30.9.11

Em Defesa de uma Perspectiva Revolucionária

Declaração de Posição Básica
Em Defesa de uma Perspectiva Revolucionária

Este documento foi originalmente publicado como uma declaração interna das posições básicas da Tendência Revolucionária (RT) do Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP) norte-americano em junho de 1962. Posteriormente, ele foi publicado no Boletim Marxista nº1 da Liga Espartaquista (SL) dos Estados Unidos, formada pela RT depois de sua expulsão do SWP. Ele marca a consolidação da Tendência Revolucionária do SWP, que combateu o giro deste partido para o revisionismo pablista e sua perspectiva de apoio acrítico à liderança burocrática de Fidel Castro, além do seu prognóstico de fusão com os pablistas europeus de Ernest Mandel e Michel Pablo. Também foi incluído como apêndice o prefácio de 1965 da Liga Espartaquista, que dá detalhes sobre a importância e a forma como o texto foi redigido e os seus resultados. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em setembro de 2011.

O instrumento decisivo da revolução proletária é o partido da vanguarda consciente de classe. Se falha a liderança de tal partido, as mais favoráveis situações revolucionárias, que surgem das condições objetivas, não podem ser levadas adiante à vitória final do proletariado e o início da reorganização planejada da sociedade sob bases socialistas. Isso foi demonstrado conclusivamente – e positivamente – na revolução russa de 1917. Essa mesma lição de princípio se deriva não menos irrefutavelmente – embora pela negativa – de toda a experiência mundial da época de guerras, revoluções e levantes coloniais que começou com o estouro da Primeira Guerra Mundial em 1914.

“Teses Sobre a Revolução Norte-Americana”, adotadas na Décima Segunda Convenção Nacional do SWP em Chicago, realizada entre 15-18 de novembro de 1946.

Introdução: o método do marxismo

O caráter contraditório do presente período histórico apresenta os mais graves perigos, assim como os mais altos potenciais, ao movimento trotskista. A combinação do grande levante revolucionário ao redor das partes coloniais e não-capitalistas do mundo com a aparente estabilização e progresso do capitalismo em seu centro; a prolongada crise de liderança proletária e dominação do movimento operário mundial por agentes socialdemocratas e stalinistas do capital combinada com o contínuo ressurgimento de lutas da classe trabalhadora; esses são os termos da situação na qual o nosso movimento mundial constantemente se arrisca a desorientação ideológica e o conseqüente colapso político como uma força revolucionária. Somente o máximo alcance do método dialético materialista, o constante desenvolvimento da teoria marxista, permitirá ao nosso movimento, numa realidade em permanente mudança, preservar e desenvolver a sua perspectiva revolucionária.

           A essência da metodologia política do marxismo é pôr todos os problemas ativamente do ponto de vista específico e proposital da única classe social consistentemente revolucionária da sociedade moderna, o proletariado. Esse ponto de vista de classe proletária tem a sua mais alta expressão na teoria científica do marxismo. Marxistas, em outras palavras, analisam todos os problemas em termos de uma estrutura teórica rigorosa e científica. Ao mesmo tempo, eles são participantes por completo do próprio processo histórico como o setor mais avançado da classe trabalhadora e sua ação é guiada pela teoria. Assim, as conclusões derivadas da teoria marxista, e logo a própria teoria, estão sendo continuamente testadas na prática.

“Revisionismo” é a visão de que cada novo desenvolvimento requer um abandono na prática dos aspectos básicos da teoria que se conhecia anteriormente. Em última instância, esse desvio para longe do materialismo dialético leva a um desvio para longe da própria classe trabalhadora. O marxismo, pelo contrário, se desenvolve através de uma contínua integração de novos elementos, novas realidades, na sua estrutura teórica. Ele explicitamente critica e rejeita, quando necessário, proposições erradas ou ultrapassadas, enquanto mantém a cada ponto o seu caráter como uma estrutura científica sistemática, rigorosa e unificada.

A pressão da classe capitalista é mais intensa precisamente contra a metodologia do marxismo, que os seus agentes ideológicos agridem como fanatismo dogmático. A não ser que os trotskistas sejam capazes de usar e desenvolver a teoria marxista, eles, como muitos outros marxistas antes deles, irão inevitavelmente sucumbir a essa pressão, cair em uma visão vulgar, pragmática, empirista da realidade, e converter a teoria marxista em um conjunto de dogmas sagrados úteis apenas para prover rótulos que podem ser jogados sobre uma realidade não-compreendida e sem leis.

Particularmente no presente período, quando a classe trabalhadora parece ao empirista estar sob a completa e eterna dominação das burocracias reformistas, essa pressão ideológica é o resultado de uma pressão social terrivelmente forte. Os grupos trotskistas sentem-se pequenos e isolados no exato momento em que significativas forças de esquerda estão em claro movimento ao redor do mundo. Estas forças, entretanto, estão sob a liderança de tendências não-proletárias: socialdemocratas “de esquerda”, stalinistas de uma ou outra variedade, e grupos “revolucionários” burgueses ou pequeno-burgueses nos países coloniais.

O partido revolucionário, se não possui uma compreensão real da metodologia do marxismo, está condenado a meramente refletir a contradição entre o seu próprio isolamento relativo e os levantes de massas. Essa postura reflexiva encontra expressão numa aparência objetivista onde se observa de longe o desenrolar de um processo panorâmico do qual o fator objetivo está completamente divorciado. Ao invés de colocar o problema da luta de princípios contra estas lideranças em última instância capitalistas, com o objetivo de desenvolver uma nova liderança proletária, o partido busca então simplesmente influenciar o movimento como ele se encontra, com o objetivo de afetar a política da liderança existente, entrando em um processo de acomodação política, organizativa e teórica com relação a essas tendências estranhas, e com elas se unindo.

Uma vez que o fio do marxismo está perdido, os conceitos de outras forças sociais passam a dominar o pensamento dos socialistas. O partido então começa a perder a sua perspectiva revolucionária – ele passa a ver em outros agrupamentos políticos e sociais, que não a classe trabalhadora liderada pela sua vanguarda marxista, a liderança da revolução. Os trotskistas relegam a si próprios um papel auxiliar no processo histórico.

O movimento trotskista mundial tem estado em uma crise política por mais de dez anos. Essa crise foi causada pela falha de teoria e de liderança da Quarta Internacional, resultantes de uma perda da perspectiva revolucionária por importantes setores do movimento trotskista sob condições de isolamento e sob pressão da classe capitalista através de seus agentes pequeno-burgueses dentro do movimento operário. Apenas o restabelecimento de uma perspectiva revolucionária em nosso movimento mundial e a completa eliminação de políticas derrotistas, acomodadas e essencialmente liquidacionistas das nossas fileiras pode criar a base para a reconstrução de nossos quadros mundiais e assim para a vitória da revolução mundial.

