Tráfico,
polícia e burguesia
O
Estado burguês reorganiza o tráfico de drogas no Rio de
Janeiro
Por
Rodolfo Kaleb
Janeiro
de 2011
O
presente artigo foi originalmente escrito pelo Coletivo Lenin em
dezembro de 2010 e publicado em janeiro do ano seguinte. A presente
versão possui notas de revisão adicionadas em 2011 pelo
Reagrupamento Revolucionário e pequenas correções
ortográficas. Encaramos que o mesmo se mantém
extremamente atual, dada a continuidade e expansão do projeto
burguês aqui debatido, a instalação de novas
Unidades de Polícia Pacificadoras e criação de
programas que buscam reabilitar a imagem da Polícia Militar e
seus órgãos frente à população e
aos trabalhadores do Rio de Janeiro – projeto este que já
está sendo estendido para outras áreas do país e
até mesmo além das fronteiras do Brasil. O artigo não
faz uma discussão completa da transformação
urbana desagregadora envolvida com a instalação das
UPPs, dando ênfase ao aspecto repressivo do controle das
populações locais.
Mais de vinte mil homens
da polícia e das forças armadas participaram da
operação que, no final de 2010, derrotou a organização
traficante que dominava as favelas do Complexo da Penha e do Complexo
do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro. A principal ação
do Estado ocorreu em 28 de novembro, quando as forças
policiais invadiram e tomaram o controle da região com o uso
de tanques e veículos blindados. A operação foi
iniciada no dia 22 do mesmo mês, desencadeada após
ataques a veículos, supostamente realizados pelos comandos que
controlam grande parte do tráfico de drogas da cidade.
Esses
ataques a veículos teriam sido motivados pela progressiva
instalação de Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs) no Rio de Janeiro. As empresas de ônibus, que foram os
principais alvos, pararam de rodar pelas áreas atacadas. Isso
manteve milhares de trabalhadores sem transporte durante os dias do
conflito. Depois de uma semana de ataques e confronto, mais de cem
veículos destruídos, meia centena de mortos e mais de
trezentos presos, o poder da polícia se estabeleceu nas
regiões antes dominadas militarmente pelo comando de
traficantes.
Incessantemente, a
grande imprensa trabalhou para apresentar os acontecimentos sob um
ângulo pasteurizado. A tela da televisão convertia a
polícia no órgão supremo da justiça
social. Inúmeras vezes os telejornais leram cartinhas de
crianças agradecendo ao governador Sérgio Cabral/PMDB
ou ao BOPE (Batalhão de Operações Especiais da
polícia carioca) por terem “resgatado” suas famílias.
Simultaneamente, serviços públicos de energia elétrica
e registros eram oferecidos para a população das
regiões tomadas, com o objetivo de passar a impressão
de que era simplesmente o domínio do comando de traficantes a
causa das péssimas condições sociais das
favelas. Toda essa cobertura buscou manter estagnada a consciência
da classe trabalhadora no morro e no asfalto, ou seja, garantir que a
população seguisse enxergando nos policiais os
“defensores naturais” da sua segurança.
É verdade que
muitos trabalhadores, inclusive grande parte daqueles que moram nas
regiões agora ocupadas, apoiaram as ações
policias. Isso é uma resposta compreensível, ainda que
incorreta, diante da desesperança causada por décadas
em que sofreram a opressão dos comandos. Mas não vai
demorar para que os proletários que vivem nessas comunidades
percebam a armadilha que é o domínio direto de uma
polícia que mata uma pessoa a cada 8 horas nessa cidade [1].
As mentiras da imprensa burguesa cumpriram, como dissemos, um papel
nesse processo de tomada de territórios pelo aparato estatal.
Por isso, é fundamental que os revolucionários
desconstruam tal mentira expondo a realidade violenta e corrupta da
polícia.
Enquanto entrevistavam
repetidamente Sérgio Cabral, que falava sempre em tom de
triunfo, as grandes redes de jornalismo claramente evitavam tocar nos
pontos sensíveis da operação. Nenhum comentário
foi feito sobre as graves denúncias de abusos policiais que
aconteceram nas comunidades. Em breve entrevista no Complexo do
Alemão, o comandante geral da Polícia Militar, Mario
Sérgio Duarte, declarou que “Todas as casas serão
revistadas. Beco por beco, buraco por buraco” (Portal Terra).
Como o conjunto de favelas tem mais de 30 mil moradias, é
interessante notar que não houve pudor algum da PM em declarar
que estava atentando diretamente contra as moradias dos
trabalhadores.
Inúmeras foram as
reclamações de moradores de que suas casas estavam
sendo arrombadas, seus pertences revirados e de que estavam sofrendo
saques. Milhares de operários eram revistados antes de entrar
em suas casas e a opressão policial caiu principalmente em
cima dos trabalhadores negros, que são geralmente os
“suspeitos preferenciais” das batidas. A opressão policial
contra a população das favelas ficou explícita,
por exemplo, no caso da atendente Flávia Gomes, de 28 anos
(registrado pela revista Época). Ela conta que sua irmã
de apenas 14 anos ficou detida por um dia num ônibus da
polícia, após ser presa sem nenhuma acusação
enquanto caminhava de noite.
