5.9.11

Polêmica com o PSTU no Combate à Homofobia

Os Erros do PSTU no Combate à Homofobia
Somente os Trabalhadores Podem Defender os GLBT!

Por Rodolfo Kaleb
Agosto de 2011

A opressão contra a diversidade de opção ou identidade sexual vem crescendo no Brasil. O Grupo Gay da Bahia publicou recentemente uma pesquisa que mostra que o Brasil é o país recordista mundial em assassinatos de gays, lésbicas e travestis – 260 foram assassinados só no ano passado. Segundo pesquisa do Grupo, esse tipo de crime aumentou 113% nos últimos cinco anos. [1] Os casos de agressão nas grandes e pequenas cidades têm ganhado as páginas dos jornais e manchetes de televisão.

O PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) diz frequentemente que o fim definitivo da opressão contra pessoas com identidades ou opções sexuais diferentes só é possível numa sociedade controlada pelos trabalhadores. Concordamos com tal afirmação. Entretanto, é preciso pontuar que se o fim definitivo da homofobia só é possível no socialismo, então é necessário que aqueles que lutam por ele tenham em mente, nas batalhas diárias por direitos na sociedade capitalista, que só os trabalhadores são capazes de defender os Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Intersexuais. Esperar que os elementos da sociedade burguesa como a polícia, a Justiça ou os governos defendam os GLBT é uma política que pode se esperar de alguém que, conscientemente ou não, tem ilusões na sociedade capitalista ou busca uma versão “menos pior” da mesma.

Em março deste ano, o companheiro Guilherme Rodrigues do PSTU de São Paulo foi atacado por um grupo de agressores homofóbicos. O PSTU divulgou bastante este ataque, que é mais uma de tantas das agressões crescentes contra os GLBT brasileiros. Mais um, porém um ataque contra um homossexual membro de um partido da esquerda, e que cria uma oportunidade fenomenal para que os revolucionários desmascarem os demagogos e mostrem que são os mais combativos na luta pelos direitos democráticos. Comentando sobre a agressão do seu militante, assim como sobre as ameaças de morte sofridas pelo deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), o PSTU escreveu que:

“É muito importante lembrar que nestes casos a polícia e a justiça não podem punir os agressores exatamente pela inexistência de uma legislação que criminaliza as agressões motivadas pelo preconceito, tal como foi o caso do companheiro Guilherme. (...)”

Dia 18 de maio: exigir a criminalização da homofobia, Opinião Socialista 423, 11 de maio

Está claro que o Estado capitalista na maior parte do tempo simplesmente não faz nada e deixa que os GLBT sejam agredidos ou mortos. De nenhuma maneira conseguimos ver como a polícia e a Justiça estão “impedidas” de punir os grupos homofóbicos fascistas simplesmente pela inexistência da lei de criminalização da homofobia. Não nos parece que elas estejam ansiosas por uma legislação como essa para começar a “mostrar serviço”. A falta de ação do Estado burguês tem razões muito mais profundas. Nem a existência da lei resolveria a questão. Ela seria uma vitória, mas uma vitória bastante limitada. Afinal, a sua aplicação seria feita pela mesma instituição que deixa impune os atacantes e restringe os direitos dos GLBT. Acaso a lei criminalizando o racismo resolveu as agressões, o preconceito e a super-exploração sofridos pelos trabalhadores e trabalhadoras negros? Assim como o Estado capitalista é essencialmente racista, ele também é machista e homofóbico.

Imediatamente após o ataque contra Guilherme, o PSTU publicou no seu site uma declaração reclamando sobre a forma como o seu militante havia sido tratado pela polícia. A declaração mostrou que a policial que estava no local tratou Guilherme em pé de igualdade com seus quatro agressores, tentou encerrar o assunto como se nada tivesse acontecido e que, depois de levados para a delegacia, Guilherme foi liberado junto com os homofóbicos, sem nenhum tipo de proteção, estando à mercê de um novo ataque. O artigo conclui:

“Apesar de tudo, o BO [Boletim de Ocorrência] foi registrado. Foram consumados os crimes de lesão corporal (art. 129), injúria (art. 140) e ameaça (art. 147). No entanto, a formalização da denúncia só se deu pela persistência e coragem de Guilherme e não por que a polícia tenha cumprido sua tarefa.” (ênfase nossa)


