguesia, muito menos os reacionários feudais, não tinham nenhum papel progressivo a cumprir”. No entanto, se nós examinarmos “Perspectivas e Problemas da Revolução Iraniana”, parte de “A Situação Política Mundial e as Tarefas da QI”, resolução adotada no Congresso Mundial de 1979, nós lemos que “não pode haver 'etapa' de desenvolvimento capitalista no Irã independente do imperialismo [e que] nem pode a burguesia iraniana levar adiante as tarefas democráticas...”. No parágrafo seguinte nos diz que “a hierarquia xiita liderada por Khomeini... é a carta chave que a classe dominante do Irã está jogando em sua tentativa de restaurar um aparato de Estado estável e uma nova liderança política burguesa para poder esmagar o processo revolucionário e relançar um processo de desenvolvimento capitalista 'racionalizado'.” Soa mesmo como se realmente “seguíssemos criminosamente”.

Henderson se entrega quando ele cita Ernest Mandel para o efeito de que “era correto apoiar o levante contra o Xá apesar de ele ser liderado pelo clero” (minha ênfase). O que ele não cita é a frase seguinte onde Mandel declara que “em todos os conflitos entre o novo regime e... as massas... nós estamos 100% do lado das massas contra o regime.” Ou o fim da seção sobre o Irã em Marxismo Revolucionário Hoje, onde Mandel declara que “identificar a revolução com o obscurantismo religioso é um ato de traição ideológica... que denigre a causa dos iranianos e do socialismo mundial.” Além do mais, o que os marxistas revolucionários supostamente deveriam fazer? Chamar por um “bloco militar” com o Xá contra os “reacionários feudais”? Como o sectário só pode ver os líderes e não as massas de trabalhadores e camponeses que de fato estavam fazendo a revolução, ele pode sem preocupação descartar todo o caso com um gesto de mão, o que obviamente não oferece nenhum caminho possível ou prático para ganhar as massas para a política comunista e de fato romper com líderes reacionários da laia de Khomeini.

O mesmo é válido para a Polônia, o código de honra sectário por excelência para a SL-TB. Os trotskistas não vão ganhar muitos trabalhadores poloneses para a sua política formando um “bloco militar” com a burocracia stalinista. Por sorte, não havia espartaquistas na Polônia para causar descrédito ao trotskismo lá da mesma maneira como eles fizeram em todo lugar e em toda ocasião em que eles fizeram sentir sua presença. Henderson aparentemente atribui “a força crescente do sinistro anti-semita KPN ou ao plano para desmontar a economia planificada” ao proletariado polonês quando foram, e continuam sendo, os seus parceiros de bloco na burocracia stalinista que promoveram e fortaleceram tais tendências. Não é acidente que Jaruzelski está entre os maiores reforços das reformas econômicas anti-proletárias de Gorbachev hoje.

Não há dúvida de que os sectários irão responder em uníssono que o poder da burocracia e os seus privilégios são baseados sobre “formas de propriedade proletárias”, o que significa que eles tem interesse material em preservar a ditadura do proletariado, ou então eles são condenados como “estúpidos” demais para perceber onde os seus verdadeiros interesses estão baseados, ao contrário de Robertson e seus amigos e parentes na burocracia, com os quais ele se relaciona tão bem. Assim, a SL tomou a lógica elitista inerente ao seu sectarismo à sua conclusão extrema ao tomar para si a causa comum da burocracia contra a classe trabalhadora. Falem sobre “abandono do trotskismo”, sombras de “pablismo”!

Quanto a “desmascarar” as “pretensões ao trotskismo” da QI [SU] na Nicarágua, o que mais alguém precisa dizer sobre uma tendência (a linhagem SL-TB) que de fato reivindica que não há Estado nenhum na Nicarágua após quase dez anos e domínio da FSLN. É um achado que Henderson esteja perdido para dar uma caracterização de classe (seja proletária ou burguesa) para o “bonapartismo” dos sandinistas. Ou seja, a não ser que alguém leve a sério o papagaiado clichê “ortodoxo”, que para tudo serve, de rotular de todo e qualquer grupo fora das próprias colunas como “pequeno-burguês”. De fato, as pretensões da SL-TB ao trotskismo, e ao materialismo histórico em geral, são reveladas pela posição “única” de Robertson de que todas as revoluções socialistas após a Segunda Guerra foram realizadas por partidos “pequeno-burgueses” ao invés de partidos da classe trabalhadora burocratizados. De acordo com a SL-TB, a pequeno-burguesia, uma classe proprietária, se é que houve alguma, pode ser “pressionada” pelo imperialismo a romper com os seus próprios interesses materiais e levar adiante o processo da revolução permanente à sua conclusão, a criação de um Estado operário. É melhor conceder tal alto papel a outra classe do que a outra tendência dentro do movimento dos trabalhadores, não importa o que isso signifique para a teoria marxista, ignorando a realidade na qual ela se baseia! Tal linha tem mais em comum com aquela de Tony Cliff do que com a de Leon Trotsky, com a única diferença de o primeiro teve honestidade o suficiente para admitir onde ele deixa a companhia do primeiro, enquanto Robertson ainda considera a si próprio como o último trotskista “ortodoxo” no mundo.

Poderia parecer que aqueles que reivindicam mais admirar Trotsky (Henderson consegue invocar o nome de Trotsky onze vezes em quatro páginas), na verdade o enterram, ou melhor, ao conjunto de políticas revolucionárias associadas ao seu nome, sob um túmulo de dogmatismo e sectarismo. Por isso, se houve qualquer “abandono” dos postulados básicos do marxismo revolucionário, em geral ou em particular, foi por parte dos cultuadores sectários de “Jimstown” (a SL, como apropriadamente rotulada pela TB), ambos no passado e no presente. A essência do espartaquismo é a total separação entre a teoria e a prática, pensamento e ação, partido (ou melhor, seita) e classe, junto com toda a perda de base da teoria para legitimar todos os anteriores.

Esta é a base real por trás da crença de Robertson de que “programa gera teoria”!

Para os marxistas revolucionários, o “programa” consiste de uma totalidade dialeticamente inter-relacionada e constantemente interativa do que uma organização faz bem como o que ela diz. Teoria marxista genuína, sendo ambos uma ciência viva e um instrumento para mudar a sociedade, só pode cumprir o seu papel apropriado como um guia para ação, não como uma desculpa para a inação, se ela é usada para analisar uma realidade em permanente mudança em nível objetivo. De outra forma, ela fica estagnada em um dogma estéril, totalmente divorciado de toda a realidade exceto, talvez, àquela da seita...vista através da sua cegueira sectária.

Tendo usado a maior parte da sua vida política ativa dentro do reino do espartaquismo, os membros da TB se encontram como prisioneiros psicológicos dos seus passados, incapazes ou sem vontade de virarem suas costas para sua alma mater. Obcecados em se provarem como mais robertsonistas do que o próprio Robertson, todo e qualquer ato da TB é definido pelos parâmetros do espartaquismo. Neil Henderson pode ter sido atraído pela retórica de aparência revolucionária associada com tudo isso, mas no fim, ele irá ser, assim como o resto da TB, sufocado pelo cordão umbilical espartaquista, cortado de qualquer contato com a classe trabalhadora e condenado ao isolamento e à irrelevância ainda mais do que os verdadeiros espartaquistas.

