19.7.10

A Agonia de Morte do Stalinismo

Os regimes do Leste Europeu Implodem
A Agonia de Morte do Stalinismo

Este artigo foi originalmente publicado em 1917 No.8 (1990), pela então revolucionária Tendência Bolchevique Internacional. A tradução foi feita pelo Reagrupamento Revolucionário em julho de 2013.

O desmanche da ordem política imposta aos países do Leste Europeu pela União Soviética depois da Segunda Guerra Mundial alterou profundamente a configuração da política mundial. Os recentes eventos dramáticos podem ser rastreados à aceitação, por Gorbachev, do governo liderado pelo Solidariedade na Polônia em agosto passado, o que sinalizou que o Kremlin não iria mais apoiar os seus clientes do Pacto de Varsóvia com tropas e tanques.

Com a ameaça de intervenção soviética removida, protestos de massa contra décadas de tirania stalinista explodiram por toda a região. Na Romênia, esse levante popular desaguou em um conflito armado sangrento com a “Securitate”[polícia política] de Ceausescu [dirigente do PC romeno e Presidente do país]. Por toda a parte os Partidos Comunistas dominantes, desprovidos de qualquer crença na sua legitimidade, mudaram seus nomes e retiraram seus líderes antes de correr para seus esconderijos. Até o momento, governos abertamente pró-capitalistas tomaram o poder na Polônia, Tchecoslováquia, Alemanha Oriental (RDA) e Hungria. Na Romênia e na Bulgária, os stalinistas “reformadores” que ainda tem o domínio do poder, prometem aplicar medidas de mercado capitalistas num futuro próximo.

Enquanto a dominação de Moscou sobre o Leste Europeuestá rapidamente se tornando uma coisa do passado, o futuro da região permanece incerto. Mas o ritmo é claramente para a direita. Quarenta anos de poder stalinista desacreditaram profundamente a própria ideia de socialismo entre camadas amplas da classe trabalhadora. Enganado, traído e confuso, o proletariado do Leste Europeu ainda está para se afirmar como um fator político independente. As massas de pessoas que derrubaram o Muro de Berlim ou que se enfrentaram com os capangas de Ceausescu estavam unidas por seu ódio aos privilégios, comandismo e desgoverno econômico dos seus chefes burocráticos. Eles sabiam o que eles não queriam, mas não tinham programa positivo.

O vácuo político criado pelo colapso da autoridade burocrática criou uma abertura para intelectuais pró-capitalistas e fanáticos nacionalistas. Ao longo do Leste Europeu, há uma recrudescência de organizações fascistas que datam da era Hitler. Na cidade romena de Tirgu Mures, uma organização autodenominada Guarda de Ferro assumiu a responsabilidade pelo assassinato de membros da minoria étnica húngara; cinquenta anos antes, o seu homônimo havia realizado pogroms contra judeus. Na Bulgária, ataques brutais contra a minoria turca fizeram com que milhares fugissem para salvar suas vidas. Na RDA, ataques a imigrantes e militantes de esquerda por gangues de skinheads nazistas se tornaram comuns. Por trás dessas forças estão os banqueiros e industriais do Ocidente, que estavam loucos para reconquistar os países do bloco soviético.

A restauração do capitalismo no Leste Europeu – uma perspectiva colocada agora de forma direta – representaria um imenso retrocesso para o proletariado internacional. A coletivização dos meios de produção decretada burocraticamente trouxe benefícios concretos para a classe trabalhadora. Emprego era garantido; os preços da comida, moradia e transporte eram estabilizados (e frequentemente subsidiados); saúde e educação eram acessíveis de forma geral. Na RDA, creches eram muito baratas e acessíveis a todos, e recursos especiais garantiam moradia acessível para mães solteiras e aposentados. Esses ganhos sociais, que são diretamente ameaçados pelos arquitetos da restauração capitalista, permanecem genuinamente populares entre largas camadas das massas, apesar da sua atual paixão com a “mágica” do mercado.

Pela revolução política – não à restauração capitalista!

Milhões de trabalhadores do Leste Europeu não vão apreciar a introdução de metas e demissões capitalistas. Eles não vão ficar parados quando o preço dos alimentos e dos aluguéis escalar, enquanto os salários reais são cortados, nem vão aceitar quietos serem amontoados nas filas de desempregados e na fila da sopa que os espera no maravilhoso reino da “livre concorrência”. Isso coloca um problema agudo para os novos governos pró-capitalistas. O principal recurso deles é o apoio de massa, mas eles têm uma missão de contrarrevolução social que lhes exige atacar suas bases.

A projetada absorção da RDA pela Alemanha Ocidental iria potencialmente criar contradições explosivas quando a burguesia tentar fazer a classe trabalhadora pagar o preço da Anschluss [Unificação]. Mas os capitalistas da Alemanha Ocidental possuem tanto um poderoso aparato de Estado quanto imensos recursos econômicos com os quais imporem sua vontade. Em outras partes da região, entretanto, a ausência de um aparato repressivo efetivo apresenta grandes problemas para os novos governos. Os aparatos militares e policiais existentes herdados do antigo regime estão em estado de desorganização e não podem ser considerados confiáveis sem antes passar por profundos expurgos e seleção de novo pessoal. Isso não será realizado facilmente e, de qualquer forma, exige tempo. Enquanto isso, a situação econômica está rapidamente indo de mal a pior. Não vai haver nenhum novo Plano Marshall. Para ter um “milagre econômico” de tipo pinochetista peloqual esperam os novos regimes, eles vão precisar da capacidade militar para esmagar a resistência da classe trabalhadora.