Foi a teoria de Pablo sobre a acomodação a tendências externas que levou aqueles trotskistas determinados a preservar a perspectiva revolucionária a romper com o Secretariado Internacional (SI) em 1953, um movimento que incapacitou a Internacional, mas que o partido julgou à época ser essencial para a preservação de um movimento revolucionário com princípios. Porém, a continuada paralisia de nossas forças mundiais desde aquele tempo e a atual divisão profunda dentro do Comitê Internacional (CI) são sinais de que as forças que operavam em Pablo também estavam afetando, em um grau menor, o Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP). Com o passar de oito anos desde o racha, os sinais dessa mesma doença em nossas próprias fileiras estão atingindo grandes proporções. Nós acreditamos que esse processo atingiu um ponto em que resistência é essencial.

Nesta declaração nós tentaremos acessar o grau que essa metodologia empirista e essas visões acomodacionistas penetraram em nosso partido e o que nós achamos que pode ser feito para reafirmar a nossa perspectiva mundial revolucionária. É apenas nessa base política que nós seremos capazes de reconstruir as nossas forças mundiais. Essa declaração é a nossa contribuição à plenária partidária que se aproxima e que, na nossa opinião, deveria preparar o partido para participar na discussão que está acontecendo agora em nosso movimento mundial. Como essa discussão é preliminar para o Congresso Mundial do Trotskismo próximo, convocado pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional, a nossa participação política é essencial.

A natureza do pablismo

O pablismo é essencialmente uma corrente revisionista dentro do movimento trotskista internacional que perdeu qualquer perspectiva mundial revolucionária durante o período pós-guerra de boom capitalista e a subsequente inatividade relativa da classe trabalhadora nos países avançados. Os pablistas tendem a substituir o papel da classe trabalhadora e da sua vanguarda organizada – isto é, o movimento trotskista mundial – por outras forças que parecem oferecer chances maiores de sucesso. Fundamental para a apreciação política dos pablistas é um olhar “objetivista” sobre o mundo, que vê o capitalismo entrando em colapso e o stalinismo se dobrando sob o impacto de um abstrato processo histórico mundial panorâmico, removendo assim a necessidade de uma intervenção com consciência de classe através da vanguarda marxista. O papel dos trotskistas é relegado ao de um grupo de pressão sobre as lideranças existentes das organizações dos trabalhadores que estão sendo arrastadas por este processo revolucionário.

Em sua metodologia, o grupo de Pablo é essencialmente empirista. Ele reage à situação política mundial que está em constante mudança, com mudanças aparentemente radicais de linha política, mas sem reconhecer, e muito menos fazer um balanço teórico, dos seus erros passados. Sublinhar esses vai-vens, entretanto, é uma necessidade fundamental: a existência de uma “nova realidade mundial” na qual a correlação de forças estaria definitivamente em favor do socialismo e na qual, consequentemente, a resolução sobre a “crise de liderança proletária” não é mais condição sine qua non [sem a qual não pode haver] da revolução socialista mundial. Sobre esta base, os pablistas tem consistentemente mantido a sua análise objetivista, e tem proposto um substituto após o outro para o papel revolucionário da classe trabalhadora e de sua vanguarda marxista.

Em 1949, Pablo defendeu a sua concepção teórica de “séculos de Estados operários deformados”. Reagindo de maneira impressionista à expansão do stalinismo na Europa Oriental e China, ele previu uma época histórica inteira durante a qual dos Estados burocratizados de tipo stalinista, não a democracia operária, iria prevalecer. Essa teoria era profundamente revisionista, como aquela de Burnham e Shachtman, que projetaram uma era histórica de “coletivismo burocrático”. Como a teoria de Burnham-Shachtman, essa teoria negava uma perspectiva revolucionária para o nosso movimento e via no stalinismo a expressão objetiva das forças revolucionárias do mundo.

Pouco depois, Pablo, em suas “Teses sobre as Guerras/Revoluções” fez desse abandono teórico a base para uma nova linha política. A Terceira Guerra Mundial, ele previa, iria explodir num futuro imediato. Essa guerra iria ser essencialmente uma guerra de classe. Ela resultaria na vitória do Exército Vermelho (ajudado pelos trabalhadores europeus liderados pelos Partidos Comunistas), e na formação de “Estados operários deformados” na Alemanha, França e Inglaterra. A experiência da Europa Oriental e China iria se repetir nos países capitalistas avançados do Ocidente. Portanto, no breve período que restava antes do início da “Guerra/Revolução”, era essencial para a Quarta Internacional se integrar, em todos os termos e a qualquer custo, nos partidos stalinistas (onde eles fossem partidos de massa) que iriam em breve “projetar uma orientação revolucionária” e emergir como os líderes objetivos da revolução européia.

Estes conceitos (nunca repudiados por Pablo posteriormente) estavam presentes de forma um pouco escondida nas teses principais do Terceiro Congresso Mundial da Quarta Internacional (1951) e imediatamente depois foram abertamente revelados como a orientação prática da liderança de Pablo. Durante o período do Terceiro Congresso Mundial, Pablo levou adiante uma batalha fracional contra as seções francesa, britânica e canadense do movimento mundial com o objetivo de desenvolver forças capazes de levar em frente esse entrismo essencialmente liquidacionista nos partidos stalinistas. Em nosso país, o grupo de Cochran foi um reflexo legítimo do pablismo. Havia dois elementos envolvidos no grupo de Cochran. A ala Bartell-Clarke queria se adaptar ao movimento stalinista norte-americano, enquanto a ala de Cochran queria se adaptar à burocracia operária. Ambas seções dessa minoria liquidacionista dividiam com Pablo o mesmo objetivo liquidacionista que não davam ao nosso movimento mundial mais nenhum papel independente.

Os “Quarto (1954), Quinto (1957) e Sexto (1961) Congressos Mundiais” (que não foram para nós “Congressos Mundiais”, mas reuniões da fração revisionista do movimento mundial) dos pablistas todos expressaram esta mesma característica. Houve, é claro, mudanças políticas importantes, já que os pablistas respondiam de forma impressionista a mudanças na situação mundial. O último Congresso não enfatiza a iminência de guerra, nem todas as fichas são colocadas no papel avassalador do stalinismo. Ao invés disso, eles tendem a ver a burocracia stalinista entrando em colapso sem a necessidade da nossa própria intervenção consciente.

Como um novo substituto para a classe trabalhadora e sua vanguarda, a revolução colonial tende a tomar o espaço da burocracia stalinista, causando impacto crítico na importância da classe trabalhadora avançada e suas lutas. O Sexto Congresso Mundial formalmente declara que o novo “epicentro da revolução mundial é na região colonial”. Assim, o socialismo agora está indo na maré da revolução sem líderes dos países coloniais.

Em 1949 era uma forma de stalinismo que iria prevalecer por séculos; em 1951 era uma guerra iminente que iria forçar os stalinistas a projetar uma orientação revolucionária; hoje é a revolução colonial que está se desenrolando automaticamente. Em nenhum momento foi a classe trabalhadora organizada sob uma liderança marxista o ponto central na estratégia revolucionária mundial do pablismo.