Sem dúvida o alto nível de integridade política e pessoal, honestidade, e dedicação à causa da classe trabalhadora caracterizam a vasta maioria dos membros da TB irá evitar que eles caiam vítimas do cultismo que hoje é o principal semblante do espartaquismo. No entanto, não há escapatória da evolução geral de todas as seitas enquanto se prendem tenazmente à sua base de apoio. Não há espaço na esquerda para o espartaquismo com uma face humana. Ninguém está procurando por alguns poucos bons robertsonistas. Porque a TB está tão amarrada à metodologia do espartaquismo com o seu fetichismo programático, ela falha em ver o que é de fato a aura do espartaquismo. Ao invés disso, ou melhor, precisamente em razão de todo o seu passado político que consistiu em servir o seu tempo ao Reino Espartaquista, eles são incapazes de ver o que realmente essa estória de espartaquismo significa.

Psicose, neurose e um severo estado de sentimento de culpa que clama por uma figura de autoridade à qual se subordinar; isso é o que atrai indivíduos para o “culto de obediência” de Robertson, não o seu programa r-r-r-revolucionário. Aqueles hoje na TB eram e são exceção a essa regra que de fato se prova regra.

Então se Neil Henderson prefere o movimento da seita ao invés do movimento das massas, que seja. Com o tempo, ele próprio certamente vai experimentar em sua própria pele. Quanto a mim, eu prefiro o segundo ao primeiro e prefiro me engajar em construir esse movimento com a QI [SU], mesmo se isso significar cometer erros (os quais a maioria dos seres humanos que não sejam James Robertson estão aptos a fazer) e sujar as mãos no processo. Melhor estar na margem esquerda dos “mandelistas” e “pablistas” do que na margem lunática com os espartaquistas!

Pelo marxismo revolucionário; contra o espartaquismo/sectarismo. Roy [R.]

Resposta da Tendência Bolchevique

Apesar do tom bombástico e da falta de clareza intelectual da denúncia de Roy R. de um “sectarismo”  leninista, a sua crítica da nossa política claramente põe todas as questões importantes de programa vs. “processo” como o eixo central da política socialista. Roy começa depreciando a nossa aderência aos códigos de honra herdados da Liga Espartaquista que, afirma ele, nos leva a negar ou distorcer a realidade para podermos justificar nossa própria existência sectária. É claro, ele não se chateia para escrever o que precisamente esses “pontos de distinção” são. É abundantemente claro a partir de um balanço da sua carta, entretanto, exatamente quais “códigos de honra” estão sob ataque.

Código de Honra número 1: A única classe na sociedade moderna com o interesse material e o poder social para realizar uma revolução socialista é o proletariado.

Código de Honra número 2: Para o proletariado cumprir sua missão revolucionária, ele deve ser liderado por um partido de vanguarda que agrupe os seus elementos mais avançados e a sua mais alta consciência.

Código de Honra número 3: Os Estados operários degenerados que se baseiam sobre fundações sociais criadas pela Revolução de Outubro, assim como os Estados operários deformados que exibem uma estrutura social essencialmente idêntica, devem ser defendidos contra ambos a agressão imperialista e todas as tentativas nativas de restaurar o capitalismo.

O primeiro destes “códigos de honra” é o princípio essencial da teoria revolucionária de Karl Marx. O segundo incorpora a maior contribuição à essa teoria feita por Lenin, que guiou o Partido Bolchevique ao levar à frente a primeira e até agora a única revolução de proletários bem sucedida no mundo. O terceiro condensa a posição de Trotsky sobre a questão russa, e a sua extensão aos Estados operários deformados criados desde a Segunda Guerra Mundial. Estes três “códigos de honra”, tomados juntos, constituem a essência do programa pelo qual Trotsky lutou até que foi assassinado por um agente stalinista em 1940, e permaneceram a base política da organização que ele fundou – a Quarta Internacional.

Stalinismo Pós-Guerra e o Racha na Quarta Internacional

Roy está correto ao dizer que as transformações sociais anti-capitalistas seguidas à Segunda Guerra Mundial pegaram a Quarta Internacional despreparada. Mais significativamente, elas levaram a um racha nas suas colunas. Se, como Roy assume, estas transformações foram simplesmente revoluções proletárias com algumas poucas imperfeições, ele terá dificuldade em explicar porque a Quarta Internacional se ocupou tanto delas. Ao invés disso, o dilema diante dos seguidores de Trotsky consistiu precisamente no fato de que estas revoluções foram realizadas por stalinistas, a quem Trotsky julgava incapazes de qualquer liderança revolucionária, e a quem ele tinha de fato caracterizado como contra-revolucionários em seu papel internacional.

Nesses países onde eles consolidaram o poder, os novos regimes stalinistas pós-guerra não apenas falharam em mobilizar o proletariado, mas permaneceram implacavelmente hostis a qualquer tentativa pela classe trabalhadora de organizar a si própria de forma independente. A burocracia soviética criou uma constelação de economias nacionalizadas ao longo da maior parte da Europa Oriental. Na Iugoslávia, China e Vietnã, partidos stalinistas, na liderança de exércitos de guerrilha de base camponesa, tomaram o poder. Em nenhum desses casos a expropriação dos capitalistas e a nacionalização dos meios de produção foi acompanhada pelo estabelecimento do poder político da classe trabalhadora. Ao invés disso, essas sociedades foram presididas do topo por burocracias estatais materialmente privilegiadas e nacionalmente arraigadas, politicamente idênticas à casta que se formou ao redor de Stalin depois da morte de Lenin.

Em resposta a esses desenvolvimentos inesperados, emergiram dentro da Quarta Internacional duas correntes fundamentalmente divergentes. Por um lado havia aqueles – no Comitê Internacional (CI) – que resistiram a qualquer tentativa de revisar a apreciação básica do trotskismo sobre o stalinismo ou o programa da Quarta Internacional para a revolução mundial. Eles, de maneira geral, reconheceram que os partidos stalinistas, sob a pressão da guerra e da ocupação estrangeira, haviam sido compelidos a ir muito além na via anti-capitalista do que Trotsky havia previsto; eles concordaram que as novas economias coletivizadas representavam, um ganho parcial para a classe trabalhadora e deveriam, portanto, como a economia coletivizada na própria União Soviética, ser defendidas de todas as tentativas para restabelecer o capitalismo.

Mas eles também insistiram que os recém-criados regimes stalinistas – enlameados em atraso material e fortemente controlados por burocracias que sufocavam as massas – eram politicamente deformados desde o início. Eles apontaram que na crise revolucionária que havia convulsionado o mundo desde os anos 1920, o stalinismo havia traído a classe trabalhadora muito mais consistentemente do que prejudicado o imperialismo, e portanto permanecia fundamentalmente um obstáculo para o poder proletário e não um instrumento para a sua realização. Assim, apesar dos eventos no pós-guerra que eles entendiam de forma imperfeita, a corrente “ortodoxa” do CI, liderada pelo Partido dos Trabalhadores Socialistas norte-americano (SWP), reafirmou a necessidade histórica por partidos trotskistas, enraizados na classe trabalhadora, para completar o trabalho iniciado por Lenin e os Bolcheviques em 1917. É esse legado que a Tendência Bolchevique defende.

