Os regimes do Leste Europeu Implodem
A Agonia de Morte do Stalinismo
Este artigo foi originalmente publicado
em 1917 No.8 (1990), pela então
revolucionária Tendência
Bolchevique Internacional. A tradução foi feita pelo Reagrupamento Revolucionário
em julho de 2013.
O
desmanche da ordem política imposta aos países do Leste Europeu pela União
Soviética depois da Segunda Guerra Mundial alterou profundamente a configuração
da política mundial. Os recentes eventos dramáticos podem ser rastreados à
aceitação, por Gorbachev, do governo liderado pelo Solidariedade na Polônia em
agosto passado, o que sinalizou que o Kremlin não iria mais apoiar os seus
clientes do Pacto de Varsóvia com tropas e tanques.
Com
a ameaça de intervenção soviética removida, protestos de massa contra décadas
de tirania stalinista explodiram por toda a região. Na Romênia, esse levante
popular desaguou em um conflito armado sangrento com a “Securitate”[polícia
política] de Ceausescu [dirigente do PC romeno e Presidente do país]. Por toda
a parte os Partidos Comunistas dominantes, desprovidos de qualquer crença na
sua legitimidade, mudaram seus nomes e retiraram seus líderes antes de correr
para seus esconderijos. Até o momento, governos abertamente pró-capitalistas
tomaram o poder na Polônia, Tchecoslováquia, Alemanha Oriental (RDA) e Hungria.
Na Romênia e na Bulgária, os stalinistas “reformadores” que ainda tem o domínio
do poder, prometem aplicar medidas de mercado capitalistas num futuro próximo.
Enquanto
a dominação de Moscou sobre o Leste Europeuestá rapidamente se tornando uma
coisa do passado, o futuro da região permanece incerto. Mas o ritmo é
claramente para a direita. Quarenta anos de poder stalinista desacreditaram
profundamente a própria ideia de socialismo entre camadas amplas da classe
trabalhadora. Enganado, traído e confuso, o proletariado do Leste Europeu ainda
está para se afirmar como um fator político independente. As massas de pessoas
que derrubaram o Muro de Berlim ou que se enfrentaram com os capangas de
Ceausescu estavam unidas por seu ódio aos privilégios, comandismo e desgoverno
econômico dos seus chefes burocráticos. Eles sabiam o que eles não queriam, mas
não tinham programa positivo.
O
vácuo político criado pelo colapso da autoridade burocrática criou uma abertura
para intelectuais pró-capitalistas e fanáticos nacionalistas. Ao longo do Leste
Europeu, há uma recrudescência de organizações fascistas que datam da era
Hitler. Na cidade romena de Tirgu Mures, uma organização autodenominada Guarda
de Ferro assumiu a responsabilidade pelo assassinato de membros da minoria
étnica húngara; cinquenta anos antes, o seu homônimo havia realizado pogroms
contra judeus. Na Bulgária, ataques brutais contra a minoria turca fizeram com
que milhares fugissem para salvar suas vidas. Na RDA, ataques a imigrantes e
militantes de esquerda por gangues de skinheads nazistas se tornaram comuns.
Por trás dessas forças estão os banqueiros e industriais do Ocidente, que
estavam loucos para reconquistar os países do bloco soviético.
A
restauração do capitalismo no Leste Europeu – uma perspectiva colocada agora de
forma direta – representaria um imenso retrocesso para o proletariado
internacional. A coletivização dos meios de produção decretada burocraticamente
trouxe benefícios concretos para a classe trabalhadora. Emprego era garantido;
os preços da comida, moradia e transporte eram estabilizados (e frequentemente
subsidiados); saúde e educação eram acessíveis de forma geral. Na RDA, creches
eram muito baratas e acessíveis a todos, e recursos especiais garantiam moradia
acessível para mães solteiras e aposentados. Esses ganhos sociais, que são
diretamente ameaçados pelos arquitetos da restauração capitalista, permanecem
genuinamente populares entre largas camadas das massas, apesar da sua atual
paixão com a “mágica” do mercado.
Pela revolução política – não à restauração
capitalista!
Milhões
de trabalhadores do Leste Europeu não vão apreciar a introdução de metas e
demissões capitalistas. Eles não vão ficar parados quando o preço dos alimentos
e dos aluguéis escalar, enquanto os salários reais são cortados, nem vão
aceitar quietos serem amontoados nas filas de desempregados e na fila da sopa
que os espera no maravilhoso reino da “livre concorrência”. Isso coloca um
problema agudo para os novos governos pró-capitalistas. O principal recurso
deles é o apoio de massa, mas eles têm uma missão de contrarrevolução social
que lhes exige atacar suas bases.
A
projetada absorção da RDA pela Alemanha Ocidental iria potencialmente criar
contradições explosivas quando a burguesia tentar fazer a classe trabalhadora
pagar o preço da Anschluss
[Unificação]. Mas os capitalistas da Alemanha Ocidental possuem tanto um
poderoso aparato de Estado quanto imensos recursos econômicos com os quais
imporem sua vontade. Em outras partes da região, entretanto, a ausência de um
aparato repressivo efetivo apresenta grandes problemas para os novos governos.