No nível tático, os pablistas generalizaram a sua perspectiva de entrismo profundo para incluir os partidos socialdemocratas e centristas na Europa e as formações nacionalistas burguesas nas regiões coloniais. Eles entraram nesses partidos com uma linha política de adaptação; eles estavam buscando pressionar a liderança da oposição centrista a se tornar a liderança revolucionária; eles não estavam entrando com o objetivo de construir uma alternativa de liderança revolucionária baseada nos trabalhadores de base.

O papel do pablismo na Inglaterra e na Bélgica expressa claramente na ação a natureza dessa tendência. Na Inglaterra os nossos camaradas devotaram muitos anos ao desenvolvimento de uma alternativa de liderança revolucionária a ambos o direitista Partido Trabalhista e aos stalinistas. Eles basearam suas táticas em todo o tempo nos trabalhadores de base com consciência de classe. 

Os pablistas britânicos, com o total apoio do centro do Secretariado Internacional, tiveram uma orientação diferente. Eles tentaram funcionar como um grupo de pressão sobre as tendências centristas dentro do Partido Trabalhista Britânico. Por isso eles declaram no Socialist Fight (órgão dos pablistas ingleses): “Acima de tudo deve-se aplicar pressão nos níveis de Regional e de distrito” e a publicação Fourth International (Primavera de 1960) vê “A tarefa central dos marxistas revolucionários britânicos” não na construção de uma alternativa de liderança revolucionária, mas em “reagrupar dentro do Partido Trabalhista todas as forças espalhadas da esquerda trabalhista”. Quando os nossos camaradas britânicos organizaram a Liga Trabalhista Socialista (SLL), os pablistas se uniram aos lamentos da liderança do Partido Trabalhista e a imprensa capitalista e lhes atacaram como “aventureiros irresponsáveis”.

Desde a formação da SLL, os nossos camaradas tem ganhado continuamente membros de dentro do Partido Trabalhista Britânico, especialmente da sua juventude. Os pablistas, por outro lado, tem sido incapazes de construir um grupo efetivo na Inglaterra. A experiência britânica comprovou dramaticamente que somente uma política de entrismo baseada inteiramente numa tentativa de criar uma liderança revolucionária alternativa representando os interesses genuínos dos trabalhadores de base pode construir uma força efetiva. Tal política é baseada fundamentalmente na manutenção de uma perspectiva mundial para a classe trabalhadora sob uma liderança marxista. A política dos pablistas na Grã-Bretanha é um reflexo do seu abandono de uma perspectiva mundial revolucionária: o fato de que eles vêem em outros as forças com potencial revolucionário. Assim, as diferenças entre o pablismo e o trotskismo na Inglaterra são fundamentais e não simplesmente táticas.

A mesma lição pode ser aprendida da experiência belga. Na Bélgica os pablistas tinham um grupo funcionando por muitos anos sob a liderança de uma das figuras internacionais do centro do Secretariado Internacional. Esse grupo devotou suas energias a buscar posições de influência dentro dos círculos centristas na Bélgica e não em tentar desenvolver raízes na base da classe trabalhadora belga. Durante a greve geral belga de 1960-61, o mais importante evento radical no continente em muitos anos, os pablistas belgas foram incapazes de levar adiante uma política revolucionária independente dos círculos centristas nos quais eles estavam atuando. Por isso o trotskismo não desempenhou nenhum pape político independente nos eventos revolucionários e a greve falhou como um todo em razão da inadequação dos líderes sindicais centristas que os pablistas estavam apoiando. A inabilidade dos pablistas de prestar um papel independente nesses eventos cruciais foi simplesmente uma expressão de uma característica política central que põe pouca ênfase no papel revolucionário do nosso movimento.

Após 12 anos de experimentação, os pablistas tem pouco a mostrar pelos seus esforços. O movimento europeu foi dizimado sob a sua liderança. As seções latinoamericanas dos SI são pequenas e fracas. As únicas organizações do continente que tem alguma raiz real na classe operária estão afiliadas ao CI. Na Ásia tudo o que eles têm é a afiliação formal do LSSP (Ceilão) que, ao longo dos anos, se envolveu numa direção oportunista e no presente momento alcançou o ponto de dar apoio crítico ao governo burguês.

O Comitê Internacional, apesar de sua fragilidade organizativa e problemas políticos que o vem atormentando (devido à falta de clareza sobre o pablismo em alguns grupos), contém as únicas seções do nosso movimento mundial que mostraram crescimento substancial, sólido. O desenvolvimento da seção britânica de um grupo pequeno em uma organização efetiva, de tamanho visível, com raízes profundas na classe trabalhadora e significativo apoio na juventude é um grande desenvolvimento para o nosso movimento mundial. O crescimento da nova seção japonesa e dos chilenos e peruanos se baseou no seu racha contra Pablo.

A experiência do nosso grupo chileno ilustra esse padrão. Em 1954, o grupo trotskista chileno rachou em cima da decisão do “quarto Congresso Mundial” de que ele deveria realizar uma tática de entrismo profundo no Partido Socialista. Cinquenta membros do grupo seguiram as instruções do SI e entraram no PS, enquanto apenas cinco camaradas se recusaram a entrar e romperam com o SI. Esses cinco camaradas se tornaram o núcleo da atual seção do CI no Chile. Essa seção hoje é a mais forte formação trotskista no Chile, com importante influência no movimento sindical chileno e um grande potencial para o futuro.

A seção argentina do CI, entretanto, como o LSSP, caiu em uma linha política essencialmente pablista. A sua adaptação à atual liderança burguesa de esquerda da classe trabalhadora argentina levou-a a glorificar Perón e a se apresentar meramente como um movimento peronista de esquerda. Vantagens organizativas obtidas a tal preço só podem abrir o caminho para um desastre no fim. A evolução do grupo argentino pode ser atribuída à falha do CI em desenvolver a luta política contra o pablismo no período desde o racha de 1953.

Toda a nossa análise do problema do nosso movimento mundial deve, portanto, começar com uma compreensão de que o pablismo é uma corrente revisionista que nega o conteúdo essencial revolucionário do trotskismo enquanto ainda se agarra numa aderência formal ao trotskismo. Ele é um revisionismo do trotskismo tanto quanto o kautskismo foi do marxismo. A presente divisão das nossas forças mundiais é a crise mais fundamental e a de mais longa duração em toda a história do movimento trotskista mundial. O que está em questão é a própria sobrevivência do trotskismo! 

Em 1953, o nosso partido, na “Carta Aberta” [aos Trotskistas do Mundo Inteiro] (The Militant, 11 de setembro de 1953), declarou que “O abismo que separa o revisionismo pablista do trotskismo ortodoxo é tão profundo que nenhum compromisso político ou organizativo é possível”. A avaliação do pablismo como revisionismo está tão correta hoje como era então e deve ser a base para qualquer análise trotskista sobre tal tendência.

