Este documento foi originalmente publicado como um boletim interno da "Tendência Coletivo Lenin" em junho de 2010. Ele é um dos principais documentos que nos diferenciou da tendência revisionista que se apoderou do Coletivo Lenin antes de nossa ruptura para formar o Reagrupamento Revolucionário.
Documento de Declaração de Tendência
Documento de Declaração de Tendência
Maio e Junho de 2011
Leandro Torres e Rodolfo Kaleb
TENDÊNCIA COLETIVO LENIN
PELA CONTINUIDADE REVOLUCIONÁRIA!
Quando, em novembro do ano passado, convocamos o II Congresso (Extraordinário) do Coletivo Lenin para julho deste ano, nossa intenção original era estudar nossas deficiências e avançar sobre elas, além de também estudar a tradição espartaquista na qual baseamos nosso programa e práticas, para entender o porque da degeneração das principais organizações provenientes da mesma. Esse balanço crítico da tradição espartaquista também incluiria reavaliarmos nosso documento programático, adaptado daquele da TBI (“Pelo Trotskismo!”), com o objetivo de analisarmos quais seriam as posições fundamentais de serem mantidas (portanto, o que é questão de princípios) e quais poderíamos abrir mão de ter em nosso programa formal, mesmo que defendendo em artigos e etc. Essa era uma discussão importante, pois estava colocada na ordem do dia a perspectiva de discussão com outros grupos visando processos de fusão, o que encarávamos, seria a principal tarefa do CL no próximo período e para a qual esse II Congresso nos armaria.
Porém, nos últimos meses, o companheiro Paulo tomou o rumo político de abandonar o programa essencial do espartaquismo, negando assim também os pontos fundamentais que definem nossa organização, construída em cima dessa tradição. Assim, infelizmente, não poderá ser dada prioridade a um estudo que nos faria avançar programaticamente, e sim o combate ao recuo de consciência e o profundo revisionismo formulado pelo camarada em questão. Deixar claro qual é essa base revolucionária do nosso programa e contrapô-la às posições do Paulo é o principal objetivo da tendência que estamos lançando. Aqueles que possuírem acordo conosco, estão desde já convidados para integrarem a Tendência Coletivo Lenin, que terá no presente documento sua base principal.
É preciso ficar claro que a escolha do nome “Coletivo Lenin” para nossa tendência não foi à toa. Acreditamos que o modelo de partido e a estratégia que o camarada em questão vem propondo são não só divergentes, como opostos aqueles sob os quais se baseia nossa organização. Assim, adotá-los seria o mesmo que destruir o Coletivo Lenin. Como acreditamos que a base de unidade de nossa organização não é a amizade ou o coleguismo que há entre nós, mas sim o nosso programa, o nosso modelo de organização e os nossos objetivos estratégicos, nos colocamos intransigentemente em defesa destes contra a tentativa destruidora e liquidacionista de tal camarada. Nos colocamos, portanto, em defesa da continuidade revolucionária do programa bolchevique contra o imenso revisionismo do camarada Paulo. Antes de discutirmos o que entendemos por continuidade revolucionária, entretanto, faz-se necessária uma importante observação.
O camarada Paulo vem nos acusando de tentar rachar o Coletivo Lenin. Como dissemos em um recente e-mail (de 09 de maio de 2011), os rachas são parte da tradição bolchevique, baseada no princípio da disputa pela consciência da classe trabalhadora. Sempre que um setor oposto ao programa revolucionário se desenvolveu no seio das organizações bolcheviques, foi necessária uma batalha interna para convencê-lo do programa correto e, esgotadas as possibilidades de convencimento, removê-lo da organização. Isso ocorre porque não há como se disputar a consciência do proletariado se dentro do instrumento que nos permite fazê-lo (o partido) existem dois ou mais programas opostos. Já que o camarada Paulo gosta de referências bíblicas, conforme Mateus 25:12, “Todo reino dividido contra si mesmo é devastado; e toda cidade ou casa, dividida contra si mesma não subsistirá”. Nesse sentido, não é vergonha alguma querer rachar uma organização, desde que o objetivo seja a manutenção de seu programa revolucionário. A vergonha está é do lado daqueles que visam destruí-la, apagando por completo seus princípios fundadores. E mais vergonhoso ainda seria se maquiássemos a realidade e tentássemos criar uma paz artificial entre setores extremamente opostos, tornando nossa organização nada mais do que uma massa amorfa, unida por princípios oportunistas e apolíticos. Dizemos abertamente que preferimos infinitamente rachar nosso pequeno Coletivo do que vê-lo transformado em algo completamente diferente do que aquilo para o qual fomos recrutados e tanto temos nos esforçados nos últimos anos para construir. Sugerimos aos camaradas, caso ainda reste algum tipo de receio quanto à questão da convivência de dois setores opostos em uma mesma organização bolchevique ou sobre a questão do racha, a leitura do pequeno texto As Frações e a Quarta Internacional, de Leon Trotsky (1935). Esse texto é exemplar ao tratar dessas questões e representa bem a tradição que nossa organização reivindica.
1. O que significa “continuidade” para os revolucionários?
No I Congresso Nacional do Coletivo Lenin, realizado em agosto do ano passado, tomou forma um importante debate dentro de nossa organização, motivado pelo sectarismo da TBI em buscar relações/fusões apenas com organizações que fossem cópias em miniaturas dela mesma (o que mais tarde viríamos a descobrir, não passava de uma forma de evitar o surgimento de vozes dissidentes que ameaçassem a posição de seus dirigentes burocratas). Confrontados com essa posição sectária, tivemos que dar uma resposta para a pergunta: o que significa um programa representar a continuidade da teoria e da prática revolucionária?
Para nós, o texto Continuidade Revolucionária e o Racha na Quarta Internacional, escrito em 1986 pela então revolucionária TBI (posteriormente apresentaremos um estudo sobre o porquê da sua degeneração), apresenta uma corretíssima definição de continuidade:
“Nós não vemos ‘continuidade’ enquanto um tipo de verdade metafísica depositada em mãos capazes de garantir a sucessão apostólica do trotskismo autêntico. E nem ela consiste em simplesmente repetir as respostas dadas para os desafios de ontem quando diante dos novos problemas que surgem hoje.” (Revolutionary Continuity & the Split in the Fourth International – TBI, 1986)
Ou seja, defender a continuidade revolucionária não significa nem buscar uma “linhagem genética” que comece em Marx e acabe no Coletivo Lenin (ou no espartaquismo), muito menos transportar mecanicamente o programa de uma organização do passado para nossa realidade atual.
As ideias do marxismo revolucionário não caem do céu. Elas foram sistematizadas por políticos revolucionários ao longo de décadas de lutas de classe. O marxismo se desenvolveu através dos programas que nasceram da intelectualidade revolucionária através de um atento estudo teórico e da participação ativa no movimento dos trabalhadores. Nesse sentido as ideias do marxismo são sempre um resgate, uma negação e um desenvolvimento original a partir de um programa previamente existente. Estes três elementos sempre estão presentes em qualquer virada importante do marxismo. Enquanto o leninismo negou a adaptação da Socialdemocracia diante da burocracia sindical e da democracia burguesa, ele resgatou vários pontos do conteúdo revolucionário dessa mesma Socialdemocracia e desenvolveu um novo programa para dar resposta aos novos problemas impostos pela luta de classes na era imperialista.
