Intervenção de John Reed sobre a
Questão negra
A presente tradução é
uma realização da LER-QI disponível em: http://www.lerqi.org/spip.php?article3682.
A versão que publicamos contém correções de ortografia realizadas pelo
Reagrupamento Revolucionário.
Reed: Na América vivem dez milhões de negros que
estão concentrados sobretudo no sul. Nos anos recentes, entretanto, vários
milhares se mudaram para norte. Os negros no norte são empregados na indústria,
enquanto no sul a maioria são trabalhadores em fazendas ou pequenos
fazendeiros. A posição dos negros é terrível, particularmente nos estados do
sul. O parágrafo 16 da constituição dos Estados Unidos garante aos negros
completos direitos civis. Porém, a maioria dos estados do sul nega aos negros
estes direitos. Nos outros estados, onde os negros, segundo a lei, tem o
direito de votar, eles são mortos se exercem este direito.
Os negros não são permitidos de viajar nos mesmos vagões que os brancos,
ir aos mesmos bares e restaurantes, ou viver nos mesmos bairros. Existem
escolas especiais, e piores, para os negros e ao mesmo tempo igrejas especiais.
A separação dos negros é chamada de “sistema Jim Crow”, e os clérigos no sul
pregam sobre o paraíso no “sistema Jim Crow”. Os negros são usados como
operários não qualificados na indústria. Até recentemente eles eram excluídos
da maioria dos sindicatos que pertencem à Federação Americana do Trabalho [AFL
– American Federation of Labor]. O IWW [Industrial Workers of the World –
Trabalhadores Industriais do Mundo], obviamente, organizou os negros, o antigo
Partido Socialista, entretanto, não dava nenhuma tentativa séria de
organizá-los. Em alguns estados os negros simplesmente não eram aceitos no
partido, em outros eles eram separados em seções especiais, e, em geral, os
estatutos do Partido baniam o uso de recursos partidários para a propaganda entre
os negros.
No Sul o negro não tem direitos e sequer conta com a proteção da lei.
Normalmente alguém pode matar negros sem ser punido. Uma terrível instituição
branca é o linchamento dos negros. Isto acontece da seguinte forma, o negro é
untado de óleo e pendurado em um poste telegráfico. Toda a cidade, os homens,
mulheres e crianças, correm para ver o show e levar para casa, como souvenir,
um pedaço da roupa ou da pele do negro que eles torturam até a morte.
Tenho pouquíssimo tempo para explicar o contexto histórico da questão
negra nos Estados Unidos. Aos descendentes da população escrava que foi
libertada na Guerra Civil, quando ainda eram completamente subdesenvolvidos
política e economicamente foram concedidos, mais tarde, completos direitos
políticos para desatar uma dura luta de classes no sul, que estava destinada a
segurar o capitalismo sulista até que os capitalistas do norte tivessem
condições de unir todos os recursos do país como sua própria possessão.
Até recentemente, os negros não mostravam nenhuma consciência de classe
agressiva. O primeiro despertar ocorreu durante a guerra Hispano-Americana, na
qual tropas negras lutaram como extraordinária coragem e da qual retornaram com
o sentimento que como homens eles eram iguais às tropas brancas. Até então o
único movimento que existia entre os negros era a associação educacional
semi-filantrópica dirigida por Booker T. Washington e que era apoiada por
capitalistas brancos. Este movimento encontrou expressão na organização de
escolas nas quais os negros eram ensinados a serem bons serventes nas
indústrias. Como enriquecimento intelectual, lhes era oferecido o bom conselho
de se resignarem ao destino de um povo oprimido. Durante a guerra espanhola
[Hispano-Americana] um agressivo movimento de reforma ergueu-se entre os
negros, este movimento reivindicava igualdade social e política com os brancos.
Com o começo da guerra europeia [Primeira Guerra Mundial], meio milhão de
negros que tinham entrado no exército americano foram enviados à França. Lá,
foram aquartelados juntos às tropas francesas e fizeram a descoberta súbita de que
eram tratados como iguais, socialmente e em todas as outras questões. O Estado
Maior americano se dirigiu ao Alto Comando Francês e lhes pediu para proibir os
negros de visitar os lugares frequentados pelos brancos e para tratá-los como
pessoas de segunda classe. Depois da guerra, os negros, muitos dos quais
receberam medalhas do governo inglês e francês, retornaram a seus vilarejos
sulistas onde eram submetidos às leis do linchamento porque se atreviam a usar
seus uniformes e suas condecorações nas ruas.
