7. A China de Mao: de Stalin a Nixon
Os
fantasmas dos Ming e dos Manchu no Palácio Proibido devem estar dando risadas
de familiaridade com a trama de seu herdeiro desleal contra o imperador. Eles
sem dúvida acreditam que uma nova dinastia reina em Pequim, uma dinastia como a
sua própria. Entretanto, os marxistas tem vantagem sobre esses antigos espectros,
ao reconhecer que as intrigas na corte de Mao são, em última análise, geradas e
moldadas pelas pressões do mundo imperialista em uma nação isolada e atrasada,
que rompeu com o sistema capitalista. As lutas internas dentro da burocracia
maoísta, mesmo em suas manifestações mais bizarras e personalistas, são
inextrincavelmente entrelaçadas com o destino da revolução chinesa e do futuro
socialista da humanidade.
Tendo
chegado ao poder através de um massivo levante camponês, que destruiu o
capitalismo na China e estabeleceu um Estado proletário deformado, a elite
nacionalista pequeno-burguesa liderada por Mao estava determinada a restaurar o
status da China como uma grande potência. Durante os anos 1950, a pressão do
imperialismo forçou a burocracia maoísta a permanecer no campo liderado pela
URSS. Entretanto, conforme se tornou cada vez mais claro que os dirigentes do
Kremlin estavam determinados a impedir a China de conseguir o seu lugar ao Sol,
a burocracia chinesa rompeu com o bloco soviético. Uma vez que a China havia se
livrado das amarras que a prendiam à União Soviética, o conflito entre o atraso
material da China e as aspirações de grande potência dos seus dirigentes
produziu uma luta fracional convulsiva no fim dos anos 1960 (a Revolução Cultural).
O resultado dessa luta foi a transformação da China de Mao, desde uma aliada da
União Soviética contra o imperialismo norte-americano, a uma semialiada da
diplomacia imperialista contra a URSS.
A
política econômica do aventureirismo burocrático
A
Revolução Cultural esteve diretamente relacionada ao fracasso do Grande Salto
Adiante (1958-60) e de seu impacto na posição de Mao dentro do partido. O
Grande Salto Adiante, por sua vez, surgiu da impossibilidade de impor políticas
stalinistas ortodoxas de industrialização durante o Primeiro Plano Quinquenal
da China (1953-56). O modelo stalinista de industrialização consistia em
devotar a maior parte do excedente econômico para grandes e modernos complexos
da indústria pesada. A comida para a crescente classe trabalhadora urbana e a
matéria prima agrícola são extraídos do campesinato através da coletivização
forçada. Isso necessariamente envolve sacrificar o rendimento final da
agricultura e o consumo de comida no campo para aumentar o excedente agrícola
disponível para a população urbana em crescimento. Durante os anos 1930, o
consumo de comida na Rússia caiu 15 por cento e houve fome generalizada entre
os camponeses, sobretudo na Ucrânia.
Entretanto,
a China era simplesmente pobre demais para aplicar o método soviético e obter
um crescimento econômico rápido. Comparada com a União Soviética de 1929, a
China de 1953 produzia por volta de metade da quantidade de comida per capta.
Uma redução na produção de alimentos comparável à que acontecera na Rússia
durante os anos 1930 iria literalmente ter produzido inanição em massa na
China. O conflito entre a pobreza da China e a industrialização
stalinista-soviética ortodoxa veio em 1956, quando um aumento repentino no
investimento criou escassez de bens de consumo e matérias primas, levando à
inflação. Diferente de insistir, como Stalin havia feito, a burocracia chinesa
abandonou o Primeiro Plano Quinquenal e recuou. Em 1957, o investimento acabou
reduzido e trabalhadores foram dispensados e embarcados de volta para o campo.
Como
frequentemente ocorre em regimes stalinistas, uma desaceleração econômica
esteve associada com certa abertura política (nesse caso, o Desabrochar de Cem Flores). Entretanto,
o aroma das flores desabrochando acabou não sendo do gosto da burocracia. O
alcance e profundidade do descontentamento que o Desabrocahr de Cem Flores
revelou alarmou o regime maoísta. A burocracia sentiu necessário reassegurar
sua autoridade e impor uma maior disciplina e uma sensação forçada de propósito
nacional entre as massas.
Outra
importante causa da política do Grande Salto Adiante adveio do estado
contraditório da coletivização do campo. Ao contrário da Rússia de Stalin, a
coletivização da produção agrícola até 1956 tinha um grande componente de
voluntarismo. Isso foi possível porque o Partido Comunista Chinês possuía uma
considerável autoridade moral entre os camponeses, em razão da sua vitória
contra os latifundiários e a distribuição igualitária da terra. Os camponeses
não tinham influência real sobre a escala e padrão da produção nas
cooperativas. Entretanto, os quadros regionais do partido, que administravam as
cooperativas, eram incumbidos de maximizar o excedente, o que significava
reduzir uma grande parte da renda e aumentar o tempo de trabalho além do que os
camponeses iriam concordar voluntariamente. Assim, os quadros rurais do partido
receberam a incumbência de expandir a produção agrícola sem ter o poder para
fazê-lo. Consequentemente, houve pressão da base do partido para transformar as
cooperativas em fazendas estatais de facto, onde os camponeses receberiam ordens.
Essas
pressões culminaram no Grande Salto Adiante de 1958. O coração da política do
Grande Salto era o amálgama das cooperativas em unidades produtivas gigantescas
e autossuficientes (as comunas) de muitos milhares de famílias. Esperava-se que
o sistema de comuna liberasse enormes quantidades de força de trabalho, que
seriam utilizadas para expandir a indústria através de métodos artesanais,
fabricar produtos industriais pesados com técnicas primitivas (os fornalhas de
ferro de fundo de quintal, por exemplo) e realizar os grandes projetos de
conservação de água. Os membros das comunas seriam pagos apenas na base de
frutos do trabalho, na prática transformando os camponeses em trabalhadores assalariados
sem direito a propriedade, fosse a sua terra ou seus produtos diretos. O Grande
Salto também foi apresentado ao campesinato de uma forma que se aproximava do
discurso religioso. A China iria alcançar o Ocidente em alguns anos e atingir o
comunismo completamente dentro de 15 anos. Em suma, os camponeses foram
informados de que depois de alguns poucos anos de heroico sacrifício, eles
estariam vivendo em um paraíso na Terra.