Nesse momento as formações abertamente fascistas, como a antissemita Confederação por uma Polônia Independente (KPN), que aspiram traduzir a raiva e desespero das massas populares em pogroms e terror branco, são muito marginais para realizaram esse serviço. Sem o contrabalanço suficiente para a perspectiva de uma classe trabalhadora coesa, os regimes capitalistas embrionários permanecem extremamente vulneráveis conforme a euforia inicial da “liberdade” vai se dissipando, e as massas começam a compreender exatamente o que significa a vida sob o capitalismo.

Agora, mais do que nunca, as massas do Leste Europeu precisam de uma liderança revolucionária comprometida com a defesa da propriedade coletivizada e a instituição do poder político direto da classe trabalhadora, ou seja, a perspectiva de uma revolução política proletária. A primeira qualificação necessária de tal liderança é a habilidade de encarar de frente a realidade e reconhecer a gravidade do perigo restauracionista. Nesse ponto, a maioria dos grupos da esquerda que se reivindicam trotskistas são inúteis. Seja por relutância em criticar “movimentos de massa”, ou falta de coragem em admitir que a maré política atual não está indo em direção ao progresso, a maioria da esquerda finge viver em um mundo mais ao seu gosto do que o que existe realmente. Isso só serve para desarmar a classe trabalhadora politicamente diante de um levante reacionário.

O colapso do stalinismo: o prognóstico de Trotsky confirmado

O teste de qualquer teoria política é sua habilidade para explicar grandes eventos históricos. Há mais de cinquenta anos, Trotsky caracterizou a burocracia stalinista como um estrato social privilegiado apoiando-se nas fundações econômicas criadas pela revolução de outubro de 1917. Ele apontou que a mordaça política da burocracia impedia um funcionamento e controle democrático pelos produtores, necessário para o funcionamento apropriado de uma economia coletivizada. No Programa de Transição, Trotsky previu que “O prolongamento de seu domínio [da burocracia] abala, cada dia mais, os elementos socialistas da economia e aumenta as chances de restauração capitalista”. Trotsky também argumentou que a busca dos stalinistas por riqueza e status contradizia as formas de propriedade igualitárias sobre as quais o seu domínio se baseava. É por isso que a casta stalinista nunca poderia solidificar-se em uma nova classe dominante. Trotsky também afirmou que a oligarquia burocrática permanecia uma camada social altamente instável, vulnerável tanto a levantes da classe trabalhadora como a correntes capitalistas-restauracionistas. Essa análise foi poderosamente confirmada nos meses recentes pela dramática desintegração daquilo que vários impressionistas tinham rotulado como um monolito totalitário imutável. Se nada mais, os atuais desenvolvimentos no “bloco soviético” refutam conclusivamente todas as afirmações de que as burocracias stalinistas constituem uma nova classe dominante.

Por muitos anos, o defensor mais proeminente da teoria da “nova classe” foi Max Shachtman, que rompeu com o movimento trotskista nos anos 1940 e passou a afirmar que os stalinistas representavam uma classe “coletivista burocrática”, nem burguesa nem proletária. A teoria da nova classe de Shachtman era tão indeterminada, e sua eventual deserção para o campo imperialista tão ignominiosa, que poucos ativistas de esquerda hoje reivindicam a doutrina do “coletivismo burocrático” na sua forma original.

Uma variante da teoria de Shachtman é a do “capitalismo de Estado”, de acordo com a qual a burocracia stalinista transformou a si mesma em uma nova classe capitalista coletiva. A maior tendência reivindicando a teoria do “capitalismo de Estado” é a tendência dirigida por Tony Cliff, líder do Socialist Workers Party britânico. O grupo de Cliff originalmente rompeu com o movimento trotskista no começo dos anos 1950, justamente quando a Guerra Fria estava lançando um ataque contra a Coréia. Na América do Norte, os seguidores de Cliff são conhecidos como “Socialistas Internacionais”. Enquanto a “teoria” do capitalismo de Estado livrou Cliff e seus colaboradores da tarefa desconfortável de defender o bloco soviético contra o imperialismo e tornou-os “respeitáveis” no seu ambiente socialdemocrata, ela não pôde explicar a Guerra Fria ou as revoluções sociais dirigidas (e desviadas) pelos stalinistas no Terceiro Mundo. Nem pôde explicar também porque, se não havia antagonismo fundamental entre duas variantes de “capitalismo”, os imperialistas lutaram tão ferozmente para conter e esmagar o “comunismo” desde a revolução chinesa nos anos 1940 até a Coréia, Vietnã e Cuba.

Harman vs. Cliff sobre o caráter da burocracia

Enquanto os seguidores de Cliff passaram a maior parte do tempo comemorando o colapso do stalinismo e promovendo vários oposicionistas socialdemocratas como “marxistas revolucionários”, as suas tentativas ocasionais de explicar os eventos (e não apenas descrevê-los) claramente expõe as contradições insolúveis da sua teoria.

