19.5.12

Arquivo Histórico: Trotskistas Franceses Contra o Pablismo

Documento dos Trotskistas Franceses

Este documento foi escrito em outubro de 1953 pelos trotskistas franceses que compunham a maioria do Partido Comunista Internacionalista (PCI) em oposição a Michel Pablo. Posteriormente ele foi publicado em inglês no primeiro Boletim do Comitê Internacional, em 1954. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em maio de 2012 a partir da versão disponível em marxists.org

Os sucessivos estágios do revisionismo pablista

1. Com o Terceiro Congresso Mundial, a Quarta Internacional entrou em uma crise que tem piorado constantemente e hoje ameaça a sua própria existência. A raiz dessa crise se encontra na penetração, dentro da liderança da Internacional, de uma ideologia alheia ao trotskismo: o pablismo revisionista e liquidacionista.

2. As principais ideias teóricas do pablismo foram formuladas por Pablo como contribuições pessoais durante o curso da discussão sobre a zona intermediária [1] (1949-50). Desorientado pela transformação das relações de produção nos países da zona intermediária, atribuindo, além disso, a vitória da revolução na Iugoslávia e na China sob a liderança de partidos centristas de origem stalinista às próprias características do stalinismo, Pablo, usando os erros sectários dos trotskistas chineses como pretexto, iniciou uma revisão fundamental das nossas perspectivas históricas. No lugar da concepção de revolução proletária, ele colocou a de séculos de transição entre o capitalismo e o socialismo sob domínio burocrático; ele introduziu a ideia de que a ação militar-burocrática da burocracia stalinista é uma força histórica independente, capaz de tomar o lugar da ação das massas exploradas para completar as suas tarefas históricas; ele declarou que o stalinismo estava lutando objetivamente pela revolução proletária em países capitalistas e que na URSS e nos países da zona intermediária, ele só podia ser repreendido por causar um sofrimento que era historicamente desnecessário às massas; enquanto isso, a necessidade histórica da Quarta Internacional está no fato de que o stalinismo “definitivamente passou para o lado da ordem burguesa” nos países capitalistas (quer dizer, que a burocracia stalinista não luta nem conscientemente e nem “inconscientemente” pela revolução proletária, mas busca primariamente manter o status quo em todas as esferas), e vai levar os Estados operários em direção à ruína na URSS e na zona intermediária se não for derrubada pelas massas.

3. Foi em “Para onde vamos?” que Pablo desenvolveu estas premissas teóricas até as suas conclusões finais e onde começa a estabelecer as conclusões políticas e táticas para elas. A ação revolucionária das massas exploradas desde então são, para ele, nada mais do que uma força suplementar a ser adicionada às forças militares e técnicas da burocracia stalinista, cuja natureza e função histórica mudaram drasticamente; a História para Pablo não é mais uma de luta entre classes, mas uma de luta entre blocos, entre o regime capitalista e o mundo stalinista. Ele nega que o caráter do período separando-nos da guerra (considerada por ele como iminente) é um período histórico distinto envolvendo tarefas específicas para os trotskistas e, sob a designação de “guerra-revolução”, ele identifica uma guerra conduzida pela burocracia do Kremlin com a revolução proletária; ele substitui a perspectiva trotskista do derrubamento revolucionário da burocracia pela ideia de que a burocracia vai cumprir o papel de liderança “objetiva” da revolução, e de que a burocracia vai ter um desaparecimento gradual e subsequente com o desenvolvimento das forças produtivas. Dentro de tal perspectiva, a Quarta Internacional perde toda a sua necessidade histórica, e mesmo todo o seu significado.