Quaisquer
que tenham sido os seus efeitos práticos em acelerar o crescimento econômico, a
“visão comunista” por trás do Grande Salto Adiante era utopismo reacionário. Ao
invés de o comunismo resultar de uma divisão internacional do trabalho entre
vários Estados proletários avançados (e da eliminação da escassez), o
“comunismo” estilo chinês chegaria através do trabalho primitivo de milhões de
camponeses (ou seja, a distribuição igualitária da pobreza). Mas, enquanto
houver pobreza em massas, a base econômica para a criação de uma burocracia
parasita – e, em última instância, um retorno à exploração capitalista através
da contrarrevolução – permanecerá. Os líderes chineses estão cientes desse fato
já que, apesar da sua absurda afirmação de que a China é um Estado socialista,
cada nova “panelinha antipartido de traidores mal-intencionados cobertos de
crimes” que é expulsa, é acusada também de andar preparando o caminho para o
retorno ao capitalismo. Socialismo significa a abolição das classes através da
abolição da base material para a exploração de classe – a escassez econômica.
Para os marxistas, o proletariado é o vetor do socialismo não apenas
porque é vítima da privação e opressão, mas também porque incorpora os mais
altos avanços técnicos da humanidade, a base material para uma verdadeira
revolução cultural. Para os marxistas, comunismo significa a troca do trabalho
de cem camponeses pelo de um trator moderno; para os maoístas, por outro lado,
comunismo significa a substituição do trabalho de um trator (indisponível) pelo
de cem camponeses.
Na
prática, o Grande Salto Adiante foi uma tentativa sem precedentes de
militarizar o trabalho. A burocracia levou os camponeses aos limites da
resistência física. As condições infernais criadas pelo sistema de produção
forçada podem ser vistas no fato de que foi necessário para o Comitê Central
emitir a seguinte diretiva para os quadros do partido nas comunas:
“Mas em qualquer momento, oito horas de sono e quatro
horas para refeições e recreação, no total 12 horas, devem ser garantidas e
isto não pode ser reduzido”.
― Peking Review, 3 de dezembro de 1958
Hoje
é universalmente reconhecido que o Grande Salto Adiante levou a um colapso
econômico único na história dos Estados sino-soviéticos. A magnitude exata do
declínio na produção permanece desconhecida, porque o regime jamais publicou
nenhuma estatística econômica nos anos 1960-63, o que por si só dá uma ideia da
catástrofe econômica. Entretanto, uma estimativa razoável é de que a produção
alimentar caiu entre 15 e 20 por cento entre 1958-60 (Current Scene,
janeiro de 1964), enquanto a produção industrial teria caído entre 30 e 40 por
cento entre 1959-62 (China Quarterly, abril-junho de 1970).
As
razões precisas para a catástrofe causada pelo Grande Salto são numerosas.
Condições climáticas foram um fator real, embora os maoístas tenham-no tornado
um álibi completo. O regime, acreditando em suas próprias estatísticas
terrivelmente infladas, chegou a reduzir a área para semeio de grãos em 1959.
Os administradores das comunas desviavam o trabalho para os glamorosos
trabalhos de fundição e irrigação de aço, devotando muito pouco ao trabalho
agrícola básico. Na histeria de produzir resultados estatísticos, o controle de
qualidade foi completamente abandonado. A maior parte do aço produzido nas
comunas era inutilizável e mais da metade da supostamente nova área de terra
irrigável não era arável. O estímulo a autossuficiência nas comunas resultou em
tentativas de fazer crescer culturas (o algodão, por exemplo) em condições
geográficas impossíveis. O abrupto corte na ajuda soviética em 1960 foi também
um importante fator que causou um declínio na produção da indústria pesada.
Entretanto,
a verdade avassaladora é que foram a grosseira violação dos interesses
proprietários do campesinato e uma rígida militarização do trabalho as causas
fundamentais da catástrofe econômica. Os camponeses se rebelaram contra o
sistema de comunas da única forma que podiam – se recusando a produzir. Que a
indisposição do campesinato estava no coração do fracasso do Grande Salto é
atestado pela própria burocracia chinesa. Em seu recuo, o regime foi forçado a
fazer grandes concessões a apetites camponeses individualistas. Nesse aspecto,
o Grande Salto Adiante teve um significado decisivo. Ele dissipou o capital
moral que o Partido Comunista tinha alcançado na guerra civil e com a distribuição
igualitária da terra. Depois de 1960, os camponeses não podiam mais ser
motivados por ideais sociais ou promessas de abundância futura, apenas com base
em dinheiro vivo.
O
rebaixamento de Mao e o Grande Tropeço Atrás
Mao
foi especialmente responsável pelo Grande Salto Adiante. E de todos os líderes
do partido, ele sozinho continuou a defendê-lo. Ele até mesmo defendeu as
fornalhas de fundo de quintal, ao mesmo tempo em que observava que a ausência
de ferrovias na China tornava difícil usar os lingotes produzidos para qualquer
propósito útil. Enquanto o restante da liderança do partido percebeu que o
Grande Salto tinha falhado porque ele atacava brutalmente o interesse próprio
dos camponeses, Mao afirmava que a falha havia sido causada por “erros” e
“excessos” dos representantes regionais do partido. Assim, Mao nunca rejeitou
os princípios que constituíam o Grande Salto.
Já
que ele continuava defendendo a política que levara a China à beira da inanição
em massa, era previsível que Mao sofreria ataques de outras seções da
burocracia. Em 1959, o Ministro da Defesa Peng Teh-huai, um stalinista ortodoxo
pró-russo, lançou um ataque direto contra Mao por alienar as massas, produzir
um caos econômico e causar fricção desnecessária com a União Soviética.
Enquanto o ataque frontal do marechal Peng falhou e este tenha sido perseguido,
isso enfraqueceu a estatura de Mao.
Durante
1959-61, conforme os resultados desastrosos do Grande Salto ficavam cada vez
mais aparentes, Mao perdeu muito da sua autoridade entre os quadros dirigentes.