Já no polo oposto na controvérsia do pós-guerra estavam os seguidores de Michel Pablo, cabeça do Secretariado Internacional (SI) na época do racha. A ala de Pablo defendia que os sucessos pós-guerra dos stalinistas aconteceram em uma “nova realidade mundial” que tornou o “velho trotskismo” obsoleto. Em termos da sua perspectiva de longo prazo, isso significava que o proletariado mundial não podia mais aspirar pelo socialismo, mas ao invés disso por “séculos de Estados operários deformados”. Os pablistas concediam aos stalinistas não apenas o presente, mas também o futuro. De acordo com Pablo, os partidos stalinistas haviam provado pelas suas vitórias na Europa Oriental e na Ásia que eles eram instrumentos essencialmente adequados (ainda que “desafinados”) para a revolução socialista. Ele, portanto, clamava uma tática de “entrismo profundo” através da qual as seções nacionais da Quarta Internacional iriam se dissolver em partidos stalinistas. Lá, eles iriam agir como grupos de uma ala esquerda pressionando as várias lideranças do PC, ajudando a afinar os “instrumentos desafinados”. É com essa tradição, representada hoje pelo Secretariado Unificado (SU) liderado pelo antigo braço direito de Pablo, Ernest Mandel, que Roy R. escolheu jogar a sua sorte.

Desde o racha na Quarta Internacional, os pablistas provaram que a sua característica definidora não é um compromisso de trabalhar dentro dos partidos stalinistas, mas ao invés disso uma inclinação a se acomodarem a qualquer corrente ideológica que esteja em voga na esquerda. Isso, na linguagem de V. I. Lenin e outros “sectários”, se chama oportunismo. Os mesmos instintos oportunistas que originalmente levaram Pablo na direção do stalinismo, hoje dirigem Mandel e seus seguidores rumo à socialdemocracia e até mesmo ao anti-comunismo declarado do Solidariedade polonês.

Não é possível no espaço disponível recontar toda a história das manobras acomodacionistas do SU; mas nem mesmo é necessário. A carta de Roy R. representa o pensamento de seus mentores de forma bastante precisa, ainda que de forma mais bruta. Ela oferece um catálogo suficientemente extensivo de trapaças oportunistas e distorções para ilustrar nosso ponto.

Stalinismo Insurrecional de Base Camponesa

Roy afirma, sem oferecer qualquer argumento de apoio, que as revoluções na Iugoslávia, China, Cuba e Vietnã foram proletárias no seu caráter. Mas os países deixados de fora da sua lista são talvez tão significativos quanto aqueles incluídos. O que dizer sobre Polônia, Hungria, Bulgária, Romênia, Albânia, Tchecoslováquia e Alemanha Oriental? Eram esses Estados, depois de 1949, diferentes em sua estrutura social ou política daqueles mencionados no primeiro grupo? Se não há diferença qualitativa nos resultados finais, por exemplo, entre o Vietnã e a Bulgária, então a diferença deve estar no processo de formação.

A diferença está certamente não no papel desempenhado pelo proletariado. Foi Ho Chi Minh, que aniquilou os trabalhadores liderados por trotskistas que ocupavam fábricas em Hanói em 1945, um milímetro menos hostil ao proletariado do que Georgi Dimitrov na Bulgária? A principal diferença entre os países da Europa Oriental e aqueles nomeados por Roy foi que os primeiros se tornaram Estados operários como resultado da conquista militar da União Soviética, enquanto os últimos foram transformados após a ascensão ao poder de movimentos de massa nativos. Mas qual precisamente o caráter de classe desses movimentos? Para responder a esta questão deve-se perguntar sobre o caráter de classe do campesinato, já que foi liderando exércitos camponeses que os stalinistas – em cada um dos países que Roy lista – marcharam para o poder. Em toda a sua carta, Roy ridiculariza a noção de que a pequeno-burguesia (“uma classe proprietária se é que houve alguma”) possa criar Estados operários. Mas Roy não pode negar que toda a tradição marxista, de Marx até Trotsky, caracterizou o campesinato como uma camada pequeno-burguesa. Por qual alquimia misteriosa o campesinato se transmutou para o proletariado?

O mentor de Roy, Ernest Mandel, “resolve” esse problema teórico espinhoso afirmando que apenas partidos proletários poderiam ter destruído a propriedade burguesa. Em uma polêmica de dezembro de 1982 com Doug Jeness do Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP), que usou o fato dos movimentos camponeses liderados por stalinistas terem em diversas ocasiões derrubado a propriedade capitalista como um argumento para reviver a teoria de duas etapas dos Mencheviques, Mandel declarou:

“o Exército de Libertação Popular chinês, para não mencionar o Partido Comunista Chinês, que foram instrumentos históricos da destruição das propriedades capitalista e camponesa, só podem ser considerados um exército ou partido 'camponês' esvaziando a análise de classe marxista de toda a sua substância.”

O argumento de Mandel para o caráter “proletário” do ELP é pura tautologia. Ele afirma que o campesinato como classe só pode ser:

“centralizado ou por uma liderança burguesa – caso no qual a revolução é levada à certa derrota – ou sob liderança proletária (ainda que seja extremamente burocratizada, como na China) e nesse caso, apenas nesse caso, a vitória da revolução é possível.”

Na verdade, o resultado da revolução chinesa, e as outras insurreições de base camponesa que derrubaram a propriedade capitalista desde a Segunda Guerra Mundial demonstram que, em certas situações históricas específicas, a propriedade privada dos meios de produção pode ser encerrada por movimentos sociais não-proletários.

Cuba e a Teoria Marxista

Nós estamos felizes que Roy tenha escolhido incluir Cuba na sua lista de revoluções proletárias. Porque nas outras instâncias (China, Iugoslávia, Vietnã), a natureza dessas revoluções é parcialmente obscurecida pelo fato de que os partidos que as lideraram terem mantido o título de “comunistas” e terem tido certa vez uma composição de proletários.

Cuba, por outro lado, fornece um caso clarificador precisamente porque o Movimento 26 de Julho (M26) que levou Fidel Castro ao poder em 1959 não teve conexão histórica com a Internacional Comunista ou o movimento dos trabalhadores. Não apenas os seus quadros foram retirados quase exclusivamente da intelectualidade pequeno-burguesa; a sua base consistia de talvez mil camponeses recrutados na Serra Maestra. A sua propaganda não continha nada da retórica familiar do stalinismo. Mais importante, o seu programa – longe de ter como objetivo o socialismo – nem mesmo chamava por uma reforma agrária extensiva ou a nacionalização da indústria, mas era limitado à demanda pela restauração da constituição “democrática” pré-Batista de 1940. E ainda, apenas vinte e um meses depois de ter marchado sobre Havana, Castro se viu a frente de uma economia nacionalizada e um membro do “bloco soviético”. Os episódios particulares desse drama são bem conhecidos. Como uma simples questão de autopreservação, Castro, ao assumir o poder, desmontou o aparato repressivo (exército e polícia) do regime Batista pró-EUA que ele havia acabado de derrubar. Isso não soou bem em Washington, que suspeitou que Castro fosse um proto-comunista todo o tempo. A aumentada hostilidade do imperialismo dos EUA deixou Castro sem ninguém para quem se voltar a não ser para os trabalhadores e as massas camponesas cubanas, cujas esperanças por justiça social haviam sido levantadas pelo expurgo da odiada ditadura de Batista. Para consolidar sua base de poder, Castro realizou uma série extensiva de reformas agrárias e decretos de limitação da renda. Essas medidas causaram um racha dentro do governo que o Movimento 26 de Julho tinha inicialmente instalado. Quando Castro expulsou os elementos burgueses que resistiram às suas reformas agrárias, as relações com Washington se tornaram tensas e ficaram no fio da navalha, e Castro começou a se voltar para a União Soviética, com a qual ele assinou uma série e acordos militares e comerciais. O clímax veio no outono [do hemisfério norte] de 1960, quando Castro, em resposta ao bloqueio econômico total imposto pela administração Eisenhower, anunciou a nacionalização de extensivas posses dos EUA que, até aquele ponto, tinham dominado a economia Cubana.