A atuação
policial deixa clara a demagogia da polícia e da Justiça
dos patrões. Em 2008, quando colocaram algemas no banqueiro
corrupto Daniel Dantas, o caso causou um rebuliço nacional,
com governantes e autoridades se manifestando contra o “excesso”
da polícia. Agora, quando milhares de trabalhadores têm
suas casas invadidas, são obrigados a fugir de tiros e encaram
o terror policial, só o que se ouve dos governos é
aplauso para a polícia, nenhum apelo humanitário.
Nenhuma rede de televisão comentou o fato de que nem sequer um
mandato de busca a domicílio foi expedido. Esta é a
Justiça burguesa – “Não há direitos para
o pobre. Ao rico, tudo é permitido”.
A polícia
assassina e violenta do Rio também é sinônimo de
corrupção. Como não é fácil
conseguir provas, não vamos falar aqui sobre as conhecidas
práticas policiais de venda do espólio de guerra
(armas e drogas apreendidas em operações) para
organizações traficantes rivais. Falaremos apenas sobre
um caso ocorrido durante a operação conjunta das
polícias e do exército. A Folha Online mostrou que a
Polícia Militar e a Polícia Civil do Rio não
registraram nenhuma apreensão, enquanto a Polícia
Federal informou ter recolhido quase 40 mil reais e o exército
106 mil reais. Entretanto, apenas pouco mais de 75 mil reais foram
entregues na Delegacia da Penha após o fim das ações
militares.
Para onde terá ido o restante do tesouro do tráfico?
Tudo isso deixa claro
que nessa guerra entre comandos traficantes e a polícia, os
trabalhadores não tem nenhum lado preferencial. Tanto o
comando quanto a corporação são inimigos da
população. Não
se pode ter nenhuma confiança na polícia diante de
operações que matam tantos inocentes e subjugam a
população proletária das favelas. Os operários
devem ter o direito de se proteger de maneira independente contra
todos aqueles que os oprimem. Pelo direito dos trabalhadores de
organizarem autodefesas em seus locais de trabalho e moradia!
[2]
A
tomada de territórios por UPPs e milícias
A operação
no Complexo de Favelas do Alemão foi um marco no
enfraquecimento das organizações de traficantes,
sobretudo o Comando Vermelho, que tinha na região o seu
principal reduto. A bandeira do Estado brasileiro tremulando no alto
do Complexo representou uma mudança no domínio direto
sobre o local, onde foi prometida a instalação de uma
UPP em 2011. Vendo isso, a esperança de muitos trabalhadores
era de que essa ação significasse o fim do tráfico
de drogas, que explora muitos jovens nesses bairros pobres com grande
concentração operária.
Acontece que o tráfico
de drogas é muito maior que qualquer organização
traficante. Estimativas indicam que esse tráfico movimenta, no
Rio de Janeiro, cerca de 1,4 bilhões de reais por ano [3].
Como qualquer outra mercadoria, existe uma demanda pelas drogas
ilícitas e isso não é eliminado pelas UPPs. Nem
seria interesse do Estado capitalista eliminar um comércio tão
lucrativo quanto o tráfico de drogas. Já o interesse do
Estado em desarticular as organizações traficantes
tradicionais se mostrou consolidado com a tomada do Complexo do
Alemão.
Os comandos traficantes
são formações sociais com características
mistas de empresa ilegal e poder armado que faz as últimas
etapas da distribuição das drogas. Os patrões do
negócio, a burguesia do tráfico, quase sempre
permanecem nas sombras das suas mansões, enquanto os “gerentes
locais” da distribuição são aqueles
perseguidos pelo Estado burguês. Apesar dessa aparente
repressão, o Estado cria as condições para que o
processo de produção e circulação das
drogas se mantenha, assim como faz com todas as outras frações
da burguesia.
A vista grossa para que
as drogas atravessem as fronteiras brasileiras, vindas dos países
onde ocorrem as etapas principais de produção
industrial, deixa isso claro. Mais ainda, a facilidade com que a
polícia e o exército tomaram o Complexo do Alemão,
em menos de uma semana, mostra que essa perspectiva sempre esteve ao
alcance do Estado burguês, mas que ele permitiu que as
organizações traficantes dominassem essas regiões.
Sempre existiu uma
colaboração implícita do Estado com o chamado
“poder paralelo”, que até hoje nunca chegou a ameaçar
o poderio bélico muito superior do Estado burguês. Chama
atenção o pouco ou nenhum treinamento militar das
organizações traficantes, que não são
concorrentes para o BOPE e o Exército. Isso não
significa que não existiram conflitos entre polícia e
organizações traficantes ao longo de mais de vinte anos
no Rio de Janeiro, mas simplesmente mostra que esses conflitos eram
por questões pontuais e que o Estado jamais quis realmente
destruir os comandos.
A próprias UPPs
não acabam com o tráfico, nem eliminam as organizações
traficantes, como fica claro para um observador mais atento. Por
exemplo, uma busca organizada pela Polícia Militar em dezembro
do ano passado, na Cidade de Deus (onde foi instalada uma UPP em
fevereiro de 2009), apreendeu 41 papelotes de cocaína (Folha
online). Durante um evento sobre segurança pública, o
chefe da Casa Civil do governo Cabral, Régis Fichtner, admitiu
que as UPPs não tem o objetivo de acabar com o tráfico.
