A Fantasia Stalinista do MLP (EUA)
O Mito do “Terceiro
Período”
Este artigo foi originalmente publicado em 1917 No. 3 (1987) pela
Tendência Bolchevique Internacional.
No verão anterior às eleições de
1984 [nos Estados Unidos] que levaram Ronald Reagan à Casa Branca para o seu
segundo mandato, Michael Harrington e Irving Howe, dois proeminentes
socialdemocratas norte-americanos, comentaram na Revista New York Times que
“hoje em dia, praticamente todo mundo na esquerda concorda que o Partido
Democrata, com todos os seus problemas, deve ser a nossa principal arena
política.” Eles exageraram – mas não muito.
A maioria das organizações que se reivindicam revolucionárias nos Estados Unidos hoje estão de fato se orientando para os Democratas. Alguns, como o Workers World Party [1], abertamente se jogam na “Coalizão Arco-íris” do enganador Jesse Jackson. Os ex-trotskistas da Liga Espartaquista, por outro lado, respondem à atração gravitacional dos Democratas de forma mais incomum – com, por exemplo, uma oferta ridícula para “proteger” a convenção de 1984 do Partido Democrata em São Francisco contra o perigo imaginário alucinante de um ataque Nazista/Republicano.
A maioria das organizações que se reivindicam revolucionárias nos Estados Unidos hoje estão de fato se orientando para os Democratas. Alguns, como o Workers World Party [1], abertamente se jogam na “Coalizão Arco-íris” do enganador Jesse Jackson. Os ex-trotskistas da Liga Espartaquista, por outro lado, respondem à atração gravitacional dos Democratas de forma mais incomum – com, por exemplo, uma oferta ridícula para “proteger” a convenção de 1984 do Partido Democrata em São Francisco contra o perigo imaginário alucinante de um ataque Nazista/Republicano.
O ex-maoísta Partido Marxista-Leninista (MLP), é uma das poucas exceções a esta tendência à direita. O MLP foi fundado há 18 anos como a filial norte-americana da seita reformista de Hardial Bains, o nacionalista Partido Comunista do Canadá (Marxista-Leninista) [CPC-ML]. O MLP acompanhou o CPC-ML para longe da legião de apoiadores de Mao Tsé-Tung em meados dos anos 1970, mas logo entrou em conflito com Bains e deu um giro à esquerda. Em uma tentativa de entender as origens do revisionismo no campo maoísta e ex-maoísta desde a sua origem, o MLP iniciou um estudo crítico da história do movimento comunista internacional. Até agora ele rastreou as raízes da degeneração até 1935, quando o Sétimo Congresso da Internacional Comunista (Comintern) proclamou que dali em diante o dever da vanguarda da classe trabalhadora era entrar em coalizões (ou “frentes populares”) com suas próprias burguesias para conter o perigo do fascismo.
A Crítica do MLP à Frente
Popular
A edição de 1º de outubro de 1986
da revista teórica do MLP (o Workers
Advocate Supplement) contém uma crítica contundente dos resultados da
estratégia de frente popular na Espanha durante a guerra civil nos anos 1930. O
texto argumenta que a orientação do Partido Comunista Espanhol (PCE) e da
Comintern era “terrivelmente errada” e critica especificamente a supressão dos
anarquistas e do POUM (Partido Operário da Unificação Marxista – cujos líderes
incluíam alguns ex-trotskistas) como parte de uma “campanha de violência –
apoiada com medidas policiais – contra qualquer coisa que se aproximasse do
espírito da luta de classes e do socialismo ou que criticasse os liberais
capitalistas ou a República”. O artigo conclui que:
“Onde quer
que as massas estivessem em luta contra a reação, o legado espanhol era
desenterrado para justificar a capitulação diante dos capitalistas liberais em
nome de uma 'unidade ampla', enquanto se combatia o 'grande perigo' das ideias
supostamente 'ultraesquerdistas' sobre a independência política da classe
trabalhadora, a luta de classes, a revolução proletária e o socialismo.”
Isto é algo bastante sério vindo
de uma organização com um legado stalinista. E não é simplesmente uma questão
de artigos teóricos em um debate escrito. O impulso à esquerda do MLP está
refletido nas suas atuais posições em questões internacionais, da Nicarágua
(onde ele é crítico das tentativas dos sandinistas de se ajustarem à burguesia)
até a África do Sul. Mas enquanto o MLP exibe uma atração subjetiva à
orientação de classe-contra-classe da Comintern dirigida por Lenin, o movimento
à esquerda do MLP é parcial, confuso e contraditório.