Então um bando de democratas pequeno-burgueses foi impelido pela dupla pressão do imperialismo e da sua própria base popular, ao longo de um caminho que terminou em uma sociedade qualitativamente a mesma que aquela da Europa Oriental e da China, ou seja, um Estado operário deformado.

A precursora da Liga Espartaquista (a Tendência Revolucionária [TR]), se cristalizou como uma fração dentro do Partido dos Trabalhadores Socialistas norte-americano em oposição ao giro crescentemente reformista desse partido e a sua adulação sem limites a Castro. De acordo com a TR, a revolução cubana possuiu o significado teórico ao menos tão grande quanto o seu impacto político: ela ofereceu a chave para compreender as revoluções no pós-guerra que haviam causado tanta perplexidade aos seguidores de Trotsky. A TR argumentou que, apesar das suas origens e retórica proletárias, os partidos stalinistas que tomaram o poder no Vietnã, Iugoslávia e China estavam muito mais perto do M26 de Castro do que do Partido Bolchevique de 1917.

Tim Wohlforth, na época um porta-voz e líder da TR, explicou sua posição tão claramente que ele pode ser citado longamente:

“A força motivadora da transformação dos países da Europa Oriental (excluindo a Iugoslávia) em Estados operários deformados foi o exército soviético. A classe trabalhadora desempenhou um papel essencialmente disperso, passivo, nesses eventos. A força motivadora por trás da Revolução Chinesa que colocou Mao e companhia no poder foi primariamente o campesinato... A transformação da China em um Estado operário deformado foi instituída, não pela classe trabalhadora da China, nem primariamente por causa da grande pressão da classe trabalhadora – ela foi levada adiante pela iniciativa de cima da própria burocracia maoísta como um ato defensivo contra o imperialismo.”
(...)
“Cuba torna esse processo totalmente claro precisamente em razão da característica central única da Revolução Cubana – que a transformação em um Estado operário deformado ocorreu sob a liderança de um partido que não era sequer subjetivamente 'proletário', por uma formação pequeno-burguesa não-stalinista.”

“Assim, a experiência cubana não apenas ilustra o pequeno papel que a classe proletária desempenhou nessas transformações; ela também sugere que a assim chamada natureza 'proletária' dos partidos stalinistas em muitos desses países coloniais recebeu também ênfase demais. O fato de que o Movimento 26 de Julho de Castro foi capaz de levar a frente uma transformação social em uma maneira quase idêntica à do PC Chinês de Mao reflete... a identidade essencial da natureza do PC Chinês com a do M26. Ambos partidos eram essencialmente formações pequeno-burguesas – pequeno-burguesas na natureza de classe da sua liderança, nos seus membros, na sua base de massas, e na sua ideologia.

“Enquanto a ideologia dos stalinistas contém certos elementos socialistas dentro dela e nesse aspecto é diferente daquela do M26, é questionável se esses elementos mudaram essencialmente a natureza do movimento. Isso é especialmente duvidoso quando se percebe que a perversão stalinista da ideologia socialista é precisamente na direção do nacionalismo pequeno-burguês. Assim, esses partidos devem ser vistos... como essencialmente os instrumentos das classes pequeno-burguesas na sociedade – não como instrumentos ainda que distorcidos da classe trabalhadora.”
Cuba e os Estados operários deformados”, 20 de julho de 1961.

Se os trabalhadores têm tão pouco em comandar essas sociedades quanto eles tiveram em criá-las (que é de fato o caso), com que direito histórico ou teórico os trotskistas persistem em chamá-los de Estados operário, deformados ou de qualquer tipo? Wohlforth respondeu como se segue:

“Em razão da extrema crise do capitalismo somada à crise de liderança da classe trabalhadora, essas classes socialmente intermediárias foram capazes de desempenhar um papel extremamente radical que o movimento marxista não havia previsto anteriormente – elas foram capazes de romper com o próprio capitalismo. Entretanto, as suas ações muito radicais provaram a fraqueza essencial desse extrato social – enquanto eles foram capazes de negar ao esmagar o sistema capitalista, elas foram incapazes de superar positivamente, substituindo o poder dos capitalistas pelo seu próprio. Ao invés disso, elas são forçadas a lançar as bases econômicas para o poder de outra classe – a classe proletária – uma classe da qual na verdade eles desconfiam e desprezam. Enquanto por um lado a sua própria fraqueza histórica como uma força social intermediária a obriga a criar a propriedade para outra classe, a crise de liderança da classe trabalhadora lhe permite consolidar um poder político inimigo da classe proletária. Daí o desenvolvimento de uma casta burocrática e a necessidade da revolução política.”

Implícito em todo o argumento de Wohlforth está a noção de que a propriedade coletivizada, embora ela possa ser criada por forças pequeno-burguesas ao invés do proletariado, não pode atingir todo o seu potencial e amplitude sem a democracia proletária e o posterior desenlace da revolução internacional. Porque a propriedade coletivizada exige o poder dos trabalhadores para garantir o seu futuro nesse planeta, é uma forma de propriedade para com a qual a classe trabalhadora retém o seu título histórico. Mas onde as formas de propriedade foram criadas por forças não-proletárias hostis ao poder proletário e à revolução mundial, essas forças pequeno-burguesas, uma vez no poder, são inevitavelmente compelidas a replicar a função da casta dominante stalinista na União Soviética e levantam obstáculos burocráticos para o desenvolvimento posterior da revolução.

Os Estados que hoje representam as formas de propriedade proletárias (exceto pela URSS, que nasceu de uma genuína revolução proletária, mas que se degenerou) podem então ser chamados de deformados, ou seja, aleijados desde o nascimento. Para abrir o caminho do socialismo, eles requerem uma revolução política, na qual os trabalhadores varram para longe suas respectivas burocracias e coloquem no lugar os genuínos instrumentos do comando democrático da classe trabalhadora. Dessa forma, a Tendência Revolucionária desatou o nó de dificuldades teóricas que haviam envolvido as transformações sociais do pós-guerra.

Roy afirma que a teorização acima representa uma distorção da realidade para poder justificar a existência sectária da Liga Espartaquista (e por decorrência a da TB). Mas a SL nem existia na época em que essa análise foi formulada. As conclusões da TR dos eventos em Cuba foram não apenas baseados empiricamente, mas também representaram a única teorização da experiência revolucionária do pós-guerra que defendeu o programa da Revolução Permanente.