Segundo ele, as UPPs buscam acabar com o uso de armamento pesado
pelas organizações traficantes (site do governo do
estado do Rio de Janeiro). Ou seja, as UPPs tem o objetivo de
enfraquecer e desarticular os grupos traficantes tradicionais, como o
Comando Vermelho (CV), o Terceiro Comando (TC) e o Amigos dos Amigos
(ADA). As UPPs, um projeto de Secretaria de
Segurança Pública do governo Cabral, são um
fenômeno muito recente. A mais antiga das 14 unidades
instaladas na cidade foi a da Favela Santa Marta, em novembro de
2008. Mas o enfraquecimento dos comandos traficantes já vinha
acontecendo desde bem antes, com o crescimento de um tipo novo de
poder armado na cidade – as milícias.
As milícias
existem no Rio de Janeiro desde o fim da década de 70, em
alguns locais como Rio das Pedras, em Jacarepaguá, na Zona
Oeste da cidade. A origem ocorreu quando comerciantes começaram
a contratar o serviço de policiais para que não
deixassem as suas comunidades serem ocupadas por comandos traficantes
ou outros tipos de criminosos. Mas assombra o crescimento das
milícias na década de 2000, quando elas se tornaram
muito mais do que um “grupo de proteção”. Se até
o começo da década as milícias se configuravam
como um fenômeno local, limitado a um ponto ou outro da cidade,
em dezembro de 2006 já havia conhecimento de seu controle
sobre 92 favelas. Em novembro de 2010, quatro anos depois, as
milícias controlavam 417 comunidades!
Quando as milícias
começaram a se expandir, a imprensa e mesmo o então
prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, descreviam-nas como
uma forma alternativa de segurança, que poderia livrar as
comunidades das diversas facções traficantes existentes
na cidade. As milícias eram descritas como “autodefesas
comunitárias” ou “mal menor que o tráfico”. Mas
não levou muito tempo para que apoiar as milícias se
tornasse impopular. As milícias tomam comunidades fazendo uso
de violência bem equipada e depois sustentam sua presença
através da exigência de pagamentos dos trabalhadores e
pequenos comerciantes para manter sua “segurança” (sendo
que os próprios milicianos são a ameaça).
Em muitas comunidades,
os milicianos impõem toque de recolher e outras regras para
manter os trabalhadores sob controle. A pena para o descumprimento de
suas leis são castigos violentos, inclusive há
registros de casos de extermínio. As milícias também
fazem questão de combater qualquer expressão de
resistência política. Em 2007, o advogado e militante da
Frente Internacionalista dos Sem-teto, André de Paula, foi
ameaçado de morte e expulso de uma ocupação
sem-teto em Campo Grande, numa região dominada pela milícia,
por realizar trabalho político com os moradores.
As milícias são
a melhor expressão de crime organizado na história do
Rio de Janeiro. Elas são compostas por policiais,
ex-policiais, bombeiros e outros agentes relacionados com o Estado
burguês. Criam relações com o poder político
do Estado para garantirem sua estabilidade. A principal facção
miliciana conhecida é a Liga da Justiça,
liderada pelo ex-vereador e policial Jerominho, que usa o
apelido de Batman. Também o então deputado
estadual Natalino Guimarães era líder do grupo
miliciano. Ambos foram importantes apoios políticos de Sérgio
Cabral em sua eleição para governador. Tendo seus
redutos eleitorais na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde hoje se sabe
que também comandavam a Liga da Justiça, contribuíram
muito para que Cabral tivesse uma vitória esmagadora na região
em 2006.
Diferente do que se
imagina, as milícias não acabam com o tráfico de
drogas – elas o tomam. A milícia destrói as
organizações traficantes tradicionais e se torna a nova
“gerente” do tráfico em todas as regiões tomadas.
Na verdade, elas também passam a administrar outros negócios
ainda mais lucrativos. Na maioria das favelas tomadas, as milícias
controlam não apenas o tráfico de drogas como também
exploram serviços de prostituição, venda de gás,
transporte alternativo e fornecimento de televisão à
cabo. A força de trabalho para todos esses serviços não
pode ser outra que não a dos trabalhadores das favelas. É
claro que a exploração largamente superior imposta à
comunidade dominada exige, da parte dos milicianos, uma repressão
maior do que aquela das antigas organizações
traficantes, coisa que policiais e ex-policiais sabem fazer muito
bem.
Um misto de poder armado
paraestatal com uma empresa-leque, atuante em vários ramos da
economia, as milícias tem relações íntimas
com o Estado burguês. Além das lideranças
políticas citadas, que tinham relações diretas
com o governador Sérgio Cabral (um vídeo na internet
mostra Cabral, Jerominho e Natalino abraçados durante um
comício e o futuro governador dizendo que os três são
amigos), há registros de casos em que a polícia ajudou
a milícia a se estabelecer em comunidades. Foi o caso da
favela Cidade Alta, no bairro Cordovil, em 2007, em que os milicianos
tiveram apoio de um caveirão (carro blindado) da PM para tomar
de assalto a comunidade. Qual é o significado de tudo isso?