O MLP e o Espectro do
Trotskismo
O rompimento do MLP com a
política da frente popular é falho pela sua timidez em confrontar o legado do
trotskismo. Para parafrasear Marx, o resíduo da herança stalinista assombra
como um fantasma a mente do departamento político do MLP. Mesmo nessas questões
históricas onde ele foi mais longe, por exemplo, na Guerra Civil Espanhola, ele
está, na melhor das hipóteses, apenas redescobrindo posições que foram
defendidas de forma mais clara e menos ambígua cinquenta anos antes por Leon
Trotsky e a Oposição de Esquerda. (Membros céticos do MLP podem facilmente verificar
isto eles próprios ao dar uma lida em qualquer dos grandes escritos de Trotsky
sobre a Espanha, como por exemplo, o seu ensaio de dezembro de 1937, “As Lições
da Espanha: O Último Aviso”). O reflexo anti-trotskista intrínseco do MLP é um
obstáculo para que ele realize uma investigação materialista séria sobre as
origens do revisionismo no movimento comunista. A sua crítica ao Sétimo
Congresso [da Comintern] é permeada de idealismo. Políticas corretas se tornam
incorretas como resultado de um “pensamento mecânico”:
“O Sétimo
Congresso... simplesmente culpou o esquerdismo e o sectarismo para justificar o
abandono dos princípios leninistas fundamentais que foram defendidos no período
do Sexto Congresso. Ele não corrigiu nenhuma rigidez, apenas deu um giro à
direita – de fato, ele levou o pensamento mecânico mais além e solidificou-o
com visões de direita.”
— “Entre o Sexto e o Sétimo Congressos”, Workers Advocate Supplement, 15 de julho
de 1986.
Isto não explica nada. Até Mao
Tsé-Tung sabia que “ideias corretas [e incorretas, pode-se acrescentar] não
caem do céu”. A adoção da linha de frente popular em 1935 não foi mais do que o
resultado de uma aplicação “rígida” das mesmas ideias que fazem com que muitos
na esquerda norte-americana rastejem diante dos Democratas, devido a uma
incapacidade de compreender Lenin.
O giro do Sétimo Congresso, ao
qual o MLP investe tanto significado, foi um evento de importância
primariamente simbólica. Significativamente, ele já tinha sido assinalado um
ano antes pela entrada da União Soviética na Liga das Nações em busca de
aliados “pacifistas” contra Hitler. Em maio de 1935, dois meses antes da
abertura do Congresso, Stalin tinha negociado o infame “Pacto Laval” com o
imperialismo francês como uma barreira contra a insurgente Alemanha. O
comunicado final do acordo anunciou: “O Sr. Stalin entende e aprova
inteiramente a política de defesa nacional exercida pela França com o objetivo
de manter o seu poder bélico no nível de segurança”. Quando o Sétimo Congresso
se reuniu, a sua tarefa foi ratificar o repúdio ao leninismo sob o argumento de
um “anti-fascismo” que ultrapassava as divisões de classe.
Dimitrov falou sobre as
implicações do giro no seu discurso de encerramento ao Congresso: “Mesmo alguns
dos grandes Estados capitalistas, com medo de perder com uma redivisão do
mundo, estão, no presente momento, interessados em evitar a guerra”. A frente
popular tinha o objetivo de forjar um bloco com aqueles “pacíficos” ladrões
imperialistas que estavam satisfeitos com a divisão do mundo que foi definida
em Versalhes em 1919.
“O que havia
de novo em 1934 e 1935 era o reconhecimento de que a defesa da URSS poderia ser
garantida através do apoio, não de partidos comunistas estrangeiros, fracos
demais para derrubar, ou mesmo complicar seriamente os governos nacionais, mas
com a ajuda de governos dos países capitalistas expostos à mesma ameaça externa
que a URSS, e que o melhor serviço que aqueles partidos podiam prestar seria
encorajar os governos a prover este apoio.”
