Verdade ou Consequências
Publicamos a seguir uma carta
endereçada pela Tendência Bolchevique (atual Tendência Bolchevique Internacional) ao Workers
Vanguard, jornal
da Liga Espartaquista dos EUA (SL).
Ela é uma resposta a um artigo da SL que tentou difamar a Tendência
Bolchevique. Ambas organizações, em momentos diferentes, foram capazes de
sintetizar um programa revolucionário para a realidade do pós-Segunda Guerra
Mundial, porém se degeneraram e deixaram de representar embriões para a
construção de um partido revolucionário do proletariado. Sua tradução para o
português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em maio de 2013.
16
de dezembro de 1989
Camaradas:
Ao
responder a uma polêmica do Workers Vanguard (WV)
contra a Workers League [organização associada ao Comitê Internacional] pela
sua postura no caso Mark Curtis [1], o Bulletin [jornal da
WL] de 14 de julho de 1989 repete uma série de acusações levantadas contra a
Liga Espartaquista pela Tendência Bolchevique. Em sua réplica (“Why Should Anyone
Believe David North?” [Porque alguém deveria acreditar
em David North”], WV,
13 de outubro de 1989) vocês aproveitam essa oportunidade para amalgamar a TB
com a Workers League (WL), citando o artigo do Bulletin como
evidência de que supostamente compartilhamos de um anti-sovietismo, de
hostilidade à classe trabalhadora negra, de sede de sangue, de apetite por
provocação e de uma “mentalidade criminosa”. Nossa atitude em relação à Workers
League tem sido há muito assunto de material público. Nós consideramos esse
desagradável bando de outrora acólitos norte-americanos de Gerry Healy como um
dos exemplos mais pérfidos de uma psicose de grupos pequenos e de banditismo
político na história recente da esquerda dos EUA – excedendo até mesmo vocês.
Tendo considerado toda a evidência à disposição, nós concluímos que o militante
do SWP de Iowa, Mark Curtis, foi de fato vítima de uma armação da polícia. Nós
apoiamos sua campanha de defesa há um ano e meio atrás. A tentativa da WL de
apoiar o caso do procurador é mais um episódio em sua cruzada patológica de
décadas de duração para destruir o SWP através de todo e qualquer meio sem
princípios, incluindo difamação, insinuações de que militantes seus seriam
policiais infiltrados no movimento e cumplicidade com as cortes capitalistas.
Entretanto,
nada impede que até mesmo os mais inescrupulosos manipuladores políticos possam
fazer uso da verdade quando isso atende a seus propósitos. Quantas vezes
durante os anos 1930 a mídia burguesa e social-democrata usou os escritos de
Trotsky para desacreditar a União Soviética? E quantas vezes os stalinistas
oferecem essas citações de Trotsky na mídia burguesa como uma prova de seu
“ódio pela União Soviética” e da sua cumplicidade com os poderes imperialistas?
Vocês empregam agora essa mesma técnica stalinista de culpa por associação
involuntária contra a Tendência Bolchevique, porque a WL, que não é
particularmente seletiva em termos dos meios que usam para desacreditar seus
oponentes, encontrou na nossa literatura alguns fatos mais danosos para a Liga
Espartaquista do que qualquer mentira que pudessem inventar. Nós não seremos
mais dissuadidos de publicar a verdade sobre sua organização porque ela pode
ser citada pelos direitistas, reformistas ou mercenários políticos, do que
Trotsky era por falar a verdade sobre o stalinismo, porque ela poderia ser
usada pela burguesia de acordo com seus próprios objetivos
contrarrevolucionários.
Sua
resposta à WL faz referência às “grotescas calúnias da Tendência Bolchevique
contra a Liga Espartaquista”, ao mesmo tempo em que espertamente evita
mencionar a que “calúnias” vocês se referem, se esquivando de confrontá-las. Na
verdade, a única acusação específica que vocês mencionam é de um artigo
publicado em 1917
[revista da TB] (que não é citado na
polêmica da WL), que compara os regimes internos de Gerry Healy e James
Robertson (“A Escola de Robertson de Construção de Partido”, 1917 n. 1). Nesse
artigo nós apontamos que, assim como Healy rotineiramente fazia seus oponentes
internos serem agredidos, “Isso é algo de que a SL não é culpada no nosso
conhecimento”. Vocês se fazem de indignados porque também apontamos que
“intimações desse tipo são progressivamente comuns” entre sua liderança, mas
vocês se esquivam de comentar os exemplos de tais impulsos que citamos a partir
de um relato de um membro dirigente da Liga Espartaquista / Grã Bretanha. Ele
perguntou: “Talvez vocês possam explicar por que Len disse [para um antigo
membro] para que ele se lembrasse do que momentos de radicalização violenta
costumam fazer com ‘pessoas como ele’. Ou por que Ed se sentiu compelido a
dizer [para outro membro] que ‘se nós estivéssemos em [outro país] nós iríamos
arrebentar você’”. Pessoas razoáveis só podem interpretar observações desse
tipo como cultivadoras um apetite para o tipo de violações da democracia
operária que deu aos seguidores de Healy uma reputação merecidamente ruim.
Sua
reposta aos seguidores de North é feita para dar a seus leitores a impressão de
que a TB só faz insinuações vagas em relação à SL. Ninguém iria suspeitar a
partir de seu artigo que nós fizemos um número razoável de alegações
específicas e concretas em relação a violações do princípio trotskista, do
centralismo democrático e da moral proletária por parte de seu Presidente Nacional,
James Robertson, e de sua panelinha sicofanta. Várias dessas acusações
altamente específicas são repetidas na polêmica da WL. Entretanto, vocês
deliberadamente escolheram ignorá-las. Se essas acusações mais específicas
fossem falsas, vocês poderiam ter de forma justa nos culpado não só de fazer
insinuações, mas (o que é bem pior) de inventar enormes mentiras sobre sua
organização. Mas isso necessariamente iria envolver responder nossas acusações
de maneira direta – algo que vocês não estão preparados para fazer por uma
razão bem constrangedora: elas são verdadeiras.