Muito antes de as UPPs
aparecerem, já havia uma força com relações
íntimas com o Estado, formada por agentes ou ex-agentes do
Estado, destruindo as organizações traficantes
tradicionais e estabelecendo seus regimes nas comunidades com o apoio
da polícia. Isso significa que o enfraquecimento das
organizações traficantes antigas tem na UPPs apenas um
dos seus pontos de apoio. O outro e principal elemento é a
expansão das milícias, que ocorre, não com a
displicência, mas com o apoio do Estado burguês! Ainda
que haja prisões de alguns dos líderes mais conhecidos
das organizações milicianas, ninguém duvida que
eles continuam, dentro ou fora das prisões, comandando seus
negócios e tirando deles os lucros. As características
das milícias, suas relações políticas com
o Estado, o papel que elas cumprem – tudo isso forma um padrão
que dá a entender que as milícias cumprem as tarefas
ilegais (a parte mais suja do serviço) que o Estado burguês
não pode fazer à luz do dia, mas que apoia e garante o
sucesso. Os objetivos da expansão das milícias é
garantir que quem controla o tráfico de drogas e as
comunidades seja muito mais próximo do Estado do que eram as
antigas organizações traficantes.
Em 2008, as milícias
começaram a chamar atenção da imprensa. Foi o
ano em que ocorreram as prisões de Jerominho e Natalino. No
mesmo ano, jornalistas que tentavam fazer uma matéria sobre as
milícias foram torturados pelos milicianos e foi criada a CPI
das milícias, na Assembléia Legislativa do Rio de
Janeiro. Esses fatos geraram repercussão internacional e é
nesse momento que começa a se falar de UPPs. Quando a frente
ilegal da tomada de territórios começa a chamar atenção
demais (inclusive em suas relações com o Estado) é
que a frente legal de uma operação se torna necessária.
Já há
suspeitas de que uma milícia esteja se organizando no Complexo
do Alemão, poucas semanas depois de ele ter sido tomado pelas
forças policiais. Isso não é nenhuma surpresa:
as UPPs cumprem um papel não menos assassino que as milícias,
mas sob o pano da “legalidade”. Se o tráfico nesses locais
foi temporariamente interrompido, isso só aumenta a demanda
para o tráfico controlado pelas milícias, e não
vai demorar para que se revelem quem serão os novos “gerentes
locais” do tráfico de drogas no Complexo do Alemão.
A armadilha da
legalidade das UPPs não pode continuar enganando os
trabalhadores que acham que o Estado combate o tráfico, quando
esse mesmo Estado impõe não apenas o tráfico mas
uma opressão tirânica sobre a vida dos proletários,
seja sob a forma legal da polícia ou a forma ilegal das
milícias. Se o governador diz que sua gestão está
comprometida em combater as milícias (compromisso para o qual
ele nunca moveu um músculo), nós o desafiamos a expor
os seus “segredos de Estado”. Pela quebra de todo sigilo
econômico, telefônico e de internet da polícia e
dos líderes do poder executivo! Essas informações
devem ser colocadas à disposição dos movimentos
sociais para desmascarar a cumplicidade do Estado com as milícias.
Uma
polêmica mais do que necessária
A esquerda proferiu
inúmeras respostas aos eventos no Rio de Janeiro. Dentre os
grupos cuja “estratégia” é reformar o capitalismo
(ainda que seus membros de base sejam convencidos do contrário)
é importante destacar o Enlace, corrente interna do
PSOL, cujo maior símbolo do reformismo é o deputado
Marcelo Freixo, que ganhou grande reconhecimento ao presidir a CPI
das milícias. [4] Freixo deixou claro em pronunciamento
à Assembleia Legislativa do Rio no fim de novembro, que sua
perspectiva é reformar a polícia e eliminar sua
corrupção, e que deseja que haja UPPs em todas as
regiões da cidade! (Por que as
UPPs não chegam para todos?, site do deputado). Em
entrevista no começo de dezembro, ele mostrou que é
muito perspicaz em rastrear a origem tanto da violência
policial, quanto miliciana contra os trabalhadores pobres:
“A nossa polícia historicamente serve a uma elite política. Ela foi construída assim: barata e violenta porque serve para manutenção da relação do Estado com esses territórios desassistidos de direitos. Como a nossa elite política é clientelista e corrupta, ela precisa de uma polícia assim. Essa relação faz nascer a milícia no Rio. As milícias são fruto desse papel histórico que foi atribuído à polícia frente às populações mais pobres. Boa parte da zona oeste e da zona norte da cidade são hoje controladas por esses grupos. É o nosso instrumento de apartheid.” (Exame, 3 de dezembro de 2010).
Apesar disso, Freixo não
tem problemas em afirmar suas boas relações com o
secretário de segurança José Mariano Beltrame, o
“homem honesto” que conduz a chacina que são as operações
policiais nas favelas cariocas.
“Eu sou oposição política ao governador. No entanto, no debate da Segurança Pública não gosto de me posicionar como situação ou oposição. A nossa responsabilidade com a sociedade está acima dessas diferenças políticas. Por isso, eu fico muito mais confortável em falar do Beltrame que do Sérgio Cabral. O Beltrame leva uma grande vantagem porque sua honestidade o faz uma pessoa muito melhor do que os últimos secretários que existiram antes dele. Tenho uma relação muito sincera com ele. Com divergências, mas muito respeito.”
Em
outras palavras, quando é uma questão de segurança
pública, não existe oposição ou situação.
De fato, na raiz, Marcelo Freixo nada tem para se opor a Sérgio
Cabral – ambos defendem a continuidade de uma polícia
racista, responsável pela repressão aos trabalhadores.