Em um artigo que apareceu na imprensa da Organização Socialista Internacional norte-americana, o especialista em União Soviética dos cliffistas britânicos, Chris Harman, explicou que: “O mercado é uma palavra-chave para reestruturar a economia do Leste Europeu. Aqueles setores que não são competitivos com o Ocidente serão varridos, trabalhadores em outros setores vão ter que trabalhar mais por menos” (Socialist Worker, janeiro). Verdade. Mas, se a privatização completa vai ter tais desastrosas consequências para a classe trabalhadora, então deveria ser a tarefa elementar dos marxistas defenderem a manutenção da propriedade estatal – seja ela chamada de “coletivista burocrática”, “capitalista de Estado” ou qualquer outra coisa – contra o ataque do “livre mercado”. Entretanto, tal chamado pela defesa da propriedade estatal iria contradizer completamente o antisovietismo visceral que define a visão de mundo dos Socialistas Internacionais.

Os cliffistas buscam conciliar a bancarrota completa da sua teoria enquanto guia para ação minimizando o perigo restauracionista e, no lugar disso, destacam os aparatos de Estado stalinistas em rápida desintegração como a maior ameaça à classe trabalhadora. De acordo com Harman:

“É prematuro prever exatamente como a vida política vai agora se desenvolver no Leste Europeu. O que pode ser dito com certeza é que a antiga classe dominante não foi finalizada em lugar nenhum.”
“Isso é verdade mesmo se, como parece possível, o velho partido dominante desmoronar completamente.”
“Uma classe dominante e um partido dominante nunca são exatamente a mesma coisa...”.
“... a classe pode preservar a verdadeira fonte do seu poder e privilégio, seu controle sobre os meios de produção, mesmo quando o partido cair. Isso foi demonstrado na Alemanha, Itália e Espanha depois da queda de seus fascismos.”
“A rede de conexões formais que mantinha juntos chefes de polícia, oficiais do exército, ministros de governo e industriais se desintegrou.”
“Mas conexões informais permaneceram, assim como o impulso à acumulação que garantiu interesses de classe comuns desses elementos contra aqueles abaixo deles. Não demorou muito para que eles pudessem construir novos partidos dominantes tão capazes de defender seus interesses quanto os antigos.”
“No Leste Europeu, tanto se essas redes de conexão se mantiverem nos velhos partidos, quanto se passarem a partidos novos, elas estarão se preparando para a próxima rodada da luta...”
― Idem.

Harman aparentemente não está preocupado com o fato de que a sua analogia superficial contradiz diretamente seu mentor, Tony Cliff. Em Capitalismo de Estado na Rússia, Cliff comparou os dois sistemas de domínio de classe da seguinte forma:

“Onde quer que haja uma fusão da economia com a política, é teoricamente errado distinguir entre a revolução política e econômica, ou entre contrarrevolução política e econômica. A burguesia pode existir como burguesia, possuindo propriedade privada, sob diferentes formas de governo: sob uma monarquia feudal, uma monarquia constitucional, uma república burguesa... Em todos esses casos há uma relação direta de propriedade entre a burguesia e os meios de produção. Em todos eles o Estado é independente do controle direto da burguesia, e apesar disso, em nenhum deles a burguesia deixa de ser a classe dominante. Onde o Estado é o repositório dos meios de produção, existe uma fusão absoluta entre economia e política; expropriação política também significa expropriação econômica.”

Cliff ao menos reconhece que as “conexões informais” que mantêm a classe capitalista unida, independente de qual fração política esteja no comando do Estado, nada mais é do que a propriedade privada dos meios de produção. E se, como Cliff e Harman podem prontamente concordar, a ausência de propriedade privada é a característica distintiva das economias coletivizadas da URSS e do Leste Europeu, então a única forma pela qual a “classe dominante” stalinista pode manter o seu poder é através de um monopólio absoluto do Estado. Por que então os stalinistas estão abandonando o seu monopólio político em um país do Leste Europeu depois do outro: eles são a primeira classe dominante na história a abandonar o poder sem luta? Se isso for verdade, então Harman não está errado em chamar os líderes da oposição no Leste Europeu de “reformistas” supostamente ingênuos sobre os perigos da reorganização stalinista? A estratégia reformista estaria funcionando.

Burocracia stalinista: casta, não classe

Os stalinistas não se comportam como uma classe dominante porque eles não são uma classe dominante. O principal inimigo dos trabalhadores no Leste Europeu hoje não são as várias burocracias nacionais, que estão em avançado estado de decomposição, mas os capitalistas dos Estados Unidos e da Alemanha Ocidental, que buscam reintegrar essas economias ao mercado mundial imperialista.

Em um artigo particularmente opaco, publicado na edição de fevereiro de Socialist Worker Review, a revista mensal dos cliffistas, Chris Bambery argumenta que:

“Na realidade, a escolha para a burocracia é entre se ater aos velhos métodos capitalistas de Estado do passado ou adotar políticas similares à privatização de Thatcher. Ambos Gorbachev e Thatcher estão preocupados com aumentar a exploração.”