Solidariedade: um movimento de Massa pela Restauração Capitalista

Por muitos anos, Ernest Mandel, a liderança inspiradora do SU, tem se especializado em inventar razões teóricas “marxistas” sofisticadas para seguir qualquer tendência política que esteja favorecida na “ampla esquerda”. Roy, que absorveu o espírito do oportunismo de Mandel, é menos capaz na arte do embelezamento teórico. Com uma ousadia que poderia envergonhar seu mentor, ele proclama o seu desejo de estar ao lado o “movimento de massa de muitos milhões” sem nenhuma preocupação aparente sobre quem está liderando esse movimento ou quais são os seus objetivos. Roy pode questionar o nosso critério específico para decidir quais “movimentos de massa” apoiar e a quais se opor. Mas pode ele argumentar seriamente que não existe tal critério para os marxistas e que qualquer um que diga o contrário é um sectário por definição?

De todas as posições que a Tendência Bolchevique manteve da Liga Espartaquista, nossa oposição ao Solidariedade da Polônia é de longe a mais difícil de ser engolida pelos centristas. Isso se deve não apenas enorme popularidade do Solidariedade no Ocidente, mas também ao fato de que esse movimento foi organizado e liderado principalmente por trabalhadores e recebeu o apoio da esmagadora maioria da classe trabalhadora polonesa. A classe trabalhadora, de acordo com a teoria marxista, se supõe que seja um agente do progresso histórico. Que a liderança do Solidariedade era de fato reacionária, tinha como objetivo a restauração do capitalismo e estava realmente fazendo uma luta pelo poder de Estado em 1981 foi extensivamente documentado em um livreto separado da TB (Solidariedade: Teste Ácido para os Trotskistas). Mas pode-se conceber, reclamam os centristas em uníssono, que dez milhões de trabalhadores poloneses possam ter sido iludidos a respeito dos seus próprios interesses, e é em algum momento permitido emblocar com os stalinistas contra os trabalhadores? Nós respondemos ambas essas questões afirmativamente, e podemos talvez tornar nossa posição mais clara por meio de uma analogia.

Trotsky comparou a URSS stalinista a um sindicato burocratizado: uma organização de trabalhadores dominada por uma oficialidade privilegiada que se identifica mais com a burguesia do que com o proletariado. Vamos agora levar essa comparação um passo a frente. Suponha que os trabalhadores de uma determinada planta foram traídos tantas vezes pela liderança nacional do sindicato que começa a crescer entre eles o sentimento de destruir o sindicato de uma vez, ou seja, fechar o sindicato. Nessa planta uma pequena minoria de trabalhadores com consciência de classe tentam, como diz Roy, “pacientemente explicar aos trabalhadores” que, ainda que o aparato do sindicato esteja apodrecido, o sindicato é a última linha de defesa dos trabalhadores contra os patrões e que fechá-lo seria um erro. Mas também há um grupo sindical de direita que está divulgando o sentimento anti-sindicato. Esses elementos propõem concorrer com uma chapa de candidatos na próxima eleição local comprometidos a organizar o imediato fechamento. Como um conforto para aqueles trabalhadores que não gostam de pagar taxas em dinheiro para um bando de picaretas corruptos no escritório nacional, mas que ainda pensam que algum tipo de organização coletiva é necessária, os direitistas prometem estabelecer uma associação de empregados depois que o fechamento do sindicato ocorra. A patronal cumprimenta esse acontecimento com entusiasmo e cede fundos e locais de reunião para os dissidentes. Quando os votos são contados, o grupo de direita ganha esmagadoramente, dando assim um passo para o fechamento do sindicato. Nesse momento, o escritório nacional do sindicato se movimenta para desviar o fechamento suspendendo a liderança eleita da planta e indicando uma chapa interina mais ao seu estilo.

Essa situação, ainda que hipotética, não é completamente inconcebível. Poderia haver alguma dúvida de que em tais circunstâncias os trotskistas considerariam a remoção pelos burocratas dos líderes locais democraticamente eleitos como um mal menor? Enquanto de forma alguma absolvendo a burocracia de suas incontáveis traições que fizeram com que os trabalhadores se voltassem contra o sindicato, os militantes iriam ser forçados a reconhecer que nessa situação particular as ações da burocracia temporariamente impediram a total extinção do sindicato. Enquanto não atingisse a raiz do problema, ela ao menos ganhou algum tempo para os elementos com consciência de classe virarem a hostilidade legítima dos trabalhadores para longe do sindicato enquanto instituição e em direção à corrupta liderança.

A existência dos corruptos e burocraticamente dominados sindicatos da AFL-CIO representam um ganho histórico para a classe trabalhadora; as economias coletivizadas dos Estados operários degenerados e deformados são um ganho ainda maior, e são preferíveis do ponto de vista dos interesses a longo praz dos trabalhadores do que uma economia de “livre mercado”. E quando os trabalhadores que vivem sob uma economia coletivizada são jogados pelas décadas de arrogância e inaptidão stalinista nos braços de uma liderança que iguala administração burocrática com a propriedade coletivizada enquanto tal, e que diz a eles que eles estariam melhores sob o capitalismo, então é a tarefa dos trotskistas prevenir tais falsos líderes de tomar o poder de Estado.

Roy tem alguma dúvida de que Walesa e companhia pretendiam restaurar o capitalismo? Nenhuma outra conclusão pode ser tirada sobre uma organização que comemorou a eleição de Ronald Reagan, buscou o mais reacionário Papa eleito em décadas como seu líder espiritual, convidou um conhecido operativo da CIA no movimento sindical para o seu congresso, deletou todas as menções ao socialismo no seu programa, invocou a memória do líder do Exército Branco Josef Pilsudski, e adotou um programa econômico chamando pelo desmantelamento da economia de propriedade estatal. É obsceno que Roy compare este movimento abertamente restauracionista com o heróico levante pró-socialista dos trabalhadores húngaros em 1956. Recentemente se tornou público que o Solidariedade aceitou prontamente mais de 5 milhões em dinheiro e recursos do Congresso dos EUA e do Departamento de Estado nos últimos três anos. Se esses fatos são insuficientes para convencer Roy das intenções contrarrevolucionárias do Solidariedade, nós devemos concluir que nada além da real restauração capitalista na Polônia faria com que ele mudasse de ideia.

Irã: SU Capitula à Reação Islâmica

A polêmica de Roy ao menos tem a virtude da consistência. Ele não fica para trás ao adotar a herança do SU, mesmo nas suas mais grosseiras traições. Lembramos que a Liga Espartaquista respondeu ao levante iraniano de 1979 com o slogan “Abaixo o Xá! Abaixo os Mulás!”. O restante da esquerda, incluindo o SU, seguiu Khomeini. Roy ridiculariza a acusação de Neil Henderson de seguir Khomeini como uma grotesca caricatura espartaquista da posição do SU, e para provar seu ponto cita Mandel para o efeito de que os marxistas deveriam ter apoiado as massas iraniana contra o Xá e apesar do fato de que eram lideradas pelos reacionários islâmicos. Mas as massas iranianas estavam naquele momento apoiando a luta pelo poder de Khomeini. Qual é, portanto, o significado operacional da distinção entre a liderança e as “massas” nesse caso? A distinção faz sentido apenas se for assumido que o funcionamento automático do “processo revolucionário” pode transcender a liderança reacionária.

Apoiar um movimento de massas ou um “processo revolucionário” apesar da hegemonia de líderes que são admitidamente considerados reacionários, presume que as massas engajadas nessa mobilização política vão espontaneamente se mover para alguma direção diferente daquela reivindicada por seus líderes e produzir algum resultado que não a ascensão desses mesmos líderes ao poder. Eram as massas iranianas, sem uma liderança alternativa, capazes de descartar Khomeini e guiar a insurreição de 1979 rumo a algum resultado mais progressivo? Foi o triunfo de Khomeini um mero prelúdio a algum desabrochar posterior de um “processo revolucionário” que iria no fim instalar os trabalhadores no poder? A diferença entre a SL e o SU sobre o Irã volta-se para a resposta a essas questões.