A responsabilidade de Freixo com a (manutenção da)
sociedade (burguesa) está acima de qualquer deiferença
política. Enquanto Freixo alimenta as ilusões de que
tal sociedade pode ser reformada, Cabral é uma face muito mais
cínica da mesma moeda da manutenção do Estado
burguês.
Não
é de espantar a posição do Enlace/PSOL nesses
ataques, já que, na prática, a corrente não
defende nada mais do que a idéia utópica de gerir o
Estado dos patrões a serviço dos trabalhadores. Na
verdade, a polícia é irreformável, assim como o
próprio sistema capitalista. O que Freixo vê como uma
coisa que pode ser mudada – o reconhecido caráter racista,
assassino e corrupto da polícia – são as suas
caracteristicas intrísecas!
A
polícia é um grupo de homens armados colocados à
disposição do Estado dos patrões (coisa que uma
mudança eleitoral não altera) e que não cumpre
nenhuma função social que não seja a de manter a
ordem capitalista e reprimir os movimentos sociais e setores mais
oprimidos da classe trabalhadora com uso da força que for
necessária. Os policiais não são trabalhadores
explorados, mas agentes de repressão armada da burguesia. A
segurança real dos trabalhadores é ignorada pela
polícia enquanto a das empresas e bancos é garantida a
todo custo.
A
tentativa eleitoral de modificar a natureza fundamental do Estado
burguês ganhando eleições, que constitui toda a
“estratégia” do PSOL, e de Marcelo Freixo em especial,
nada mais é que uma quimera. Na verdade, o Estado é um
braço político, ideológico e militar do poder
burguês para garantir o funcionamento da produção
que visa o lucro. O funcionamento do capitalismo pressupõe,
além de condições econômicas constantes
(como o desemprego), a necessidade de ter uma força armada
para reprimir qualquer tentativa das classes exploradas de se
revoltarem. Por isso, a defesa da propriedade privada é o
papel central das armas do Estado capitalista.
Enquanto
Freixo tenta, com sua lógica de “reformar o capitalismo”,
ensinar um cachorro raivoso a se sentar à mesa, ele na verdade
contribui com os inimigos dos trabalhadores ao prestar apoio à
instalação das UPPs. Em seu citado pronunciamento, ele
questiona: “Por que não há UPPs para todos?” numa
tentativa de demonstrar a conhecida ligação de Cabral
com líderes políticos das milícias. Mas a visão
neutra que Freixo faz da polícia, equivale a entregar a
cabeça da população proletária aos seus
maiores carrascos.
O
deputado sonha em tornar a polícia um aparato que possa servir
aos trabalhadores, enquanto ela permanece sendo firmemente
subordinada a uma “elite política clientelista e
corrupta”, ou seja, uma força armada a serviço da
burguesia e comandada pelos seus “opositores políticos”
(ou nem tanto), como Cabral. O que Freixo não vê é
que essa é a própria razão de ser da polícia
– intimamente ligada às necessidades do capitalismo, e não
uma condição temporária em que Cabral ou outros
políticos colocaram os policiais. Essa posição
pró-UPP revela a total ausência de qualquer perspectiva
revolucionária no PSOL, que defende a instalação
de mais unidades de repressão contra os trabalhadores. Num
futuro próximo, as UPPs irão com certeza combater
qualquer resistência ou luta dos proletários, que terão
unidades de repressão instaladas em seus locais de moradia.
Os
trabalhadores são aliados da “base da polícia”?
Com a articulação
da imprensa burguesa, como demonstramos, não foram poucas as
ilusões com a polícia criadas entre os próprios
trabalhadores moradores das favelas. A posição dos
reformistas serve para criar muita confusão e desarmar a
consciência dos oprimidos. Já uma posição
única na esquerda [brasileira] é a do Partido
Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Ao redor de uma
declaração aparentemente revolucionária,
defendendo o direito de os trabalhadores organizarem autodefesas, o
partido defendeu através de seu principal dirigente, Eduardo
Almeida Neto, a unificação da polícia (fusão
da polícia civil e militar) num corpo que seja “controlado
pelos trabalhadores”:
“A nova polícia teria que se organizar de forma radicalmente diferente da atual. Deve desaparecer a diferença entre polícia civil e militar, que não serve de nada, e assegurar todas as liberdades sindicais e políticas a seus participantes. É preciso também que seus comandantes ou delegados sejam eleitos pela população da região onde atuam. Ao contrário dos que se escandalizem com a proposta, a eleição de delegados locais é realizada em muitos países, inclusive nos EUA. É uma forma democrática de comprometer esses comandantes com a população local.” (site do PSTU).
Não nos
escandalizamos nem um pouco pela proposta. Ela é mais que
comum entre muitos reformistas que acreditam na possibilidade de
criar uma “polícia para defender a população”.
Ao mesmo tempo, sabemos que essa proposta é incapaz de mudar o
caráter real da organização policial. Não
precisamos ir muito longe para conseguir exemplos – o próprio
Eduardo Almeida nos fornece o da “democrática” polícia
americana, recordista de repressão à população
negra e aos imigrantes. A palavra de ordem de uma polícia
“eleita democraticamente” não é usada aqui para
expor o caráter burguês e a hierarquia do aparato, mas é
uma proposta real, como o exemplo americano de Almeida mostra, para
gerir o capitalismo.