É esclarecedor que o PSTU reclame da ação policial dizendo que a polícia “não cumpriu sua tarefa”. Existe na concepção do PSTU uma dose considerável de esperança de que a polícia seja usada para ou tenha a tarefa de proteger os setores oprimidos. Na verdade, a polícia como um todo (e não apenas a policial envolvida) tem a tarefa de repressão profissional dos trabalhadores, sobretudo aqueles mais explorados e oprimidos. Qualquer trabalhador negro ou GLBT que já foi parado pela polícia sabe que a “tarefa” da polícia não é cuidar do bem deles.

O PSTU e a Política Revolucionária

O PSTU tem concentrado os seus esforços no campo das opressões na luta pela aprovação da PLC 122, o projeto de lei que criminaliza a homofobia. Em nenhum momento os dirigentes do partido explicam que a aprovação da lei, pela qual lutar é uma tarefa de todos os militantes combativos, não vai garantir uma proteção real para os GLBT. Recentemente, o partido publicou um texto defendendo a politização das Paradas Gays pelo Brasil após a sua participação na Parada de São Paulo:

“José Maria de Almeida, o Zé Maria, falou em nome da central [CSP-Conlutas, dirigida pelo PSTU] no carro de abertura, e foi aplaudido pelos milhões de ativistas ao exigir a criminalização da homofobia e a aplicação do kit ‘Escola sem homofobia’ em todas as escolas. Também denunciou a negociata política em Brasília com nossos direitos. (...)”

Parada do Orgulho LGBT: a necessidade de politização, Opinião Socialista 426, 13 de julho

Claramente é desejo de todos na esquerda que as Paradas do Orgulho GLBT sejam politizadas. Mas elas devem passar a ter uma política revolucionária. Qual líder demagogo do governo não diz que também acha que a homofobia deve ser crime (o PLC 122 é de autoria da senadora paulista Marta Suplicy, do PT)? O projeto “Escola Sem Homofobia” foi uma proposta do próprio Governo Federal. Obviamente combatemos a sua suspensão, com a qual Dilma fortaleceu os reacionários como Jair Bolsonaro (PP/RJ) e a bancada evangélica, mas não devemos limitar a isso as nossas demandas e as nossas ações. Da mesma forma, o PSTU tem alimentado ilusões no governo Dilma, cobrando que ela “mobilize os parlamentares” para criminalizar a homofobia:

“O movimento LGBT que vai à Brasília neste dia 18 precisa ter alguns objetivos claros. O primeiro é que estamos exigindo a aprovação do PLC-122. Porém, não estamos exigindo isso somente dos parlamentares, mas estamos exigindo da presidente Dilma. O PT possui maioria no Congresso Nacional e um forte poder de centralização de sua base aliada. A maior prova disso foi o rolo compressor do governo para aprovar o vergonhoso reajuste do salário mínimo. Estamos exigindo de Dilma que faça o mesmo movimento para aprovar o PLC-122.”

Dia 18 de maio: exigir a criminalização da homofobia, Opinião Socialista 423, 11 de maio

O programa que o PSTU levanta é insuficiente para educar os trabalhadores sobre a importância da sua unidade como classe, independente das diferenças de opção ou identidade sexual. E também é inútil para diminuir concretamente a opressão contra os GLBT. A própria raiz do interesse de inúmeros setores da burguesia em manter os direitos restritos dos GLBT e a opressão contra eles é a mesma necessidade que possuem em dividir os trabalhadores em linhas étnicas, nacionais, sexuais, etc. Há mais de 100 anos, Lenin escreveu que:

“(...) o socialdemocrata [como se chamavam os revolucionários na época] não deve ter por ideal o secretário do sindicato, mas o tribuno do povo, que sabe reagir contra toda manifestação de arbitrariedade e de opressão, onde quer que se produza, qualquer que seja a classe ou camada social atingida, que sabe generalizar todos os fatos para compor um quadro completo da violência policial e da exploração capitalista, que sabe aproveitar a menor ocasião para expor diante de todos as suas convicções socialistas e suas reivindicações democráticas, para explicar a todos e a cada um o alcance histórico da luta emancipadora do proletariado.”