Os aparatos militares e policiais existentes herdados do antigo regime estão em
estado de desorganização e não podem ser considerados confiáveis sem antes
passar por profundos expurgos e seleção de novo pessoal. Isso não será
realizado facilmente e, de qualquer forma, exige tempo. Enquanto isso, a
situação econômica está rapidamente indo de mal a pior. Não vai haver nenhum
novo Plano Marshall. Para ter um “milagre econômico” de tipo pinochetista
peloqual esperam os novos regimes, eles vão precisar da capacidade militar para
esmagar a resistência da classe trabalhadora.
Nesse
momento as formações abertamente fascistas, como a antissemita Confederação por
uma Polônia Independente (KPN), que aspiram traduzir a raiva e desespero das
massas populares em pogroms e terror branco, são muito marginais para
realizaram esse serviço. Sem o contrabalanço suficiente para a perspectiva de
uma classe trabalhadora coesa, os regimes capitalistas embrionários permanecem
extremamente vulneráveis conforme a euforia inicial da “liberdade” vai se
dissipando, e as massas começam a compreender exatamente o que significa a vida
sob o capitalismo.
Agora,
mais do que nunca, as massas do Leste Europeu precisam de uma liderança
revolucionária comprometida com a defesa da propriedade coletivizada e a
instituição do poder político direto da classe trabalhadora, ou seja, a
perspectiva de uma revolução política
proletária. A primeira qualificação necessária de tal liderança é a
habilidade de encarar de frente a realidade e reconhecer a gravidade do perigo
restauracionista. Nesse ponto, a maioria dos grupos da esquerda que se
reivindicam trotskistas são inúteis. Seja por relutância em criticar
“movimentos de massa”, ou falta de coragem em admitir que a maré política atual
não está indo em direção ao progresso, a maioria da esquerda finge viver em um
mundo mais ao seu gosto do que o que existe realmente. Isso só serve para
desarmar a classe trabalhadora politicamente diante de um levante reacionário.
O colapso do stalinismo: o
prognóstico de Trotsky confirmado
O
teste de qualquer teoria política é sua habilidade para explicar grandes
eventos históricos. Há mais de cinquenta anos, Trotsky caracterizou a
burocracia stalinista como um estrato social privilegiado apoiando-se nas
fundações econômicas criadas pela revolução de outubro de 1917. Ele apontou que
a mordaça política da burocracia impedia um funcionamento e controle
democrático pelos produtores, necessário para o funcionamento apropriado de uma
economia coletivizada. No Programa de
Transição, Trotsky previu que “O prolongamento de seu domínio [da
burocracia] abala, cada dia mais, os elementos socialistas da economia e
aumenta as chances de restauração capitalista”. Trotsky também argumentou que a
busca dos stalinistas por riqueza e status contradizia as formas de propriedade
igualitárias sobre as quais o seu domínio se baseava. É por isso que a casta
stalinista nunca poderia solidificar-se em uma nova classe dominante. Trotsky
também afirmou que a oligarquia burocrática permanecia uma camada social
altamente instável, vulnerável tanto a levantes da classe trabalhadora como a
correntes capitalistas-restauracionistas. Essa análise foi poderosamente
confirmada nos meses recentes pela dramática desintegração daquilo que vários
impressionistas tinham rotulado como um monolito totalitário imutável. Se nada
mais, os atuais desenvolvimentos no “bloco soviético” refutam conclusivamente
todas as afirmações de que as burocracias stalinistas constituem uma nova
classe dominante.
Por
muitos anos, o defensor mais proeminente da teoria da “nova classe” foi Max
Shachtman, que rompeu com o movimento trotskista nos anos 1940 e passou a
afirmar que os stalinistas representavam uma classe “coletivista burocrática”,
nem burguesa nem proletária. A teoria da nova classe de Shachtman era tão
indeterminada, e sua eventual deserção para o campo imperialista tão
ignominiosa, que poucos ativistas de esquerda hoje reivindicam a doutrina do
“coletivismo burocrático” na sua forma original.
Uma
variante da teoria de Shachtman é a do “capitalismo de Estado”, de acordo com a
qual a burocracia stalinista transformou a si mesma em uma nova classe
capitalista coletiva. A maior tendência reivindicando a teoria do “capitalismo
de Estado” é a tendência dirigida por Tony Cliff, líder do Socialist Workers
Party britânico. O grupo de Cliff originalmente rompeu com o movimento
trotskista no começo dos anos 1950, justamente quando a Guerra Fria estava
lançando um ataque contra a Coréia. Na América do Norte, os seguidores de Cliff
são conhecidos como “Socialistas Internacionais”. Enquanto a “teoria” do
capitalismo de Estado livrou Cliff e seus colaboradores da tarefa
desconfortável de defender o bloco soviético contra o imperialismo e tornou-os
“respeitáveis” no seu ambiente socialdemocrata, ela não pôde explicar a Guerra
Fria ou as revoluções sociais dirigidas (e desviadas) pelos stalinistas no
Terceiro Mundo. Nem pôde explicar também porque, se não havia antagonismo
fundamental entre duas variantes de “capitalismo”, os imperialistas lutaram tão
ferozmente para conter e esmagar o “comunismo” desde a revolução chinesa nos
anos 1940 até a Coréia, Vietnã e Cuba.
Harman vs. Cliff sobre o caráter
da burocracia
Enquanto
os seguidores de Cliff passaram a maior parte do tempo comemorando o colapso do
stalinismo e promovendo vários oposicionistas socialdemocratas como “marxistas
revolucionários”, as suas tentativas ocasionais de explicar os eventos (e não
apenas descrevê-los) claramente expõe as contradições insolúveis da sua teoria.