Além de
apresentar essa perspectiva desoladora e dizer que o Estado burguês
pode ter algum tipo de “compromisso” com a classe trabalhadora
local, o PSTU reafirma sua famosa posição de defender
todos os “direitos sindicais” dos policiais. Essa posição
não é nova. Ela vem sendo defendida pelo PSTU de
maneira mais clara desde a formação da Conlutas (mas é
defendida pelo partido desde muito antes, como na greve policial
nacional de 1997). Discutimos essa questão anteriormente no
artigo Porque não apoiamos a greve da polícia
(agosto de 2007), disponível [em coletivolenin.org]. A
presença de “sindicatos policiais” na central dirigida
pelo PSTU atualmente, a CSP-Conlutas, assim como o uso do slogan
“Você aí fardado, também é explorado!”
pelo partido, em atos e protestos, é justificado com dois
argumentos.
O primeiro é de
que os “trabalhadores” policiais de base têm o direito de
reivindicarem melhores condições de trabalho e melhores
salários, e que isso, inclusive, contribui para a luta dos
demais trabalhadores. Enquanto reconhece que a polícia é
usada para reprimir a população, o PSTU afirma que os
policiais “não conhecem o seu papel” e tentam disputar sua
consciência como se fosse a de um operário. O segundo
argumento é o da necessidade fundamental de apoiar as lutas da
“base da policia” para talvez rachá-la numa situação
revolucionária futura.
Antes de tudo, o slogan
usado pelo PSTU é puro oportunismo. Os policiais não
são explorados pelo capitalismo pelo simples fato de não
cumprirem nenhuma função socialmente necessária.
Os policiais não produzem e nem realizam nenhuma tarefa
indispensável para a produção, como é o
caso dos serviços de transporte, comunicação,
saúde ou educação. Não há na
polícia nenhum papel progressivo, nada que seja útil
para garantir o funcionamento da vida dos trabalhadores. A sua função
exclusiva (por mais que sua base seja mal paga) é ser um corpo
repressivo que garante o papel subjugado dos proletários na
sociedade. Isso é uma questão objetiva, ou seja,
independe das ilusões dos “policiais de base”.
Não acreditamos
que as ilusões da “base da polícia” sejam grande
coisa. Na verdade, quando um membro originário da classe
trabalhadora decide se tornar um policial, na maioria das vezes
operou-se nele uma transformação reacionária de
consciência. Mas mesmo que os policias achassem que estão
aí para distribuir flores para a população,
seria tarefa dos marxistas apontarem a realidade e expor o seu papel
claramente repressivo e anti-operário. O policial não é
um trabalhador, é um membro do aparato repressor da burguesia
colocado diariamente contra os verdadeiros trabalhadores.
Daí vem o fato de
que o “sindicalismo policial” e as greves da base da polícia
(contra suas instâncias superiores) por “melhores condições
de trabalho e salários” não contribuem em nada para a
luta dos trabalhadores, muito pelo contrário. Melhores
“condições de trabalho” para os policiais significa
melhores condições de repressão contra os
trabalhadores, significa mais armas, caveirões e munição
para serem usados contra os proletários. Melhor salário
para os policiais significa aumentar a pressão material sobre
os trabalhadores para integrarem a polícia, ou seja, aumentar
o número de trabalhadores dispostos a integrar o aparato
repressivo do Estado burguês e até mesmo aumentar o seu
contingente policial. Por isso, qualquer marxista autêntico só
pode rechaçar o “sindicalismo policial”, pois as
manifestações corporativas dos policiais, se
vitoriosas, significariam uma derrota e um passo atrás para a
luta dos trabalhadores. Os trabalhadores devem limpar sua
própria casa – “sindicatos policiais” fora das centrais!
Nenhum apoio a greves policiais por “melhores condições”!
Já o discurso
“estratégico” do PSTU sobre rachar a polícia, não
resiste à menor investigação histórica.
Primeiro, de nada vale tentar rachar a polícia virando as
costas para os interesses dos oprimidos. Depois, não se
conhece nenhuma situação revolucionária em que a
polícia tenha apresentado um racha para apoiar a classe
trabalhadora. Pelo contrario, abolir a polícia é, na
maioria das vezes, a ação dos trabalhadores assim que
começam a se organizar por seus objetivos históricos.
Isso é muito coerente com a composição da
polícia – profissionais de carreira que são
ideologicamente homogeneizados pelo treinamento militar. O que é
comum são rachas das patentes baixas do exército,
principalmente em épocas de guerra, em que os reservistas
são recrutados e se tornam maioria das forças armadas.
Estes sim, trabalhadores recrutados completamente contra a sua
vontade e que não passaram pela “lavagem cerebral” do
militarismo burguês, tem chances reais de serem atraídos
para a luta dos trabalhadores.
Independente disso,
qualquer racha nos instrumentos do Estado burguês, seja no
exército ou na polícia, não deve ser conseguido
apoiando as reivindicações corporativas desses setores.
Pelo contrário, devemos expor claramente qual é o seu
papel e defender o fim de sua repressão e ataque contra os
trabalhadores – essa é a maneira revolucionária de
causar rachas no aparato burguês. As reivindicações
que devem ser apoiadas, nessa perspectiva, são aquelas com
conteúdo político que indicam o papel repressor do
aparato, não as reivindicações para “melhorar”
os órgãos armados do poder burguês (veja, por
exemplo, o texto Militar é Preso por ser Homossexual,
em nosso site).