Quando dizemos que o leninismo é a continuidade revolucionária da Socialdemocracia, não estamos dizendo que a Socialdemocracia era perfeita até o momento em que os Bolcheviques racharam, nem que eles se dedicaram a repetir o que os socialdemocratas pregavam antes de 1914 (o momento do racha definitivo). Queremos dizer é que ele filtrou o legado da socialdemocracia (“separando o joio do trigo”) e a desenvolveu numa direção que nós consideramos acertada. Continuidade é uma questão de escolha programática, não de repetição de fórmulas.
A Socialdemocracia era uma árvore que poderia se ramificar em muitos caminhos diferentes, dependendo das escolhas programáticas dos seus membros diante dos testes das lutas de classe. E foi isso que de fato aconteceu. Toda organização pode dar origem a diferentes grupos. O Stalinismo é uma negação de muitas das práticas democráticas do leninismo e do cerne do seu programa (que coloca a classe operária no centro das revoluções coloniais), é um resgate de algumas práticas antidemocráticas do Partido Comunista da União Soviética e um desenvolvimento que adaptou o bolchevismo às necessidades da burocracia segundo a lógica do “socialismo em um só país”. Isso é muito diferente, portanto, da concepção do camarada Paulo, para quem o stalinismo é a “conclusão lógica” do leninismo:
“Também é importante ver, nas 21 condições [da Internacional Comunista], a visão da revolução iminente mesmo nos EUA, Inglaterra e França (condições 3 e 4), e a imposição do centralismo leninista, mesmo onde não fosse necessário tal nível de centralização (...).”
“Depois, já no 5° Congresso, controlado pela fração stalinista, houve a política da ‘bolchevização’, que foi a conclusão lógica de tudo, com uma depuração maior ainda das seções e a imposição, em todos os detalhes, do regime do PC russo na época (sendo que não seria aceito mesmo um regime como o do mesmíssimo partido antes de 1921, quando se proibiram as frações).” (A Teoria da Decadência e a Crise da III e IV Internacionais, p. 6 – DDI, ênfase nossa).
O trotskismo, por sua vez, é uma sistematização das experiências da luta de classes durante os primeiros anos da Internacional Comunista, que levou ao desenvolvimento da Teoria da Revolução Permanente, resgatou o centralismo democrático e o cerne do bolchevismo e negou a política de adaptação diante das burguesias nacionais e da burocracia.
Quando dizemos que o trotskismo é a continuidade do leninismo, também é como se estivéssemos dizendo que concordamos com as opções programáticas e posições políticas da Oposição de Esquerda e da Quarta Internacional. A Quarta, por sua vez, nunca foi desprovida de erros, problemas e deficiências. Mas acreditamos que ela foi quem deu respostas de forma acertada às questões políticas mais importantes da época. É nesse sentido que nós acreditamos que a Liga Espartaquista foi a continuidade revolucionária do SWP americano depois que este caminhou em direção ao pablismo.
Por fim, queremos dizer que também o Coletivo Lenin precisa ser não repetido, mas melhorado a partir das nossas discussões. Como já dissemos, acreditamos que grande parte da nossa tarefa é resgatar o programa que está sendo atacado pelo camarada Paulo. Porém, outras práticas do CL precisam ser negadas – dentre elas a forma frouxa com que todos fomos recrutados (sem estudar intensamente os documentos históricos importantes e nem a tradição espartaquista, ou mesmo as teorias do subimperialismo e da decadência, que reivindicamos apenas formalmente) e as nossas falhas sobre a questão religiosa (não termos um documento interno de referência sobre isso e o fato de termos sido negligentes com o camarada C.). Assim, também diante de nós se coloca uma questão de escolha programática. Queremos chamar os camaradas o quanto antes a se dedicarem ao estudo de nossas polêmicas para que possam tomar uma postura ativa nesse debate e não serem arrastados pelo fluxo dos acontecimentos.
2. As origens do espartaquismo
Pois bem, indicamos aquilo que achamos necessário melhorar em nossa organização e criticamos a concepção de “paz kautskista” por trás das acusações do Paulo à cerca da questão do racha, que devido à sua frágil posição de defesa de um programa revisionista, finge ser possível a convivência de suas atuais concepções com o programa do CL. Cabe agora deixarmos claro aquilo que defendemos da tradição espartaquista (e, portanto, do programa do CL) contra o revisionismo de tal camarada.
Como foi mostrado em nosso livreto O Pablismo e a Crise na Quarta Internacional, houve um grande debate nas fileiras da Quarta sobre as tarefas no pós-Segunda Guerra. Através da sua ativa participação nos processos de resistência ao nazismo na Europa, o stalinismo saiu da guerra consideravelmente fortalecido. Além disso, a conjuntura radicalizada e a polarização impostas pela Guerra Fria levaram a algo que os trotskistas consideravam extremamente improvável: que os stalinistas (ou outras forças não-revolucionárias) levassem às últimas consequências um processo revolucionário e expropriassem a burguesia, criando um Estado operário. A essa nova conjuntura surgiram duas respostas principais, uma revisionista e outra que, apesar de combater o revisionismo, tinha falhas profundas.
A primeira, e que conseguiu maior expressão nas fileiras da Quarta, foi aquela defendida por Michel Pablo e encampada pela maioria do Secretariado Internacional: considerar que a conjuntura do pós-Guerra forçaria os stalinistas a tomarem o poder em diversos locais, empurrados por “forças objetivas” e que a tarefa dos trotskistas frente a isso seria realizar um “entrismo de tipo especial” nos PCs e movimentos nacionalistas de esquerda para “surfar com a onda”. Como fica claro pelo documento apresentado pela Comissão Austríaca ao III Congresso da Quarta, entretanto, esse “entrismo” (sui generis) nada tem a ver com o que o camarada Paulo diz ser:
“A atividade de nossos membros dentro do PS será governada pelas seguintes diretivas: A) Não vir a público como trotskistas com nosso programa completo; B) Não levantar diferenças programáticas e de princípio (...)” (Citado em O Pablismo e a Crise da Quarta Internacional – Coletivo Lenin, novembro de 2010).
O camarada Paulo realiza então uma falsificação histórica ao dizer que:
“(...) a política de ‘entrismo sui generis’ dentro de organizações reformistas é perfeitamente válida, desde que o programa revolucionário não seja sacrificado para manter o entrismo. Na verdade, toda a polêmica contra o entrismo sui generis feita pelo Comitê Internacional, além de ser totalmente hipócrita (a seção inglesa e a argentina faziam entrismo sui generis, e o entrismo feito pelos pablistas nunca significou liquidar a organização trotskista, e sim colocar uma parte dela dentro dos partidos reformistas), estava baseada na concepção de explosão iminente do reformismo, assim como os pablistas a baseavam na hipótese da Terceira Guerra Mundial. Era um debate em que ambas as posições se baseavam no catastrofismo da IC.” (A Teoria da Decadência..., p. 31 – DDI, ênfase nossa).
E não podemos ser inocentes a ponte de achar que tal falsificação é gratuita. Pelo contrário, ela está a serviço de seu profundo revisionismo, pois o mesmo defende a tática de “entrismo profundo” nos partidos centristas e reformistas, já que encara que a revolução não está mais no horizonte (essa questão iremos explorar mais adiante). Daí fica a dúvida: se os interesses do camarada Paulo ao defender um entrismo “de tipo especial” fossem legitimamente revolucionários (entrar para rachar a outra organização, sem deixar de colocar o programa revolucionário em toda a sua extensão a todo momento), para que então realizar tal falsificação?