Em
um artigo que apareceu na imprensa da Organização Socialista Internacional
norte-americana, o especialista em União Soviética dos cliffistas britânicos,
Chris Harman, explicou que: “O mercado é uma palavra-chave para reestruturar a
economia do Leste Europeu. Aqueles setores que não são competitivos com o
Ocidente serão varridos, trabalhadores em outros setores vão ter que trabalhar
mais por menos” (Socialist Worker,
janeiro). Verdade. Mas, se a privatização completa vai ter tais desastrosas
consequências para a classe trabalhadora, então deveria ser a tarefa elementar
dos marxistas defenderem a manutenção da propriedade estatal – seja ela chamada
de “coletivista burocrática”, “capitalista de Estado” ou qualquer outra coisa –
contra o ataque do “livre mercado”. Entretanto, tal chamado pela defesa da
propriedade estatal iria contradizer completamente o antisovietismo visceral
que define a visão de mundo dos Socialistas Internacionais.
Os
cliffistas buscam conciliar a bancarrota completa da sua teoria enquanto guia
para ação minimizando o perigo restauracionista e, no lugar disso, destacam os
aparatos de Estado stalinistas em rápida desintegração como a maior ameaça à
classe trabalhadora. De acordo com Harman:
“É prematuro prever exatamente
como a vida política vai agora se desenvolver no Leste Europeu. O que pode ser
dito com certeza é que a antiga classe dominante não foi finalizada em lugar
nenhum.”
“Isso é verdade mesmo se, como
parece possível, o velho partido dominante desmoronar completamente.”
“Uma classe dominante e um
partido dominante nunca são exatamente a mesma coisa...”.
“... a classe pode preservar a
verdadeira fonte do seu poder e privilégio, seu controle sobre os meios de
produção, mesmo quando o partido cair. Isso foi demonstrado na Alemanha, Itália
e Espanha depois da queda de seus fascismos.”
“A rede de conexões formais que
mantinha juntos chefes de polícia, oficiais do exército, ministros de governo e
industriais se desintegrou.”
“Mas conexões informais permaneceram,
assim como o impulso à acumulação que garantiu interesses de classe comuns desses
elementos contra aqueles abaixo deles. Não demorou muito para que eles pudessem
construir novos partidos dominantes tão capazes de defender seus interesses
quanto os antigos.”
“No Leste Europeu, tanto se
essas redes de conexão se mantiverem nos velhos partidos, quanto se passarem a
partidos novos, elas estarão se preparando para a próxima rodada da luta...”
―
Idem.
Harman
aparentemente não está preocupado com o fato de que a sua analogia superficial
contradiz diretamente seu mentor, Tony Cliff. Em Capitalismo de Estado na Rússia, Cliff comparou os dois sistemas de
domínio de classe da seguinte forma:
“Onde quer que haja uma fusão da
economia com a política, é teoricamente errado distinguir entre a revolução
política e econômica, ou entre contrarrevolução política e econômica. A
burguesia pode existir como burguesia, possuindo propriedade privada, sob
diferentes formas de governo: sob uma monarquia feudal, uma monarquia
constitucional, uma república burguesa... Em todos esses casos há uma relação
direta de propriedade entre a burguesia e os meios de produção. Em todos eles o
Estado é independente do controle direto
da burguesia, e apesar disso, em nenhum deles a burguesia deixa de ser a classe
dominante. Onde o Estado é o repositório dos meios de produção, existe uma
fusão absoluta entre economia e
política; expropriação política também significa expropriação econômica.”
Cliff
ao menos reconhece que as “conexões informais” que mantêm a classe capitalista
unida, independente de qual fração política esteja no comando do Estado, nada mais
é do que a propriedade privada dos meios
de produção. E se, como Cliff e Harman podem prontamente concordar, a
ausência de propriedade privada é a característica distintiva das economias
coletivizadas da URSS e do Leste Europeu, então a única forma pela qual a
“classe dominante” stalinista pode manter o seu poder é através de um monopólio
absoluto do Estado. Por que então os stalinistas estão abandonando o seu
monopólio político em um país do Leste Europeu depois do outro: eles são a
primeira classe dominante na história a abandonar o poder sem luta? Se isso for
verdade, então Harman não está errado em chamar os líderes da oposição no Leste
Europeu de “reformistas” supostamente ingênuos sobre os perigos da
reorganização stalinista? A estratégia reformista estaria funcionando.
Burocracia stalinista: casta, não
classe
Os
stalinistas não se comportam como uma classe dominante porque eles não são uma classe dominante. O
principal inimigo dos trabalhadores no Leste Europeu hoje não são as várias
burocracias nacionais, que estão em avançado estado de decomposição, mas os
capitalistas dos Estados Unidos e da Alemanha Ocidental, que buscam reintegrar
essas economias ao mercado mundial imperialista.
Em
um artigo particularmente opaco, publicado na edição de fevereiro de Socialist Worker Review, a revista
mensal dos cliffistas, Chris Bambery argumenta que:
“Na realidade, a escolha para a
burocracia é entre se ater aos velhos métodos capitalistas de Estado do passado
ou adotar políticas similares à privatização de Thatcher. Ambos Gorbachev e
Thatcher estão preocupados com aumentar a exploração.”