Como bom centrista
vacilante, o PSTU abandona o aspecto aparentemente revolucionário
de seu programa, no papel, para na prática pegar carona na
concepção dos reformistas e contribuir com a ideologia
dos inimigos dos operários. Suas palavras de ordem e
“estratégia” falham em expor a polícia diante da
classe operária e, ao invés disso, criam confiança
na “base da polícia” ao igualar ela com os trabalhadores.
O que é necessário é mostrar o caminho da
revolução no combate a tudo que a polícia
representa. O PSTU, entretanto, parece buscar uma possibilidade real
de reformar o aparato burguês (não nas UPPs, mas nos
“policiais de base”) e contribui para semear a mesma concepção
de adaptação ao capitalismo que seus companheiros de
viagem do PSOL.
Uma
vez mais a questão negra
A faceta mais marcante
da conjuntura de derrotas da classe trabalhadora nessa década
pôde ser vista com as operações no Rio de
Janeiro. Foi total a falta de reação do proletariado,
sobretudo do proletariado negro (o mais atingido), e dos movimentos
sociais em geral, diante do conflito entre as organizações
traficantes e a polícia. Enquanto os principais movimentos
sociais do país são mantidos congelados pela direção
traidora do PT de Dilma e Lula, cúmplices do governo de
Cabral, a esmagadora maioria dos proletários, inclusive os
seus setores mais explorados, são colocados para receber
passivamente os golpes da violência burguesa. Enquanto CUT, MST
e os movimentos negros e populares estiverem sob influência do
governo, pouco poderá ser feito para a resistência dos
trabalhadores. Muitos esperam que os setores da chamada “oposição
de esquerda” possam apresentar uma alternativa, mas como vimos,
eles não só falharam em apresentar uma resposta
coerente, como também acabam fazendo o jogo dos maiores
inimigos da nossa classe.
Enquanto o PT destaca o
exército brasileiro para criar nas favelas cariocas a mesma
“paz” que ele já deu ao Haiti, o PSOL, no fundo de seu
grito por uma polícia melhor, deseja “UPP para todos” e
aborta qualquer possibilidade de expressão independente da
classe trabalhadora. Já o PSTU, cheio de ilusões e
apego aos candidatos a reformadores do capitalismo, também
luta por “uma polícia com melhores condições
de trabalho”. O que falta para que esses caras-de-pau defendam
“mais tropas” ou “melhores condições de trabalho
para os soldados” no Haiti?
Ao vacilarem e semearem
a ilusão na classe, esses partidos desmoralizam a esquerda
diante dos trabalhadores mais oprimidos, que sabem quem são
seus inimigos. Esses partidos, no entanto, tem algo em comum. Ambos
representam a total ausência de uma estratégia
revolucionária capaz de pôr fim ao sofrimento dos
trabalhadores. A maior expressão disso se coloca na questão
da opressão aos trabalhadores negros, os mais atingidos nesses
ataques e os mais perseguidos desde sempre pelo tráfico,
polícia e milícias no Rio de Janeiro.
A polícia do Rio
de Janeiro realizou inúmeras invasões a moradias,
agressões físicas e agressões psicológicas
contra os trabalhadores nessa operação. É a
mesma polícia que mata duas vezes mais negros do que
pessoas de outras etnias, de acordo com estudo do PNUD [Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento].
O foco da polícia em “combater o tráfico” onde
estão os trabalhadores negros, mas não o local
estratégico de alguém que estivesse realmente
interessado em acabar com o tráfico (o transporte da droga na
fronteira), tem razões na natureza do capitalismo brasileiro.
No Brasil, os
trabalhadores negros constituem uma casta super-explorada da classe
operária. A manutenção de aparelhos racistas na
atuação e ideologia da polícia em todos os
momentos da nossa história e a colocação,
consciente por parte do Estado, da população negra em
condições precárias de educação,
moradia e emprego cumpre um papel. Eles permitiram que o capitalismo
brasileiro obtivesse aí um exército industrial sem
qualificação tanto para os empregos baratos e sem
necessidade de formação profissional, assim como para o
contingente de desempregados, fundamental para estar à
disposição do mercado capitalista.
É preciso
combater na raiz o rumo que o capitalismo quer dar à vida da
classe trabalhadora. Emprego pleno para todos os trabalhadores!
Devemos lutar para reduzir a jornada de trabalho sem redução
de salário para gerar novas vagas até acabar com o
desemprego, que atinge principalmente os operários negros. Fim
do vestibular e qualificação para todos os proletários!
Se for necessário, o lucro dos empresários deve ser
usado para financiar a educação até que haja
acesso global ao ensino superior.