A noção de Bambery, de que o impulso para a projetada privatização da economia do Leste Europeu parte de uma decisão consciente dos governantes stalinistas com o objetivo de consolidar seu poder “aumentando a exploração”, é ridícula. O mergulho rumo à restauração do capitalismo só pode desintegrar ainda mais qualquer poder social que o aparato stalinista ainda possua. Se os países do bloco soviético reintroduzirem o capitalismo, quando isso acontecer as burocracias stalinistas serão desmanteladas. O grosso da nomenkletura está bastante ciente de que sua substituição pelo mercado capitalista como regulador da atividade econômica vai implicar a perda de ambos os privilégios materiais e o status social.

Em Revolução Traída, Trotsky antecipou que “A queda da atual ditadura burocrática, se ela não for substituída por um novo poder socialista, significaria o retorno a relações capitalistas com um declínio catastrófico da indústria e da cultura”. Em Capitalismo de Estado na Rússia, Cliff descartou a possibilidade de tal acontecimento: “As forças internas não são capazes de restaurar o capitalismo individual na Rússia...”. A projeção errada de Cliff não foi apenas um palpite ruim; é um corolário necessário à afirmação de que a burocracia soviética é uma nova classe dominante enraizada em uma nova forma de sociedade de classe, e não um crescimento parasítico sobre as formas de propriedade da classe trabalhadora.

O pânico precipitado e o recuo desesperado das burocracias do Leste Europeu em face aos recentes eventos revelou graficamente a profunda instabilidade dessas castas burocráticas. Aqueles elementos da burocracia que podem, já estão se revirando para encontrar lugares na emergente ordem capitalista – não como membros de uma “classe dominante” stalinista, mas como empresários individuais. Aqueles burocratas que não veem lugar para si em uma economia dominada pelo Ocidente serão forçados, independente da sua vontade, a lançar sua sorte junto com os setores da classe trabalhadora desencantados com as “reformas de mercado”. Esse não é o comportamento de uma classe dominante, mas sim de uma camada social instável, que se vê diante de forças competidoras mais poderosas, em meio a qualquer confronto de classe decisivo.

A atual crise do stalinismo revelou a doutrina de Tony Cliff como aquilo que ela sempre foi: uma cortina de fumaça para acomodação política a preconceitos antissoviéticos. A incapacidade dos cliffistas de responder às questões mais elementares colocadas pela luta de classes no Leste Europeu, ou de explicar, e muito menos prever, o comportamento dos stalinistas, comprova a completa falta de mérito científico da teoria do “capitalismo de Estado”. Pior, se seguida pelos ativistas de esquerda no Leste Europeu, só poderia significar abstenção na maior questão de classe que se coloca hoje: defender ou não o sistema de propriedade coletivizada (o único que pode prover a base para uma planificação democrática) contra aqueles que irão restaurar a propriedade privada dos meios de produção.

SU embarca na “dinâmica” da contrarrevolução social

Ao contrário dos “capitalistas de Estado”, o Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU) do professor Ernest Mandel afirma defender a tradição de Trotsky, incluindo sua posição sobre a “questão russa”. Assim, eles caracterizam a URSS como um Estado operário degenerado e reconhecem os Estados estabelecidos pelo Kremlin no Leste Europeu após a Segunda Guerra Mundial como Estados operários deformados. Mas o SU tem sido ainda mais stalinofóbico, e menos sério com relação ao caráter dos “movimentos de massa” que eles apoiam no Leste Europeu, do que os cliffistas. Os mandelistas saem em apoio a toda e qualquer corrente antiestalinista da região, incluindo aquelas com abertas simpatias fascistas. A edição de 18 de setembro de 1989 do principal órgão em inglês do SU, International Viewpoint (IV), publicou um revoltante apelo pela reabilitação dos “Irmãos Forest” estonianos, um bando de colaboradores nazistas antissemitas (veja “HowLowCan Mandel Go?”, 1917 No. 7).

O mesmo reflexo stalinofóbico ficou evidente no apoio entusiasmado do SU ao Solidariedade polonês, apesar de este ter adotado um programa abertamente restauracionista-capitalista no seu Congresso de setembro de 1981. Hoje o Solidariedade, à frente do governo polonês, está implementando agressivamente o programa de restauração capitalista que ele adotou nove anos atrás. Os custos humanos para os trabalhadores poloneses serão enormes. No Toronto Star de 25 de março, o colunista liberal Richard Gwyn comentou que, até agora “a escala de sofrimento é – para nós – completamente inimaginável. Em janeiro, a renda real dos poloneses diminuiu um terço”. Além disso:

“O segundo choque, começando esse verão, vai deixar algumas pessoas de queixo caído quando elas descobrirem que estão desempregadas enquanto outros, os negociadores do mercado negro e os funcionários das joint-ventures, vão escapar e subir para o topo do nível de renda.”
“‘Existe um risco de conflito que está crescendo todo o tempo’, diz Maciej Jankowski, vice-presidente do sindicato Solidariedade no distrito de Varsóvia e um apoiador do governo.”