—
E. H.
Carr, O Crepúsculo da Internacional Comunista 1930-1935
A frente popular foi ditada não
pelas exigências do proletariado internacional, mas com o propósito de
salvaguardar o “socialismo em um só país”. Quando os socialdemocratas votaram a
favor dos créditos de guerra em agosto de 1914 [no início da Primeira Guerra
Mundial], isto significou que eles colocavam a preservação das suas
organizações acima da solidariedade internacional da classe trabalhadora. De
modo similar, o “socialismo em um só país” contrapôs a vitória parcial
conseguida na Rússia aos interesses da revolução internacional. Em ambos os
casos a defesa de avanços limitados conseguidos pelos trabalhadores, dos quais
os respectivos burocratas tiravam os seus privilégios, ficou à frente dos
objetivos gerais do movimento.
O Sétimo Congresso não foi o
começo dos desvios políticos da Comintern para longe do leninismo, mas a
conclusão de um processo que estava em curso por cerca de doze anos. Entre o
Quinto e o Sexto congressos, a liderança “pragmática” de Stalin já havia
tentado diversos experimentos desastrosos de colaboração de classes. O Sétimo
Congresso marcou a transformação formal da Comintern em uma agência reformista
que não era qualitativamente diferente da socialdemocracia. Em agosto de 1935,
mesmo antes de os delegados terem completado suas deliberações, Trotsky
comentou: “Mesmo se todos os participantes hoje negarem o fato, eles estão
todos... comprometidos, na prática, com a liquidação do programa, princípios e
métodos táticos estabelecidos por Lenin, e estão preparando a completa abolição
da Comintern como uma organização independente.” (“O Congresso de Liquidação da
Comintern”).
Oito anos depois, Stalin
dissolveu a Comintern num gesto de boa fé para com os seus aliados
imperialistas “democráticos”. Quem precisava de uma internacional proletária em
uma época de coexistência pacífica entre as classes? A declaração de 22 de maio
de 1943 que anunciou a dissolução declarou que: “Nos países da coalizão
anti-hitlerista, o dever sagrado das mais amplas massas do povo, e em primeiro
lugar dos trabalhadores, consiste em ajudar por todos os meios os esforços
militares dos governos desses países...”. A política da frente popular em
tempos de paz inevitavelmente se transfigura em socialpatriotismo quando a
guerra irrompe. Nós nos perguntamos como o MLP se posiciona na Segunda Guerra
Mundial: com o apelo por “unidade nacional” e nada de greves, feito por Stalin,
Browder e os socialdemocratas, ou com o derrotismo revolucionário (e defesa da
União Soviética) de Trotsky e da Quarta Internacional?
As Raízes da Frente Popular:
“Socialismo em um só País”
Para entender a degeneração da
Internacional Comunista é necessário entender a degeneração da revolução que
lhe deu vida. O fracasso da onda revolucionária que se seguiu à Primeira Guerra
Mundial em levar os trabalhadores ao poder em qualquer lugar fora da URSS, a
exaustão da população soviética após sete anos de guerra e um colapso virtual
da economia tinham, em 1921, exigido um recuo temporário da liderança
Bolchevique. Esta política, conhecida como Nova Política Econômica (NEP),
envolvia centralmente fazer concessões a forças de mercado para reviver a produção
e prevenir a fome em massa.
A NEP foi bem sucedida, mas ao
fazer isso ela criou uma camada privilegiada de pequenos capitalistas no campo
e nas cidades (kulaks e nepmen). Estes elementos constituíram uma base social
conservadora para o rápido desenvolvimento de uma camada administrativa/burocrática
dentro do próprio Partido Bolchevique. O fracasso dos Comunistas alemães em
explorar uma situação potencialmente revolucionária em 1923 tornou aparente que
a Revolução Russa iria permanecer isolada por algum tempo. Isto também
consolidou a posição ascendente da tendência burocrático-conservadora dirigida
por Stalin. Pelos cinco anos seguintes, os “pragmatistas” como eles chamavam a
si mesmos, realizaram uma política consistentemente à direita em casa e no
exterior sob a bandeira do “Socialismo em um só País”. Em 1925, o Kremlin
iniciou um bloco sem princípios com a liderança do Congresso dos Sindicatos
Britânicos (TUC). Supostamente organizado para se opor à intervenção britânica
contra a URSS, o “Comitê Sindical Anglo-Russo” não estabelecia nenhuma
obrigação para os dirigentes do TUC, enquanto lhes permitia se vangloriarem com
a autoridade da revolução russa. A greve geral britânica de 1926, que surgiu no
meio de uma poderosa greve de mineiros, revelou que o TUC não havia se
transformado no “centro organizador que engloba as forças internacionais do
proletariado para a luta” como antecipado, mas permanecia uma agência da ordem
capitalista.