A
noção de Bambery, de que o impulso para a projetada privatização da economia do
Leste Europeu parte de uma decisão consciente dos governantes stalinistas com o
objetivo de consolidar seu poder “aumentando a exploração”, é ridícula. O
mergulho rumo à restauração do capitalismo só pode desintegrar ainda mais
qualquer poder social que o aparato stalinista ainda possua. Se os países do
bloco soviético reintroduzirem o capitalismo, quando isso acontecer as
burocracias stalinistas serão desmanteladas. O grosso da nomenkletura está bastante ciente de que sua substituição pelo
mercado capitalista como regulador da atividade econômica vai implicar a perda
de ambos os privilégios materiais e o status social.
Em
Revolução Traída, Trotsky antecipou
que “A queda da atual ditadura burocrática, se ela não for substituída por um
novo poder socialista, significaria o retorno a relações capitalistas com um
declínio catastrófico da indústria e da cultura”. Em Capitalismo de Estado na Rússia, Cliff descartou a possibilidade de
tal acontecimento: “As forças internas não são capazes de restaurar o
capitalismo individual na Rússia...”. A projeção errada de Cliff não foi apenas
um palpite ruim; é um corolário necessário à afirmação de que a burocracia
soviética é uma nova classe dominante enraizada em uma nova forma de sociedade
de classe, e não um crescimento parasítico sobre as formas de propriedade da
classe trabalhadora.
O
pânico precipitado e o recuo desesperado das burocracias do Leste Europeu em
face aos recentes eventos revelou graficamente a profunda instabilidade dessas
castas burocráticas. Aqueles elementos da burocracia que podem, já estão se
revirando para encontrar lugares na emergente ordem capitalista – não como
membros de uma “classe dominante” stalinista, mas como empresários individuais.
Aqueles burocratas que não veem lugar para si em uma economia dominada pelo
Ocidente serão forçados, independente da sua vontade, a lançar sua sorte junto
com os setores da classe trabalhadora desencantados com as “reformas de
mercado”. Esse não é o comportamento de uma classe dominante, mas sim de uma
camada social instável, que se vê diante de forças competidoras mais poderosas,
em meio a qualquer confronto de classe decisivo.
A
atual crise do stalinismo revelou a doutrina de Tony Cliff como aquilo que ela
sempre foi: uma cortina de fumaça para acomodação política a preconceitos
antissoviéticos. A incapacidade dos cliffistas de responder às questões mais
elementares colocadas pela luta de classes no Leste Europeu, ou de explicar, e
muito menos prever, o comportamento dos stalinistas, comprova a completa falta
de mérito científico da teoria do “capitalismo de Estado”. Pior, se seguida pelos
ativistas de esquerda no Leste Europeu, só poderia significar abstenção na
maior questão de classe que se coloca hoje: defender ou não o sistema de
propriedade coletivizada (o único que pode prover a base para uma planificação
democrática) contra aqueles que irão restaurar a propriedade privada dos meios
de produção.
SU embarca na “dinâmica” da
contrarrevolução social
Ao
contrário dos “capitalistas de Estado”, o Secretariado Unificado da Quarta
Internacional (SU) do professor Ernest Mandel afirma defender a tradição de
Trotsky, incluindo sua posição sobre a “questão russa”. Assim, eles
caracterizam a URSS como um Estado operário degenerado e reconhecem os Estados
estabelecidos pelo Kremlin no Leste Europeu após a Segunda Guerra Mundial
como Estados operários deformados. Mas o SU tem sido ainda mais stalinofóbico,
e menos sério com relação ao caráter dos “movimentos de massa” que eles apoiam
no Leste Europeu, do que os cliffistas. Os mandelistas saem em apoio a toda e
qualquer corrente antiestalinista da região, incluindo aquelas com abertas
simpatias fascistas. A edição de 18 de setembro de 1989 do principal órgão em
inglês do SU, International Viewpoint (IV), publicou um revoltante apelo pela
reabilitação dos “Irmãos Forest” estonianos, um bando de colaboradores nazistas
antissemitas (veja “HowLowCan Mandel Go?”,
1917 No. 7).
O
mesmo reflexo stalinofóbico ficou evidente no apoio entusiasmado do SU ao
Solidariedade polonês, apesar de este ter adotado um programa abertamente
restauracionista-capitalista no seu Congresso de setembro de 1981. Hoje o
Solidariedade, à frente do governo polonês, está implementando agressivamente o
programa de restauração capitalista que ele adotou nove anos atrás. Os custos
humanos para os trabalhadores poloneses serão enormes. No Toronto Star de 25 de março, o colunista liberal Richard Gwyn
comentou que, até agora “a escala de sofrimento é – para nós – completamente
inimaginável. Em janeiro, a renda real dos poloneses diminuiu um terço”. Além
disso:
“O segundo choque, começando esse
verão, vai deixar algumas pessoas de queixo caído quando elas descobrirem que
estão desempregadas enquanto outros, os negociadores do mercado negro e os funcionários
das joint-ventures, vão escapar e
subir para o topo do nível de renda.”
“‘Existe um risco de conflito que
está crescendo todo o tempo’, diz Maciej Jankowski, vice-presidente do
sindicato Solidariedade no distrito de Varsóvia e um apoiador do governo.”