A ação
preferencial predatória da polícia dentro das favelas é
instrumento fundamental nas mãos do Estado burguês para
garantir com sangue que o proletariado negro nem mesmo ouse pensar em
lutar contra as condições destacadamente inferiores de
vida na qual é mantido. Uma dessas condições
mantidas diretamente pelos patrões é o salário
consideravelmente mais baixo que recebem os negros, mesmo aqueles que
atuam em postos iguais aos de operários de outras etnias. De
acordo com estudo citado pela Folha, trabalhadores negros recebem bem
menos que trabalhadores brancos atuando na mesma função
de trabalho, na mesma cidade. “Pesquisa divulgada hoje pela
Fundação Seade mostra que, na mesma função,
homens negros (R$ 639) e mulheres (R$ 652) recebem salários
até 47,8% inferiores aos pagos para trabalhadores brancos do
sexo masculino (R$ 1.236)” (Folha online). Exigimos
salário igual para trabalho igual! – deve-se nivelar
pelo salário mais alto até eliminar a diferença
entre trabalhadores homens e mulheres, negros e brancos, em todas as
empresas públicas e privadas.
Pela sua dependência
estrutural histórica com o capitalismo, o racismo praticado
pelo Estado não pode ser combatido como uma questão em
separado, mas deve ser combatido no cerne das lutas operárias,
onde está colocada a necessidade de expor o caráter
intrinsecamente racista do Estado e seu objetivo de prover ao mercado
capitalista mão de obra sem qualificação e
historicamente reprimida em suas lutas. No livreto A Escravidão
é a Chave da História do Brasil (revista Revolução
Permanente número 3), analisamos como a questão da
opressão negra foi historicamente subestimada e negligenciada
pelas organizações da esquerda brasileira. Isso se
demonstra de maneira trágica na inação das
comunidades diante dos ataques e operações de novembro.
O potencial
revolucionário dos trabalhadores negros e sua posição
em setores industriais de base é estratégico para a
revolução brasileira. Por isso, é fundamental
para uma organização revolucionária estar
inserida nesses setores e combater o racismo do Estado dos patrões
em todas as oportunidades, com o intuito de recrutar trabalhadores
negros e ter forte presença nos seus locais de trabalho e
moradia. Também deve ser travado intenso combate contra as
condições de trabalho inferiores dos negros e o
desemprego maciço que os atinge. Essas questões devem
ser tratadas no cotidiano do movimento dos trabalhadores e da
juventude. Sem isso, o socialismo será apenas uma fantasia
escrita num papel. Combater o racismo no movimento estudantil e
sindical! O racismo só serve ao inimigo comum de todos
os trabalhadores.
Hoje nas favelas e nos
locais de trabalho dos setores mais explorados da classe operária,
existe não uma crise, mas um completo vácuo de
lideranças combativas, quanto menos uma liderança
revolucionária. Os reformistas, ao negarem a necessidade de se
enraizarem nos setores mais explorados da classe trabalhadora, que
acreditamos serem os trabalhadores negros e as mulheres no Brasil,
entregam este setor fundamental de bandeja para o conformismo de
igrejas e associações de moradores, além do
assistencialismo do Estado burguês. É preciso dizer que,
mesmo que houvesse vontade, seria um pouco difícil para os que
são amigos das UPPs e da “base da polícia” se
inserirem entre os trabalhadores negros, que tem na polícia o
seu maior inimigo.
Sempre dissemos que
nosso Coletivo não é um fim em si mesmo. Nosso papel é
contribuir para a construção de um partido
revolucionário de trabalhadores capaz de combater de maneira
coerente as ilusões com o Estado burguês em todas as
lutas. A tarefa é árdua com a difícil correlação
de forças em que vivemos, atrapalhada ainda pelos auxiliares
voluntários da ideologia burguesa, disfarçados de
“partidos de esquerda”. Ainda assim, é preciso dar desde
já os primeiros passos.
Um partido
revolucionário deve ser construído entre os setores
mais explorados do proletariado brasileiro, principalmente as
mulheres e negros. Esse partido deve lutar para concretizar as
demandas históricas dos trabalhadores. Grande parte delas só
pode ser conseguida com a destruição do Estado que nos
oprime diariamente. É por isso que levantamos inúmeras
bandeiras que expõem o caráter capitalista do Estado,
mostrando a necessidade de destruí-lo e de construir o poder
de todos os explorados e oprimidos. Por um Partido
Revolucionário de Trabalhadores!
Notas
de revisão
[1]
Na edição número 67 do jornal A Nova Democracia,
que possui correspondentes atuando em diversas favelas e morros
cariocas, existe um apanhando de denúncias de abusos policiais
publicado sob o nome Moradoresde favelas denunciam crimes das UPPs. Além desses
casos, ocorreram protestos no Complexo do Alemão durante o mês
de setembro, após ações do Exército, como
relata a matéria da Folha Moradoresdo Alemão organizam ato após conflito com Exército
(de 05 de setembro).
[2]
Para um exemplo concreto de autodefesa operária, confira o
artigo Regionaldo UAW Organiza Autodefesa Negra e Operária,
disponível no blog do Reagrupamento Revolucionário.
[3]
De acordo com notícia publicada no PortalD24am em primeiro de dezembro deste ano, investigações
da Polícia Civil indicam que apenas Fernandinho Beira-mar,
enquanto parte do alto escalão do Comando Vermelho, movimentou
cerca de R$62 bilhões no Complexo do Alemão durante
seus anos de atividade fora da prisão.
[4]
Freixo, apesar de não ser membro do Enlace, é um
parlamentar do PSOL que recebe constantemente o apoio político
dessa corrente, que tem votado nele em todas as últimas
eleições burguesas e promove a sua imagem nos movimento
sociais.