O Que Fazer? (1902)

Os revolucionários têm o dever de unir os trabalhadores contra as formas de opressão. Eles não devem buscar ser um “funcionário de sindicato” acomodado às limitações que a sociedade capitalista impõe. Eles devem tentar fazer com que os trabalhadores sejam ativos na defesa dos seus direitos democráticos à diversidade. Isso não se consegue tentando apenas aprovar uma lei ou um kit escolar. Essa separação entre o ideal futuro professado (um mundo socialista sem opressão) e a ação prática no presente (de cobrar do governo que proteja os GLBT) nada tem a ver com a estratégia revolucionária.

O maior objetivo dos revolucionários deve ser organizar a autodefesa dos trabalhadores e oprimidos, que inclua trabalhadores de todas as opções e identidades sexuais para proteger os GLBT contra agressões com todos os meios disponíveis, revidando contra os grupos de homofóbicos fascistas ativos no país. Assim os revolucionários protegem na prática os GLBT ao mesmo tempo em que ensinam aos trabalhadores a não confiar na polícia e na Justiça da burguesia para nada – e fazerem eles próprio a sua proteção.

Acreditamos que a autodefesa deve ser construída como uma frente única, ou seja, uma unidade de ação baseada no acordo comum entre militantes e ativistas de várias correntes ou independentes sobre a necessidade prática de defender os homossexuais. Com sua influência na juventude e nos sindicatos, o PSTU teria facilmente capacidade de organizar comitês de autodefesa para garantir a segurança dos GLBT. Propomos ao PSTU e demais organizações da esquerda (partidos, sindicatos, grupos de defesa dos direitos dos GLBT), organizar frentes como esta para escoltar e proteger aqueles que precisam.

Um comitê de autodefesa, por exemplo, pode ser organizado para garantir a segurança dos jovens e trabalhadores que participarão da próxima Parada do Orgulho GLBT do Rio de Janeiro, a ocorrer em outubro. Desde já nos dispomos a integrar uma iniciativa nessa ocasião. Não acreditamos, entretanto, que o PSTU tenha interesse em ajudar a construir esse ato de combatividade classista contra os homofóbicos, uma vez que tem preferido cobrar da polícia que cumpra a sua suposta “tarefa” e se limita a pedir proteção do Estado burguês.

Uma ação como a organização de comitês de autodefesa de trabalhadores, ainda que pequena no início, pode plantar uma semente que inspire e seja reproduzida pelo Brasil afora, o que trará resultados reais em defesa dos GLBT. Os homofóbicos e fascistas não se assustam com a polícia. O PLC 122 pode inibir, mas não vai impedir que essa corja da reação continue perseguindo os oprimidos. Além disso, os agressores homofóbicos recebem apoio financeiro e ideológico dos partidos e políticos burgueses, como é o caso do DEM, que aprovou na Câmara de Vereadores de São Paulo o infame “Dia do Orgulho Hétero” (a ser “comemorado” no terceiro domingo de dezembro para protestar contra os “excessos e privilégios” dos GLBT). Os homofóbicos só vão parar quando perceberem que não vão conseguir agredir os GLBT e passarem a sentir medo dos trabalhadores, que estarão defendendo aqueles com unhas e dentes. Comentando sobre a agressão que sofreu, o militante do PSTU disse que:

“Hoje não queremos justiça só para este caso. Estamos aqui em nome de todas e todos que foram agredidos e que sabem que seus agressores continuam impunes. Queremos punição aos quatro covardes que me atacaram e que sirva de exemplo para esses bandos homofóbicos neofascistas. (...) Se não fui destroçado pelo bando é porque pude contar com a solidariedade daqueles que impediram o pior de acontecer.”

“Basta de Silêncio”, Opinião Socialista 421, 6 de abril

Mas a punição definitiva contra o bando covarde de agressores de Guilherme Rodrigues, assim como os de tantos outros, não pode ser dada pelo Estado, como esperam passivamente os dirigentes do PSTU, mas somente pelos trabalhadores. Somente com a “solidariedade” entre trabalhadores e oprimidos, empunhando uma estratégia combativa e revolucionária, é que tamanha opressão pode ter fim.