Ele foi escorraçado da liderança central e substituído por um agrupamento
liderado por Liu Shao-chi (o braço direito de longa data de Mao), Chou En-lai,
Teng Hsiao-ping (o secretário geral do PC chinês) e Peng Chen. Mao e seus apoiadores
(Lin Piao e Chen Po-ta) foram reduzidos a uma tendência crítica à esquerda
dentro da liderança mais ampla do partido. As mudanças na liderança central do
partido foram escondidas do público, embora dois dos apoiadores de Peng Chen
(Wu Han e Teng To) tenham publicado pequenos ataques velados contra Mao, que
depois serviram como pretexto para lançar a Revolução Cultural.
Para
se recuperar do Grande Salto, o regime de Liu adotou uma política econômica
bukharinista com respeito à produção agrícola e também industrial. As comunas
foram desmontadas e substituídas pelo mais baixo nível de coletivização, a
“brigada produtiva”, de cerca de vinte famílias. O livre mercado foi
encorajado, assim como o foram a propriedade privada da terra e do gado.
Em1962, a colheita de grãos privada em Yunan foi maior do que a colheita
coletiva. Em 1964, já havia mais lavouras privadas do que coletivas em Kweichow
e em Szechuan.
Em
1961, o governo proibiu totalmente novas construções industriais. O ritmo da
expansão industrial seria determinado pelo excedente de livre mercado, vindo
dos camponeses e das brigadas produtivas. Sob as condições chinesas, permitir o
desenvolvimento industrial ser determinado pelo crescimento do mercado camponês
é profundamente antiproletário no sentido mais elementar. Em 1964, o principal
projetista econômico chinês, Po I-po disse a Anna Louise Strong que o regime
pretendia reduzir a população urbana a cerca de 20 milhões (Strong, Letters
from China).
O
retorno a uma economia de mercado, combinado com um agudo declínio na
autoridade popular do PC, criou poderosas tendências desintegradoras
dentro da própria burocracia. Ganância pessoal, carreirismo, a defesa de
interesses estreitos e coronelismo regional se tornaram frequentes. Durante a
Revolução Cultural, houve relatos de que, em 1962, o partido de Shangai e de
outras regiões requisitou grãos de Chekiang, uma das poucas regiões onde havia
excedente. O Primeiro Secretário do partido em Chekiang parece ter respondido:
“Chekiang não é uma colônia de Shangai... Eu tenho porcos para alimentar” (China
Quarterly, outubro-dezembro de 1972). Essa resposta exemplifica as relações
entre diferentes setores da burocracia nesse período.
Mao
representava a ala nacional-messiânica e utópica da burocracia. Ele ficou,
portanto profundamente perturbado pela crescente queda na disciplina, na
unidade e na sensação de propósito nacional dentro do partido. Em 1962 ele
estabeleceu um grupo de pressão, o Comitê de Educação Socialista, com o duplo
propósito de restauras a noção de iniciativa nos quadros do partido e de
limitar a tendência rumo ao individualismo camponês na política econômica. Os
esforços do Comitê de Educação Socialista se mostraram impotentes contra a
força do rotineirismo burocrático.
Em
vista da Revolução Cultural, é necessário enfatizar a considerável diferença
entre as políticas de Mao e aquelas da liderança partidária liderada por Liu
entre 1961-65. Enquanto Mao era a favor de uma maior coletivização agrícola,
ele apoiava firmemente as políticas que fortaleceram o peso social do
campesinato contra a classe trabalhadora, tal como transferir população urbana
para o campo. Mao sempre tentou liquidar o proletariado chinês enquanto um
grupo social distinto e dissolvê-lo nas massas rurais.
Não
havia diferença entre Mao e Liu a respeito da sua atitude com relação ao
proletariado. Isso foi demonstrado pela defesa feita por Mao do sistema
“proletário-camponês” durante a Revolução Cultural, apesar da sua enorme
impopularidade e das suas consequências econômicas negativas. Essa perversa
política antiproletária (instituída por Liu em 1963) exigia que os camponeses
realizassem trabalho industrial durante a temporada de folga. Eles recebiam
menos que os trabalhadores efetivos, não recebiam benefícios sociais completos
disponíveis aos trabalhadores regulares e não tinham permissão de entrar nos
sindicatos. Por sua vez, os trabalhadores efetivos sindicalizados eram
substituídos por “proletários-camponeses” e logo despachados forçosamente para
o campo! O sistema “proletário-camponês” conforma bem o “ideal” de Mao de uma
sociedade comunista e é um mecanismo efetivo para diminuir os salários e
aumentar a acumulação estatal. O sistema foi a causa mais importante do levante
operário durante a Revolução Cultural. Os maoístas não apenas defenderam o
sistema, mas também suprimiram as organizações de contrato de trabalho que
haviam surgido espontaneamente para defender os “proletários-camponeses”.
Não
há nem mesmo há qualquer evidência de que havia diferenças significativas entre
Mao e o resto da liderança do PC chinês sobre a política externa antes de 1965.
Foram Liu e Teng, não Mao, que organizaram a campanha contra o “revisionismo
Kruschevista”. Muitos dos maoístas de hoje deveriam considerar que eles foram
ganhos para a linha chinesa pela campanha “anti-revisionista” de Liu, Teng e
companhia, depois de estes terem escorraçado Mao da liderança central.
Indonésia
e Vietnã na Estrada para Washington
Durante
uma plenária do partido em 1962, Mao revelou que Stalin não confiava no PC
chinês desde o fim dos anos 1940, suspeitando de um potencial titoísmo. Mao
relatou ainda que, enquanto ele buscava ganhar a confiança de Stalin, o PC
chinês nunca sacrificou a sua independência. Entretanto, a polarização da
guerra fria, particularmente a Guerra da Coréia, não deixou à China outra opção
se não a de se tornar parte do bloco liderado pelos soviéticos. Durante meados
dos anos 1950, o PC chinês buscou desenvolver a sua própria tendência dentro do
bloco soviético, manobrando ativamente entre os partidos do Leste Europeu com
uma linha mais independente de Moscou. Como um importante subproduto dessas
atividades, o regime de Mao desempenhou um papel chave em incentivar os russos
a esmagar o levante húngaro de 1956, e depois em justifica-lo internacionalmente.