Nada
disso fez com que Mandel repensasse sua posição. Seus apoiadores
norte-americanos no grupo Socialist Action, que levantaram abertamente o
chamado contrarrevolucionário pela reunificação “incondicional” (ou seja,
capitalista) da Alemanha, ainda usam uma adaptação do logotipo do Solidariedade
na capa de seu jornal. A liderança europeia do SU, que não é tão desastrada,
tenta se distanciar do Solidariedade no governo enquanto permanece
completamente responsável por ter seguido Walesa e companhia todo o caminho até
o Sejm [parlamento polonês].
Objetivismo pablista: não vê mal
nenhum
A
liderança do SU racionaliza a sua adaptação aos florescentes movimentos pró-imperialistas“pela
democracia” no Leste Europeu, mascarando a sua ameaça restauracionista. Em um
longo artigo analítico que apareceu no International
Viewpoint de 30 de outubro de 1989, Mandel escreveu que:
“A questão principal nas lutas
políticas em andamento não é a restauração do capitalismo. A questão principal
é se essas lutas avançam na direção de uma revolução política antiburocrática
ou de uma eliminação parcial ou total das liberdades democráticas adquiridas
pelas massas sob a Glasnost. A luta
principal não é entre forças pró-capitalistas e anticapitalistas. É entre a
burocracia e as massas trabalhadoras...”.
―ênfase adicionada
Para
sustentar essa afirmação, Mandel aponta para a “lógica objetiva” das forças de
classe. Notando que “Em nenhum dos Estados operários burocratizados a
pequeno-burguesia e a média burguesia representam mais que uma pequena minoria
da sociedade...”, ele conclui que “A única possibilidade minimamente realista
de chegar a tal resultado [capitalismo] é confiando na ala abertamente
‘reformista’ da burocracia”. Mas nem mesmo isso é causa séria de preocupação
porque para
“a grande maioria da burocracia,
a restauração do capitalismo reduziria seus poderes e privilégios. Apenas uma
pequena minoria iria ou poderia se transformar em verdadeiros empresários de
grandes firmas financeiras ou industriais...”.
“Assumir que a burocracia está
caminhando nessa direção significa assumir que ela está pronta para cometer haraquiri [suicídio] como uma casta
social cristalizada.”
Mandel
segue para afirmar que os trabalhadores e camponeses pobres nunca vão adotar o
capitalismo porque “O peso do fator ideológico... segue subordinado à
confrontação dos interesses sociais”. Na Polônia:
“Por mais satisfeitos que possam
estar pela espetacular vitória política do Solidariedade... e por maior que
seja a real influência ideológica (muitas vezes exagerada no estrangeiro) da
Igreja e do nacionalismo, os trabalhadores poloneses vão agir decisivamente
para defender seus padrões de vida, seus empregos e mesmo a miserável situação
social que eles ganharam quando qualquer governo, mesmo um liderado pelo
Solidariedade, lhes atacar. São os seus interesses e não apenas alguns ‘valores
ideológicos’ que em última análise vão determinar o seu comportamento
cotidiano...”
― Idem
A estupidez criminosa do grupo de
Barnes
Jack
Barnes, líder do Socialist Workers Party norte-americano eparceiro de Mandel no
SU, também vê a questão chave no Leste Europeu sendo democracia contra
stalinismo. Os seguidores de Barnes, que tem o hábito de reproduzir acriticamente
cada pronunciamento da burocracia cubana, de forma pouco característica
discordaram de Fidel Castro sobre essa questão. Na edição de 9 de março do Militant, o líder do SWP norte-americano,
Cindy Jaquith, criticou Castro por denunciar o “anticomunismo feroz” do
Solidariedade e de seus aliados. Jaquith censura o chefe cubano dizendo que
“não é o caso de que a luta por direitos democráticos no Leste Europeu
prejudique Cuba; exatamente o oposto”. Ela continua:
“Não é o socialismo que está
sendo golpeado por esse levante, mas o stalinismo, que manteve o seu punho
contrarrevolucionário sobre a classe trabalhadora desses países por décadas. E
ao deferir um golpe no stalinismo, os trabalhadores estão desferindo um
gigantesco golpe no imperialismo mundial, que tem confiado na estabilidade do
domínio stalinista no Leste Europeu para manter o status quo por 40 anos.”
Descrever
a reabertura desse amplo setor da economia mundial à penetração capitalista
como um “gigantesco golpe no imperialismo mundial” está tão em desacordo com a
realidade que desafia o bom senso. Mesmo os seguidores de Barnes devem saber
que um retorno ao capitalismo no Leste Europeu vai significar uma orgia de
pogroms antissemitas, ataques aos direitos das mulheres, redução geral dos
níveis de vida das massas e a transformação de milhões de trabalhadores em
indigentes sem-teto. Entretanto, Jaquith opina de forma iluminada:
“conforme milhões de
trabalhadores no Leste Europeu confrontem as consequências devastadoras nos
seus padrões de vida e condições de trabalho resultantes da introdução de
métodos capitalistas, eles vão resistir. E eles vão procurar por ideias
revolucionárias que lhes foram negadas por décadas...”.
E
o que o SWP vai dar aos futuros indigentes do Leste Europeu quando eles “procurarem”?
Cópias sobressalentes dos discursos de bonapartistas depostos do Terceiro Mundo
como Thomas Sankara e Maurice Bishop?