É Preciso Romper com o Centrismo!

“Centrismo é o nome aplicado àquela política que é oportunista na essência e que procura aparecer como revolucionaria na forma. Oportunismo consiste na adaptação passiva diante da classe governante e do regime existente, àquilo que já existe, incluindo obviamente os limites do Estado. O centrismo divide completamente esse traço com oportunismo, mas ao adaptar-se aos operários insatisfeitos, o centrismo se cobre de discursos radicais.” [2]

Esta definição de Leon Trotsky sobre o centrismo se encaixa como uma luva na política do PSTU sobre a homofobia (e não apenas sobre a homofobia). Nos últimos meses o partido tem dado mais ênfase do que nunca à sua “tática” de exigir do governo que tome medidas em favor dos trabalhadores. Somente em agosto, por exemplo, ele exigiu do Ministro da Defesa que retirasse as tropas brasileiras do Haiti e também exigiu de Dilma que rompesse relações diplomáticas e comerciais com a Síria (cujo ditador assassinou milhares de manifestantes que lutam por direitos democráticos). [3]

Enquanto nós apoiamos legislação anti-homofobia e outras reformas parciais que podem ser alcançadas no capitalismo, e também apoiamos a prisão de intolerantes violentos que ataquem os GLBT e outros setores oprimidos, fazer exigências para que a classe dominante procure realizar uma política externa positiva (em oposição a demandas negativas contra as incursões predatórias como a do Brasil no Haiti) só pode criar ilusões nos oprimidos.

Não apenas essa política fracassada alimenta ilusões em Dilma, como também coloca os trabalhadores no papel secundário de exigir que o governo burguês se movimente em sua defesa, fazendo do movimento operário e popular nada mais do que um instrumento de pressão sobre os governos da burguesia. Pior é o fato de que essas “cobranças” acontecem sem que o PSTU faça nada de ativo para tornar os trabalhadores protagonistas do internacionalismo ou da derrota das tropas brasileiras no Haiti. A CSP-Conlutas poderia tentar organizar uma greve política contra o governo Sírio ou contra as tropas brasileiras nas categorias onde tem atuação. Esse seria um ato de solidariedade de classe que sem dúvida se faria ouvir pelos trabalhadores nesses países. Mas a estratégia e o programa centristas do PSTU, adaptados aos limites do Estado capitalista, impedem esse tipo de ação.

O PSTU, por seu tamanho e pelo seu discurso “radicalizado”, atrai muitos militantes com objetivos revolucionários e que acabam caindo numa teia de políticas que, na sua essência, são incoerentes e oportunistas – o que afasta os trabalhadores de uma verdadeira consciência marxista. Mas essas políticas estão em contradição com o impulso revolucionário, que tem confiança na força de uma classe proletária com consciência de seus interesses – e que não precisa nem “exigir” nem “pedir” nada aos seus carrascos, mas que é capaz de impor suas demandas, sejam elas imediatas ou históricas. Cabe aos militantes combativos do PSTU que possuem esse impulso romper com tais políticas centristas e lutar para construir uma organização revolucionária sem essa tradição recuada.

Reunir esses militantes de impulso revolucionário, hoje dispersos nas organizações centristas e oportunistas de todo gênero, é o principal objetivo do Reagrupamento Revolucionário. Mas, diferente de outros grupos que clamam possuir a mesma perspectiva, tomamos como base uma política coerente, testada na luta prática e teórica dos que nos precederam. Rumo ao renascimento da Quarta Internacional!

Notas

[1] De acordo com o Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais de 2010, disponível na página do Grupo Gay da Bahia.

[2] Citado do artigo “A Independência da Ucrânia e os Sectários Confusos” de 1939.

[3] As exigências foram feitas respectivamente nos artigos Celso Amorim: retire as tropas do Haiti, de 5 de agosto e PSTU exige que o governo Dilma rompa relações do Brasil com a ditadura da Síria, de 12 de agosto, ambos publicados no site do partido.