Parte
do “espírito de Camp David” (a coexistência pacífica entre Eisenhower e
Kruschev) foi a compreensão de que o Kremlin iria policiar a expansão da
potência nacional chinesa. Os principais aspectos disso, que foram também os
eventos que levaram ao rompimento sino-soviético, foram a tentativa de Kruschev
de fazer a China abandonar a sua pressão militar contra as ilhas do Estreito de
Taiwan em 1958; a recusa soviética de cumprir a promessa de fornecer à China
recursos para produzir armas nucleares; e a “neutralidade” pró-Índia da URSS
durante a guerra de fronteira sino-indiana em 1960. O ataque político cada vez
mais estridente da China aos soviéticos levou-os a reagir cortando totalmente a
ajuda econômica em 1960. Essa pode ser considerada a data oficial do
rompimento.
Seguido
ao racha no campo soviético, a política externa chinesa consistiu de uma
tentativa de se alinhar com o “Terceiro Mundo” – um termo remodelado para
incluir a França de De Gaulle! – contra as duas superpotências. Nesse período,
a política externa chinesa registrou alguns episódicos ganhos diplomáticos.
Entretanto, em 1965, o Terceiro Mundo de repente ficou fora do alcance dos
diplomatas chineses. Vários “amigos da China” foram derrubados por golpes
militares, notadamente Nkrumah, que apropriadamente estava visitando a China na
época. Em vista desses golpes de direita, a Segunda Conferência Afro-asiática,
que os Chineses esperavam que se tornasse um fórum antissoviético, foi
cancelada. Entretanto, um verdadeiro choque foi a derrubada de Sukarno na
Indonésia, que resultou na sangrenta liquidação física do PKI pró-China, na
época o maior partido stalinista que não tinha poder de Estado.
Os
golpes de direita que varreram a Ásia e a África em 1965 demonstraram que a
força do imperialismo dos EUA não está somente no seu poder militar direto, mas
também nos seus laços orgânicos com as classes possuidoras ao redor do mundo.
Onde quer que a luta de classes atinja uma certa intensidade, a burguesia
colonial rompe o seu flerte com Pequim ou Moscou e abraça a classe dominante
norte-americana como a principal defensora da ordem capitalista em nossa época.
Com
a estratégia terceiro-mundista da China enterrada sob os corpos decapitados dos
trabalhadores e camponeses indonésios, um novo perigo ameaçava a China – o
avanço dos EUA no Vietnã. A manifesta impotência do “Terceiro Mundo” em
proteger a China, combinada com os bombardeios do imperialismo dos EUA na sua
vizinhança, causou profundas diferenças dentro da burocracia. Um grupo ao redor
de Liu, Peng Chen e o Chefe do Exército de Liberação Popular, Lo Jui-ching,
queriam evitar a deterioração das relações com a União Soviética e arranjar um
tipo de frente única militar com o Kremlin em cima do Vietnã. O grupo de Mao e
Lin queria continuar a escalar o rompimento com a URSS e, acima de tudo,
impedir outra situação como a da Guerra da Coréia.
Em
certo sentido, a primeira batalha da Revolução Cultural foi travada no alto
comando do ELP. Sob o pretexto de “profissionalismo” contra “politica”, ela
foi, na realidade, uma luta em cima da política para o Vietnã e uma aliança
militar soviética. Lo Jui-ching queria se preparar ativamente para uma possível
intervenção massiva por terra no Vietnã. Do outro lado, um chamado pela “guerra
popular” foi na verdade um chamado para um retrocesso da guerra do Vietnã de
volta ao nível de guerra de guerrilhas, para evitar o perigo de que a China
fosse mergulhada em outra situação como a da Coréia. A vitória de Lin sobre o
chefe do Estado-maior foi a primeira vitória do isolamento militar da China.
O
ponto decisivo veio no início de 1966, quando o Partido Comunista Japonês
pró-China tentou organizar uma frente única militar das potências comunistas na
questão do Vietnã. Uma declaração conjunta dos PCs japonês e chinês sobre o
Vietnã foi acordado sem atacar os russos de “revisionismo”, e dessa forma
abrindo a porta para colaboração sino-soviética. Na última hora, Mao sabotou o
acordo e atacou abertamente os líderes do partido, sobretudo Peng Chen, que
eram responsáveis por ele. Mao estava determinado a não provocar a suspeita dos
norte-americanos através de uma mostra de solidariedade com a Rússia. Sob o
pretexto de combater o “revisionismo”, Mao informou em seguida ao imperialismo
dos EUA que, enquanto a China não fosse diretamente atacada, ela não iria
intervir mesmo diante dos ataques mais assassinos contra os trabalhadores e
camponeses de outros países. Assim, a détente com os EUA não era apenas
um giro à direita marcando um recuo da Revolução Cultural. O apetite de Mao
para uma aliança com o imperialismo dos EUA, para melhor travar a luta com a
sua “contradição principal” na forma do “social-imperialismo soviético”, foi de
fato um dos eixos centrais da “Revolução Cultural”.
Havia
uma conexão clara entre as divisões fracionais acerca da política interna e
externa. Como o grupo liderado por Liu estava pronto a deixar a burocracia
afundar no carreirismo rotineiro e nos privilégios extravagantes, e a deixar a
economia expandir no ritmo da vontade dos camponeses, esse grupo só podia
conceber a defesa da China estando dentro da esfera militar soviética. Já que
Mao e Lin estavam determinados a fazer da China uma superpotência sem
concorrência, eles estavam prontos a mobilizar e disciplinar a burocracia e as
massas para superar o atraso social da China tão rapidamente quanto possível.
A
Antiproletária Revolução Anticultural
Em
uma frase, a Revolução Cultural era uma tentativa de mobilizar as massas para
criar as condições materiais para a política de grande potência da China, na
base de um grande fervor nacional messiânico. Para fazer isso, os maoístas
tinham que expurgar uma burocracia administrativa cada vez mais conservadora e
interessada no próprio umbigo. Para essa tarefa, Mao buscou os oficiais do ELP
e a juventude estudantil de origem pobre. Uma vez tendo sido expurgado das
tendências conciliacionistas pró-russas, era natural que o corpo de oficiais se
encontrasse no campo maoísta. A posição social dos oficiais os levou a ficarem
mais preocupados com a força em longo prazo do Estado chinês do que com
estreitos interesses locais. Além disso, eles foram removidos da pressão direta
das massas chinesas e naturalmente foram a favor de extrair um excedente maior
para a produção de armas. A juventude estudantil chinesa era, na maior parte
das vezes, a burocracia de amanhã. Eles eram os herdeiros do governo chinês e
queriam que esse governo fosse grande e poderoso e os seus indivíduos fossem
dedicados e sérios. Os interesses restritos de uma juventude pequeno-burguesa
ambiciosa e estudada são futuramente aqueles das camadas pequeno-burguesas. Por
essa razão, eles facilmente adotaram os ideais utópicos e atacaram aqueles
cujos problemas cotidianos impediam esses ideais de serem realizados.