A falsa consciência do
proletariado
Aqueles
membros do SWP e do SU capazes de pensar, e que não são cínicos, devem estar
profundamente perturbados pela atitude de seus dirigentes. Se os trabalhadores
sempre vão agir “decisivamente” para defender seus interesses, por que eles
votaram esmagadoramente em candidatos pró-capitalistas do Solidariedade para
começo de conversa? A monumental falsa consciência da classe trabalhadora
polonesa, que imagina ter amigos da Casa Branca ao Vaticano, demonstra que a
consciência de classe não é uma função automática de um interesse social
objetivo, que é o que Mandel e Jaquith supõem. Se fosse assim, o socialismo já
teria triunfado há muito tempo.
A
humanidade faz sua própria história, mas frequentemente não como pretende.
Quando os trabalhadores agem com base em uma compreensão falsa da sua situação
objetiva, o resultado pode ser grandes derrotas para a classe. A história do
movimento sindical contém exemplos abundantes de trabalhadores brancos entrando
em greve contra a contratação de negros, para supostamente “proteger” seus
empregos. O Conselho dos Trabalhadores de Ulster de 1974, uma das ações
operárias mais poderosas e bem sucedidas na recente história das ilhas
britânicas, foi conduzido com o objetivo de manter a supremacia Protestante. A
greve dos mineiros britânicos de 1984-85 foi derrotada em parte porque uma
maioria dos mineiros de Nottinghamshire furou a greve dos seus companheiros.
Os
trabalhadores poloneses não esperam se juntar às massas empobrecidas da América
Latina, mas sim aos trabalhadores especializados da Europa Ocidental e Estados
Unidos. Eles não enxergam os esquálidos guetos nos quais os negros
norte-americanos e imigrantes vivem, nem os milhões de sem-teto morando em
caixas de papelão nesses países. Eles também não veem a imagem de seu futuro
nos cinturões industriais devastados no centro-oeste norte-americano ou no
norte da Inglaterra. Ao invés disso, seu olhar está fixado nas vitrines de
lojas, nos aparelhos de vídeo e nas bem localizadas casas de subúrbio que são mostradas
na propaganda capitalista como se fossemum direito comum a todos que vivem no
reino da “livre concorrência”.
A necessidade de uma liderança
revolucionária
A
tentativa de reimpor a exploração capitalista no Leste Europeuvai, sem dúvidas,
provocar resistência da classe trabalhadora. Mas cada derrota para os
trabalhadores no presente enfraquece
a sua capacidade de reagir no futuro.
Os trabalhadores poloneses teriam tido uma chance melhor de repelir a maré
restauracionista se eles tivessem rompido com o Solidariedadeantes de ele chegar ao poder. Eles
estarão em uma posição mais forte se organizarem uma luta contra o
Solidariedade agora do que se
esperarem até que milhões sejam demitidos das fábricas e os níveis de vida
sejam ainda mais dilacerados.
A
posição de classe objetiva dos trabalhadores na sociedade torna a sua luta pelo
poder possível, mas ela não garante o sucesso. Os trabalhadores são mais
capazes de lutar quando eles estão armados politicamente contra as falsas
concepções que paralisam a capacidade deles para a luta, e quando estão alertas,
em cada passo do caminho, para os
perigos que os ameaçam. Essa é a tarefa de uma liderança revolucionária.
Garantias ingênuas de que a “lógica objetiva” da luta de classes vai
automaticamente levar os trabalhadores a rejeitar as ideias erradas, e a
cumprir seu papel de acordo com algum roteiro “marxista” predeterminado é, no
fim, uma racionalização para abdicar da luta por consciência marxista no seio
da classe trabalhadora.
Tais
racionalizações não são novas na história do movimento socialista. O Partido
Bolchevique de Lenin foi forjado na luta contra uma doutrina conhecida como
“economismo”, ou “espontaneidade das massas”. De acordo com os economicistas,
as lutas econômicas do cotidiano do proletariado iriam, de alguma forma, levar
ao triunfo “historicamente inevitável” do socialismo. Ao rejeitar tais
doutrinas, Lenin contrapôs a necessidade de organizar a minoria politicamente
consciente da classe trabalhadora e ganhar influência para o programa
revolucionário. Os pronunciamentos de Mandel para efeito de que os “interesses”
dos trabalhadores e não os seus “valores ideológicos” é que vão determinar o
seu comportamento cotidiano tem muito mais em comum com o economismo do que com
o leninismo, o legado que o SU falsamente reivindica.
Workers Power: face de esquerda do
Terceiro Campo
Os
centristas britânicos do grupo Workers Power, que em geral podem ser
encontrados um ou dois passos à esquerda do SU, parecem estar mais conscientes
do perigo de restauração capitalista. A edição de setembro de 1989 de Workers Power proclamou: “Polônia – Não
ao retorno do capitalismo!”. Em 1981, enquanto o SU estava cantando louvores
para a “dinâmica” incorporada pela liderança contrarrevolucionária do
Solidariedade, oWorkers Power tomou uma atitude mais crítica. Mas um exame
atento das suas credenciais políticas revela que a posição “à esquerda” de
Workers Power não é mais do que aparência. Quando aconteceu o confronto em
dezembro de 1981, quando os stalinistas agiram para suprimir a liderança
contrarrevolucionária do Solidariedade, o Workers Power se uniu ao SU e a vários
outros grupos pseudotrotskistas em defesa desse movimento abertamente
capitalista-restauracionista. Oito anos depois, a mesma liderança do
Solidariedade, defendendo o mesmo programa, finalmente chegou ao poder com o
objetivo de estabelecer uma economia de mercado. Quando foi mais importante, o Workers
Power estava do lado errado da barricada.A edição de março do jornal Workers Power racionaliza a sua
estalinofobia da seguinte forma:
“uma oposição proletária espontânea
ao stalinismo provavelmente vai associar o stalinismo com o movimento
revolucionário que ele reivindica. Essa confusão não pode ser superada tomando
o lado dos stalinistas contra a classe trabalhadora, mas apenas baseando-nos na
classe trabalhadora mobilizada em suas lutas progressivas.”