4. Graças à tática de manipulação burocrática, acompanhada por uma inteligente camuflagem, Pablo conseguiu introduzir suas ideias básicas de uma forma levemente velada nas teses da Nona Plenária do Comitê Executivo Internacional (subsequentemente adotadas pelo Terceiro Congresso Mundial) e assim atingiu um caráter eclético e contraditório. Reforçado pela maioria que então possuía, ele foi capaz de desenvolver, na Décima Plenária do CEI, as conclusões táticas da sua orientação liquidacionista. Ele previu que a política da burocracia do Kremlin e a dos partidos stalinistas iriam girar crescentemente à esquerda, enquanto as massas iriam se colar a eles; a partir disso ele deduziu uma tática de entrismo nos partidos stalinistas com capitulação política dos trotskistas, entrismo “sui generis”: estas ideias e esta tática liquidacionista foram depois estendidas aos partidos reformistas e para todas as organizações de massa sob liderança pequeno-burguesa (o MNR boliviano, o movimento peronista na Argentina, o movimento de Ibáñez no Chile, etc.).

5. Entretanto, os eventos trouxeram refutação atrás de refutação para as previsões pablistas. Depois do 19º Congresso do PC da URSS, os partidos stalinistas ao redor do mundo orientaram suas políticas, não rumo à esquerda como Pablo havia previsto, mas rumo à direita. Com a política da Frente Única Nacional, a atual posição dos partidos stalinistas como o PC francês e o PC italiano está muito mais à direita do que em qualquer outro momento no passado. O levante revolucionário das massas, do qual a greve geral de agosto de 1953 na França é a mais alarmante manifestação até agora, elevou, sob estas condições, a crise do stalinismo a um nível superior, colocando os militantes comunistas em conflito direto com seus líderes, enquanto pela primeira vez na história, a radicalização das massas na França não está passando através das organizações stalinistas, que continuam perdendo seus membros. O papel decisivo do partido revolucionário independente, enquanto um polo para atrair e organizar os militantes comunistas que entram em conflito com a liderança stalinista, surge então de forma avassaladora.

De forma igualmente avassaladora, parece que o levante revolucionário nos países capitalistas, longe de provocar a irrupção de uma “guerra suicida” pelo imperialismo, serve para atrasar o lançamento efetivo de guerra.

Finalmente, a burocracia do Kremlin, situada num beco sem saída entre o imperialismo que marcha rumo a uma guerra contrarrevolucionária e a pressão das massas proletárias, que foram estimuladas pelo progresso da economia soviética e o levante revolucionário mundial, e vendo o equilíbrio de classes em escala mundial se quebrando, equilíbrio do qual ela nasceu e sob o qual se baseia o seu poder na URSS, entrou em um estado de agonia convulsiva que está se dividindo em tendências opostas; na verdade, contrariamente às declarações de Pablo, a burocracia é incapaz como um todo de se basear nas massas contra o imperialismo e contra as tendências restauracionistas potenciais na URSS (a orientação de Beria [2]); e ela é não menos incapaz como um todo de se basear nas tendências potencialmente restauracionistas contra as massas (orientação de Malenkov-Khruschev). Acima de tudo, ela está mais preparada do que nunca para sacrificar os interesses das massas em países como a França e a Itália, por exemplo, como um preço por concessões limitadas da burguesia na política externa.

6. Diante de tal fracasso completo em suas previsões, Pablo começou uma operação em larga escala de camuflagem e oscilação política, abandonando algumas das suas posições fundamentais e recuando deliberadamente para poder melhor manter o seu elemento básico: liquidação da independência política do trotskismo com relação à burocracia do Kremlin e aos aparatos burocráticos em geral.

“Condições objetivas” ontem impuseram Estados operários deformados por séculos. Hoje, Pablo declara que nada deve interferir no futuro próximo para o estabelecimento da mais aberta democracia proletária. A guerra era iminente no Terceiro Congresso Mundial e o levante revolucionário só poderia impelir o imperialismo a uma “guerra suicida”. Hoje Pablo tem a audácia de escrever que a guerra “agora” se tornou “possível a qualquer momento” (mas ela já não era ontem?), seja imediatamente ou em “alguns anos”; que o levante revolucionário está atrasando a guerra e pode até impedi-la! E ele conclui friamente disso que “nossa tática” (desenvolvida pelo Terceiro Congresso Mundial e na Décima Plenária do CEI) “permanece (!) válida”.