Com
o apoio de Lin e do comando do ELP, Mao facilmente se livrou de seus principais
oponentes fracionais – Liu, Teng e Peng – em 1966, antes de a Revolução
Cultural ser levada para as ruas. O expurgo completo da burocracia provou-se
mais difícil. No fim, acabou se provando impossível. Para entender como os
entrincheirados burocratas resistiram à Revolução Cultural, é necessário ver o
que aconteceu quando os “revolucionários proletários” do Exército Vermelho
confrontaram o proletariado chinês – do outro lado das barricadas!
Quaisquer
fossem as ilusões das massas chinesas sobre a Grande Revolução Cultural
Proletária, rapidamente ficou claro que ela não significava mais para o
proletariado. Sob o slogan de combater o “economicismo”, os maoístas radicais
deixaram claro que eles tinham a intenção de baixar os salários e intensificar
o ritmo de trabalho. Durante 1966, houve uma onda de lutas operárias culminando
na greve geral de Shangai e na greve nacional dos ferroviários em janeiro de
1967, o maior embate entre o proletariado chinês e o governo stalinista até
hoje.
Os
trabalhadores ferroviários eram uma das seções mais conscientizadas do
proletariado na sociedade chinesa, com as suas próprias sedes e escolas. A
Revolução Cultural foi particularmente dura com os ferroviários porque, além do
tráfego normal, eles tinham de transportar enormes exércitos de Guardas
Vermelhos ao redor do país. Em adição, era-lhes exigido estudar o Pensamento do
Presidente Mao depois de um longo dia de trabalho. Em razão do tráfego extra,
os regulamentos de segurança existentes foram violados. Quando os trabalhadores
reclamaram, os Guardas Vermelhos atacaram o “velho regulamento [de segurança]
que não está conforme o pensamento de Mao Tse-tung” (Current Scene, 19
de maio de 1967). Sem dúvida os Guardas Vermelhos acreditavam que o pensamento
de Mao era mais poderoso do que as leis da Física! O sindicato das ferrovias em
Shangai organizou outros trabalhadores em negociações centrando em reduzir as
longas horas de trabalho ou em receber por elas. Em dezembro, as autoridades
locais garantiram um aumento geral nos salários. Quando a direção central
maoísta em Pequim reverteu o aumento salarial, as ferrovias de Shangai e de
toda a China pararam de funcionar.
Os
Guardas Vermelhos e o ELP derrubaram o governo local de Shangai e seguiram para
esmagar a greve. A famosa “Carta a Todo o Povo de Shangai” (Shangai
Liberation Daily, 5 de janeiro de 1967) começava com a ordem: “Contenham a
Revolução, Estimulem a Produção”. A “Carta” seguia culpando os elementos
antipartido por incitar os trabalhadores a deixar seus postos e chamava a
convergir com Pequim. Essa era uma propaganda curiosa vinda de supostos líderes
de uma revolução “proletária” contra aqueles que detinham o poder político. A
greve dos ferroviários demorou a ser suprimida e os estudantes universitários
tiveram que ser usados como fura-greves sem qualificação.
Depois
dos eventos de janeiro de 1967, aqueles burocratas sob ataque dos Guardas
Vermelhos tiveram poucos problemas para organizar os seus próprios “Guardas
Vermelhos”, compostos de trabalhadores, para defendê-los. Os trabalhadores
sentiram que, se os Guardas Vermelhos tomassem o poder, eles iriam trabalhar
doze horas por dia, sete dias por semana e estudar o Pensamento de Mao por mais
oito horas. E nas batalhas de rua que aconteceram pelas cidades da China, os
maoístas radicais não estavam ganhando.
Apesar
da “participação” das massas, a Revolução Cultural permaneceu uma luta entre
a burocracia. Era uma batalha entre a fração Mao-Lin e o aparato conservador,
atomizado do partido. Em geral, os estudantes e trabalhadores foram organizados
e cinicamente manipulados pelas tendências da burocracia. Os marxistas
revolucionários não poderiam apoiar qualquer dos lados, fosse o nacionalismo
utópico-militarista da fração de Mao ou os vários carreiristas lutando para
manter seus postos.
Do
ponto de vista dos comunistas, a Revolução Cultural polarizou a sociedade
chinesa ao longo das linhas erras, ao colocar uma juventude estudantil
subjetivamente revolucionária, que acreditava estar combatendo o burocratismo,
contra trabalhadores defendendo as suas condições de vida. Houvesse uma
organização trotskista na China capaz de intervir, a sua tarefa teria sido
romper com essas falsas linhas de divisão e construir uma oposição comunista
genuína à burocracia como um todo.
Para
os Guardas Vermelhos, os comunistas teriam dito o seguinte: Primeiro, a
consciência comunista entre os trabalhadores não pode ser criada por meio de
métodos de misticismo religioso (o espírito de Mao dominou sua alma?), mas apenas
quando os trabalhadores forem realmente responsáveis por governar a sociedade
chinesa através de instituições democráticas. Segundo, o conceito de socialismo
deve ser extirpado do ascetismo de quartéis militares. Comunistas se preocupam
genuinamente com o bem-estar material das massas e não glorificam a pobreza e o
trabalho sem fim. E, talvez mais importante, uma sociedade comunista não pode
ser construída na China simplesmente através da vontade e dos sacrifícios do
povo Chinês. Isso exige o apoio de revoluções proletárias vitoriosas nos países
capitalistas avançados – revoluções que são impedidas pela política externa da
China stalinista. Uma tarefa central para os comunistas chineses é usar o poder
e a autoridade do Estado chinês para avançar a revolução socialista mundial.
