7.10.11

James Cannon Sobre sua "Poltrona de Couro"

A revelação de James Cannon sobre sua “Poltrona de Couro”

Esta é uma carta enviada em 27 de maio de 1959 para Theodore Draper, um historiador do movimento comunista norte-americano. A série completa de cartas enviadas por Cannon para Draper foi publicada sob o título de "Os Primeiros Dez Anos do Comunismo Americano" em 1962. Ela foi posteriormente reimpressa pela Pathfinder Press. A tradução para o português foi realizada por Rodolfo Kaleb e Leandro Torres em 2011.

Eu acho que já dei por encerrado o assunto sobre “O Nascimento do Trotskismo Americano” – no qual eu desempenhei um papel central apenas por estar no lugar certo, na hora certa, e não haver ninguém mais para fazê-lo. Eu não poderia acrescentar muito ao que eu já escrevi em A História do Trotskismo Norte-Americano, em minhas cartas a você, e no longo artigo – “A Degeneração do Partido Comunista e o Novo Começo” na edição do outono de 1954 de Fourth International. A situação é essa. Se eu fosse escrever sobre isso de novo eu só poderia repetir o que eu já disse.

Você vai encontrar uma exposição melhor e mais completa nesses escritos do que uma que eu pudesse escrever hoje em dia. Eu tenho a habilidade, que para mim é gratificante, de empurrar as coisas para o fundo da mente depois de ter escrito sobre elas. Para escrever um relato novo sobre a origem do trotskismo americano, eu teria que me forçar de volta a um estado de semicoma, relembrando e revivendo a luta de 31 anos atrás. Isso é demais para eu enfrentar de novo.

A  única coisa que eu deixei de fora dos meus extensos escritos sobre aquele período, que eu tentei excluir de todos os meus textos, foi o elemento especial de motivação pessoal para minha ação – no qual os cínicos jamais iriam acreditar e os pesquisadores do movimento operário nunca achariam nos arquivos e livros de atas. Eu falo do impulso de consciência que surge quando alguém está diante de uma obrigação que, nas circunstâncias dadas, cabe somente a essa pessoa aceitar ou recusar.

No verão de 1928 em Moscou, somada à revelação teórica e política que eu tive depois de ler a Crítica ao Programa da Internacional Comunista de Trotsky, houve uma outra consideração que me atingiu em cheio. Foi o fato de que Trotsky tinha sido expulso e deportado para a distante Alma Ata [no Cazaquistão], de que seus amigos e apoiadores tinham sido caluniados, expulsos e encarcerados, e que todas essas coisas eram uma conspiração!

Será que eu tinha saído de casa, ainda garoto, para lutar por justiça para Moyer e Haywood [1], para naquele momento trair a causa da justiça quando ela se colocava bem à minha frente, numa questão de importância transcendente para o futuro da humanidade? Um moralista de apostila poderia responder facilmente a essa pergunta dizendo: “É claro que não. A regra é clara. Você faz o que é certo fazer, mesmo se isso custar a sua cabeça”. Mas não era tão simples para mim no verão de 1928. Eu não era um moralista de apostila. Eu era um político partidário e um fraccionalista que tinha aprendido a agir de maneira premeditada. Eu já sabia disso a essa altura, e o meu autoconhecimento me deixou apreensivo.
  
Eu tinha gradualmente me estabelecido numa posição segura como representante do partido, com um escritório e uma equipe de assessores, uma posição que eu poderia facilmente manter – desde que eu me mantivesse dentro de limites e regras definidos, sobre os quais eu sabia tudo, e conduzisse a mim mesmo com a facilidade e a habilidade que havia se tornado quase uma segunda natureza para mim nas longas e persuasivas lutas fracionais.
  
Eu sabia disso. E eu sabia de mais uma coisa que eu nunca havia dito a ninguém, mas que tive que dizer a mim mesmo pela primeira vez em Moscou, no verão de 1928. O rebelde de espirito livre que eu costumava ser quando membro do IWW [2] tinha, sem que eu percebesse, começado a se ajustar de maneira confortável a uma poltrona de couro, protegendo a si mesmo e ao seu cargo por pequenas manobras e evasivas, e até permitindo-se uma certa presunção sobre sua acomodação astuta nesse jogo mesquinho. Eu vi a mim mesmo pela primeira vez como outra pessoa, um revolucionário que estava a caminho de se tornar um burocrata. A imagem foi terrível e eu me afastei dela com nojo.
  
Eu nunca enganei a mim mesmo sequer por um momento sobre as consequências mais prováveis da minha decisão de apoiar Trotsky no verão de 1928. Eu sabia que eu iria perder minha cabeça e também minha poltrona de couro, mas eu pensei: Para o inferno – homens melhores do que eu arriscaram suas cabeças e perderam suas poltronas de couro pela verdade e pela justiça. Trotsky e seus aliados estavam fazendo isso naquele mesmo instante nos campos do exílio e prisões da União Soviética. Não era mais do que a obrigação de um homem, por mais limitadas que fossem suas qualificações, lembrar pelo que ele tinha começado a lutar em sua juventude, e expor sua causa para fazer o mundo ouvir, ou ao menos para fazer os Oposicionistas russos exilados e presos saberem que eles tinham encontrado um novo amigo e aliado.
  
Em A História do Trotskismo Norte-Americano, na página 61, eu escrevi:
  
“O movimento que então começava nos Estados Unidos causou repercussões por todo o mundo. Da noite para o dia toda a perspectiva da luta havia mudado. O trotskismo, oficialmente declarado morto, foi ressuscitado na arena internacional e inspirado com renovada esperança, entusiasmo e energia. Denúncias contra nós foram colocadas na imprensa do partido americano e reimpressas mundo afora, incluindo o Pravda de Moscou. Os Oposicionistas russos na prisão e no exílio, quando cedo ou tarde chegasse até eles uma cópia do Pravda, saberiam da nossa ação, da nossa revolta nos Estados Unidos. Na hora mais sombria da luta da Oposição, eles saberiam que novos reforços haviam se unido à luta do outro lado do oceano nos Estados Unidos, que em virtude do poder e peso do país por si próprio, dava importância e peso aos atos dos comunistas americanos.”
  
“Leon Trotsky, como eu coloquei, estava isolado na vila asiática de Alma Ata. O movimento mundial fora da Rússia estava em declínio, sem líderes, suprimido, isolado, praticamente inexistente. Com essas novidades inspiradoras de um novo destacamento na distante América, os pequenos jornais e boletins dos grupos da Oposição explodiram com vida novamente. Mais inspirador do que tudo, para nós, era a certeza de que os camaradas russos sob imensa pressão tinham ouvido nossa voz. Eu sempre pensei nisso como um dos mais gratificantes aspectos da luta histórica que nós tomamos em 1928 – que as notícias de nossa luta haviam atingido os camaradas russos em todos os cantos das prisões e campos de exílio, inspirando-os com nova esperança e nova energia para continuarem na luta.”
  
Em Moscou, no verão de 1928, eu previ essa possível consequência da minha decisão e ação. E eu pensei que isso por si só a justificava, independente do que poderia acontecer depois. Muitas coisas mudaram desde então, mas essa convicção nunca mudou.
  
Notas do tradutor 
  
[1] Moyer e Haywood foram dois proeminentes sindicalistas norte-americanos, cujas prisões, quando decretadas pelo governo, desencadearam uma enorme campanha operária por sua libertação. 
  
[2] Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo), organização sindical anarquista de origem norte-americana e projeção internacional da qual James Cannon foi membro.