Enquanto Pablo se recusa, como exigiu especialmente a maioria da seção francesa, a incluir entre os slogans do Terceiro Congresso Mundial o tradicional slogan trotskista pela derrubada de Stalin, hoje ele corretamente declara que a luta para aproximar a derrubada da burocracia é uma das tarefas básicas da Internacional e fala com lágrimas na voz de “nossos irmãos soviéticos”, um assunto que era tabu há dois anos. Ontem a vitória de Mao Tse-Tung “não era exatamente uma vitória do stalinismo”; hoje Pablo corretamente indica o que a maioria do PCI tem ressaltado por três anos, que foi apenas o rompimento do Partido Comunista Chinês com o Kremlin que permitiu a vitória da revolução chinesa.

7. Ao mesmo tempo, Pablo está reafirmando e desenvolvendo a sua orientação liquidacionista: insistência sobre um processo revolucionário objetivo que é automático e irresistível, e que subordina os aparatos burocráticos reformistas e stalinistas, alterando a sua natureza e função diante dos nossos olhos e que os transformaria cada vez mais em instrumento das vontades revolucionárias das massas. A análise de Pablo ganha corda ao considerar o problema da liderança revolucionária como “objetivamente resolvido”, e ignora o desenvolvimento desigual da revolução nos países atrasados e nos países avançados, enquanto é precisamente o atraso da revolução proletária nos países avançados que sublinha a importância, historicamente mais decisiva hoje do que nunca antes, do fator consciente para a vitória da revolução.

Pablo ignora a pressão exercida pelo imperialismo sobre a burocracia do Kremlin e, acima de tudo, ignora o fato de que a pressão exercida pelas massas soviéticas, longe de transformar o papel da burocracia e compeli-la a entrar em um curso irreversível de fazer concessões cada vez maiores às massas, está, ao contrário, fortalecendo a sua vigilância contrarrevolucionária e a sua autoproteção. Ele prevê, contrariamente à evidência e alheio a princípios, uma codireção do movimento revolucionário mundial entre o Kremlin e as massas durante toda a época de transição. Ele não compreende que a política do Kremlin continuará a oscilar até o fim, até o seu desaparecimento, e põe o mesmo rótulo sobre a orientação de Beria, durante a qual a oligarquia dominante tentou encontrar apoio entre as massas contra forças restauracionistas e o imperialismo, e também a orientação Khruschev-Malenkov, no qual a oligarquia dominante está buscando apoio nas forças restauracionistas contra as massas.

Para Pablo, a missão histórica da Quarta Internacional perdeu todo o seu significado. O “processo revolucionário objetivo”, sob a guisa do Kremlin, aliado às massas, está tomando suficientemente bem o seu lugar. É por isso que ele está impiedosamente se inclinando para liquidar as forças trotskistas, sob o pretexto de integrá-las ao “movimento de massas tal qual ele existe”.

A salvação da Quarta Internacional exige imperativamente a imediata expulsão da liderança liquidacionista. Uma discussão democrática deve ser realizada com todo o movimento trotskista ao redor do mundo sobre todos os problemas que foram deixados suspensos, obscurecidos ou falsificados pela liderança pablista durante três anos. Dentro desta perspectiva, será indispensável para a saúde da Internacional que a maior autocrítica seja levada adiante em todas as fases e todas as causas do desenvolvimento da gangrena pablista.

NOTAS DA TRADUÇÃO

[1] Países da Europa Oriental ocupados por tropas da União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial e compreendidos entre esta e os países imperialistas.

[2] Lavrentiy Beria (1899-1953) foi um oficial da polícia secreta stalinista NKVD e político soviético. Bastante próximo a Stalin, disputou brevemente o poder após a morte deste em 1953, buscando obter a preferência das massas. Foi derrotado pela fração da burocracia liderada por Kruschev, preso e condenado à morte.