Nada disso fez com que Mandel repensasse sua posição. Seus apoiadores norte-americanos no grupo Socialist Action, que levantaram abertamente o chamado contrarrevolucionário pela reunificação “incondicional” (ou seja, capitalista) da Alemanha, ainda usam uma adaptação do logotipo do Solidariedade na capa de seu jornal. A liderança europeia do SU, que não é tão desastrada, tenta se distanciar do Solidariedade no governo enquanto permanece completamente responsável por ter seguido Walesa e companhia todo o caminho até o Sejm [parlamento polonês].

Objetivismo pablista: não vê mal nenhum

A liderança do SU racionaliza a sua adaptação aos florescentes movimentos pró-imperialistas“pela democracia” no Leste Europeu, mascarando a sua ameaça restauracionista. Em um longo artigo analítico que apareceu no International Viewpoint de 30 de outubro de 1989, Mandel escreveu que:

“A questão principal nas lutas políticas em andamento não é a restauração do capitalismo. A questão principal é se essas lutas avançam na direção de uma revolução política antiburocrática ou de uma eliminação parcial ou total das liberdades democráticas adquiridas pelas massas sob a Glasnost. A luta principal não é entre forças pró-capitalistas e anticapitalistas. É entre a burocracia e as massas trabalhadoras...”.
―ênfase adicionada

Para sustentar essa afirmação, Mandel aponta para a “lógica objetiva” das forças de classe. Notando que “Em nenhum dos Estados operários burocratizados a pequeno-burguesia e a média burguesia representam mais que uma pequena minoria da sociedade...”, ele conclui que “A única possibilidade minimamente realista de chegar a tal resultado [capitalismo] é confiando na ala abertamente ‘reformista’ da burocracia”. Mas nem mesmo isso é causa séria de preocupação porque para

“a grande maioria da burocracia, a restauração do capitalismo reduziria seus poderes e privilégios. Apenas uma pequena minoria iria ou poderia se transformar em verdadeiros empresários de grandes firmas financeiras ou industriais...”.
“Assumir que a burocracia está caminhando nessa direção significa assumir que ela está pronta para cometer haraquiri [suicídio] como uma casta social cristalizada.”

Mandel segue para afirmar que os trabalhadores e camponeses pobres nunca vão adotar o capitalismo porque “O peso do fator ideológico... segue subordinado à confrontação dos interesses sociais”. Na Polônia:

“Por mais satisfeitos que possam estar pela espetacular vitória política do Solidariedade... e por maior que seja a real influência ideológica (muitas vezes exagerada no estrangeiro) da Igreja e do nacionalismo, os trabalhadores poloneses vão agir decisivamente para defender seus padrões de vida, seus empregos e mesmo a miserável situação social que eles ganharam quando qualquer governo, mesmo um liderado pelo Solidariedade, lhes atacar. São os seus interesses e não apenas alguns ‘valores ideológicos’ que em última análise vão determinar o seu comportamento cotidiano...”
― Idem

A estupidez criminosa do grupo de Barnes

Jack Barnes, líder do Socialist Workers Party norte-americano eparceiro de Mandel no SU, também vê a questão chave no Leste Europeu sendo democracia contra stalinismo. Os seguidores de Barnes, que tem o hábito de reproduzir acriticamente cada pronunciamento da burocracia cubana, de forma pouco característica discordaram de Fidel Castro sobre essa questão. Na edição de 9 de março do Militant, o líder do SWP norte-americano, Cindy Jaquith, criticou Castro por denunciar o “anticomunismo feroz” do Solidariedade e de seus aliados. Jaquith censura o chefe cubano dizendo que “não é o caso de que a luta por direitos democráticos no Leste Europeu prejudique Cuba; exatamente o oposto”. Ela continua:

“Não é o socialismo que está sendo golpeado por esse levante, mas o stalinismo, que manteve o seu punho contrarrevolucionário sobre a classe trabalhadora desses países por décadas. E ao deferir um golpe no stalinismo, os trabalhadores estão desferindo um gigantesco golpe no imperialismo mundial, que tem confiado na estabilidade do domínio stalinista no Leste Europeu para manter o status quo por 40 anos.”

Descrever a reabertura desse amplo setor da economia mundial à penetração capitalista como um “gigantesco golpe no imperialismo mundial” está tão em desacordo com a realidade que desafia o bom senso. Mesmo os seguidores de Barnes devem saber que um retorno ao capitalismo no Leste Europeu vai significar uma orgia de pogroms antissemitas, ataques aos direitos das mulheres, redução geral dos níveis de vida das massas e a transformação de milhões de trabalhadores em indigentes sem-teto. Entretanto, Jaquith opina de forma iluminada:

“conforme milhões de trabalhadores no Leste Europeu confrontem as consequências devastadoras nos seus padrões de vida e condições de trabalho resultantes da introdução de métodos capitalistas, eles vão resistir. E eles vão procurar por ideias revolucionárias que lhes foram negadas por décadas...”.

E o que o SWP vai dar aos futuros indigentes do Leste Europeu quando eles “procurarem”? Cópias sobressalentes dos discursos de bonapartistas depostos do Terceiro Mundo como Thomas Sankara e Maurice Bishop?