Isso significa não apenas um rompimento com o apoio dado a regimes
nacionalistas burgueses antiproletários, mas também exigindo imediatamente um
bloco militar com a União Soviética, mais urgentemente na Indochina, mesmo
enquanto a URSS permanece sob domínio burocrático.
Para
aqueles trabalhadores que tiveram o impulso de defender os burocratas no poder
contra os maoístas radicais, os trotskistas teriam dito o seguinte: os
interesses materiais dos trabalhadores não podem ser avançados apoiando os
elementos “moderados” da burocracia. Esses interesses materiais só podem ser
atendidos quando um governo dos trabalhadores controlar a economia chinesa,
substituindo o controle destrutivo da burocracia conservadora. Para manter o
poder político, o governo dos trabalhadores teria realmente que controlar o
aumento dos salários para poder gerar excedente necessário para propósitos
militares e para absorver o campesinato à força de trabalho industrial. A
ditadura do proletariado não pode sobreviver com uma classe trabalhadora
pequena e aristocrática cercada por um mar de camponeses empobrecidos.
Entretanto, uma melhoria fundamental nas condições materiais da população
chinesa só pode vir através de recursos obtidos de Estados proletários mais avançados.
Ajuda econômica à China através da revolução internacional não precisa ser uma
perspectiva de longo prazo. Uma revolução proletária na China daria um enorme
ímpeto para a revolução socialista no Japão, a potência industrial da Ásia, com
um proletariado altamente consciente e uma estrutura social frágil. O
desenvolvimento complementar, planejado, do Japão e da China iria avançar muito
rumo à superação da pobreza da população
chinesa. Essa era a política que o movimento trotskista deveria ter apresentado
aos trabalhadores e estudantes chineses se digladiando durante a Revolução
Cultural.
Quem
foram os vencedores?
Com
os burocratas no poder conseguindo mobilizar grupos de trabalhadores para lutar
contra os Guardas Vermelhos, os maoístas radicais ficaram num beco sem saída. O
centro maoísta tomou então uma ação que mudou fundamentalmente o curso da
Revolução Cultural e acabou por levá-la ao fim. Em fevereiro de 1967, o
exército foi chamado para ajudar os Guardas Vermelhos a “tomar o poder”. Mas o
corpo de oficiais do ELP é carne e sangue da burocracia, ligado ao resto da
oficialidade da China por inúmeros laços sociais e pessoais. Como uma condição
para apoiar os Guardas Vermelhos, o comando do ELP exigiu que não houvesse
expurgos grandes nos administradores no poder, que lhes permitissem se
reabilitarem. Isso foi a assim chamada “política dos quadros moderados”. O
papel do ELP ao preservar a burocracia foi codificado através de uma mudança no
programa formal da Revolução Cultural. Quando lançado em 1966, a Revolução
Cultural iria supostamente produzir um sistema político modelado na Comuna da
Paris. No começo de 1967, isso foi modificado para a assim chamada “tripla
aliança” de “rebeldes revolucionários” (Guardas Vermelhos), o ELP e os “quadros
revolucionários” (os burocratas no poder). Claramente o corpo de oficiais
estava no comando.
A
verdadeira relação entre o ELP e os Guardas Vermelhos foi revelada pelo famoso
incidente de Wuhan em agosto de 1967, embora o comandante do exército tenha ido
longe demais. Em uma luta fracional entre dois grupos de Guardas Vermelhos, o
comandante do exército naturalmente apoiou o mais direitista. Quando dois
emissários maoístas vieram de Pequim para apoiar a fração mais radical, o
comandante mandou prendê-los. Por esse ato de quase motim, ele foi demitido.
Entretanto, o destino dos principais envolvidos no incidente de Wuhan é
bastante significativo. O comandante rebelado, Chen Tsai-tao, está hoje de
volta ao poder, enquanto os dois emissários maoístas foram expurgados como
“ultra-esquerdistas”.
O
incidente de Wuhan colocou temporariamente o centro maoísta contra o comando do
ELP e a Revolução Cultural atingiu o seu pico de violência anárquica, incluindo
o incêndio da chancelaria britânica. Por volta do fim de 1967, a pressão do
comando do ELP para acabar com os Guardas Vermelhos se tornou irresistível.
A
edição de 28 de janeiro de 1968 de Liberation Army Daily anunciou que
o ELP iria “apoiar a esquerda, mas nenhuma facção em particular” ― uma
ameaça não tão velada de esmagar os Guardas Vermelhos. O artigo seguia atacando
o “fracionalismo pequeno-burguês”. Por volta da mesma época, Chou En-lai
afirmou que a liderança da Revolução Cultural tinha passado dos estudantes e
juventude para os trabalhadores, os camponeses e os soldados. Ao longo de 1968,
ataques contra o “fracionalismo pequeno-burguês”, o “anarquismo” e o
“sectarismo” abafaram os ataques contra a “tomada de rumo capitalista” e o
“revisionismo”.
E
tudo terminou em mangas. A cortina caiu sobre a Revolução Cultural em agosto de
1968, quando Mao interviu pessoalmente para resolver uma luta fracional entre
Guardas Vermelhos estudantes na Universidade Tsinghua em Pequim, onde havia se
formado o primeiro grupo de Guardas Vermelhos. Tendo falhado em resolver a
disputa a seu gosto, Mao supostamente teria dito: “Vocês me deixaram triste, e
ainda pior, vocês desapontaram os trabalhadores, camponeses e soldados da
China.” (Far Eastern Economic Review, 29 de agosto de 1968). Dentro de
48 horas, o primeiro “Time de Propaganda do Pensamento Operário-Camponês de Mao
Tse-tung”, comandado pelos oficiais do ELP, chegou na Universidade de Tsinghua
e dissolveu os Guardas Vermelhos. Por este serviço, o Presidente enviou
pessoalmente ao grupo um carregamento de mangas como presente. Os Guardas
Vermelhos fora suprimidos por meios similares pelo país. Os ativistas mais
resistentes foram enviados para o interior para “remodelar” o seu pensamento
através do trabalho com os camponeses, o destino usual daqueles que “despontam”
Mao.