As Diferenças com a SLL

Ao longo do ano passado, as diferenças dentro das forças do CI que estiveram esquentando por algum tempo acabaram pegando fogo. As diferenças começaram a surgir entre o SWP e a SLL sobre as análises conflitantes com relação ao pablismo. A SLL insistia que havia chegado o tempo de lidar com o pablismo politicamente ao invés de simplesmente com propostas de unidade. Os britânicos achavam que uma análise política deveria começar com uma comprensão do pablismo como uma corrente política revisionista. Eles, portanto, insistiram que uma discussão política plena deveria preceder quaisquer movimentos de unificação internacionais, já que a unificação do movimento mundial deve ser firmemente baseada em um saudável programa político principista.

A maioria do SWP defendeu uma aproximação exatamente oposta. Eles viam as diferenças políticas entre eles próprios e os pablistas diminuindo. De maneira bastante lógica, deste ponto de vista, eles enfatizaram obviamente a base organizativa para unidade, tomando como certo que existia uma base política.

Quando ocorre uma situação dentro do nosso movimento criando confusão numa questão tão essencial quanto o papel do próprio movimento, é necessário preparar um documento que apresenta as visões principais do trotskismo em aplicação à atual situação mundial. Então se torna possível, na base de uma discussão em torno de tal documento básico, determinar exatamente onde estão os acordos e desacordos dentro de nossas forças mundiais. A SLL tomou essa responsabilidade e preparou a sua Resolução Internacional.

Essa resolução expõe todos os pontos essenciais de uma perspectiva revolucionária. Ela começa com os centros do capitalismo mundial, compreendendo que é a luta da classe trabalhadora nesses centros que é crítica para o desenvolvimento da revolução mundial. Ela substitui esperanças efêmeras em um processo revolucionário automático nos países coloniais com o otimismo revolucionário a respeito das futuras lutas da classe trabalhadora nos países avançados. Ela vê na classe trabalhadora a única força na sociedade moderna que pode derrubar o capitalismo em um nível mundial. Ela vê o movimento trotskista mundial como o único movimento capaz de levar em frente a revolução mundial. Ela vê nos quadros existentes do trotskismo mundial o essencial fator de consciência na sociedade moderna. Ela relaciona todas as táticas revolucionárias, toda estratégia revolucionária ao desenvolvimento da classe trabalhadora e de sua vanguarda – os quadros mundiais do trotskismo. Ela põe o trotskismo, encarnado nos seres humanos vivos organizados nos grupos e partidos existentes, de volta à nossa perspectiva histórica.

Significativamente, a maioria respondeu a essa iniciativa não com um apoio caloroso a esse importante esforço, mas produzindo uma resolução internacional própria. Enquanto o documento do SWP não foi planejado como uma alternativa teórica pronta contra a posição da SLL – ele é ambíguo, e contém num padrão eclético muitas posições essencialmente corretas – como um todo ele expressa uma posição política diferente daquela da SLL. Certamente, se ela própria não o fez, será difícil explicar porque a maioria escreveu a resolução imediatamente depois de receber a resolução da SLL. Também é significativo que a maioria tenha rejeitado os adendos da minoria contendo a mesma linha essencial que a resolução da SLL porque, segundo eles afirmaram, esses adendos projetaram uma linha contraditória com a resolução da maioria.

A Linha Internacional da Maioria do SWP

A resolução internacional da maioria marca um importante passo político na direção das características internacionais objetivistas e da metodologia dos pablistas. A resolução começa defendendo que a vitória da revolução chinesa “alterou definitivamente a relação de forças mundiais em favor do socialismo”. Este conceito permeia o documento e é repetido ao longo de todo ele de uma forma ou de outra.

A concepção de uma transformação qualitativa na situação mundial é a essência no termo pablista “nova situação mundial” que pode ser encontrada nos documentos do “Terceiro, Quarto, Quinto e Sexto Congressos Mundiais”. Na nossa resolução de 1953, “Contra o Revisionismo Pablista” (Boletim de Discussão A-12, novembro de 1953), que analisou o documento central do “Quarto Congresso Mundial” de Pablo, “A Ascensão e a Queda do Stalinismo”, nós rejeitamos esse conceito declarando que “Uma avaliação resumida da rede de resultados da marcha da revolução internacional de 1943 a 1953 leva à seguinte conclusão. Com todas as suas conquistas e grandes potencialidades, a falha da revolução em conquistar o poder em um dos grandes países industrializados preveniu, assim, as forças revolucionárias da classe trabalhadora de crescer forte o suficiente para derrubar a oligarquia do Kremlin e conferir ímpeto irresistível à desintegração do stalinismo. Ainda não houve tal alteração qualitativa na correlação de forças de classe no mundo.”

“Até o momento, a intervenção contrarrevolucionária da burocracia por si própria na política mundial tem estagnado as condições objetivas para tal consumação. Ela fez a revolução retorceder na Europa Ocidental, enfraqueceu a classe trabalhadora em relação ao inimigo de classe, e facilitou a mobilização da contrarrevolução mundial. A luta entre as forças da revolução e da contrarrevolução ainda não está decidida, e longe de terminar. Essa própria falta de conclusão, que luta para persisitir, no presente momento trabalha para a vantagem do Kremlin”.

Isso nos trás ao centro da questão. Em 1953 nosso partido rejeitou o conceito de que a correlação de forças estivesse agora em favor da revolução. Nós fizemos isso porque, em nossa opinião, o fator decisivo era o elemento consciente. Enquanto a classe trabalhadora não estiver no poder em um país capitalista avançado, as forças revolucionárias não poderão ser dominantes numa escala mundial. O stalinismo e a socialdemocracia são forças essenciais que impedem a classe trabalhadora de chegar ao poder nesses países – portanto a nossa tarefa é derrotá-los para criar uma vanguarda trotskista no movimento dos trabalhadores. Essa era a nossa orientação estratégica em 1953.

Hoje a resolução do SWP reivindica que as forças da revolução são dominantes apesar do fato de que a classe trabalhadora não chegou ao poder em nenhum país capitalista avançado desde 1953 e de que as nossas próprias forças permanecem fracas. Assim, conscientemente ou não, a lidernça do SWP aceitou a posição teórica principal do revisionismo pablista.

Este objetivismo é refletido de outras maneiras ao longo do documento. A resolução tende a minimizar o perigo do stalinismo como uma força contrarrevolucionária mundial. De fato, ela chega até mesmo a sugerir que Kruschev está dando um “giro à esquerda”, se alianhando com a revolução colonial. Sem especificar os objetivos e métodos contrarrevolucionários da diplomacia do Kremlin, a resolução “reconhece” que “na arena diplomática, desde a morte de Stalin a União Soviética tem demonstrado crescente audácia e flexibilidade, obtendo conquistas entre os países ‘neutros’ através de programas de ajuda e exposição das políticas agressivas de Washington” e que “nessa ‘nova realidade’ de enormes pressões, abertura de oportunidades e perigos mortais, a burocracia soviética teve que revisar, adaptar e mudar a sua linha”. Na discussão na plenária sobre Cuba no ano passado, o camarada Stein usou o mesmo argumento de forma mais flagrante, ao declarar: “(...) a União Soviética está compelida hoje, ao invés de prestar um papel contrarrevolucionário – a se colocar do lado da revolução” (Boletim de Discussãodo SWP, volume 22, número 2, página 21).