Acreditamos ter ficado claro que o pablismo pressupõe a submissão política dos revolucionários ao stalinismo (stalinofilia) e demais direções de massas do movimento. Portanto, o pablismo não passa de uma variante do nosso velho conhecido, o centrismo, que coloca em segundo plano não só a independência política do partido revolucionário, como por vezes o próprio papel protagonista da classe trabalhadora. Para nós, da Tendência Coletivo Lenin, por outro lado, citando a anedota presente no texto Programa Revolucionário vs. “Processo Histórico”, existem dois “dogmas” definitivos dentro do bolchevismo, derivados do que há de mais básico na teoria marxista: reconhecer o papel protagonista da classe trabalhadora, e reconhecer que esta deve atuar consciente de seu papel histórico (portanto, alicerçada em um programa e em um partido revolucionário).
Já a segunda resposta à conjuntura inusitada do pós-Guerra foi aquela dada pelos setores que vieram a romper com a Quarta em 1953, resistindo à adaptação dos pablistas à burocracia soviética e ao stalinismo (como na greve geral francesa de 1953 e na revolta em Berlim Oriental no mesmo ano). Esses setores, ao romperem, criaram o Comitê Internacional, encabeçado pelo SWP norte-americano e integrado por alguns dos outros “anti-pablistas”, como a maioria de seção francesa (PCI). Como sempre reconhecemos, a batalha política do Comitê Internacional foi extremamente falha e incompleta:
“A luta do CI tinha falhas profundas, tanto na sua elaboração política como em sua execução. Mesmo assim, em última análise, o impulso do CI para resistir à dissolução dos quadros comunistas dentro dos partidos stalinistas e socialdemocratas (como foi proposto por Pablo), e a sua defesa da necessidade de um fator consciente na história, os fizeram qualitativamente superiores aos liquidacionistas do SI.” (Programa Político do Coletivo Lenin – Janeiro de 2009).
Porém, é necessário reconhecermos que em grande parte o combate ao pablismo derivou de uma concepção errada, a stalinofobia: as seções do CI se recusavam a reconhecer que o stalinismo tivesse dirigido revoluções e, empurrado por condições muito específicas, criado novos Estados operários (burocraticamente deformados). Isso fica claro quando vemos que algumas de suas seções de maior peso aplicavam a nível nacional a mesma lógica centrista que está na base do pablismo, ou seja, de confiar a tarefa do partido revolucionário a direções reformistas com influência de massas. É o caso da corrente de Nahuel Moreno com o peronismo argentino e de Gerry Healy com o Labour Party britânico.
Então, se ambos os lados abrigavam correntes centristas, teria sido essa polarização SI x CI algo meramente artificial? Acreditamos que não. A diferença principal entre esses setores era seu posicionamento à respeito dos novos Estados operários que surgiram (Leste Europeu, Vietnã do Norte, Coréia do Norte e China). As correntes do SI, em sua capitulação ao stalinismo, defendiam que estes eram Estados operários que durariam por séculos e que suas direções (stalinistas) iriam realizar a transição do mundo ao socialismo. Já o CI (sobretudo a sua seção mais importante, o SWP) não tinha uma caracterização precisa destas formações sociais, mas criticava os dirigentes stalinistas à frente delas e mantinha a necessidade de revolução política e da criação de partidos revolucionários nos novos Estados.
Foi apenas no início dos anos 1960, com a Revolução Cubana (1959) e os indicativos de reunificação do SWP e algumas outras seções do CI com o SI, que viria a originar em 1963 o Secretariado Unificado (SU), que a continuidade revolucionária, até então fragilizada, foi reerguida. Foi nesse período, entre 1960-63, que se formou no interior do SWP a Tendência Revolucionária (RT), lançada por membros de uma colateral estudantil captados alguns anos antes do partido do antigo dirigente do SWP, Max Schachtman.
Respondendo com firmeza às principais capitulações da maioria da direção do SWP, que estava tratando Cuba como um Estado operário são e aderindo progressivamente às teses pablistas, logo em sua origem a RT tomou posições mais do que acertadas: defendeu uma política de entrismo no SU (ou seja, entrar para polarizar seus setores de esquerda e rachá-los para criar um embrião de internacional revolucionária, e não se dissolver dentro do mesmo), se opôs ao centrismo dos pablistas e das seções do CI e desenvolveu uma teoria acertada à cerca dos novos Estados operários que haviam surgido.
Expulsa do SWP em 1963 por criticar sua direção majoritária, a RT logo tentou implementar sua tática de entrismo no SU, que foi abortada pelos líderes pablistas ao impedir a aceitação da sua filiação. Impedida de disputar por dentro possíveis setores de esquerda do SU, a RT buscou se aproximar do que havia restado do CI, mas o burocratismo de Gerry Healy (dirigente da SLL britânica, que assumiu o comando do CI com a saída do SWP) logo se viu ameaçado pelo programa revolucionário dela e também forçou o grupo americano ao isolamento.
Nascia assim a Liga Espartaquista, uma jovem organização que resgatou a luta pelos princípios trotskistas contra o pablismo que o SWP encabeçou durante certo período, e que avançou onde esse falhou: na elaboração de uma teoria para os novos Estados operários que surgiram no pós-Guerra.
Após essa breve exposição da história da SL, que encaramos ter sido necessária para desmentir algumas distorções que o camarada Paulo vem fazendo (expostas em seu DDI 9 Teses Sobre a Spartacist League e sua Herança, de 2 de fevereiro de 2011) e de certa forma potencializadas pela maneira frouxa com que o CL realizou a maior parte das captações, iremos sistematizar a herança dessa corrente que é não só o programa da nossa pequena organização, como também sua principal base de unidade. Mais para frente, publicaremos um documento em resposta às “9 Teses” do camarada Paulo, respondendo às suas falsificações factuais e realizando um balanço crítico do processo de degeneração da principais organizações espartaquistas.
3. A tradição espartaquista e o programa do CL
A seguir apresentamos ponto a ponto o que consideramos ser os pilares fundacionais do CL, que são também os pilares da tradição espartaquista. Para nós, tal tradição consiste no resgate do que há de fundamental no leninismo e no trotskismo, somado a contribuições (avanços) originais da SL.
São esses pontos a seguir a base de unidade da nossa Tendência e também da nossa organização. São eles que o camarada Paulo pretende rasgar e jogar pela janela e em defesa dos quais nos colocamos de forma intransigente e convidados os demais camaradas a fazer o mesmo. Aqueles que defendem a continuidade revolucionária do espartaquismo e do Coletivo Lenin, juntem-se a nós nessa luta central!
3.1 O resgate do leninismo
“As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder intelectual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção intelectual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção intelectual.” (A Ideologia Alemã – K. Marx & F. Engels, 1845-6, ênfase do original)
Como corretamente apontou o marxista francês Louis Althusser, Marx nunca se dedicou a criar uma teoria à cerca da ideologia (ou ao menos, se o fez, nunca o colocou no papel de forma sistematizada). Althusser se dedicou, então, a sistematizar uma teoria à cerca da ideologia a partir daquilo que está aplicado nas obras de Marx. Mas não precisamos ir muito além da citação acima e de um certo conhecimento histórico para entender que as classes dominantes se mantêm no poder não só graças à sua posição dentro de um modo de produção determinado, mas também (e muitas vezes, principalmente) graças à sua dominação ideológica sobre o conjunto das outras classes. Basta vermos a forma como a maioria dos trabalhadores reproduzem ideologias opressivas que nada tem a ver com seus interesses materiais, como o machismo ou o racismo, ou mesmo a forma como normalmente se expressa inicialmente uma luta operária qualquer: na forma de uma reivindicação legal, por dentro do sistema; reformista.