A ajuda
[financeira] mandada pelos mineiros soviéticos para os seus camaradas
britânicos em luta foi rejeitada com indignação pelos burocratas sindicais, que
anunciaram que eles “não queriam ouro russo”. Os covardes burocratas chamaram
pelo fim da greve geral depois de nove dias, justo quando ela estava começando
a surtir efeito. Trotsky exigiu que os soviéticos rompessem com os líderes
traidores do TUC e criticassem fortemente a traição destes, mas o Comintern
decidiu manter a sua posição de solidariedade acrítica com os destruidores da
greve. Um ano depois, quando os burocratas britânicos perceberam que não
precisavam mais de uma cobertura pela esquerda, eles simplesmente se retiraram
do Comitê.
Colaboração
de Classes e Desastre Sangrento na China
Na
China, os resultados do curso direitista do Kremlin foram ainda mais
desastrosos. Lá a Comintern adotou a “estratégia” de liquidar o crescente
movimento comunista no partido nacionalista burguês Kuomintang (KMT). Em 1925
Stalin explicou as tarefas dos Comunistas na China na forma como se segue:
“Em
tais países como o Egito e a China (...), os comunistas não podem mais fazer do
seu objetivo formar uma frente única contra o imperialismo. Em tais países, os
comunistas devem passar da política de frente única nacional para a politica de
um bloco revolucionário dos trabalhadores e da pequeno-burguesia. Em tais
países, este bloco pode assumir a forma de um só partido de trabalhadores e
camponeses, como o Kuomintang (...).”
— “As Tarefas Políticas da
Escola do Leste”, citado em Walter Laqueur, Communism
and Nationalism in the Middle East.
De
julho de 1926 a março de 1927, a China foi arrastada por um massivo levante
revolucionário. Em meio a isso, os comunistas chineses receberam a ordem de
Moscou para não organizar
sovietes e para prestar atenção às suas atividades nas mobilizações camponesas
de forma a manter boas relações com a burguesia nacional. Trotsky se opôs de
forma aguda a essa linha direitista liquidacionista diante do KMT e notou que:
“Todas
essas receitas e mesmo a forma com a qual elas são formuladas são cruelmente
reminiscências da velha cozinha menchevique. A saída é estabelecer a linha
organizativa que seja o pré-requisito necessário para uma política
independente, mantendo a atenção, não na esquerda do Kuomintang, mas acima de
tudo nos trabalhadores despertos... Quanto mais cedo a política do Partido
Comunista Chinês for corrigida, melhor para a revolução chinesa.”
— “O Partido Comunista Chinês
e o Kuomintang”, 1926.
Mas
o principal interesse de Stalin na China nesse período estava em estabelecer
uma aliança diplomática com o regime burguês. Para promover isto, o KMT foi
admitido na Internacional Comunista como um partido em relações fraternais.
Trotsky, sozinho entre os líderes soviéticos, votou contra esta deformação do
leninismo. Como o MLP teria votado?
Na
Primavera de 1927, conforme a liderança do KMT se movimentava para decapitar a
vanguarda do proletariado chinês, a Comintern ordenou aos comunistas que
largassem suas armas para não “provocar” os aliados burgueses. O resultado da
colaboração de classes na China nos anos 1920 foi o mesmo que da Espanha nos
anos 1930: dezenas de milhares dos melhores militantes foram exterminados e o
movimento dos trabalhadores foi destruído.
Stalin gira à esquerda: o
Terceiro Período
O
giro à direita da política externa soviética após o Quinto Congresso teve seu
reflexo domesticamente na orientação para os camponeses ricos. O aliado
fracional de Stalin, Bukharin, disse a eles: “Enriqueçam!” e propôs ir rumo ao
socialismo na União Soviética com “passo de tartaruga”. Mas os kulaks
(camponeses ricos) não tinham interesse em socialismo em nenhuma velocidade e
em 1927-28 eles estavam se mobilizando abertamente pela contrarrevolução.