Roy parece se esquecer que as respostas não exigem mais a capacidade de prever, mas podem ser obtidas com a vantagem de quase uma década olhando para o passado. Foram Khomeini e seus capangas postos de lado por um surto à esquerda do movimento de massas? De acordo com nossa mais recente informação, o Aiatolá provavelmente vai morrer no cargo, e o seus sucessores designados estão agora se mexendo para reatar os laços com o imperialismo dos EUA. A “revolução iraniana” resultou em algum ganho significativo para as massas? Pergunte às milhões de mulheres iranianas que não podem se aventurar porta afora sem vestir a burca. Ao menos a revolução criou uma abertura democrática para o movimento dos trabalhadores e a esquerda, como a revolução de fevereiro que derrubou o Czar em 1917? Pergunte aos quinze militantes do Partido Tudeh (PC Iraniano) e os Fedayin Populares postos na ilegalidade e que atualmente enfrentam a execução nas mãos da república islâmica. Melhor ainda, Roy pode consultar os camaradas sobreviventes do HKE e do HKS (os dois afiliados iranianos do SU), que foram ou aprisionados ou jogados para o exílio. O fato de que muitos desses militantes até hoje defendem o seu apoio a Khomeini em 1979 simplesmente atesta a sua recusa em aprender as lições da história, mesmo quando essas lições são escritas com seu próprio sangue.

Mas, retorce Roy, vocês sectários nem mesmo serão capazes de falar com os trabalhadores se vocês insistem em contrapor os seus próprios dogmas ao poder deles, o movimento de muitos milhões! Ora, nós seríamos os últimos a argumentar contra falar aos trabalhadores. A questão, entretanto é: o que você diz uma vez que você tem a atenção deles? Se você acredita que a única forma de fazê-los ouvir é repetindo (talvez com umas poucas ressalvas “marxistas” e qualificações) o que eles já pensam, ou melhor, o que os seus falsos líderes os encorajaram a pensar, eles irão corretamente concluir que você tem pouco de novo a oferecer, e continuarão no mesmo curso de antes. Os mais astutos entre eles podem até mesmo observar que você não está tentando persuadir, mas agraciar a você próprio e concluiriam que o marxismo de que você fala não deve valer muito a pena. Qualquer um tentando propor uma forma de pensar nova ou não-familiar deve ao menos temporariamente reter um certo grau de impopularidade. Aqueles que se abstém de contrapor o seu programa à atual consciência política das massas não estão interessados em liderar, mas seguir.

Sobre a Frente Única

Uma tática empregada pelos trotskistas para ganhar pessoas para o seu programa é a frente única. A frente única é definida na tradição leninista como uma cooperação entre o partido revolucionário e outras organizações que não compartilham o seu programa, em busca de objetivos apoiáveis, limitados e claramente definidos. Como uma condição para a sua participação, os leninistas insistem apenas que eles tenham direito a total liberdade de dizer e fazer qualquer coisa que não contradiga as demandas imediatas da frente única – incluindo a liberdade de expor as suas diferenças com os colaboradores não-revolucionários sobre questões políticas mais amplas.

Roy acusa os “sectários” de se recusarem a participar em ações de frente única por medo de comprometer a sua pureza doutrinária. E é inegável que a Liga Espartaquista nos anos recentes evitou mesmo a cooperação mais principista com outros grupos por causa do seu pavor de que o contato com qualquer um que ela não controle possa minar a fé dos seus membros na sabedoria absoluta da sua liderança. Mas, porquê o leque de Roy também aponta para a Tendência Bolchevique, nós só podemos presumir que ele também está nos acusando de tal covardia sectária. Para essa acusação, como para as outras, nenhuma evidência é oferecida. A mais convincente refutação dessa acusação é a nossa própria história política.

Em 1984, apoiadores da Tendência Externa da iSt (a precursora imediata da TB) iniciaram um boicote operário de um carregamento sul-africano a bordo do navio de frete Nedlloyd Kimberley – ao nosso conhecimento a única greve operária contra o apartheid na história dos EUA. Estamos lisonjeados pela inferência de Roy de que nós, por nós próprios, fomos capazes de parar esse carregamento por onze dias em São Francisco. Na verdade, o boicote foi bem sucedido porque os oficiais da regional 10 do Sindicato Internacional dos Estivadores e Armazenadores (ILWU) foram forçados pela pressão da base a continuar com ela, e porque os estivadores – incluindo nacionalistas negros, apoiadores do Partido Comunista, e membros sem afiliação política do sindicato – estavam determinados em realizá-la. Nós não hesitamos em cooperar com todos os grupos e indivíduos nesse boicote – ou em expor os burocratas e o PC quando eles cederam a uma liminar contra ele. Nós também podemos apontar o trabalho contínuo do nosso núcleo na Área da Baía de São Francisco no Comitê pela Liberdade de Moses Mayekiso – um militante sindical condenado à pena de morte na África do Sul. Mais significativo de todo o nosso atual propósito polêmico é o nosso recente trabalho com os colaboradores canadenses de Roy no Socialist Challenge [Desafio Socialista] (conhecido antes de maio como a Alliance for Socialist Action [Aliança pela Ação Socialista] e referido daqui em diante como ASA/SC) na Coalizão Anti-intervenção de Toronto (TAIC). Aqui nós podemos diretamente contrastar nossas ações com a dos colaboradores de Mandel em Toronto para ver quem foi mais consistente em defender os princípios da frente única.

A TAIC foi formada como um bloco de propaganda reformista dedicado a se opor à intervenção dos EUA na América Central. Em novembro passado, irrompeu uma luta na coalizão quando o Partido Comunista e os seguidores canadenses de Jack Barnes [líder do SWP reformista] exigiram um apoio formal aos acordos Esquipulas II, também conhecidos como Plano Arias. Os acordos, que os sandinistas haviam acabado de assinar, os levava, dentre outras coisas, a legalizar a oposição apoiada pela CIA na Nicarágua e a libertar da prisão milhares dos sanguinários Guardas Nacionais de Somoza. Elementos da ASA/SC na época tinham uma posição consideravelmente à esquerda da liderança internacional do SU, que comemorou a aceitação de Ortega do Plano Arias como uma vitória. Na convenção da TAIC, a ASA/SC votou contra endossar Esquipulas II. Nesse momento os reformistas saíram da TAIC.

Muitos meses mais tarde, depois que a TAIC havia sido reconstituída como uma frente única principista e a TB havia entrado, foi decidido chamar um protesto contra o fundo dos EUA construído para apoiar os mercenários Contras. O protesto foi organizado como uma frente única, e cada organização que participou teve garantido o direito de falar. No início de fevereiro, uma multidão de mais de trezentas pessoas no protesto escutou o porta-voz da TB denunciar os Plano Arias, enquanto firmemente se opunha à intervenção dos EUA (e do Canadá) na América Central. O porta-voz da ASA/SC também criticou o retrocesso dos sandinistas, embora de forma mais confusa. Um representante da Ação Canadense pela Nicarágua reafirmou seu apoio ao plano Arias do palanque. Enquanto a mobilização foi bem sucedida em termos de números, ela também gerou um pequeno furor político em Toronto. Os círculos radicais liberais de “solidariedade” à América Central ficaram escandalizados pelo fato de que qualquer um ousasse criticar os sandinistas em uma marcha anti-intervenção.