A partir desse preceito, Lenin concluiu que não basta existirem condições materiais contraditórias para que as classes dominadas se levantem contra seus opressores e tomem o poder. É necessário que elas façam isso de forma consciente de sua posição enquanto classe, portanto, que coloquem em pauta a questão do poder de Estado. É disso que Lenin fala em O Que Fazer (1903). E é nisso que se baseia a concepção trotskista de “crise de direção” e que, de certa forma, não deve ser entendida enquanto um momento pontual da história da luta de classes do proletariado, mas sim da sua própria condição enquanto classe: ausência de um elemento dirigente que se contraponha à ideologia dominante e seja capaz de manter uma influência de massas.
Quando Trotsky fala de uma “crise de direção”, portanto, ele está levantando uma acusação da traição da Socialdemocracia e da Terceira Internacional, e não caracterizando um momento histórico específico ou único na existência do proletariado. Como, em seu estado “normal”, a classe trabalhadora terá sempre uma orientação ideológica de caráter burguês, não-revolucionário, podemos dizer que até que uma organização revolucionária surja e obtenha expressão, a classe trabalhadora estará passando por uma “crise de direção”, já que estará na mão de traidores e conciliadores de todo o tipo (defensores de programas reformistas ou mesmo inferiores).
Para nós, já há muito tempo estão dadas as condições objetivas (materiais) necessárias para que a revolução socialista ocorra mundialmente. O elemento que está faltando é justamente o subjetivo (consciência), do qual depende em grande parte a existência de um partido revolucionário, que “explique pacientemente às massas” a necessidade da tomada do poder. É disso que se trata toda a discussão sobre “crise de direção”.
O camarada Paulo, entretanto, alega que passamos hoje por um patamar de consciência muito inferior ao que existiu em um mítico passado no qual o movimento supostamente lutava pelo socialismo (mesmo que via reformas):
“(...) o movimento operário (...) não tem mais como objetivo a luta pelo socialismo. Ele, devido à confusão feita pelo stalinismo entre socialismo e ditadura da burocracia, perdeu o horizonte político, e tem se limitado, quase sempre, a lutar por dentro do sistema, sem nenhuma perspectiva de superar o capitalismo.”
“Diante disso, a nossa tarefa não é mais combater a estratégia reformista dentro do movimento. É reorientar o movimento, para que ele possa novamente ter uma estratégia. Isso significa que parte da nossa tarefa é reconstruir o movimento socialista e operário, ensinando à vanguarda a necessidade da estratégia revolucionária.”
“Isso não significa que a luta contra as direções traidoras tenha perdido o sentido, ela continua como uma tarefa específica dentro de uma estratégia maior (o rearmamento e a reorientação do movimento operário).” (A Teoria da Decadência..., p. 29 e 30 – DDI, ênfase do original).
Paulo usa o falso conceito de “crise de perspectiva” enquanto um patamar de consciência que estaria “abaixo” da crise de direção com o objetivo único de defender o rebaixamento do programa revolucionário – logo, defende a secundarização da disputa pela consciência do proletariado – alegando que temos que deixar o Programa de Transição em segundo lugar frente à luta por reformas democráticas (porque supostamente nem mais reformista o movimento seria). Mais à frente voltaremos aos ataques que Paulo faz ao método leninista de disputa da consciência que Trotsky sintetizou no Programa de Transição.
É importante deixar claro que não negamos que, principalmente com o impacto internacional causado pela destruição contrarrevolucionária da URSS e demais Estados operários do Leste Europeu, abriu-se um período de grande refluxo em termos de consciência do proletariado. Mas a saída desse refluxo não está, de forma alguma, em rebaixarmos nosso programa e adotarmos como palavras de ordem centrais as “democráticas”, secundarizando as transitórias. Muito pelo contrário, agora mais do que nunca se faz necessária a disputa da consciência via utilização do programa transitório.
Após a discussão apresentada sobre consciência e ideologia dominante, fica claro que, mesmo que as previsões econômicas feitas pela Terceira Internacional tenham se mostrado falhas em alguns aspectos e que sua teoria econômica geral (da qual derivou muitas de suas práticas e posições programáticas) esteja errada, como acredita o camarada Paulo, a simples aplicação à realidade do que há de mais simplório na teoria marxista já é suficiente para defender a existência de uma organização centralizada e que não secundarize a disputa pela consciência do proletariado para um programa de transição ao socialismo. Porém, tal camarada joga fora a teoria econômica da IC junto com o modelo leninista de organização e seus princípios mais básicos, e o faz com a mesma tranquilidade com a qual alguém joga fora uma blusa velha. Nós encaramos que tal teoria está correta em muitos pontos, como na análise da economia monopolista e da necessidade de expansão territorial como forma de realizar exportação de capitais.
Já segundo a “teoria” econômica do camarada Paulo, apenas a partir dos anos 1970 é que teriam surgido as condições objetivas para a destruição do capitalismo a nível mundial (ou seja, o esgotamento da sua capacidade de avançar produtivamente), o que o faz descartar muitos dos princípios que levaram à vitória dos Bolcheviques e o que nos faz questionar: será que a Revolução Russa foi então uma grande perda de tempo? Se para o camarada Paulo o modelo de partido e a estratégia dos Bolcheviques era decorrência exclusiva da concepção de imperialismo enquanto etapa final do capitalismo e de “revolução na esquina”, para nós eles são derivados dos pilares do próprio marxismo.
Assim como os Bolcheviques, encaramos que, para vencer a “barreira ideológica” imposta pela burguesia ao proletariado, é essencial a existência de um rígido núcleo de revolucionários, que atuem segundo uma única linha pública, para poder bater mais forte e romper tal barreira. Não vemos como tornar públicas divergências internas (como defende o camarada Paulo) poderia fortalecer a luta dos revolucionários, tanto em 1917, quanto mais em um momento tão delicado de reagrupamento de forças como esse pelo qual passamos em escala mundial. Porém, afirma o camarada Paulo:
“(...) Nós achamos que (...) o debate político entre as tendências e frações pode ser público, a menos que envolva riscos para a segurança física da organização.” (A Teoria da Decadência..., p. 30 – DDI, ênfase nossa).
Para nós, ao se opor intransigentemente ao pablismo (e qualquer outra variante de centrismo) o que a Liga Espartaquista fez foi resgatar o princípio básico do leninismo, de disputar a consciência do proletariado através de um programa revolucionário. E, ligado à defesa de tal princípio, está ligada a necessidade de não ser adotar nenhum tipo de ação/prática que atrapalhe tal tarefa essencial, submetendo o programa revolucionário a algum tipo de programa alheio aos interesses históricos do proletariado. Foi justamente esse tipo de submissão que o que os pablistas fizeram com o stalinismo e o que qualquer centrista faz com outras organizações não-revolucionárias.
E, assim como os pablistas, o camarada Paulo também submete o programa revolucionário à direções e propostas alheias aquelas do proletariado: faz isso perante o CNT na Líbia (a quem atribui a garantia de direitos democráticos), perante as Frentes Populares nos mais diversos casos (que supostamente defenderiam o proletariado da direita golpista/reacionária) e, talvez o pior de todos, perante o contrarrevolucionário e restauracionista Solidariedade na Polônia. Isso para nós é centrismo puro:
“Centrismo é o nome aplicado àquela política que é oportunista na essência e que procura aparecer como revolucionaria na forma. Oportunismo consiste na adaptação passiva diante da classe governante e ao regime existente. Incluindo, é claro, aos limites ao Estado. O centrismo divide completamente esse traço com oportunismo, mas ao adaptar-se aos operários insatisfeitos, o centrismo se cobre de discursos radicais.” (Leon Trotsky – citado em Boletim Trotskista 3, TBI, 1988).