Stalin provou responder muito mais prontamente às ameaças ao seu próprio regime
do que aos reveses do movimento internacional. Entre a primavera e o outono de
1928, ele mudou desde uma posição de que “a expropriação dos Kulaks seria uma
tolice” para declarar que “Nós devemos quebrar a resistência dessa classe
através de uma luta aberta” (Problemas do
Leninismo). O resultado foi um giro abrupto para a esquerda no Sexto
Congresso da Comintern em 1928. (O fato de que a Internacional não havia sido
convocada por quatro anos – sob Lenin ela havia se reunido anualmente mesmo
durante a Guerra Civil – indica a baixa importância que ela recebia pela
liderança insular, nacionalista de Stalin). Ao contrário do que diz o MLP, as
decisões do Sexto Congresso não representaram a continuidade ininterrupta dos
“princípios fundamentais do leninismo”, mas ao invés disso o desvio simétrico
da capitulação anterior ao KMT e aos burocratas sindicais britânicos. Da
prostração diante de forças não-proletárias, a “linha geral” se tornou uma rejeição
insípida da possibilidade de unidade de ação com qualquer um que não estivesse
pronto para aceitar a liderança comunista.
O
giro de 180 graus na linha política foi “explicado” pela proclamação de que a
luta de classes havia supostamente entrado no “Terceiro Período” da história do
pós-guerra, caracterizado pela crise final do capitalismo e pelo sucesso
inevitável de levantes revolucionários em toda parte. O “Terceiro Período” era,
na frase astuta de Trotsky, “uma combinação de burocratismo stalinista com
metafísica bukharinista”, que não tinha nenhuma relação com a realidade da luta
de classes no período. De 1928 a 1932, nenhum partido comunista no planeta
estava numa posição em que pudesse seriamente desafiar o poder de sua
burguesia. A teoria do “Terceiro Período” era simplesmente uma cobertura
“histórico-mundial” para os ziguezagues do Kremlin.
As
políticas do Terceiro Período eram um repudio direto dos princípios e táticas
cuidadosamente elaborados nos primeiros quatro congressos da Internacional. A
política leninista de lutar para construir lideranças comunistas nas
organizações de massa dos trabalhadores que já existiam foi substituída por um
separatismo sectário de “sindicatos vermelhos”. Incontáveis pequenos
“sindicatos” comunistas, muitos sendo pouco mais do que organizações fantasmas
que só existiam no papel, foram criados e combinados em federações sindicais
paralelas. Com esta tática – explicitamente denunciada por Lenin em
“Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo” como “um erro tão imperdoável que é
com certeza um dos maiores serviços que os comunistas poderiam prestar à
burguesia” – o Partido Comunista dos Estados Unidos conseguiu de uma só vez o
que os burocratas sindicais e capitalistas não tinham conseguido fazer durante
todo o período da histeria anti-Bolchevique no pós-guerra. Ele tirou os
comunistas dos sindicatos e dessa forma abandonou as massas de trabalhadores à
influência dos sindicalistas reacionários da Federação Americana do Trabalho [AFL].
Resultados do “Terceiro
Período”: Hitler Esmaga o KPD
Os
resultados mais desastrosos do “Terceiro Período” ocorreram na Alemanha onde o
Partido Comunista (KPD) rotulou o Partido Socialdemocrata (SPD) como
“social-fascista”. Stalin afirmou que “A socialdemocracia, falando
objetivamente, é a ala moderada do fascismo”. Isto efetivamente impossibilitou
qualquer aproximação aos líderes do SPD para uma frente única contra o
movimento nazista que crescia rapidamente. Ao invés disso, o KPD chamou por
“frentes únicas pela base”, ou seja, para que os trabalhadores socialdemocratas
se “unissem” com os comunistas sob a liderança do KPD. Isso naturalmente teve
pouco impacto nos milhões de trabalhadores socialdemocratas que não estavam
prontos a admitir que eles fossem “moderados” ou “social-fascistas”. O KPD
perdeu a oportunidade de explorar profundamente as contradições entre os
socialdemocratas e os fascistas:
“A
socialdemocracia não pode ter influência sem as organizações de massa dos
trabalhadores. O fascismo não pode se entrincheirar no poder sem aniquilar as
organizações dos trabalhadores. O parlamento é a principal arena da
socialdemocracia. O sistema fascista é baseado na destruição do
parlamentarismo. Para a burguesia monopolista, os regimes parlamentarista e
fascista representam somente diferentes formas de dominação; ela recorreu a um
ou a outro, dependendo das condições históricas. Mas para ambos os
socialdemocratas e os fascistas, a escolha de uma forma ou da outra tem um
significado independente; mais do que isso, para eles isto é uma questão de
vida ou morte.”