Em 1953, os pablistas tomaram uma posição idêntica na resolução deles. Eles não afirmaram que o stalinismo não era mais uma força contrarrevolucionária – ao invés disso eles disseram que ele não podia mais ser efetivo como força contrarrevolucionária por causa do objetivo ritmo avassalador da revolução. Na época, nós declaramos claramente:

“É verdade que as condições mundiais conspiram contra a consumação pelo Kremlin de quaiquer acordos duradouros com o imperialismo ou suas barganhas com a burguesia nacional. Mas as consequencias objetivas das suas tentativas de manter o status quo ou atingir tais acordos fizeram muito mais do que efeitos práticos ‘limitados e efêmeros’. Suas manobras ajudam a bloquear o avanço do movimento revolucionário e afetam adversamente a correlação de forças mundial; a burocracia age e reage na arena internacional como um fator potente em dar forma à última (...) Não apenas a vanguarda é deseducada pela minimização desses resultados perniciosos do curso do Kremlin, mas ela fica desarmada na luta para desfazer as ilusões sobre o stalinismo entre os trabalhadores com o objetivo de quebrar a influência stalinista entre eles. (...) O fato de que a burocracia soviética não pôde esmagar e reter as revoluções iugoslava e chinesa, onde a maré revolucionária quebrou os seus diques, não muda o fato de que em todos os outros lugares, em número muito maior, a burocracia foi bem sucedida em virar a maré revolucionária na direção oposta. Isso influenciou a correlação de forças por todo um período.”

Além de minimizar o perigo real do stalinismo como uma força contrarrevolucionária mundial, a resolução aceita a visão pablista de que as mudanças na situação objetiva mundial acabaram com o isolamento da União Soviética e declara cegamente: “A União Soviética não está mais isolada internacionalmente”. Mas em 1953 nós dissemos:

“Como pode então ser declarado de forma tão desqualificada na resolução que o isolamento da URSS desapareceu? O isolamento foi modificado e mitigado, mas de forma alguma removido. As pressões do ambiente imperialista pesam sobre toda a vida dos povos soviéticos.”

Naquela época nós insistimos que apenas o desabrochar de revoluções na Europa Ocidental poderia acabar com o isolamento da União Soviética.

Muito do tratamento sobre o stalinismo na resolução é dedicado a especulações sobre fissuras no seio da burocracia com a “quebra do monolitismo stalinista”. Entretanto, em 1953 nós claramente afirmamos:

“A proposição de que nenhum segmento significativo da burocracia vai se aliar com as massas contra os seus próprios interesses materiais não significa que a burocracia não iria manifestar profundas clivagens sob o impacto de um levante. Tal desorganização, desintegração e desmoralização foi observável na Alemanha Oriental. Mas a função de uma política revolucionária é organizar, mobilizar e ajudar a liderar as massas na luta, não procurar, muito menos apostar, em qualquer racha real na burocracia.”

Em 1953 nós reafirmamos o conceito principal do Programa de Transição de que a destruição do stalinismo requeria a intervenção consciente e a luta revolucionária da classe trabalhadora, ambos dentro dos países soviéticos e nos países capitalistas avançados. E para a vitória dessa luta um partido marxista de vanguarda era essencial. Falou-se muito na declaração de 1953 do fato de que, enquanto a resolução dos pablistas formalmente menciona a revolução política, ela não se refere especificamente à nossa estratégia de criar partidos trotskistas nesses países. A atual resolução do SWP não apenas não menciona a necessidade de criar tais partidos – ela nem mesmo menciona a revolução política. Ao invés disso a restauração da democracia soviética é tratada simplesmente como um reflexo das mudanças objetivas na situação mundial e dentro da União Soviética.

A resolução da maioria declara formalmente que a luta da classe trabalhadora nos países capitalistas avançados é a luta central e assim se diferencia da posição das resoluções pablistas do “Sexto Congresso Mundial”. Entretanto, essa proposição correta, longe de estar no centro da resolução e suas perpectivas de estratégia revolucionária, foi na verdade inserida apenas depois de o restante do documento ter sido escrito. Assim, em contraste com o otimismo acrítico impregnando suas seções sobre a revolução colonial, as seções dos países capitalistas avançados são meramente comentadas, faltando análise revolucionária e perspectiva. De fato, a resolução da SLL trata o cenário norte-americano e sua relação com a revolução mundial de forma mais ampla e mais adequada do que faz o próprio documento norte-americano.

Nossa tarefa central de criar partidos marxistas em todos os países do mundo não recebe ênfase apropriada na resolução. Num contexto geral que dá peso principal a fatores objetivos que já teriam pesado a balança em favor da revolução, declara-se: “Agora poderosas forças, reunindo-se em escala mundial, projetam a criação de tais partidos no próprio processo da revolução”. Enquanto cada esforço deve ser feito para criar partidos revolucionários durante um levante revolucionário, também é dever do nosso movimento explicar que isso não é uma tarefa simples. A falha da revolução europeia seguindo a Revolução Russa vitoriosa se deveu à falha em criar partidos marxistas efetivos nos vários países europeus anteriormente ao desenvolvimento de situações revolucionárias. A resolução não toma conhecimento desse ponto; ao invés disso a implicação é de que na “nova realidade mundial” as “poderosas forças” (quais forças? a maré objetiva da revolução?) irão cirar o partido tão necessário automaticamente, conforme a revolução se desenrole. Essa é, de fato, uma séria fraqueza da resolução e uma outra expressão de um aspecto “objetivista” que minimiza a importância da tarefa árdua de criar a vanguarda revolucionária.

É da nossa opinião que a resolução internacional da maioria representa um sério desvio das visões essenciais do nosso movimento na direção do pensamento político revisionista dos pablistas. Esse movimento político foi realizado de maneira hesitante, ambígua, e portanto a resolução é eclética. Mas o movimento, de uma forma ou de outra, está sendo feito. A falha do partido em combater o pablismo politicamente a nível internacional está agora levando ao crescimento de métodos pablistas de pensamento dentro do nosso próprio movimento.

Cuba, China e Guiné

Métodos pablistas de pensamento penetraram em diferentes camadas do partido em diferentes graus e a respeito de questões políticas diferentes. Por exemplo, a liderança nacional inteira do partido foi arrastada pelos eventos em Cuba e perdeu noção da aproximação estratégica básica que o nosso movimento deve ter em direção a tal revolução. Toda a orientação do partido foi em direção ao aparato governante em Cuba e os seus líderes. Esperava-se que através do seu apoio virtualmente acrítico a esse governo, a liderança [de Castro] pudesse simplesmente ser ganha para o trotskismo. Uma análise trotskista sobre Cuba, entretanto, deve começar com a classe trabalhadora, não o aparato governamental. Os trotskistas deveriam permanecer politicamente independentes do governo de Castro apesar de eles poderem julgar taticamente aconselhável entrar no partido único. Os trotskistas deveriam chamar forte atenção dos trabalhadores para lutar conscientemente por um controle democrático sobre o aparato governante ao invés de esperar passivamente que o governo entregue tal controle a eles por si próprio. Nossa orientação estratégica em Cuba, como em todos os países, deveria se nos basearmos nos próprios trabalhadores e não em outras forças que nós esperamos que se transformem em trotskistas por pressão das massas.