Em resposta a essa pressão reformista, a ASA/SC executou uma abrupta reviravolta. Na reunião subsequente da TAIC, o líder da ASA/SC procedeu para forçar uma série de moções que explodiram a frente única. Ele argumentou que para permitir que grupos como a TB falassem em futuros protestos iria “afastar” os amigos liberais da TAIC. Quando as suas moções foram aprovadas, a TB se retirou da TAIC. A ASA/SC posteriormente proclamou os Esquipulas II como uma “vitória” e “um perigo” para a revolução nicaraguense (leia o Boletim Trotskista número 4). Estes eventos desempenharam um papel direto na decisão final de Neil Henderson de deixar a ASA/SC e entrar na TB.

Os ziguezagues políticos da ASA/SC oferecem uma ilustração nítida do modus operandi dos falsos militantes de esquerda. Em Minha Vida, sua autobiografia, Trotsky descreveu o mesmo fenômeno no movimento dos trabalhadores russos.

“O líder dos mencheviques, Martov, deve ser contado como uma das figuras mais trágicas do movimento revolucionário. Um escritor talentoso, um hábil político, um pensador penetrante, Martov estava muito acima do movimento intelectual do qual ele se tornou o líder. Mas o seu pensamento carecia de coragem, suas percepções eram desprovidas de vontade... a reação inicial de Martov aos eventos sempre apresentava uma tendência revolucionária de pensamento. Imediatamente, no entanto, o seu pensamento, ao qual faltava apoio de uma força de vontade viva, desaparecia.”

Se os nossos mencheviques contemporâneos carecem dos dons e do pensamento de Martov, eles ao menos compartilham os piores elementos da sua psicologia. Em raras ocasiões os seus impulsos iniciais podem incliná-los a tomar uma posição principista. Quando confrontados, entretanto, com as consequências de defender tal posição consistentemente, quando sujeitados à menor pressão dos círculos reformistas no qual eles se desenvolvem, eles irão invariavelmente engolir os seus princípios e emblocar com os reformistas contra a esquerda revolucionária.

Em nosso trabalho com a TAIC, a Tendência Bolchevique aplicou a tática de frente única no espírito leninista. Nós aderimos a ela enquanto nos foi garantido a plena liberdade de propaganda, e nos permitia a oportunidade de ganhar militantes girando à esquerda para o nosso programa quando nossos colaboradores vacilassem. Nas coalizões “de ampla unidade” iniciadas ou conformadas pelo SU, espera-se dos participantes que enterrem diferenças fundamentais no interesse de uma unidade mais ampla. Qualquer expressão não compatível com os sentimentos dos componentes mais à direita da coalizão é condenada como “desagregadora”, e a ala esquerda deve, portanto, confinar a si própria a repetir inteiramente as demandas e os slogans mantidos em uma visão de mundo liberal. Ao concordar com tais condições os pretensos marxistas permitem que a “frente única” se torne um veículo para os reformistas, enquanto aqueles são relegados a fazer cartazes e preencher envelopes.

Por que a SL se degenerou?

Exceto em períodos de agudas crises sociais e políticas, os revolucionários em qualquer sociedade são raramente mais que uma minoria. Mas mesmo no padrão dos “tempos de calma”, o terreno político dos Estados Unidos durante os anos Reagan foi extraordinariamente ermo. Das dezenas de milhares de membros da Nova Esquerda, estudantes radicais e militantes negros que vinte anos atrás abraçaram uma gama de políticas subjetivamente revolucionárias (ainda que parcialmente ou de forma confusa), poucos hoje acreditam que a revolução é possível, ou mesmo desejável. O punhado de manteve um comprometimento político em sua maior parte adotaram a socialdemocracia como a única alternativa “realista”. Hoje, aqueles que se consideram marxistas revolucionários são uma minoria da minoria de esquerda da sociedade norte-americana, menor do que em qualquer outra época desde o período do macarthismo nos anos 1950.

Não pode haver dúvida de que o isolamento político foi uma das causas da degeneração da Liga Espartaquista, virtualmente a única organização que tentou manter um curso genuinamente trotskista em meio ao giro à direita do fim dos anos 1970. Essa intransigência não foi sem consequências organizativas. Conforme a base estudantil radical da qual a SL havia recrutado ao longo da década anterior se esgotou, e a prevista radicalização da classe trabalhadora não se materializou, uma crise de esperanças desfeitas criadas entre os membros; novos recrutas começaram a ficar difíceis de encontrar, e quadros começaram a sair em grandes números.

Essas pressões objetivas, entretanto, não explicam por si próprias a destruição da SL como uma organização revolucionária mais do que, em uma escala muito maior, o isolamento da revolução russa por si só explica o Termidor stalinista. Ao peso de difíceis circunstâncias deve-se somar a resposta consciente de indivíduos particulares na liderança. James Robertson, o Secretário Nacional da SL, respondeu ao impasse do fim dos anos 1970 devorando a organização que ele, mais do que qualquer outro indivíduo, havia trabalhado para criar. Conforme as colunas diminuíram, Robertson sem dúvida se preocupou com o fato que a convicção marxista dos membros estava fraca e vacilante demais para sustentar a SL através de um período reacionário. Ele também temeu que no fim, o crescente sentimento de isolamento e irrelevância social dos membros iria resultar em uma explosão fracional que iria abalar o núcleo de quadros da SL.

Robertson concluiu que apenas aceitação inquestionável da sua autoridade pessoal poderia garantir a sobrevivência da organização. Isso levou a uma série de expurgos desmoralizantes, não apenas daqueles que se aventuravam a discordar do líder em questões secundárias, mas também daqueles que eram julgados capazes de oposição no futuro. A lição desses expurgos não deixou de ser aprendida pelos quadros que restaram na SL, que se tornaram intimidados demais para tomar iniciativas e fazerem ouvir as suas próprias opiniões. O resultado final foi o culto de obediência sem vida, bizarro e asqueroso que a Liga Espartaquista virou hoje.

Na visão de Roy, entretanto, a degeneração da SL é uma consequência inevitável da sua política e programa. Com esta afirmativa avassaladora, Roy evita a responsabilidade de analisar o processo concreto da sua evolução. Era a SL uma “seita” ou um culto ao líder desde o seu nascimento? Se não, então quando e como ela se tornou uma? Roy nem mesmo coloca estas questões porque fazer isso iria exigir uma apreciação do papel desempenhado pela liderança política nesse processo. E é a negação da importância da liderança, com ambas  consequências positivas e negativas, na qual se baseia toda a metodologia objetivista do SU. A mesma lógica que permite a Roy minimizar o significado da intervenção marxista no “processo revolucionário” também o leva a considerar a degeneração da SL como um resultado automático do seu programa, absolvendo assim Robertson da responsabilidade pelos seus crimes específicos.