— Trotsky, “E agora?”.
Em
agosto de 1917, os bolcheviques exploraram uma contradição comparável a esta
entre Kerensky, o pseudo-socialista que estava à frente do Governo Provisório
pró-imperialista, e Kornilov, o general de direita que desejava derrubá-lo.
Lenin não perdeu seu tempo chamando os trabalhadores e soldados que ainda
tinham ilusões em Kerensky para se unirem sob a bandeira do bolchevismo, mas ao
invés disso propôs uma frente única aos mencheviques e
socialistas-revolucionários e a criação de organizações conjuntas de autodefesa
contra um inimigo comum. Dessa forma os bolcheviques mobilizaram as maiores
forças possíveis para esmagar Kornilov enquanto ao mesmo tempo ganhavam muitos
trabalhadores de base entre os apoiadores de Kerensky, que viam que os
comunistas eram os mais determinados oponentes da contrarrevolução.
Trotsky
recomendou que o KPD propusesse ao SPD um bloco militar semelhante contra o
terror fascista. Ele explicou como os militantes do KPD deveriam motivar a
frente única com os trabalhadores de base do SPD:
“O
bolchevique não pede ao socialdemocrata que altere de imediato a opinião que
tem do bolchevismo e da imprensa bolchevique. Mais do que isso, ele não exige
que o socialdemocrata assine um contrato pela duração do acordo prometendo
manter silêncio da sua opinião sobre os comunistas. Tal demanda seria
absolutamente indesculpável. ‘Enquanto’, deve dizer o comunista, ‘eu não
convencer você ou você não me convencer, nós devemos nos criticar um ao outro
com total liberdade, cada um usando os argumentos e expressões que achar
necessário. Mas quando o fascista quiser colocar uma mordaça em nossa garganta,
nós iremos repeli-lo juntos!’. Pode algum trabalhador socialdemocrata
inteligente responder a essa proposta com uma recusa?”
— “A Frente Única para
Defesa”, 1933.
Ao
invés disso, o KPD apelou à base do SPD com denúncias estéreis, ultimatos
vazios e vangloriando-se sem sentido. Um líder do KPD declarou no parlamento
alemão: “Deixem Hitler assumir o poder – ele logo irá à bancarrota, e então
será a nossa vez”. O sectarismo criminoso do KPD foi talvez exposto de maneira
mais explícita na Prússia em 1931, quando ele apoiou um referendum organizado
pelos fascistas para remover o governo estadual liderado pelo SPD. Imaginem o
impacto que o espetáculo de uma campanha conjunta realizada pelo KPD e pelos
nazistas teve nos trabalhadores socialdemocratas! Ainda assim, o MLP caracteriza
essas táticas literalmente suicidas como “uma linha marxista-leninista correta
no geral”.
Marxismo e Fatalismo
No
seu principal documento lidando com o Terceiro Período (“Entre o Sexto e o
Sétimo Congressos”), o MLP conclui que: “A IC e seus partidos fizeram avanços
no seu trabalho nesse período... A consolidação dos partidos nesse período
provavelmente teve muito a ver com os sucessos subsequentes”. Quais “sucessos
subsequentes” – as frentes populares? O MLP descreve o período das maiores
derrotas já sofridas pela classe trabalhadora como um de “avanços” e
“consolidação” em razão do seu apego irracional ao Terceiro Período.
O
artigo continua, reconhecendo que “Ao mesmo tempo, houve o severo revés da chegada
ao poder de Hitler na Alemanha, pela qual, no entanto, não
se pode culpar os erros do PC alemão” (ênfase adicionada). Então a quem
ela deve ser atribuída? A vitória dos fascistas sobre o movimento proletário
mais poderoso do mundo e o maior e mais forte partido comunista [fora da União
Soviética] era inevitável? Ou será que o MLP acredita que o triunfo da reação
fascista só pode ser revertido em situações onde os traidores de classe
profissionais da Segunda Internacional estejam preparados para oferecer uma
liderança revolucionária?