A
fração de Mao não ganhou a Revolução Cultural. Mao claramente esperava
substituir a burocracia administradora por quadros inequivocamente leais a ele,
intercalados com jovens “clones” seus, e gerando entusiasmo de massa enquanto
fazia isso. Ao invés disso, a reação popular contra a Revolução Cultural
fortaleceu a resistência da burocracia que detinha o poder. Uma vez que o
exército foi chamado indiretamente, Mao foi forçado a desempenhar um papel
bonapartista entre os oficiais do ELP, que representavam o conservadorismo
burocrático, e a juventude estudantil radical.
Que
a burocracia foi largamente mantida se demonstra pela composição do Comitê
Central eleito no Nono Congresso do PC chinês em 1969 – o assim chamado
“Congresso dos Vencedores”. A média de idade do CC era de 61 anos e o tempo
médio de partido de 25 anos. Dois terços do CC eleito em 1945 (que não haviam
morrido e nem sido expurgados antes da Revolução Cultural) foram reeleitos para
o Comitê Central de 1969! Na verdade, o CC de 1969 mostrou um aumento na proporção
de oficiais do ELP (45 por cento). Dificilmente o que um ingênuo entusiasta
maoísta poderia esperar do posteriori de uma suposta “revolução”
antiburocrática!
A
liquidação final da Revolução Cultural veio com a queda da fração de Lin. Lin
Piao estava associado com uma série de políticas manifestamente fracassadas. No
campo da economia nacional, ele foi acusado de querer lançar um impulso na
produção em 1969 e de “permitir que os camponeses pudessem ser privados de sua
renda legítima” (Far Eastern Economic Review, 1973 Yearbook).
Claramente, Lin estava pressionando por outro Grande Salto Adiante. Entretanto,
a Revolução Cultural havia demonstrado enorme descontentamento econômico e a
disposição dos trabalhadores em combater o regime para preservar as suas
condições de vida. A campanha por um Grande Salto Adiante em 1969 poderia ter
sido suicida. De fato, desde a Revolução Cultural, a economia chinesa tem
estado mais orientada para o mercado, mais desigual, e mais localizada do que
ela era em 1965. O regime de Mao/Chou parece ansioso para garantir às massas
que grandes sacrifícios econômicos não lhes serão exigidos. Quase todo
pronunciamento oficial sobre política econômica afirma o direito do campesinato
a um terreno privado.
Na
política externa, o homem que anunciou que “o campo do mundo conquistará as
cidades do mundo” foi igualmente derrotado. No fim dos anos 1960, somente um
idiota político poderia acreditar que a China estava liderando de forma bem
sucedida o “Terceiro Mundo” contra os EUA e a Rússia. A Revolução Cultural
deixou a China diplomaticamente isolada. Apesar da Guerra do Vietnã, a política
externa dos EUA ao longo de 1968 continuou a se orientar para um bloco com a
Rússia contra a China. Com as condições objetivas favoráveis para ganhos
diplomáticos e econômicos, um giro à direita na política externa era inevitável.
É provável que Lin tenha rompido em oposição à reaproximação com Nixon.
Com
sua base no exército, Lin sem dúvida lançou uma luta fracional contra o eixo
emergente de Mao/Chou. Ele perdeu. É bem possível que ele tenha planejado um
golpe militar como os maoístas afirmam. Entretanto, qualquer mal que Lin possa
ter desejado a Mao e Chou enquanto estava vivo, o seu cadáver foi mais do que
compensado por isso. Ele é o bode-expiatório perfeito para tudo que deu errado
em razão da Revolução Cultural. Toda vez que um “defensor do rumo capitalista”
expurgado é reconduzido ao poder, foi Lin que conspirou contra ele. Quando Chou
pediu desculpas aos britânicos pelo incêndio na sua chancelaria, ele pôs a
culpa em Lin.
A
cada dia que passa, as vítimas da Revolução Cultural parecem substituir os
vencedores. Mesmo o “número dois no comando para tomar o rumo capitalista”,
Teng Hsiao-ping, está de volta à estrada com Mao. E ainda assim a Revolução
Cultural deixou claramente um partido bastante dividido. O segredo e a extrema
rapidez do Décimo Congresso do Partido aponta uma situação interna tensa. É
como se a menor concessão formal à democracia intrapartidária fosse produzir um
fracionalismo mortífero. A elevação do desconhecido Wang Hungwen a número três
é provavelmente colher-de-chá aos maoístas radicais que compreensivamente não
confiam em Chou En-lai ― o homem que nunca está do lado derrotado de uma luta
fracional. Entretanto, Wang é provavelmente uma figurinha sem base real nos
quadros do partido. Quando Mao morrer, o PC chinês deve ter uma crise de
sucessão que vai fazer a Revolução Cultural parecer uma conversa educada. É
claro, o proletariado chinês deve tirar da agenda a questão de qual burocrata
aspirante vai tomar o lugar de Mao, estabelecendo o seu próprio domínio
democrático de classe.
Abaixo
Mao e Brezhnev! Por Unidade Comunista Sino-soviética!
O
desenvolvimento mais importante desde a Revolução Cultural foi nas relações
externas da China. As relações do país com a União Soviética pioraram
drasticamente, chegando a sinalizar um conflito armado em 1970. A fronteira
sino-soviética tornou-se uma das fronteiras mais militarizadas do mundo. O novo
caso de amor do regime de Mao/Chou com Richard Nixon é claramente considerado
como um contraponto ao que ela vê como o seu inimigo principal – a União
Soviética. No ano passado, a tentativa chinesa para alinhar o imperialismo
ocidental contra a União Soviética atingiu um novo pico. A China está fazendo
campanha para fortalecer a OTAN para desviar o exército russo da Sibéria. Por
exemplo, em 3 de agosto, a publicação oficial Peking Review cita de
forma aprovadora a carta do Lord Chalfont para o London Times chamando
pela expansão da OTAN:
“Chalfont tem recentemente publicado uma série de
artigos no The Times para expor a ameaça soviética contra a segurança da
Europa, e feito um apelo pelo fortalecimento de uma cooperação defensiva dos
países da Europa Ocidental.”
Qualquer
que sejam as mudanças episódicas que ocorram nos humores diplomáticos, a
relação objetiva do imperialismo dos EUA para com a União Soviética é
fundamentalmente diferente daquele com relação à China. A União Soviética é
economicamente e militarmente superior à China, e rival militar dos EUA.