A defesa por parte da SL desse princípio de não submissão à direções/programas estranhos também se expressou de forma muito acertada na sua prática sindical. Como constatamos no artigo Em Defesa do Leninismo, de março de 2010:
“(...) Lenin defendeu que o partido que luta pela revolução socialista não deve se limitar às demandas econômicas, mas sim disputar a consciência da classe trabalhadora através de uma intervenção metódica e permanente nos espaços de debate e militância. Resumindo: a consciência revolucionária não é algo que existe per se, mas sim que deve ser construído ao longo do tempo, vindo portando ‘de fora’.” (Em Defesa do Leninismo – Coletivo Lenin, março de 2010)
Foi baseada nessa concepção que a SL atuou no movimento sindical (até o momento de sua degeneração) através de colaterais programáticas que iam além das demandas econômicas dos trabalhadores e disputavam sua consciência através de reivindicações transitórias, que apontavam a incapacidade do capitalismo de solucionar algumas de suas necessidades mais básicas. Ao mesmo tempo, se negavam a integrar blocos com outra correntes, por entender que seria isso em nada ajudaria em tal disputa. Mas para o camarada Paulo:
“A formulação da linha sindical da SL já reflete a sua degeneração. Desde 1973 (...), já existe uma crítica às posições do SWP nos anos 1930, sobre a necessidade de formar blocos com outras correntes que tivessem acordo programático. As posições sindicais da SL vão ficando cada vez mais sectárias, até que levam ao abstencionismo que a TBI denunciou [dissolução do trabalho nos sindicatos], mas que é uma consequência lógica dessas mesmas posições.” (9 Teses Sobre a Spartacist League – DDI, ênfase nossa).
Diferente do que Paulo afirma em suas “9 Teses”, não encaramos que a negação por parte da SL de integrar blocos com outras correntes seja resultado de sua degeneração. Muito pelo contrário, é sinal de que, nessa época, eles ainda se mantinham firmes na defesa dos princípios leninistas de intransigente disputa pela consciência do proletariado. Afinal,
“Como forma de ‘compensar’ a pouca influência dos revolucionários ante a classe trabalhadora, algo típico na maior parte de sua existência, os centristas buscam se dissolver em grupos maiores, que defendam um programa relativamente avançado, na esperança de que tal ato de união programática de forças possa contribuir para o avanço da consciência do proletariado. (...) Acontece que diluir o programa revolucionário em um Bloco de Propaganda/Frente Única Estratégica é justamente negar os princípios do leninismo e encarar que outras tendências programáticas além da revolucionária podem cumprir um papel positivo no desenvolvimento da consciência de classe do proletariado.” (Leninismo, Frentes Únicas e Blocos de Propaganda – Coletivo Lenin, setembro de 2010)
Por último, se é verdade que algumas das características do modelo de partido defendido pela Terceira Internacional em suas 21 Teses eram extremamente influenciadas pela sua concepção de revolução iminente (posteriormente corrigida em seu III Congresso), e não devem ser adotadas mecanicamente por nós na atual conjuntura, o centro da concepção leninista de partido permanece extremamente válido. Características como a defesa de trabalho nas Forças Armadas e de manutenção de um aparato clandestino são desnecessárias no atual momento, e até mesmo poderiam vir a atrapalhar nossa tarefa central de reagrupamento de forças revolucionárias, mas o centralismo democrático (manutenção do caráter interno das polêmicas) e a negação de integrar todo e qualquer tipo de bloco programático com outras organizações são princípios que se mantêm válidos e extremamente necessários para as tarefas que nos propomos realizar. Acreditamos que esses princípios leninistas estão fortemente presentes na tradição espartaquista, tendo sido forjados na luta da RT e da SL contra a degeneração pablista do SWP.
3.2 O resgate do trotskismo
Mas a Liga Espartaquista (assim como o CL) não seria uma organização revolucionária se fosse apenas pela sua forma (centralismo democrático, princípio de não rebaixar o programa integrando blocos programáticos com outros grupos, utilização de colaterais programáticas no movimento sindical). Obviamente, o conteúdo é parte essencial da disputa pela consciência.
Portanto, ao resgatar a forma revolucionária do modelo leninista de organização, a SL também resgatou o conteúdo revolucionário da Quarta Internacional, que, como já comentamos, era ao mesmo tempo um resgate e um avanço em relação ao programa leninista da Terceira. É impossível separarmos uma análise programática da Quarta de uma análise história da sua luta contra a degeneração da Terceira. Foi através dessa luta, contra as sucessivas capitulações e traições do stalinismo, que se forjou a tradição trotskista e seus principais pilares.
Um dos marcos principais do trotskismo era o binômio defensismo revolucionário / revolução política em relação à URSS. Ou seja, a defesa incondicional da URSS contra ataques externos e internos que colocassem em risco as conquistas da revolução (entendendo que a mais importante delas o caráter de classe do Estado, e não meramente sua propriedade estatizada). A esta defesa estava sempre combinado a tarefa de derrubada da casta stalinista e o reestabelecimento da democracia de tipo soviética.
Sobre esse ponto, recomendamos fortemente aos camaradas a atenta leitura do livreto O Defensismo Revolucionário e o Fim dos Estados do Leste. Estamos também dedicando um documento exclusivo para esse tema, em resposta às posições expressas pelo Paulo. Por isso, não iremos nos aprofundar nesse assunto no momento.
Outra grande herança do trotskismo são sua acertadíssimas posições frente às diferentes reações da IC em relação à ascensão do nazismo. Foi a luta contra essas posições erradas, inclusive, que levou à transformação da Oposição Internacional de Esquerda (tendência externa da IC) em uma Internacional propriamente dita (através do reconhecimento que a IC havia atingido um ponto sem volta).
Como os camaradas sabem, em um primeiro momento, a IC se recusou a convocar frentes únicas com a Socialdemocracia como forma de resistir aos ataques ideológicos do nazismo e à violência anti-operária de seu braço armado, as SA. Encarando que o nazismo era uma tendência pequeno burguesa e que nunca conseguiria penetração no proletariado alemão, a IC orientou o PC local a se limitar à política de “frente única pela base” (ou seja, sem nenhuma outra corrente). Mais do que isso, a análise da IC igualava programaticamente a Socialdemocracia (uma corrente reformista) com o contrarrevolucionário nazismo. Tal política esquerdista acabou sendo repassada para todas as seções da IC.
A resposta da OIE para o esquerdismo stalinista foi a política de Frente Única Antifascista. Ou seja, suas seções foram orientadas a buscar alianças táticas e pontuais com todas as correntes dispostas ao enfrentamento com as ascendentes tendências fascistas. Um uso exemplar da política de FUA foi aquele implementado pela seção brasileira da Oposição, a Liga Comunista. Através de uma aliança tática e não-programática com organizações anarquistas, a LC foi capaz de suprimir o avanço dos integralistas em São Paulo.
Com a chegada ao poder do nazismo na Alemanha, entretanto, a IC stalinista teve que fazer um balanço da sua política e acabou por realizar seu famoso “giro de 180º”. De uma sectária política de não fazer nenhum tipo de aliança com outras organizações contra o nazismo alemão e o fascismo em geral, a IC passou para o resgate de um antigo tipo de bloco político e deu a ele novo nome, surgindo assim a Frente Popular.