“Lutas
progressivas” são uma coisa, mas quando a classe trabalhadora é mobilizada por
forças da reação clerical e da restauração capitalista, como foi na Polônia, o Workers
Power vai atrás.
Apesar
das suas reivindicações de defensismo soviético, oWorkers Power não se afastou
muito das suas origens nos Socialistas Internacionais de Tony Cliff. Um artigo
sobre a reunificação alemã no Workers
Power de novembro de 1989 chamou “Pela expulsão das tropas estrangeiras de
ambos os Estados”. Isso nada mais é do que uma concretização do slogan
cliffista de “Nem Washington, nem Moscou”. A edição de março de 1990 nota que
“a OTAN é uma aliança imperialista” e proclama que “lutamos pela sua dissolução
e pela retirada incondicional de todas as suas forças para os países de
origem”. Mas o artigo continua:
“O Pacto de Varsóvia foi criado
em resposta à ameaça imperialista à União Soviética e àqueles Estados que ela
conquistou. Enquanto suas tropas eram e são uma forma de defesa das relações de
propriedade pós-capitalistas desses Estados, o único combate que elas travaram
foi a supressão de classes trabalhadoras insurgentes... e nós somos a favor da dissolução e da retirada de suas tropas”.
― ênfase adicionada
Se
o Pacto de Varsóvia aumentou a capacidade defensiva dos Estados operários
deformados contra um ataque imperialista, porque chamar pela sua dissolução?
Isso não é apenas uma confusão. Como demonstra sua defesa do Solidariedade
capitalista-restauracionista, o Workers Power representa a face “de esquerda”
da estalinofobia dentre as correntes que reivindicam o trotskismo.
A
atitude dos revolucionários com relação ao exército soviético nos Estados
operários deformados depende de circunstâncias concretas. Quando ele
representar um bastião contra a pressão militar imperialista, ou uma
contrarrevolução interna, nós o defendemos. Ao contrário doWorkers Power, nós
não nos opomos à intervenção soviética no Afeganistão. Se a União Soviética tivesse
intervido no Vietnã contra os imperialistas, como o exército chinês fez durante
a Guerra da Coréia, nós teríamos apoiado militarmente.
Quando
o exército soviético é usado contra a classe trabalhadora, como na RDA em 1953
ou na Hungria em 1956, nós exigimos a sua imediata retirada e defendemos os
insurgentes. Na RDA, no último outono, as tropas soviéticas não colocaram
nenhum perigo imediato para as mobilizações da classe trabalhadora. Dada a
relativa disparidade entre o peso econômico e militar da RDA, se comparada com
a Alemanha Ocidental, a retirada da presença militar soviética iria enfraquecer
significativamente a defesa da propriedade coletivizada. Enquanto diz da boca
para fora que faz distinção entre o Pacto de Varsóvia e a OTAN, a posição doWorkers
Power, de oposição similar a ambos, é puro terceiro-campismo.
Alucinações espartaquistas e a
revolução política
A
Liga Espartaquista (SL) baseada nos Estados Unidos e seus satélites na “Liga
Comunista Internacional” (LCI) reconhecem que a restauração capitalista, e não
uma burocracia stalinista ressurreta, é o principal perigo ameaçando os
trabalhadores da região. Por essa razão, nós demos nosso apoio crítico aos
candidatos do “Partido dos Trabalhadores Espartaquistas” (SpAD) nas eleições de
18 de março na RDA (como mostra a declaração impressa nessa edição [de 1917]).
Entretanto,
enquanto o SpAD chama pela formação de partidos “leninistas igualitários” no
Leste Europeu, a própria LCI, enquanto organização política, é tão
“igualitária” quanto a Romênia de Ceausescu. Qualquer recruta do SpAD que
acredita estar se juntando a um grupo democrático precisa seriamente despertar
para a realidade.
Os
desvios do trotskismo perpetrados pela LCI vão além da natureza autocrática do
seu regime interno. Existe uma deformação na forma como tratam da crise do
stalinismo que se assemelha ao pseudo-otimismo do SU. Imediatamente depois do
massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen) no ano passado, Workers Vanguard (jornal da Liga
Espartaquista, de 9 de junho de 1989) proclamou triunfantemente: “O stalinismo
chinês provocou uma revolução política
que pode muito bem disseminar o fim desse regime burocrático antioperário”
(ênfase adicionada). O artigo concluía dizendo que “Essa revolução começou
agora”. Mas não existiu nenhuma revolução política na China no ano passado. Em
nossa declaração sobre o massacre de Pequim, nós comentamos:
“Vários impressionistas
autoproclamados ‘trotskistas’ – do Secretariado Unificado de Ernest Mandel à
Tendência Espartaquista – declararam que uma revolução política plena estava
acontecendo. Enquanto a revolta foi enorme em escala e certamente potencialmente revolucionária, ela não
constituiu o que os trotskistas poderiam caracterizar como uma revolução
política. Primeiro: qualquer tentativa séria de substituir o PC Chinês iria
exigir instituições revolucionárias capazes de desafiar e, em última instância,
de substituir o burocrático poder de Estado existente. A revolução húngara de
1956, que foi uma tentativa de
revolução política, estabeleceu conselhos de trabalhadores, os quais poderiam
ter se tornado as instituições principais do poder de Estado se os trabalhadores tivessem triunfado. Mas o
‘movimento pela democracia’ chinês... não criou formas organizativas que
poderiam ter constituído a estrutura para o poder de Estado. O objetivo do
movimento não era destruir, mas reformar
as instituições de poder burocráticas.”