Nos
anos recentes, a liderança da SL se viu forçada a submeter seus membros a
testes de múltiplas escolhas, visando elevar seu conhecimento geral. Para
aumentar o conhecimento público acerca da Liga Espartaquista, nós os convidamos
a fazer o seguinte teste de “verdadeiro ou falso”, consistindo das alegações específicas
publicadas em nossa revista, 1917, que foram
recolhidas pelo Bulletin
(14 de julho de 1989):
1. “Em 1984, o Workers Vanguard publicou uma notícia de óbito bordada de preto para Yuri Andropov, o chefe da KGB que desempenhou um papel central em massacrar a Revolução Hungára de 1956, reivindicando que ele ‘não cometeu traições abertas em nome do imperialismo’” (V) (F)2. “Alguns membros da SL que participaram de um ato contra a Ku Klux Klan em Washington, DC, se nomearam de ‘Brigada Yuri Andropov’” (V) (F)
Temos
certeza de que até mesmo vocês não teriam dificuldade em responder “verdadeiro”
para as duas perguntas acima, já que as respostas podem ser confirmadas
consultando-se os devidos números anteriores de Workers Vanguard.
Ainda não reconhecidas publicamente até o momento, entretanto, são seguintes
acusações sobre a vida interna da SL contidas no Bulletin:
3. “...a liderança colocou fotos do General Jaruzelski [chefe da burocracia stalinista na Polônia] no escritório nacional” (V) (F)4. “O fundador da SL, James Robertson, teve uma casa de veraneio que custou mais de seis dígitos construída [nós dissemos “comprada” – TB] para si em uma marina, na Bay Area de San Francisco, financiada por uma taxação especial sobre a militância. ‘Apesar da casa ser tecnicamente propriedade da organização, ela é claramente destinada ao uso pessoal de Robertson...’” (V) (F)5. “‘Adjunta ao seu escritório oficial na sede de New York do grupo está uma sala de diversões especificamente projetada para as escapadas noturnas que ocupam uma sempre crescente parte da atenção do Presidente Nacional.’” (V) (F)6. “‘Robertson também teve um ofurô instalado em seu vasto apartamento de dois andares em Manhattan.’” (V) (F)
Assim
como vários outros ex-membros e membros atuais da SL, nós temos conhecimento
pessoal de que a resposta para todas as questões acima é “verdadeiro”. Nós prevemos que vocês não irão publicar esta carta na sua
totalidade. Fazer isto significaria confirmar ou negar por escrito as acusações
acima; fazer qualquer uma das duas coisas iria ser igualmente desastroso para a
reputação da liderança da SL. Negá-las iria contradizer a experiência de cada
membro da SL ou simpatizante que viu a foto de Jaruzelski (em exposição por
meses no departamento de manutenção da sua sede nova-iorquina), que
contribuíram para comprar a casa de Robertson, que perderam muitas horas
construindo a sua sala de recreação ou instalando a sua banheira. Uma negação
direta iria expor a sua liderança como mentirosos cínicos e sem escrúpulos
diante de todos os membros e simpatizantes.
Se,
por outro lado, vocês confirmarem essas alegações, e disserem que, como cabeça
de uma suposta organização marxista, Robertson tem todo o direito de desfrutar
de um estilo de vida com privilégios materiais à custa dos seus membros, e que
Jaruzelski merece um lugar de honra nas suas paredes, vocês deixariam para
sempre de poder ser levados a sério em sua reivindicação de ser uma organização
trotskista, e revelariam a si próprios ao mundo como a seita personalista
degenerada que se tornaram. Seria então bastante improvável que qualquer ser
humano racional algum dia fosse querer apoiar a Liga Espartaquista.
Vocês,
portanto, vão se esconder atrás da única brecha possível nesse momento: desviar
a atenção das acusações criando confusão e difamando quem faz as críticas. Um
gangster qualquer pode tentar impugnar a reputação de uma testemunha contrária
a ele dizendo que é um estuprador ou viciado em drogas; vocês respondem ao
testemunho da Tendência Bolchevique com uma bateria de epítetos especificamente
elaborados para nos desacreditar aos olhos de militantes da esquerda e dos
trotskistas: renegados anti-soviéticos, burocratas sindicais, racistas, agentes
provocadores, etc. E somente para o caso de estes termos específicos não terem
o efeito desejado, mais algumas acusações – por exemplo, “pequenos bandidos” –
são lançadas para este propósito. Estas táticas – todas na pior tradição de
Gerry Healy e David North – deveriam lavar os leitores mais atentos de Workers
Vanguard a se perguntarem: ‘Por que alguém deveria acreditar em James
Robertson?”.
Seus,
pela democracia operária,
Jim
Cullen (militante da SL entre 1981-86)
Dave
Eastman (militante da SL entre 1972-86)
pela
Tendência Bolchevique.
NOTAS DA TRADUÇÃO
[1] Mark Curtis foi um militante do Partido dos Trabalhadores
Socialistas norte-americano (SWP) que, em 1988, foi acusado e condenado pela
justiça por supostamente ter abusado sexualmente de uma garota de 15 anos. O
SWP alegou que tudo não passou de uma armação, por conta da militância
partidária e sindical de Curtis.