Outros no partido começaram a carregar as implicações lógicas dessa análise pablista em outras áreas, e os resultados dos seus esforços deveriam deixar qualquer membro do partido de cabelo em pé. Por exemplo, Arne Swabeck e John Liang demonstraram que eles enxergam a lógica da posição da maioria melhor do que o faz a própria maioria: Mao poderia, como Castro, produzir um verdadeiro Estado operário sem contar com o apoio dos trabalhadores na revolução, sem democracia operária, e sem, presumivelmente, um partido marxista tampouco. Swabeck e Liang proclamaram o PC chinês como não mais stalinista, e se não exatamente trotskista, alguma coisa a caminho disso. Eles declararam que o Estado operário chinês não é deformado, mas genuíno; e que o slogan chamando pela revolução política aplicado à China deve ser retirado. Aqui novamente, numa escala significativamente maior, democracia operária – controle dos trabalhadores – é considerada como opcional e acessória, o papel da classe trabalhadora é diminuído, e a tarefa revolucionária é dada a uma tendência política diferente e hostil. Tornar Mao um trotskista honorário não muda o significado dessa posição.

Frances James, em um artigo produzido durante a discussão sobre Cuba, sugere que Guiné está se tornando um Estado operário. No curto tempo desde que ela escreveu este artigo os eventos provaram o quão desastroso tal impressionismo pode ser. Sekou Toure colocou membros do Partido Comunista e outros oponentes na prisão, suprimiu uma importante greve de professores, e lançou um ataque contra os “marxistas causadores de rupturas”. A linha de Frances James na Guiné, ou Gana ou em Mali poderia ser completamente suicida para nossas forças nesses países.

Essas análises sobre Cuba, China e Guiné não são mais do que uma expressão concreta da linha objetivista dos pablistas. Nem a liderança do partido sobre Cuba, nem Swabeck sobre a China, nem James sobre a Guiné, tem uma orientação revolucionária que começa com a classe trabalhadora e a tarefa de organizar a sua vanguarda trotskista.

O Desvio para Longe da Internacional

As diferenças essenciais no nosso partido e nosso movimento mundial são trazidos à luz por uma questão, a questão da Internacional. Conforme a acomodação política vai abrindo brechas no SWP, o racha político com Pablo é cada vez mais visto como facilmente remediável. Nossas diferenças com Pablo, diz a maioria, estão diminuindo. Isso é verdade, mas é a maioria nos Estados Unidos que mudou de plano, não o SI. Conforme o pablismo se torna mais e mais aceitável para a maioria, ao mesmo tempo a SLL, com sua firme aderência à posição e princípios trotskistas da Carta Aberta, se torna um constrangimento. É óbvio pela troca de cartas publicadas entre a SLL e o SWP, pelas “Cartas para o Centro” de James P. Cannon, da crítica política da resolução internacional do SWP apresentada pela SLL dentro do CI, que a nossa solidariedade profunda e de longa data estabelecida com a seção britânica foi seriamente corroída. Que tal situação seja permitida de se desenvolver sem nenhum tipo de discussão entre os membros do nosso partido é um estado de coisas intolerável.

Foi a inspiração política do SWP com sua Carta Aberta que levou à existência do CI. Quando nós enviamos a Carta Aberta nós tomamos para nós a responsabilidade pelo racha da Internacional. No entanto, como os britânicos documentaram e reclamaram, nós temos sido politicamente negligentes com ele desde a sua fundação. Agora, quando um conflito político mais fundamental explode entre a maioria do partido e a seção britânica, a maioria faz tudo que pode para prevenir uma discussão política das sérias questões políticas que foram levantadas. A resolução internacional da maioria foi preparada originalmente como uma contribuição para a discussão internacional. Os camaradas britânicos apresentaram suas opiniões sobre essa resolução – agora é uma responsabilidade da maioria do partido defender a sua linha política dentro do movimento mundial. Os britânicos trouxeram responsavelmente a sua crítica da resolução do SWP para o Comitê Internacional. O Comitê, com apenas um voto contrário, expressou sua oposição à linha da resolução do SWP na sua reunião de julho. Então, em dezembro, o CI votou a favor da linha geral de uma versão revisada da resolução internacional da SLL.

Nós damos total apoio à linha geral da resolução internacional do Comitê Internacional da Quarta Internacional, embora nós discordemos com amplos aspectos da sua avaliação da revolução cubana. Nós estamos em solidariedade política fundamental com o Comitê Internacional e suas seções ao redor do mundo. É essa resolução e essa solidariedade que são as bases principais nas quais nos baseamos. O que defende a maioria? Por que ela não vai levar adiante a sua responsabilidade política de defender seus pontos de vista dentro de uma organização mundial que o partido trabalhou tanto para fazer existir?

Se o presente desvio do SWP continuar sem nenhum balanço ele irá levar a uma de duas situações igualmente desastrosas. A maioria do SWP pode levar em frente a sua aproximação política com os pablistas à sua conclusão apropriada e anunciar solidariedade com o SI ou alguma fração dentro dele contra o CI. Ou, a maioria do SWP pode se desviar de qualquer relação política com o CI ou o SI. Dessa forma ela iria romper com os seus 30 anos de solidariedade política e apoio ao partido da revolução mundial, a Quarta Internacional. Tal desvio para longe da organização mundial do trotskismo seria um sinal de que um provincianismo, que não esteve completamente ausente do SWP no passado, adquiriu uma aderência profunda sobre a organização, uma aderência que só pode ser destrutiva também para o rumo nacional do partido. Foi o aspecto essencialmente provincial do LSSP, a sua verdadeira falta de preocupação profunda ou conexão com a Quarta Internacional, que contribuiu para o seu atual rumo oportunista no seu país nativo. Esse será inevitavelmente o futuro do SWP se ele continuar a se desviar da Quarta Internacional. Um retorno a um apoio real e a uma participação política na Internacional é o primeiro passo indispensável rumo à reafirmação de uma perspectiva mundial revolucionária.

Teses Sobre a Revolução Norte-americana

Em 1946, o Partido dos Trabalhadores Socialistas desenvolveu um importante documento, as “Teses Sobre a Revolução Norte-americana”. Esse documento projetou um curso revolucionário para o partido, e foram as idéias contidas nesse documento – o conceito de que todas as táticas, toda a estratégia deve ser relacionada com o objetivo de criar o partido leninista que irá liderar a revolução norte-americana – que manteve o partido firme diante dos difíceis anos que se encontravam à frente. Por volta de 1952, uma importante seção dos quadros centrais do partido havia sucumbido às pressões do isolamento e da prosperidade e haviam perdido esta perspectiva revolucionária. O camarada Cannon colocou adiante este documento uma vez mais e insistiu de forma correta que, apesar da sua avaliação inexata das perspectivas econômicas do capitalismo norte-americano, o seu essencial estava ainda correto e deveria ser a política central do nosso partido. Ele chamou pela reeducação dos quadros do partido em torno dos princípios encarnados na “Teses”.