A política da Frente Popular tinha como objetivo impedir a chegada das tendências fascistas ao poder e seu método era a aliança programática, baseada no menor denominador comum, com as grandes correntes do movimento operário ou mesmo partidos “liberais” da burguesia e pequeno burguesia. Ou seja, a FP era (e ainda é) uma Frente Única Estratégica, um bloco de propaganda entre stalinistas, socialdemocratas e burgueses liberais que não tinham interesse econômico ou ideológico na ascensão ao poder do fascismo. Tal política degenerada mata na raiz a disputa pela consciência do proletariado, o único agente realmente capaz de impedir a ascensão fascista, através de seus métodos próprios de luta (greves, ocupações de fábrica, autodefesa operária, etc.).
Tal política, entretanto, não era novidade para os revolucionários. Sua “antecessora”, o chamado Bloc des Gauches (Bloco das Esquerdas), havia sido duramente criticado no passado. Tanto por Lenin, na introdução de O Que Fazer (1903), polemizando com Bernstein e o dirigente francês Millerand, que buscava um uso reformista do Parlamento. Quanto por Trotsky, em A Questão da Frente Única (1922, intervenção em uma reunião da IC), polemizando com a ala direita da seção francesa, liderada L. Frossard e Victor Merric, e que defendia apoiar politicamente o Bloco nas eleições parlamentares.
Frente à nova posição da IC, os trotskistas se mantiveram firmes na defesa da tática de Frente Única Antifascista. Eles compreenderam que integrar blocos programáticos com correntes traidoras não impediria o avanço do fascismo, ao menos não sem pagar um grande preço: disputar o proletariado para um nível rebaixado de consciência, que impediria que este tomasse o poder no futuro. E esse foi justamente o papel que as FPs cumpriram na Europa, antes e depois da Segunda Guerra Mundial: o nazismo e o fascismo foram derrotados, mas a ordem burguesa foi mantida, às custas da exploração e opressão de um proletariado que havia sido ganho pelos PCs para defenderem a política de “união nacional pela paz e prosperidade”. E pensar que o camarada Marcos defende a política de criação de Frentes Populares para combater o fascismo (ao menos no caso Alemão, conforme declarado na reunião sobre FPs)!
Compreendendo o papel histórico desempenhado pelas FPs, o de impedir a revolução no Ocidente e garantir assim a “coexistência pacífica” da burocracia soviética com o imperialismo norte-americano, a SL realizou uma intransigente defesa das posições trotskistas de não dar nenhum apoio político a esse bloco podre. Seja ele nas ruas ou nas urnas.
Para nós, mesmo após o fim da URSS, as FPs continuam desempenhando um importante papel histórico, e por isso é fundamental termos a posição acertado em relação a elas. Após a onda reacionária que abalou profundamente o movimento operário ao longo dos anos 1990, o movimento operário começou a dar lentos sinais de reorganização. Nesse momento, a burguesia ressuscitou velhas direções operárias e as colocou no poder sob sua tutela como forma de abortar tal processo de reorganização. Na América Latina vemos isso com clareza: o PT no Brasil, a FSLN na Nicarágua, a FMLN em El Salvador, Evo na Bolívia, Chávez e o PSUV na Venezuela e por aí vai. E tudo indica que essa política já bate às portas da Europa, onde os trabalhadores tem se levantado agressivamente contra seus patrões. Certamente o que veremos nas próximas eleições em Portugal, na Espanha, Grécia e França será a chegada ao poder de FPs, com o objetivo único e exclusivo de segurar o avanço do movimento operário e garantir estabilidade à burguesia.
Assim, está claro como água que as Frentes Populares são hoje a política preferencial da burguesia para lidar com a radicalização do proletariado. Votar nesses blocos podres na atual conjuntura histórica significa nada menos do que auxiliar os patrões em seus planos de abortar a reorganização do movimento operário, desviando-o para a institucionalidade e amordaçando-o.
Para um aprofundamento na questão das Frentes Populares recomendamos aos camaradas a leitura dos DDIs Teses Sobre Frentes Populares (19 de março de 2011) e Diferenças Sobre a Frente Popular (2 de março de 2011). Recomendamos também a leitura da primeira parte do artigo Estatismo, a doença reformista da esquerda brasileira (outubro de 2010), que faz uma análise histórica da questão.
Por último, o terceiro pilar do trotskismo resgatado pela SL é o Programa de Transição. Conforme dissemos no ponto anterior (3.1), a concepção central por trás do conceito de “crise de direção” era de que as condições objetivas para uma revolução já estavam dadas, porém o proletariado mundial, liderado pelas mais diversas correntes traidoras e conciliadoras, não possuía uma consciência de classe. Ou seja, os trabalhadores ainda não possuíam um nível de consciência que os fizesse entender sua capacidade de tomada e controle do poder em seu próprio interesse.
Aí entram as mais diversas táticas para ganhar a consciência do proletariado. No ponto anterior discutimos a principal, que é a utilização de um partido centralizado. Mas diversas outras complementam a existência do partido. Um bom exemplo é a tática de Frente Única, utilizada para se aproximar das bases das outras organizações e jogá-las contra suas direções, demonstrando na prática a limitação programática destas.
Mas como podem os revolucionários mostrarem a limitação das outras correntes ou mesmo do capitalismo de modo geral? É aí que entra uso das palavras de ordem transitórias. Concebidas desde cedo, n’O Manifesto do Partido Comunista (1848), o objetivo por trás de utilizar essas palavras de ordem era justamente fazer avançar tal nível de consciência, demonstrando para os trabalhadores a incapacidade do capitalismo de resolver problemas essenciais como o desemprego em massa, a restrição da educação de qualidade, de um bom sistema de saúde, etc.
Da forma como foi formulado pelos trotskistas, o Programa de Transição visava superar uma deficiência histórica da Socialdemocracia: a separação entre o programa de reivindicações mínimas e o programa de reinvindicações máximas. As palavras de ordem transitórias, portanto, tem por objetivo criar uma ligação entre as demandas imediatas dos trabalhadores e aquilo que é o central para o leninismo, a questão do poder político. Portanto, os trotskistas nunca utilizaram as palavras de ordem transitórias como algo separado das reivindicações democráticas. Se fosse assim, eles nada mais teriam sido do que uma corrente sectária, incapaz de dialogar com o baixo nível de consciência do proletariado e fazê-lo avançar.
Porém não é isso que pensa Paulo:
“Na tradição trotskista, as reivindicações transitórias servem como uma ponte entre a situação prerrevolucionária e a consciência reformista da classe.”
“Obviamente, esse programa deve mudar quando nem um dos dois elementos está presente.” (A Teoria da Decadência..., p. 32 – DDI, ênfase nossa).
Paulo primeiro nega esse papel do Programa de Transição, dando a entender que ele é algo separado das reivindicações democráticas, para depois dizer que é necessário um novo tipo de método:
“Com esses exemplos, vemos que, em situações não-revolucionárias, os marxistas devem combinar as reivindicações transitórias com a luta por reivindicações imediatas e políticas.”
“Dentro do movimento trotskista, a corrente de direita do SWP americano, conhecida como Tendência Morrow-Goldmann, defendeu justamente esse tipo de programa democrático e transitório (e o entrismo nos partidos socialdemocratas), entre 1943 e 1946, quando viram que, na Europa, a derrota do fascismo ia levar a um longo período de estabilização do capitalismo.” (A Teoria da Decadência..., p. 33 – DDI, ênfase do original).