Ao mesmo tempo, um forte movimento se ergueu entre os negros que
ficaram. Milhares deles se mudaram ao norte e começaram a trabalhar nas
indústrias de guerra e entraram em contato com o ascendente movimento
trabalhista. Elevados como fossem, seus aumentos salariais ficavam para trás
dos incríveis aumentos nos preços das mais importantes necessidades. Mais
ainda, os negros ficavam enraivecidos pela forma como sua força era sugada e o
terrível esforço demandado pelo trabalho depois de terem se acostumado à
terrível exploração no curso de muitos anos, muito maior do que dos
trabalhadores brancos.
Os negros entraram em greve junto aos trabalhadores brancos e
rapidamente se juntaram ao proletariado industrial. Se mostraram muito abertos
à propaganda revolucionária. Naquele período, o jornal Messenger [Mensageiro] foi fundado pelo jovem negro, o socialista
Randolf, e este seguia objetivos de propaganda revolucionária. Este jornal unia
a propaganda socialista com o chamado à consciência racial dos negros e com o
chamado a organizar a auto-defesa contra os brutais ataques dos brancos. Ao
mesmo tempo, o jornal insistia na ligação mais próxima com os operários brancos
a despeito que os últimos frequentemente participavam da caça aos negros, e o
mesmo jornal enfatizava como a inimizade entre as raças branca e negra era
apoiado pelos capitalistas com seus próprios interesses.
O retorno do exército do front
jogou milhões de operários no mercado de trabalho de uma só vez. O resultado
foi o desemprego e a impaciência dos soldados desmobilizados tomou tamanha
proporção assustadora que os empregado foram forçados a dizer aos soldados que
seus empregos tinham sido tomados pelos negros, incitando assim os brancos a
massacrar os negros. A primeira destas explosões ocorreu em Washington, onde
funcionário públicos viram, ao voltar da guerra, seus empregos tomados pelos
negros. Os funcionários públicos eram principalmente sulistas. Eles organizaram
um ataque noturno ao bairro negro para aterrorizar os negros a saírem de seus
trabalhos. Para a surpresa de todos, os negros foram às ruas armados. Uma luta
seguiu, e os negros lutaram tão bem que para cada negro morto havia três
brancos mortos. Outra revolta que durou vários dias e deixou muito mortos dos
dois lados ocorreu alguns meses depois em Chicago. Depois ocorreu um massacre
em Omaha. Em todos estes conflitos os negros mostraram pela primeira vez na
história que eles estavam armados e esplendidamente organizados e não temiam,
em nada, os brancos. O resultado da resistência dos negros foi em primeiro
lugar uma atrasada intervenção pelo governo e, em segundo lugar, a aceitação
dos negros na AFL.
A consciência de raça cresceu entre os próprios negros. No momento atual
há uma parcela dos negros que prega o levantamento armado contra os brancos. Os
negros que voltaram da guerra montaram, em todos lugares, associações de
auto-defesa e contra os brancos que apoiam as leis de linchamento. A circulação
do Messenger está crescendo
constantemente. No momento atual ele vende 180.000 exemplares mensalmente.
Concomitantemente, ideias socialistas criaram raízes e estão se espalhando
rapidamente entre os negros empregados na indústria.
Se considerarmos os negros como um povo escravizado e oprimido, então
isto nos colocará duas tarefas: de um lado, um forte movimento racial e, de
outro, um forte movimente proletário, cuja consciência de classe está se
desenvolvendo rapidamente. Um movimento que busca uma existência nacional
separada, como pode ser visto anos atrás, como por exemplo, com o movimento “de
volta à África”, não é nunca bem sucedido entre os negros. Eles se consideram,
sobretudo, como americanos e se sentem em casa nos EUA. Isto simplifica as
tarefas dos comunistas consideravelmente.
A única política dos comunistas americanos para os negros é
considerá-los, sobretudo, como trabalhadores. Os trabalhadores agrícolas e os
pequenos fazendeiros do sul colocam a nós, apesar do atraso dos negros, as
mesmas tarefas que temos para o proletariado rural branco. A propaganda
comunista pode ser desenvolvida entre os negros que são empregados como
operários industriais no norte. Em ambas as partes do país, lutamos para
organizar os negros nos mesmos sindicatos que os brancos. Esta é a melhor e
mais rápida maneira de arrancar o preconceito racial e despertar a
solidariedade de classe.
Os comunistas não devem se colocar à margem do movimento negro que
reivindica, no momento, sua igualdade política e social, e ao mesmo que
desenvolve entre os negros, rapidamente, a consciência racial. Os comunistas
devem usar este movimento para expor a mentira da igualdade burguesa e
enfatizar a necessidade da revolução social que libertará todos os
trabalhadores da servidão mas que também é o único caminho para a libertação do
escravizado povo negro.