As
táticas do KPD eram falsas do começo ao fim. Dada a profunda covardia e traição
dos líderes socialdemocratas, que capitularam a cada passo ao invés de lutar, o
sectarismo impotente da liderança do KPD levou ao desastre na Alemanha da mesma
forma como a estratégia de frente popular do Partido Comunista Espanhol
preparou a vitória de Franco meia dúzia de anos depois.
A
afirmação de que a destruição do poderoso movimento dos trabalhadores alemães, sem
um tiro ter sido disparado, não pode ser atribuída aos erros da sua liderança
histórica é ao mesmo tempo objetivista e profundamente pessimista. Assim, já
que o KPD não cometeu nenhum erro estratégico grave, a única conclusão é que a
vitória de Hitler era inevitável. Trotsky poderia muito bem ter o MLP em mente
quando apontou que “Como regra, os vulgarizadores de Marx, gravitando em torno
do fatalismo, nada observam na arena política, a não ser as causas objetivas”.
O otimismo fatalista de “Após Hitler, será nossa vez” do Terceiro Período é
transformado pelo MLP em um pessimismo fatalista.
O
MLP pode não entender a conexão orgânica entre o “esquerdismo” do Sexto
Congresso e a capitulação do Sétimo, mas Trotsky entendeu. Quatro anos antes do
discurso de Dimitrov, ele alertou:
“Aproxima-se o momento, um desses
momentos decisivos na história, em que a IC, depois de ter cometido grandes
erros, que não passavam, entretanto, de erros ‘parciais’, embora abalassem ou
destruíssem as suas próprias forças acumuladas nos cinco primeiros anos de sua
existência, se arrisca a cometer um erro fundamental, fatal, que pode arrastar
nas suas consequências a própria IC, apagando-a como fator revolucionário do
mapa político, durante todo um período histórico. (...) Nada a calar, nada a
atenuar. É preciso dizer clara, energicamente, aos operários avançados: Depois
do ‘terceiro período’ de aventura e fanfarronada, começará o ‘quarto período’,
o período do pânico e das capitulações”.
—
“Está na Alemanha a Chave da Situação Internacional”, novembro de 1931.
O
“erro fundamental, fatal” do qual ele falava era o desastre na Alemanha. Este
levou diretamente à frente popular, que de fato “apagou a IC do mapa político”.
A liderança do MLP não realizou um estudo sério das lições da derrota na
Alemanha, pela mesma razão pela qual ela ignora as lições da liquidação do PC
chinês em 1927 – porque fazer isso iria abalar o mito da “época dourada” da
Comintern stalinista antes do Sétimo Congresso. Isto, por sua vez, iria leva-los
a ter de encarar de frente a luta da Oposição de Esquerda contra os erros de
direita que se seguiram ao Quinto Congresso e o desastroso “esquerdismo” do
Terceiro Período, que precedeu e condicionou a capitulação covarde da frente
popular.
Um
dos mecanismos usados pelo MLP para se esquivar de uma apreciação política de
Trotsky – o líder da única oposição comunista à destruição política da
Internacional de Lenin – tem sido citar as traições de uma variedade de
pretendentes revisionistas do trotskismo. Muitas destas críticas são substancialmente
corretas, mas elas não constituem uma crítica ao trotskismo, da mesma forma
como uma lista de críticas equivalentes contra o Partido Comunista [pró-Moscou]
não iria refutar o leninismo. Marx certa vez explicou para Weitling que a
ignorância nunca fez bem a ninguém. Nesse espírito, militantes sérios no MLP
devem eles mesmos tirar as suas vendas e ler Trotsky. Aqueles que o fizerem vão
descobrir que o manto da autêntica continuidade comunista depois de Lenin passa
pela Oposição de Esquerda e por ela sozinha.
NOTA
[1] Workers World Party (Partido
Mundial dos Trabalhadores), foi fundado por Sam Marcy em 1959 após seu
rompimento com o então trotskista SWP norte-americano. O motivo principal do
rompimento foi seu apoio à supressão da revolução política dos trabalhadores
húngaros pelo exército soviético em 1956. O grupo de Marcy apoiou
sucessivamente vários regimes stalinistas e cometeu inúmeras capitulações a
líderes stalinistas ao longo da sua história.