A falsa consciência do proletariado

Aqueles membros do SWP e do SU capazes de pensar, e que não são cínicos, devem estar profundamente perturbados pela atitude de seus dirigentes. Se os trabalhadores sempre vão agir “decisivamente” para defender seus interesses, por que eles votaram esmagadoramente em candidatos pró-capitalistas do Solidariedade para começo de conversa? A monumental falsa consciência da classe trabalhadora polonesa, que imagina ter amigos da Casa Branca ao Vaticano, demonstra que a consciência de classe não é uma função automática de um interesse social objetivo, que é o que Mandel e Jaquith supõem. Se fosse assim, o socialismo já teria triunfado há muito tempo.

A humanidade faz sua própria história, mas frequentemente não como pretende. Quando os trabalhadores agem com base em uma compreensão falsa da sua situação objetiva, o resultado pode ser grandes derrotas para a classe. A história do movimento sindical contém exemplos abundantes de trabalhadores brancos entrando em greve contra a contratação de negros, para supostamente “proteger” seus empregos. O Conselho dos Trabalhadores de Ulster de 1974, uma das ações operárias mais poderosas e bem sucedidas na recente história das ilhas britânicas, foi conduzido com o objetivo de manter a supremacia Protestante. A greve dos mineiros britânicos de 1984-85 foi derrotada em parte porque uma maioria dos mineiros de Nottinghamshire furou a greve dos seus companheiros.

Os trabalhadores poloneses não esperam se juntar às massas empobrecidas da América Latina, mas sim aos trabalhadores especializados da Europa Ocidental e Estados Unidos. Eles não enxergam os esquálidos guetos nos quais os negros norte-americanos e imigrantes vivem, nem os milhões de sem-teto morando em caixas de papelão nesses países. Eles também não veem a imagem de seu futuro nos cinturões industriais devastados no centro-oeste norte-americano ou no norte da Inglaterra. Ao invés disso, seu olhar está fixado nas vitrines de lojas, nos aparelhos de vídeo e nas bem localizadas casas de subúrbio que são mostradas na propaganda capitalista como se fossemum direito comum a todos que vivem no reino da “livre concorrência”.

A necessidade de uma liderança revolucionária

A tentativa de reimpor a exploração capitalista no Leste Europeuvai, sem dúvidas, provocar resistência da classe trabalhadora. Mas cada derrota para os trabalhadores no presente enfraquece a sua capacidade de reagir no futuro. Os trabalhadores poloneses teriam tido uma chance melhor de repelir a maré restauracionista se eles tivessem rompido com o Solidariedadeantes de ele chegar ao poder. Eles estarão em uma posição mais forte se organizarem uma luta contra o Solidariedade agora do que se esperarem até que milhões sejam demitidos das fábricas e os níveis de vida sejam ainda mais dilacerados.

A posição de classe objetiva dos trabalhadores na sociedade torna a sua luta pelo poder possível, mas ela não garante o sucesso. Os trabalhadores são mais capazes de lutar quando eles estão armados politicamente contra as falsas concepções que paralisam a capacidade deles para a luta, e quando estão alertas, em cada passo do caminho, para os perigos que os ameaçam. Essa é a tarefa de uma liderança revolucionária. Garantias ingênuas de que a “lógica objetiva” da luta de classes vai automaticamente levar os trabalhadores a rejeitar as ideias erradas, e a cumprir seu papel de acordo com algum roteiro “marxista” predeterminado é, no fim, uma racionalização para abdicar da luta por consciência marxista no seio da classe trabalhadora.

Tais racionalizações não são novas na história do movimento socialista. O Partido Bolchevique de Lenin foi forjado na luta contra uma doutrina conhecida como “economismo”, ou “espontaneidade das massas”. De acordo com os economicistas, as lutas econômicas do cotidiano do proletariado iriam, de alguma forma, levar ao triunfo “historicamente inevitável” do socialismo. Ao rejeitar tais doutrinas, Lenin contrapôs a necessidade de organizar a minoria politicamente consciente da classe trabalhadora e ganhar influência para o programa revolucionário. Os pronunciamentos de Mandel para efeito de que os “interesses” dos trabalhadores e não os seus “valores ideológicos” é que vão determinar o seu comportamento cotidiano tem muito mais em comum com o economismo do que com o leninismo, o legado que o SU falsamente reivindica.

Workers Power: face de esquerda do Terceiro Campo

Os centristas britânicos do grupo Workers Power, que em geral podem ser encontrados um ou dois passos à esquerda do SU, parecem estar mais conscientes do perigo de restauração capitalista. A edição de setembro de 1989 de Workers Power proclamou: “Polônia – Não ao retorno do capitalismo!”. Em 1981, enquanto o SU estava cantando louvores para a “dinâmica” incorporada pela liderança contrarrevolucionária do Solidariedade, oWorkers Power tomou uma atitude mais crítica. Mas um exame atento das suas credenciais políticas revela que a posição “à esquerda” de Workers Power não é mais do que aparência. Quando aconteceu o confronto em dezembro de 1981, quando os stalinistas agiram para suprimir a liderança contrarrevolucionária do Solidariedade, o Workers Power se uniu ao SU e a vários outros grupos pseudotrotskistas em defesa desse movimento abertamente capitalista-restauracionista. Oito anos depois, a mesma liderança do Solidariedade, defendendo o mesmo programa, finalmente chegou ao poder com o objetivo de estabelecer uma economia de mercado. Quando foi mais importante, o Workers Power estava do lado errado da barricada.A edição de março do jornal Workers Power racionaliza a sua estalinofobia da seguinte forma:

“uma oposição proletária espontânea ao stalinismo provavelmente vai associar o stalinismo com o movimento revolucionário que ele reivindica. Essa confusão não pode ser superada tomando o lado dos stalinistas contra a classe trabalhadora, mas apenas baseando-nos na classe trabalhadora mobilizada em suas lutas progressivas.”