“Segundo: uma revolução política
em um Estado operário deformado tem o objetivo de derrubar a burocracia
preservando a propriedade estatal dos meios de produção. O ‘movimento pela
democracia’ não possuiu clareza com relação aos seus objetivos.”
Algumas
pessoas interpretaram as referências espartaquistas a uma revolução política em
Pequim apenas como uma reação prematura e exageradamente entusiasmada ao
levante chinês. Mas o mesmo erro reapareceu na intervenção do grupo nos eventos
na RDA. Um artigo de capa na edição de 29 de dezembro de 1989 de Workers Vanguard começa dizendo que:
“Uma revolução política está se desenrolando na República Democrática
Alemã...”. A edição de 26 de janeiro de WV
contém um artigo com a manchete “Os estudantes universitários de Chicago veem
em primeira mão – a revolução política na Alemanha Oriental”, que faz um relato
a partir “do seio da revolução política proletária que se desenvolve contra o
poder burocrático stalinista”. Por que os espartaquistas insistem em ver
revoluções políticas proletárias onde elas não existem? Antigos membros do
Socialist Workers Party norte-americano relembram como, nos anos 1960 e 1970, a
liderança do grupo tentava ganhar novos membros e fortalecer os antigos
afirmando que cada iniciativa organizativa iria resultar em uma “maior, mais
importante e mais profunda” mobilização das massas. A mesma síndrome de “tudo
está indo exatamente como queremos”, que leva Ernest Mandel a afirmar que a
“lógica objetiva” da luta de classes vai levar inexoravelmente ao triunfo da
revolução política, faz com que James Robertson [principal dirigente da SL] afirme
que ela já esteja acontecendo.
“Você
ouviu falarmos muito sobre revolução política”, Robertson talvez esteja dizendo
a um empolgado universitário de Chicago ou a um membro antigo cujo
comprometimento esteja em baixa, “e se você estiver entre a pequena minoria dos
nossos membros que ainda tem o hábito de ler, você provavelmente leu sobre ela
em A Revolução Traída. Bom, agora
você pode ver a revolução política
com seus próprios olhos. Junte-se a nós (ou continue conosco) na Liga
Espartaquista e vá para a RDA!”
Então
alguns estudantes universitários se ofereçam e talvez alguns antigos quadros
decepcionados se esforcem um pouco mais, esperançosos de que essa vai ser a
grande virada pela qual eles andavam esperando. Mas ganhos organizativos
temporários conseguidos com tais métodos tendem a se dissipar muito rapidamente
quando os grandes sucessos prometidos não se materializam. Como Robertson sabe
muito bem, a euforia boêmia de uma noite de sábado pode se transformar em uma
ressaca bem forte no domingo pela manhã. E nesse momento, depois de meses de
atividade frenética, a moral no “partido” alemão de Robertson parece estar um
pouco baixa.
A
edição de 20 de março de Aprekorr (o
boletim espartaquista na RDA) contém um pequeno artigo intitulado “Eles
roubaram os carros errados”, que relata que dois proeminentes recrutas
espartaquistas na RDA recentemente saíram do grupo, levando um bom número de
amigos junto com eles. Aparentemente, os dissidentes tinham se cansado do
estilo de liderança autoritária dos capangas de Robertson. Um dos que saíram
foi Gunther M., que havia acabado de ser acrescentado à equipe editorial da
revista Spartakist, a principal
publicação do SpAD. Aprekorr afirma que
os membros que se retiraram, que nós calculamos teremsido cerca de uma dúzia,
ficaram com uma boa quantidade dos pertences do grupo, incluindo carros, livros
e correspondência. Para aumentar o constrangimento da injúria, os dissidentes
do SpAD imediatamente se registraram como um grupo político perante o governo
da RDA, usando “cópias do programa e dos estatutos do SpAD”.
Por um realismo leninista – não ao
otimismo estúpido
Os
espartaquistas, os cliffistas e os mandelistas estão, cada um do seu jeito,
inclinados a substituir a realidade que existe por uma mais conveniente. O
caminho da história se inclina em direção ao socialismo, mas esse caminho pode
ser longo, e passar por muitas derrotas episódicas. A vontade de sobreviver a
essas derrotas e perseverar até a vitória exige um compromisso temperado – não
contos de fadas, otimismo estúpido ou esperanças falsas e açucaradas. A luta de
classes não vai desaparecer, independente do resultado dos eventos no Leste Europeu. O futuro pertence ao socialismo porque somente ele traça um caminho
para longe do barbarismo e da patologia da ordem mundial imperialista.