Primeiro, nos parece muito estranho que Paulo “reafirme” a necessidade da combinação de palavras democráticas com palavras transitórias através da negação de uma suposta tradição trotskista que só existe na cabeça dele. Segundo, ao apontar como referência a Tendência Morrow-Goldmann do SWP, que secundarizava as palavras transitórias, colocando as democráticas em primeiro plano, acreditamos ter uma ideia melhor do que pretende Paulo. Essa possibilidade fica mais clara quando retomamos a concepção de “crise de perspectiva” por ele defendida e a suposta necessidade de fazer o movimento “novamente ter uma estratégia”, pois hoje nem mais reformista ele seria. Fora que, assim como tal Tendência, Paulo acredita que passamos por um período (de fim indefinido) de estabilidade do capitalismo. O foco nas questões democráticas seria derivado dessa conjuntura, visando “dialogar” com a baixa consciência do proletariado objetivamente imposta pela estabilidade do sistema.
Resumindo: há fortes indícios que R pretende abandonar o Programa de Transição e focar a atuação em palavras democráticas, como forma de superar esse suposto nível ultra-rebaixado de consciência (que vai contra os ascensos que temos visto desde o início do ano na Europa e no mundo árabe). Citando Trotsky:
“Isto não significa, evidentemente, que a IV Internacional rejeite as palavras de ordem democráticas. Ao contrário, elas podem em certos momentos ter um enorme papel. Mas as fórmulas da democracia (liberdade de reunião, de associação, de imprensa etc.) são, para nós, palavras-de-ordem passageiras ou episódicas no movimento independente do proletariado (...). A partir do momento em que o movimento tomar qualquer caráter de massas, as palavras-de-ordem transitórias misturar-se-ão às palavras-de-ordem democráticas (...).” (O Programa de Transição, p. 29 – Leon Trotsky, 1938)
Os três princípios aqui discutidos, o defensismo revolucionário, a negação em dar qualquer tipo de apoio político a Frentes Populares e a utilização das palavras de ordem transitórias como instrumento de disputa da consciência são pilares do trotskismo que a Liga Espartaquista resgatou, nadando contra a maré de degeneração centrista que tomou a QI. Tais princípios também sempre guiaram e orientaram a prática do CCI e do CL desde suas fundações. Podemos adicionar ainda, o programa da Revolução Permanente, também forjado pelo trotskismo através da luta contra o stalinismo e sua política traidora de “socialismo em um só país”. Acreditamos que todos os camaradas tenham acordo com o mesmo e por isso não vemos necessidade de discuti-lo aqui.
3.3 Os avanços do espartaquismo
Como dissemos anteriormente, a questão da continuidade revolucionária não se resume a um resgate de posições corretas que em determinado momento foram abandonadas por um setor da vanguarda proletária. Ela também inclui algo tão importante quanto: avanços programáticos e teóricos, resultantes da aplicação da teoria marxista a novos problemas da luta de classes, ou mesmo a reavaliação de posições passadas à luz de novas informações e acontecimentos.
Portanto, se dissemos que a Liga Espartaquista, até o momento da sua degeneração total, representou a continuidade do programa revolucionário e que sua tradição representa um ponto de partida para a reorganização de forças revolucionárias nos dias de hoje, é porque ela também foi capaz de realizar avanços significativos. Ao realizar tais avanços, dos quais falaremos a seguir, a SL demonstrou na prática não ser uma seita, baseada na repetição dogmática dos princípios leninistas e trotskistas. Ao realizá-los, ela demonstrou ser capaz de compreender a teoria marxista e adaptá-la a novas circunstâncias, algo essencial para uma organização revolucionária. Conforme o CCI afirmou em um artigo de 2007:
“Apesar de alguns erros episódicos, consideramos que a SL foi a continuidade política do trotskismo até o fim dos anos 1970. Esta herança se manifestou (...) na sua avaliação do programa de transição, separando o seu núcleo (as reivindicações transitórias) dos erros em sua análise da etapa (a questão das forças produtivas, principalmente); na sua sistematização de um programa transitório para a luta das mulheres, negros e homossexuais, a partir da experiência dos movimentos pelos direitos civis nos EUA; e, principalmente, na sua política defensista em relação aos Estados Operários.” (Pelo Renascimento da Quarta Internacional, p. 5 – CCI, 2007, ênfase nossa).
Muitas das correntes que ainda reivindicam o trotskismo caem no erro de reafirmar a análise do Programa de Transição de que as forças produtivas pararam de se desenvolver. Para muitas delas, a defesa dessa análise acaba não tendo consequências práticas (fica como algo meramente formal), porém essa afirmação pode ser usada como uma forma de argumentar que é possível liderar a classe operária para acabar com o capitalismo apenas com demandas imediatas, sem um programa transitório. É o caso do lambertismo, que afirma que atualmente nenhuma reforma é possível de ser atendida pelo capitalismo e que, portanto, algo como uma campanha salarial ou uma reivindicação democrática acabaria assumindo caráter anticapitalista e, portanto, transitório (já que não pode ser atendida pelo sistema). Isso faz com que as correntes lambertistas defendam um programa extremamente rebaixado. Para uma análise mais completa dessa questão recomendamos aos camaradas a leitura do artigo A Tragédia do Lambertismo, de novembro de 2010.
O Programa de Transição também faz a previsão incorreta sobre a iminente perda de influência do stalinismo após a Segunda Guerra. Trotsky partia da previsão de que o período do pós-guerra seria marcado por fortes levantes do movimento operário (o que se mostrou verdadeiro) e o comprometimento do stalinismo com a manutenção da ordem capitalista (para preservar a burocracia soviética) colocaria tal corrente à direita do movimento de massas, levando-a a trair todas as lutas por vir. Isso abriria a possibilidade de a Quarta crescesse de influência com esse movimento e, progressivamente, faria com que o stalinismo se tornasse uma corrente marginal dentro do movimento de massas. Obviamente não foi isso que ocorreu. Não só a IV foi destruída organizativamente ao longo da guerra e nos anos seguintes, como o stalinismo foi levado a dirigir alguns processos importantes devido a circunstâncias excepcionais, reforçando seu prestígio frente às massas europeias e abrindo caminho para a traidora política das Frentes Populares em uma nova fase.
De certa forma, o pablismo representou uma resposta (equivocada até a medula) a essa avaliação errada e à necessidade dos trotskistas se rearmarem para a nova conjuntura do pós-guerra. A SL foi capaz de preparar tal rearmamento mantendo um programa transitório e a perspectiva de criar partidos bolcheviques que não se sujeitassem a tentar “empurrar” o stalinismo, o nacionalismo ou a socialdemocracia para a esquerda. Abrindo mão de tal avaliação errada, mas sem cair no impressionismo pablista para o qual o stalinismo tomaria o poder em todo o globo, a SL foi capaz de manter a prática revolucionária de utilizar palavras de ordem transitórias para dialogar com o baixo nível de consciência do proletariado, buscando elevá-lo a um patamar revolucionário. Mais do que isso, deu a resposta correta aos ascensos vistos na Europa e Ásia e que então (década de 1960) se expandia para a África e para as Américas. Não capitulou ao stalinismo e o combateu no movimento operário através da construção de colaterais programáticas.