Quais então, de acordo com Roy, são as posições políticas que levaram ao isolamento da Liga Espartaquista e a sua consequente metamorfose em uma seita? Quando toda a ladainha e generalização vazia de Roy sobre “sectarismo” são postas de lado, nós encontramos uma proposição de que a SL está agora falida porque (1) ela não considerou as tomadas de poder stalinistas de base camponesa no período pós-guerra como revoluções proletárias; (2) que ela não quis seguir Walesa e o Solidariedade no caminho da restauração capitalista na Polônia ou a maioria da esquerda iraniana no reino de massacres da República Islâmica; e (3) que ela se recusa a participar em coalizões de “unidade ampla” nos termos estabelecidos pelos reformistas. Se uma oposição principista ao stalinismo, à reação religiosa e ao reformismo são os pecados capitais do espartaquismo, então nós só podemos concluir que Roy encontra a causa da degeneração da SL no próprio trotskismo revolucionário. De fato, Roy e os seus camaradas do SU tem muito mais em comum com Karl Kautsky e a socialdemocracia alemã, cujo medo de isolamento os impediu de se opor a outro “movimento de massas” – a debandada das classes trabalhadoras para apoiar as cores das suas respectivas classes dominantes no começo da Primeira Guerra Mundial. Mas aqueles que carecem da coragem de nadar contra a corrente da opinião popular também são débeis demais para reconhecer as suas próprias afinidades históricas.

A Necessidade da Liderança Revolucionária

Em nossa opinião, a Liga Espartaquista durante os primeiros quinze anos da sua existência representou a única corrente autenticamente trotskista em toda a esquerda internacional. Nós consideramos a sua degeneração subsequente como uma infelicidade genuína para o movimento dos trabalhadores. Agora é necessário para nós lutar pelo programa trotskista que ela um dia defendeu sob a bandeira da Tendência Bolchevique.

A degeneração da Liga Espartaquista não deveria ser vista de forma isolada. Os últimos dez anos têm sido marcados por uma massiva ofensiva de direita, ambos nos Estados Unidos e internacionalmente. Derrotas sindicais, continuadas atrocidades racistas, um acúmulo gigantesco de armas contra a União Soviética – esse é o legado dos anos Reagan. O crescimento do reformismo no presente período é evidência da desmoralização de muitos militantes que se consideram de esquerda em face aos ataques de Reagan.

Mas a investida não vai continuar sem oposição. É apenas uma questão de tempo antes que os ressentimentos latejantes acumulados sob o regime Reagan explodam. Uma renovada onda de luta de classes irá abrir oportunidades reais para o crescimento de uma organização comunista séria que não se reduza a dizer a amarga verdade para as massas. E quando essa erupção ocorrer, não pode haver dúvida de que aqueles que carregam consigo suas armas estarão em melhor posição para se aproveitar dela do que aqueles que levantaram uma cortina de fumaça de fraseologia “marxista” para cobrir as suas vergonhosas traições.

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Trotsky sobre “sectarismo”:

“Nós estamos passando por um período de reação colossal que se segue aos anos revolucionários (1917-1923). Em uma nova e mais alta etapa histórica, nós, marxistas revolucionários, nos encontramos jogados numa posição de uma minoria pequena e perseguida, quase como foi no início da guerra imperialista. Como toda a história demonstra começando com, digamos, a Primeira Internacional, tais regressões são inevitáveis. Nossa vantagem sobre nossos predecessores está no fato de que a situação hoje é mais madura e que nós próprios somos mais ‘maduros’ por estarmos sobre os ombros de Marx, Lenin e muitos outros. Nós iremos tirar proveito disso apenas se nós formos capazes de demonstrar a maior intransigência ideológica, mais forte do que a de Lenin no estourar da guerra [de 1914-18]. Impressionistas sem caráter, como Radek, vão se afastar de nós.  Eles vão invariavelmente falar do nosso ‘sectarismo’. Nós não devemos temer palavras (...). A maior honra para um genuíno revolucionário hoje é permanecer um ‘sectário’ do marxismo revolucionário aos olhos dos filisteus, dos lamuriadores e dos pensadores superficiais.
12 de julho de 1929 (ênfase adicionada)

Apêndice

Os apontamentos a seguir foram feitos por Samuel Trachtenberg na sessão da conferência intitulada “O que aconteceu com o SWP?”. Após um período em que, apesar de erros e vacilações, o SWP norte-americano combateu o revisionismo de Michel Pablo e Ernest Mandel (1953-61), ele passou a convergir com estes num processo que culminaria na “reunificação” sob a base do pablismo em 1963, que fundou o Secretariado Unificado. Foi contra o giro do SWP para o pablismo que surgiu a Tendência Revolucionária do SWP (TR), precursora da Liga Espartaquista. Posteriormente, disputas entre as diversas alas do SU fariam com que surgissem várias seções nacionais dessa corrente no mesmo país. Muitos dos participantes desta conferência, realizada em Nova Iorque em 2008, assim como o palestrante ao qual essa intervenção foi uma resposta, eram antigos membros da “Tendência Quarta Internacional” (FIT) em nome da qual Roy R. escreveu a polêmica acima. A FIT há muito se dissolveu no núcleo Solidarity [Solidariedade].

Eu concordo com Paul LeBlanc [um dos palestrantes no painel] que a degeneração do SWP não era inevitável. Mas olhando para essa degeneração, muitos daqueles expulsos do SWP no início dos anos 1980 são extremamente relutantes em associar a aberta renúncia do trotskismo por Jack Barnes [3] com a anterior aceitação acrítica da revolução cubana, que levou à reunificação com os pablistas. Isto é apenas não querer enxergar.

Hoje nós podemos dizer que para ver as consequências lógicas de apoiar Castro como um “trotskista inconsciente” exigiu alguma capacidade de previsão na época, no começo dos anos 60 (e a TBI descende daqueles que tiveram essa capacidade de prever). Afinal de contas, enquanto agiam como apoiadores das lideranças cubana e argelina e outras forças não-trotskistas e não-proletárias, eles [os líderes revisionistas do SWP] ainda, ao menos formalmente, reivindicavam continuar aderindo ao trotskismo.

Similarmente, enquanto Stalin bem primeiramente proclamou a teoria do “socialismo em um só país”, ele nunca renunciou formalmente à necessidade da revolução mundial, e poucos fora do movimento trotskista naquela época reconheceram a lógica de que aquela teoria necessariamente significava a traição da revolução mundial.

Mas décadas depois, entender ambas as posições não exige mais capacidade de prever, mas capacidade de fazer um balanço, e um desejo de aprender as lições da história de olhos abertos. Então para aqueles dentre vocês nessa sala que ainda não fizeram isso, eu peço para que abram seus olhos.

Notas da Tradução

[1] Sam Marcy foi um membro do SWP norte-americano até 1959, que rompeu para formar o Workers World Party (Partido Mundial dos Trabalhadores), tendo como motivo principal o seu apoio à supressão da revolução política dos trabalhadores húngaros pelo exército soviético em 1956. O grupo de Marcy apoiou sucessivamente vários regimes stalinistas e cometeu inúmeras capitulações a líderes stalinistas ao longo da sua história.

[2] Para uma crítica a essa posição da Liga Espartaquista na década de 1980, leia IG/LQB:Ainda Cambaleando em Torno de uma “Explicação Séria”, de agosto de 2010.

[3] Jack Barnes foi um líder do Partido dos Trabalhadores Socialistas norte-americano (SWP) que emergiu na liderança do partido no início da década 1980 e foi responsável pela renúncia aberta do trotskismo por parte dessa organização no fim dessa década e o giro para um apoio acrítico ao nacionalismo burguês.