“Lutas progressivas” são uma coisa, mas quando a classe trabalhadora é mobilizada por forças da reação clerical e da restauração capitalista, como foi na Polônia, o Workers Power vai atrás.

Apesar das suas reivindicações de defensismo soviético, oWorkers Power não se afastou muito das suas origens nos Socialistas Internacionais de Tony Cliff. Um artigo sobre a reunificação alemã no Workers Power de novembro de 1989 chamou “Pela expulsão das tropas estrangeiras de ambos os Estados”. Isso nada mais é do que uma concretização do slogan cliffista de “Nem Washington, nem Moscou”. A edição de março de 1990 nota que “a OTAN é uma aliança imperialista” e proclama que “lutamos pela sua dissolução e pela retirada incondicional de todas as suas forças para os países de origem”. Mas o artigo continua:

“O Pacto de Varsóvia foi criado em resposta à ameaça imperialista à União Soviética e àqueles Estados que ela conquistou. Enquanto suas tropas eram e são uma forma de defesa das relações de propriedade pós-capitalistas desses Estados, o único combate que elas travaram foi a supressão de classes trabalhadoras insurgentes... e nós somos a favor da dissolução e da retirada de suas tropas”.
― ênfase adicionada

Se o Pacto de Varsóvia aumentou a capacidade defensiva dos Estados operários deformados contra um ataque imperialista, porque chamar pela sua dissolução? Isso não é apenas uma confusão. Como demonstra sua defesa do Solidariedade capitalista-restauracionista, o Workers Power representa a face “de esquerda” da estalinofobia dentre as correntes que reivindicam o trotskismo.

A atitude dos revolucionários com relação ao exército soviético nos Estados operários deformados depende de circunstâncias concretas. Quando ele representar um bastião contra a pressão militar imperialista, ou uma contrarrevolução interna, nós o defendemos. Ao contrário doWorkers Power, nós não nos opomos à intervenção soviética no Afeganistão. Se a União Soviética tivesse intervido no Vietnã contra os imperialistas, como o exército chinês fez durante a Guerra da Coréia, nós teríamos apoiado militarmente.

Quando o exército soviético é usado contra a classe trabalhadora, como na RDA em 1953 ou na Hungria em 1956, nós exigimos a sua imediata retirada e defendemos os insurgentes. Na RDA, no último outono, as tropas soviéticas não colocaram nenhum perigo imediato para as mobilizações da classe trabalhadora. Dada a relativa disparidade entre o peso econômico e militar da RDA, se comparada com a Alemanha Ocidental, a retirada da presença militar soviética iria enfraquecer significativamente a defesa da propriedade coletivizada. Enquanto diz da boca para fora que faz distinção entre o Pacto de Varsóvia e a OTAN, a posição doWorkers Power, de oposição similar a ambos, é puro terceiro-campismo.

Alucinações espartaquistas e a revolução política

A Liga Espartaquista (SL) baseada nos Estados Unidos e seus satélites na “Liga Comunista Internacional” (LCI) reconhecem que a restauração capitalista, e não uma burocracia stalinista ressurreta, é o principal perigo ameaçando os trabalhadores da região. Por essa razão, nós demos nosso apoio crítico aos candidatos do “Partido dos Trabalhadores Espartaquistas” (SpAD) nas eleições de 18 de março na RDA (como mostra a declaração impressa nessa edição [de 1917]).

Entretanto, enquanto o SpAD chama pela formação de partidos “leninistas igualitários” no Leste Europeu, a própria LCI, enquanto organização política, é tão “igualitária” quanto a Romênia de Ceausescu. Qualquer recruta do SpAD que acredita estar se juntando a um grupo democrático precisa seriamente despertar para a realidade.

Os desvios do trotskismo perpetrados pela LCI vão além da natureza autocrática do seu regime interno. Existe uma deformação na forma como tratam da crise do stalinismo que se assemelha ao pseudo-otimismo do SU. Imediatamente depois do massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen) no ano passado, Workers Vanguard (jornal da Liga Espartaquista, de 9 de junho de 1989) proclamou triunfantemente: “O stalinismo chinês provocou uma revolução política que pode muito bem disseminar o fim desse regime burocrático antioperário” (ênfase adicionada). O artigo concluía dizendo que “Essa revolução começou agora”. Mas não existiu nenhuma revolução política na China no ano passado. Em nossa declaração sobre o massacre de Pequim, nós comentamos:

“Vários impressionistas autoproclamados ‘trotskistas’ – do Secretariado Unificado de Ernest Mandel à Tendência Espartaquista – declararam que uma revolução política plena estava acontecendo. Enquanto a revolta foi enorme em escala e certamente potencialmente revolucionária, ela não constituiu o que os trotskistas poderiam caracterizar como uma revolução política. Primeiro: qualquer tentativa séria de substituir o PC Chinês iria exigir instituições revolucionárias capazes de desafiar e, em última instância, de substituir o burocrático poder de Estado existente. A revolução húngara de 1956, que foi uma tentativa de revolução política, estabeleceu conselhos de trabalhadores, os quais poderiam ter se tornado as instituições principais do poder de Estado se os trabalhadores tivessem triunfado. Mas o ‘movimento pela democracia’ chinês... não criou formas organizativas que poderiam ter constituído a estrutura para o poder de Estado. O objetivo do movimento não era destruir, mas reformar as instituições de poder burocráticas.”
“Segundo: uma revolução política em um Estado operário deformado tem o objetivo de derrubar a burocracia preservando a propriedade estatal dos meios de produção. O ‘movimento pela democracia’ não possuiu clareza com relação aos seus objetivos.”

Algumas pessoas interpretaram as referências espartaquistas a uma revolução política em Pequim apenas como uma reação prematura e exageradamente entusiasmada ao levante chinês. Mas o mesmo erro reapareceu na intervenção do grupo nos eventos na RDA. Um artigo de capa na edição de 29 de dezembro de 1989 de Workers Vanguard começa dizendo que: “Uma revolução política está se desenrolando na República Democrática Alemã...”. A edição de 26 de janeiro de WV contém um artigo com a manchete “Os estudantes universitários de Chicago veem em primeira mão – a revolução política na Alemanha Oriental”, que faz um relato a partir “do seio da revolução política proletária que se desenvolve contra o poder burocrático stalinista”. Por que os espartaquistas insistem em ver revoluções políticas proletárias onde elas não existem? Antigos membros do Socialist Workers Party norte-americano relembram como, nos anos 1960 e 1970, a liderança do grupo tentava ganhar novos membros e fortalecer os antigos afirmando que cada iniciativa organizativa iria resultar em uma “maior, mais importante e mais profunda” mobilização das massas. A mesma síndrome de “tudo está indo exatamente como queremos”, que leva Ernest Mandel a afirmar que a “lógica objetiva” da luta de classes vai levar inexoravelmente ao triunfo da revolução política, faz com que James Robertson [principal dirigente da SL] afirme que ela já esteja acontecendo.

“Você ouviu falarmos muito sobre revolução política”, Robertson talvez esteja dizendo a um empolgado universitário de Chicago ou a um membro antigo cujo comprometimento esteja em baixa, “e se você estiver entre a pequena minoria dos nossos membros que ainda tem o hábito de ler, você provavelmente leu sobre ela em A Revolução Traída. Bom, agora você pode ver a revolução política com seus próprios olhos. Junte-se a nós (ou continue conosco) na Liga Espartaquista e vá para a RDA!”

Então alguns estudantes universitários se ofereçam e talvez alguns antigos quadros decepcionados se esforcem um pouco mais, esperançosos de que essa vai ser a grande virada pela qual eles andavam esperando. Mas ganhos organizativos temporários conseguidos com tais métodos tendem a se dissipar muito rapidamente quando os grandes sucessos prometidos não se materializam. Como Robertson sabe muito bem, a euforia boêmia de uma noite de sábado pode se transformar em uma ressaca bem forte no domingo pela manhã. E nesse momento, depois de meses de atividade frenética, a moral no “partido” alemão de Robertson parece estar um pouco baixa.

A edição de 20 de março de Aprekorr (o boletim espartaquista na RDA) contém um pequeno artigo intitulado “Eles roubaram os carros errados”, que relata que dois proeminentes recrutas espartaquistas na RDA recentemente saíram do grupo, levando um bom número de amigos junto com eles. Aparentemente, os dissidentes tinham se cansado do estilo de liderança autoritária dos capangas de Robertson. Um dos que saíram foi Gunther M., que havia acabado de ser acrescentado à equipe editorial da revista Spartakist, a principal publicação do SpAD. Aprekorr afirma que os membros que se retiraram, que nós calculamos teremsido cerca de uma dúzia, ficaram com uma boa quantidade dos pertences do grupo, incluindo carros, livros e correspondência. Para aumentar o constrangimento da injúria, os dissidentes do SpAD imediatamente se registraram como um grupo político perante o governo da RDA, usando “cópias do programa e dos estatutos do SpAD”.

Por um realismo leninista – não ao otimismo estúpido

Os espartaquistas, os cliffistas e os mandelistas estão, cada um do seu jeito, inclinados a substituir a realidade que existe por uma mais conveniente. O caminho da história se inclina em direção ao socialismo, mas esse caminho pode ser longo, e passar por muitas derrotas episódicas. A vontade de sobreviver a essas derrotas e perseverar até a vitória exige um compromisso temperado – não contos de fadas, otimismo estúpido ou esperanças falsas e açucaradas. A luta de classes não vai desaparecer, independente do resultado dos eventos no Leste Europeu. O futuro pertence ao socialismo porque somente ele traça um caminho para longe do barbarismo e da patologia da ordem mundial imperialista.