Diferente da SL, que foi capaz de separar as avaliações conjunturais erradas de Trotsky de seu método transitório, Paulo utiliza uma crítica às análises econômicas da III e IV Internacionais (críticas essas que de novas nada têm) para atacar o núcleo programático de tais organizações, afastando-se delas por completo. Para uma análise mais profunda da crítica espartaquista à avaliação da estagnação das forças produtivas, recomendamos aos camaradas a leitura da Introdução feita pela TBI à sua edição de 1998 do Programa de Transição.
Outro avanço importantíssimo da SL foi a formulação de uma política revolucionária para a condição de casta oprimida e sobre-explorada das mulheres e negros. Nos anos 1960, sob a onda da chamada “Nova Esquerda”, ganhou um importante destaque a questão dessas castas. Enquanto a maior parte da esquerda se dedicou à construção de movimentos policlassistas, paralelos ao movimento sindical, como forma de responder às demandas desses setores, a SL formulou a política de integrar estas questões políticas à luta cotidiana dos trabalhadores, oposto à prática setorialista de lutar por estas questões separadas do movimento operário. A política da SL, como os camaradas bem sabem, consiste em levantar as demandas desses setores oprimidos dentro do próprio movimento sindical, integrando-as a partir de um corte de classe. Mas além de integrar as lutas setoriais com as lutas operárias, a SL deu a elas um conteúdo revolucionário, formulando palavras de ordem transitórias para responder às demandas desses setores de forma a fazê-los avançar em sua consciência. Talvez o maior exemplo que tenhamos até hoje da aplicação de tal política seja a atuação da SL no movimento pelos “Direitos Civis” dos negros nos EUA, na década de ’60.
Porém, mais do que responder de forma revolucionária às novas demandas surgidas com a mobilização dos setores oprimidos, a SL foi capaz de formular uma estratégia revolucionária para tal setor. Enxergando a necessidade do sistema capitalista de criar castas super-exploradas no seio da classe trabalhadora como uma das várias medidas para diminuir a queda da taxa de lucros, a SL compreendeu que tais castas cumprem papel central em qualquer luta anticapitalista, pois sua exploração diferenciada é um dos pilares de sustentação do sistema, além de estarem muitas vezes presentes em setores chaves da economia.
Em grande parte a estratégia da SL foi derivada dos estudos realizados por Richard “Dick” Fraser, membro do SWP na época de formação da RT. Fraser estudou a situação dos negros na história dos EUA e concluiu que estes não eram uma “nação oprimida”, e que os trotskistas não deveriam defender a formação de um “Estado negro”, como formulava o SWP. Fraser defendia sua plena integração à sociedade norte-americana, o que por motivos estruturais só seria possível com a superação do capitalismo. A RT não só herdou essa posição de Fraser para a questão negra nos EUA, como concluiu que seria necessário mobilizar esse setor da classe trabalhadora através de métodos diferenciados, já que a opressão ideológica que sofrem os torna menos dispostos à mobilização. Tais métodos e estratégia são o que conhecemos por “integracionismo revolucionário”. Assim, a priorização da mobilização desses setores, combinado com a estratégia do integracionismo revolucionário é sem dúvida alguma um poderoso instrumento nas mãos dos comunistas de hoje em dia, sem o qual uma revolução dificilmente será vitoriosa.
Desde que teve início sua onda de documentos e declarações revisionistas, Paulo tentou minimizar a ligação do integracionismo revolucionário com a herança espartaquista como maneira de “provar” que a SL nunca produziu “nenhuma análise séria da sociedade americana” (como ele mesmo diz). Porém, é impossível separar a reivindicação dos estudos de Fraser das políticas da SL para as opressões específicas. A SL, desde os seus primeiros anos, produziu inúmeras análises da questão negra na formação da sociedade capitalista norte-americana, como o texto Vermelho e Negro – Estrada de Luta de Classes para a Liberdade dos Negros (escrito em 1965).
Outro avanço central mencionado no artigo do CCI citado acima diz respeito à resposta que a SL deu aos novos Estados surgidos no pós-guerra, através de revoluções encabeçadas por correntes stalinistas e pequeno-burguesas. Se considerarmos como critério essencial para se definir uma organização revolucionária ela tomar as posições acertadas frente aos grandes eventos de seu tempo, então sem dúvida alguma a análise que a SL fez desses Estados é sua maior herança. Herança essa que foi carregada adiante pela TBI quando do processo de degeneração burocrática da SL.
Para nós, tanto as análises da SL sobre os Estados, quanto o posicionamento da TBI frente às contrarrevoluções ocorridas no Leste Europeu são pontos essenciais para a construção de um embrião revolucionário nos dias de hoje. Já para o Paulo, tais análises são fruto de mero “politicismo” (conforme ele afirma nas suas 9 Teses, alegando que a SL não dá importância à teoria) e tais posições, simples “questões táticas”, sem importância histórica ou programática (conforme ele afirma na sua recente Proposta de Programa, de maio de 2011). Essas posições sozinhas já seriam mais do que suficientes para que ele fosse afastado de qualquer organização revolucionária, imaginem então se combinadas com todas as outras!
Diferente das acusações do Paulo sobre a SL ter sido em sua época saudável uma corrente “politicista”, a sua pioneira análise dos Estados operários surgidos no pós-guerra permanece ainda hoje enquanto um importante referencial teórico, não tendo sido equiparado pelas análises de outras correntes. Conforme o próprio Paulo reconheceu na época do CCI:
“(...) Diante disso [o surgimento do Secretariado Unificado, baseado na caraterização de Cuba como um Estado operário pleno], e da posição sectária de Healy e Lambert, em não considerá-la um Estado Operário, a TR foi a primeira corrente do mundo a dizer que Cuba era um Estado Operário deformado, uma posição que rompia ao mesmo tempo com a capitulação à burocracia e com a stalinofobia. (...)”. (Pelo Renascimento da Quarta Internacional, p. 5 – CCI, 2007, ênfase nossa).
Assim como estamos nos dedicando a preparar um documento sobre a questão do defensismo revolucionário, também estamos preparando um sobre a teoria da SL sobre os Estados operários surgidos no pós-guerra. Por isso, não iremos adentrar nesse tópico no momento. Basta dizermos que tal teoria é um dos pilares fundacionais do CCI e do CL, e que Paulo tem feito o máximo possível para esconder suas novas e degeneradas posições à cerca da mesma, como o camarada Leandro demonstrou em seus comentário sobre a Proposta de Programa.
4. Conclusão
Como afirmamos ao longo de todo o documento, acreditamos que as posições aqui apresentadas enquanto base programática e teórica da Liga Espartaquista, do Coletivo Comunista Internacionalista e do Coletivo Lenin são a base necessária para guiar a tarefa central de reagrupamento de forças revolucionárias.
Um partido centralizado; uma prática sindical baseada em colaterais programáticas e na defesa intransigente da independência política e organizativa; a diferenciação entre frentes únicas e frentes únicas estratégicas; a negação de qualquer tipo de apoio a frentes populares; o reconhecimento da situação de crise de direção da classe trabalhadora e o uso de palavras transitórias como forma principal de superá-la; o defensismo revolucionário dos Estados operários; a teoria da SL sobre os Estados operários deformados; e a política do integracionismo revolucionários para as opressões específicas; e o reconhecimento do programa da SL enquanto a continuidade do trotskismo. Abrir mão de qualquer uma dessas posições significa nada menos do que tentar conciliar o programa revolucionário com forças alheias aos interesses históricos do proletariado. É nessa posição que nos mantemos firmes e que defendemos intransigentemente contra toda e qualquer tentativa liquidacionista ou revisionista, como é dever de qualquer bolchevique.