A forma como essa questão surgiu em 1952-53 é bastante instrutiva para os problemas que o partido enfrenta hoje. Os seguidores de Cochran afirmavam que as decisões do Terceiro Congresso Mundial dominado pelos pablistas colocavam em questão as “Teses” e que as haviam superado. Assim, eles viam na visão de mundo do pablismo a base teórica para se livrar de uma perspectiva revolucionária neste país.

Em primeiro lugar, a maioria do partido tentou responder a este ataque nos próprios fundamentos do programa do nosso partido, afirmando apoio a ambos as “Teses” e às decisões do Terceiro Congresso Mundial. Assim, eles pareciam manter que as decisões do Terceiro Congresso Mundial valiam para o resto do mundo enquanto as “Teses” se mantinham válidas para os EUA. Essa era uma posição politicamente insustentável, já que as próprias “Teses” destruíam teoricamente qualquer conceito de “excepcionalidade norte-americana”, deixando claro que as leis do desenvolvimento capitalista mundial também valiam aqui. Assim, se as “Teses” se aplicavam aos EUA elas também deviam valer para os outros países capitalistas avançados, e o mesmo se aplicaria às decisões do Terceiro Congresso Mundial. Esta associação teórica foi finalmente resolvida quando a maioria do partido decidiu levar adiante uma luta política contra o pablismo numa escala mundial com o objetivo de manter a sua perspectiva revolucionária nacional.

Hoje novamente nós encaramos uma situação onde uma perspectiva mundial revolucionária está sendo desafiada – desta vez pela própria maioria do partido. É nossa forte convicção que o partido não pode manter uma perspectiva revolucionária nesse país enquanto ao mesmo tempo falhar em uma perspectiva revolucionária mundial. Essa contradição entre a perspectiva nacional e internacional será resolvida em algum momento. Pelo bem do movimento revolucionário mundial, ela deve ser resolvida projetando a orientação revolucionária das “Teses” numa escala internacional, ao invés de pôr as “Teses” no armário e permitir que um espírito acomodacionista penetre também em nosso trabalho neste país.

Até agora o partido manteve a sua perspectiva revolucionária neste país. Entretanto, há muita confusão no partido sobre para onde exatamente nós estamos indo, e às vezes parece que o partido está se arrastando de campanha em campanha sem ter comando completo sobre seu próprio curso político. Nós devemos a todo o momento ter em mente que nós buscamos nos tornar a vanguarda da classe trabalhadora norte-americana. Isto significa que todo o nosso trabalho deve ser relacionado à tarefa central de desenvolver raízes no movimento sindical e no movimento negro. Isto não é simplesmente uma questão de ganhar recrutas aqui ou acolá; na verdade, se trata do desenvolvimento dos próprios membros do partido como líderes da classe trabalhadora em sua luta contra a classe capitalista e contra os seus próprios falsos líderes.

Alguns no partido tentam contrapor a expressão vazia de “construção partidária” a essa tarefa essencial de construir o partido desenvolvendo as suas raízes na classe. Estas pessoas tenderam a ver o nosso trabalho de reagrupamento ou o de defesa de Cuba como um substituto, ao invés de um auxiliar, para as nossas tarefas centrais. Nós não afirmamos que essas tendências de afastamento de uma perspectiva revolucionária neste país se tornaram dominantes no partido. Mas nós sentimos fortemente que uma atitude de complacência sobre o nosso partido e suas perspectivas seriam muito danosas desta vez.

O Que Defendemos

Em suma, nós acreditamos que a falha da liderança do SWP em aplicar e desenvolver a teoria e o método do marxismo resultou em um perigoso desvio de uma perspeciva revolucionária mundial. A adoção na prática de uma análise objetivista e empiricista com relação aos pablistas, a minimização da importância central da criação de uma nova liderança proletária marxista em todos os países, o consistente encobrimento do papel contrarrevolucionário e potencial do stalinismo, as fortes tendências em direção à acomodação a lideranças não-proletárias, particularmente na revolução colonial – todas colocam, se não levadas em conta, uma séria ameaça ao desenvolvimento futuro do próprio SWP.

O que contrapomos a este desvio?

1.     Nós nos orientamos para a classe trabalhadora e somente para a classe trabalhadora como força revolucionária na sociedade moderna.
2.     Nós consideramos a criação de partidos marxistas revolucionários, ou seja, partidos trotskistas, como essencial para a vitória do socialismo em cada país do mundo.
3.     Nós chamamos pelo renascimento da ênfase trotskista tradicional na democracia operária como parte essencial do nosso programa e na nossa propaganda.
4.     Nós defendemos que o stalinismo é contrarrevolucionário na essência, que é o inimigo mortal da revolução, que permanece sendo a maior ameaça dentro do campo da classe trabalhadora para o sucesso da revolução mundial.
5.     Por essas razões nós chamamos por um pleno apoio à linha geral da Resolução Internacional do Comitê Internacional da Quarta Internacional.
6.     Nós chamamos por uma luta política contra o pablismo internacionalmente e contra as idéias e metodologia pablistas dentro do nosso movimento, reconhecendo no pablismo uma doença centrista que induz nossos quadros mundiais ao liquidacionismo.
7.     Nós somos a favor da reunificação da Quarta Internacional na base política da reafirmação dos fundamentos do trotskismo e a aplicação desses fundamentos à atual situação mundial. Nós chamamos pelo apoio a qualquer passo que leve adiante o processo de discussão internacional, já que isso nos aproxima do nosso objetivo e um movimento internacional saudável e forte, capaz de se expandir em uma poderosa força mundial.
8.     Nós chamamos por um retorno ao verdadeiro internacionalismo, no espírito no qual o nosso partido foi construído. Nós devemos participar plenamente no processo de discussão que está acontecendo agora no nosso movimento mundial; nós devemos dar total apoio ao Comitê Internacional e sua luta para reconstruir nossas forças mundiais dispersas. Nós devemos reconhecer que nós só podemos construir um partido efetivo nos Estados Unidos desempenhando um importante papel político no desenvolvimento do nosso movimento mundial.
9.     Nós devemos continuar a educar todos os membros no espírito dos princípios fundamentais estabelecidos nas “Teses Sobre a Revolução Norte-americana”. Nós defendemos que estes fundamentos estão tão válidos hoje como eram em 1946 e como eram em 1952. Nós mantemos que estes fundamentos são internacionalistas até a medula.
10.  Finalmente, nós consideramos o SWP, assim como a YSA [Aliança Socialista Jovem, juventude do SWP], no sentido político, como a seção norte-americana do nosso partido mundial. Em nosso partido se encontram os marxistas mais desenvolvidos e principistas em nosso país e a encorporação das ricas experiências de nossos 30 anos de batalha pelo leninismo e pelo trotskismo. Ao apresentar nossas visões para o partido nesses assuntos críticos nós estamos agindo no mais fundamental interesse do partido e do movimento revolucionário mundial. Este documento, tomado com a Resolução Internacional do CI, expressa os pontos essenciais do aspecto político ao qual o nosso partido deve retornar.

Nós nos apresentamos ao nosso partido no espírito das “Teses Sobre a Revolução Norte-americana”, que terminam com os seguintes trechos:

“O partido revolucionário de vanguarda destinado a liderar este tumultuoso movimento revolucionário nos EUA não precisa ser criado. Ele já existe e seu nome é PARTIDO DOS TRABALHADORES SOCIALISTAS. Ele é o único herdeiro legítimo e continuador do pioneiro comunismo norte-americano e dos movimentos revolucionários dos trabalhadores norte-americanos dos quais ele surgiu. Seu núcleo já tomou forma em três décadas de trabalho incessante e nado contra a corrente. Seu programa foi forjado em batalhas ideológicas e sucessivamente defendido contra todo tipo de ataque revisionista contra ele. O núcleo fundamental de uma liderança profissional foi estabelecido e treinado no espírito irreconciliável de um partido de combate da revolução.”

“A tarefa do PARTIDO DOS TRABALHADORES SOCIALISTAS consiste simplesmente nisso: permanecer fiel ao seu programa e bandeira; torna-los mais precisos a cada novo desenvolvimento e aplica-los corretamente na luta de classes; e se expandir e crescer com o crescimento do movimento revolucionário de massas, sempre aspirando levá-lo à vitória na luta pelo poder político.

Assinado por

Joyce Cowley (São Francisco)
J. Doyle (Filadélfia)
Ray Gale (São Francisco)
Margaret Gates (Filadélfia)
Ed Lee (Berkeley-Oakland)
Shane Mage (Nova Iorque)
Jim Petroski (Berkeley-Oakland)
Albert Philips (Detroit)*
Liegh Ray (São Francisco)
Jim Robertson (Nova Iorque)
Geoffrey White (Berkeley-Oakland)
Tim Wohlforth (Nova Iorque)

(*) Apesar de diferenças na avaliação sociológica, quero indicar apoio à idéia geral desta declaração e suas conclusões políticas.

Apêndice
Prefácio de 1965 da Liga Espartaquista

O material lidando com a história e as lutas da Tendência Revolucionária dentro do Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP/EUA) ocupa um lugar especial na série de Boletins Marxistas [publicação teórica da Liga Espartaquista]. Sem uma atitude séria e crítica com relação ao seu próprio desenvolvimento, nenhuma formação política pode ir além dos primeiros estágios de resolver o desafio central diante dos marxistas revolucionários nos Estados Unidos – a construção de um partido revolucionário.

Os Boletins Marxistas números 1, 2, 3 e 4 são todos devotados ao período que vai da consolidação da Tendência Revolucionária (RT) dentro do SWP à expulsão da liderança da RT do partido, que ocorreu num período de dois anos entre 1962-1963.

Origem da Tendência Revolucionária

O núcleo da RT foi originado na liderança central da Aliança Socialista Jovem [grupo de juventude do SWP] e se uniu pela primeira vez como uma oposição de esquerda à linha majoritária acrítica do SWP com relação ao rumo da revolução cubana. Essa disputa preliminar culminou na adoção de uma posição completamente revisionista pela maioria do SWP na convenção do partido de 1961. O revisionismo teórico do partido, assim como a sua prática oportunista e abstencionista, foi levado à sua linha internacional geral e começou a levar o partido para longe de uma perspectiva revolucionária também nos Estados Unidos. (As causas dessa dramática degeneração do SWP constituem o principal tema do Boletim Marxista número 2, “A Natureza do SWP”).

A Necessidade de um Documento Básico

Os oposicionistas de esquerda responderam ao ataque geral da maioria contra as antigas posições do partido contrapondo um programa revolucionário. Este documento, “Em Defesa de uma Perspectiva Revolucionária” (EDPR, para simplificar), atingiu três resultados que levaram à cristalização da RT: (1) EDPR analisou e tornou explícita a base política da oposição de esquerda; (2) ao ganhar co-autores e apoiadores, EDPR lançou na oposição organizada um número considerável de membros antigos do partido, dando à RT uma autoridade que ia além dos seus números; (3) EDPR ligou a oposição norte-americana à maioria do Comitê Internacional (CI) da Quarta Internacional ao aprovar a resolução internacional preparada pela Liga Trabalhista Socialista (SLL) britânica e adotada pelo CI, “A Perspectiva Mundial para o Socialismo”.

Escrevendo EDPR

“Em Defesa de uma Perspectiva Revolucionária” foi o resultado de um longo esforço coletivo. A necessidade de tal declaração foi primeiramente apontada por Tim Wohlforth no outono de 1961, por conselho de Gerry Healy na Grã-Bretanha. Geoffrey White foi o autor do primeiro rascunho; os camaradas Shane Mage e Cliff Slaughter fizeram contribuições nas seções e críticas sobre a teoria e o método marxista; Wohlforth fez o acabamento e a expansão editorial, e muitos outros fizeram pequenas contribuições.

A versão final aprovada foi apresentada pela Tendência Revolucionária ao Comitê Nacional do SWP em março de 1962. Após a reunião expandida do partido em junho de 1962, onde o documento foi voto vencido por 43 a 4, ele foi impresso para os membros do SWP no Boletim de Discussão Interno (volume 23, número 4, julho de 1962). Essa declaração de posição básica da RT agora se torna disponível pela primeira vez para o público geral da esquerda.

Depois de EDPR

Mesmo enquanto EDPR estava sendo introduzido na discussão partidária, a contradição entre o curso do SWP e uma posição revolucionária estava se tornando cada vez mais agudo e aparente. Assim, a RT havia acabado de afirmar em EDPR que a oposição considerava o SWP como a “seção norte-americana de nosso partido mundial” (seção “O Que Defendemos”, ponto 10). Entretanto os colaboradores da RT na Grã-Bretanha, a Liga Trabalhista Socialista [SLL], se sentiu obrigada, em julho de 1962, a atacar o SWP num longo documento intitulado “O Trotskismo Traído – SWP Aceita o Método do Revisionismo Pablista”. Em setembro do mesmo ano, representantes do CI em uma reunião internacional declararam oficialmente que “eles não representavam politicamente o SWP”.

Desde que o CI, que dessa forma repudiou seus antigos laços com o SWP, era então equivalente ao partido mundial, a relação da maioria do SWP com a RT nos Estados Unidos foi colocada em dúvida. Surgiu dentro da tendência norte-americana uma discussão política necessária para examinar a natureza do SWP e clarificar a relação entre a RT e a maioria do SWP (ver os Boletins Marxistas subsequentes).

Apesar da degeneração do SWP enquanto organização revolucionária, “Em Defesa de uma Perspectiva Revolucionária” continua incomparável até hoje como uma declaração de posição básica.

Comitê Editorial da Liga Espartaquista
Janeiro de 1965