Portanto, a União Soviética é que é o centro dos regimes anticapitalistas do
mundo e o principal obstáculo objetivo ao imperialismo dos EUA (Poderia a China
ter sustentado os cubanos sob o embargo dos EUA?). A União Soviética poderia
derrotar a China em uma grande guerra sem a intervenção imperialista, enquanto
a China só poderia esperar a vitória em aliança com outra potência. Assim, a
lógica do triângulo de grandes potências é de uma aliança EUA-China contra a
União Soviética. Entretanto, a política das grandes potências não é
historicamente racional, e um ataque dos EUA e da União Soviética contra a
China permanece uma possibilidade.
Sob
quaisquer circunstâncias, uma guerra entre a Rússia e a China seria um enorme
retrocesso para a causa do socialismo. Se eclodir uma guerra sino-soviética
independente da intervenção direta do imperialismo, tal como uma versão
expandida do conflito de fronteira de 1970, os trotskistas devem chamar por
derrotismo revolucionário para ambos os lados. Entretanto, se os EUA se aliarem
a um dos lados em uma guerra sino-soviética de forma que o resultado
significaque restauração do capitalismo através da vitória imperialista, os
trotskistas devem chamar pela defesa militar incondicional do Estado proletário
deformado ou degenerado diretamente sob o ataque do imperialismo dos EUA.
O
foco do conflito russo-chinês é a fronteira siberiana. Significativamente, a
base legal para as reivindicações conflitantes é um tratado do século dezoito
assinado pela dinastia Romanov e pelos Manchu
― que, como todos sabemos, tinham escrúpulos em sua preocupação com os
direitos nacionais! Aqueles que são novos no movimento socialista podem achar
difícil compreender porque a liderança de um Estado proletário deformado está
disposta a ir à guerra contra outro Estado proletário degenerado por uma fatia
de território vagamente habitada e conviver com potências capitalistas para
fazê-lo. Isso significa que Estados proletários podem ser imperialistas, assim
como potências capitalistas? Existe um impulso econômico tornando inevitável a
guerra entre esses dois países comandados por stalinistas? Não mesmo.
Na
verdade, os regimes de Moscou e Pequim são politicamente ameaçados pela
própria existência de um e de outro, já que ambas potências afirmam representar
os interesses dos trabalhadores mas são na verdade instrumentos de uma
burocracia isolada que só pode se manter no poder suprimindo forçosamente qualquer
vida política do proletariado. Kruschev e Brezhnev lidaram com Liu e Mao da
mesma forma com a qual Stalin lidou com Tito (contra o qual ele tinha reclames
territoriais) e cada oposição interna, desde Trotsky pela esquerda até Bukharin
pela direita, e mesmo com membros potencialmente independentes das suas
próprias frações também. Uma tendência competidora afirmando representar os
trabalhadores e com os recursos de poder de Estado para propagar as suas visões
é duplamente ameaçador para a precária estabilidade desses regimes
antiproletários.
Como
Trotsky apontou, as origens da degeneração burocrática da União Soviética podem
ser traçadas desde a limitação nacional e isolamento da Revolução Russa em um
país atrasado. Isso levou à elaboração da ideologia nacionalista do “socialismo
em um só país” – uma necessária falsa consciência para uma camada
burocrática dominante. Assim, esses supostos “comunistas” falam da boca para
fora de internacionalismo proletário, mas ao mesmo tempo acreditam que é seu
dever sagrado expandir a sua pátria-mãe. E o que é verdade para Moscou é
igualmente verdade para Pequim ou para as burocracias nacionalistas de segunda
ordem, como a de Sofia (Bulgária), Tirana (Albânia), etc.
No
conflito a respeito da Sibéria, os russos agora tem uma vantagem esmagadora. Em
adição a uma absoluta superioridade nuclear, o exército soviético teria uma
vantagem em guerra convencional, apesar das maiores reservas populacionais da
China. O lado russo da fronteira é muito mais densamente povoado. E os povos de
fala turca que habitam a fronteira norte da China tem rancor pelos séculos de
chauvinismo Han, e podem muito bem ser simpáticos aos russos. O Kremlin também
está dando duro, por sua parte, para conseguir apoio de potências capitalistas.
Para além de considerações puramente financeiras, uma grande razão para que
Brezhnev esteja tão ansioso para ter capital estrangeiro nos campos de óleo e
gás siberianos é para dar aos EUA e ao Japão um bom motivo para querer que a
Sibéria permaneça sendo russa.
Entretanto,
a vantagem militar do exército soviético está sendo rapidamente diminuída pelo
desenvolvimento da capacidade militar chinesa. Assim, existe agora pressão no
regime de Brezhnev para realizar um ataque nuclear preventivo contra a China
antes que os chineses desenvolvam uma capacidade de retaliação maior. As
autoridades soviéticas estão atualmente criando um grande temor de guerra,
particularmente entre os residentes da Sibéria, baseado no pior tipo de racismo
do “perigo amarelo”. Um correspondente do Economist de Londres (25-31 de
agosto) citou um professor escolar na Sibéria declarando que:
“A rádio chinesa, transmitindo em russo, ameaçou que
os chineses iriam ocupar o sul da Sibéria, matar todos os homens russos e
raptar as mulheres russas para casarem.”
Se
governos proletários revolucionários estivessem no poder em Moscou e Pequim, o
conflito a respeito da Sibéria seria facilmente resolvido nos interesses dos
trabalhadores russos e chineses. A Sibéria seria aberta para a imigração
chinesa e administrada conjuntamente para garantir um rápido desenvolvimento
econômico. Além disso, a existência dos Estados proletários revolucionários
unificados da Rússia e da China poderia lançar a faísca para a revolução
socialista japonesa, liberando os recursos econômicos do Japão para o
desenvolvimento da Sibéria, assim como o da China.
Os
trotskistas entendem que as burocracias stalinistas estão presas em uma posição
fundamentalmente contraditória. Por um lado, elas buscam se defender do ataque
imperialista, enquanto por outro elas lutam por uma convivência impossível com
as potências capitalistas e temem acima de tudo o espalhar da revolução pelo
mundo, que iria inevitavelmente derrubar os seus regimes parasitários. Em longo
prazo, os Estados proletários deformados (Estados baseados em formas de
propriedade coletivizada comandados burocraticamente) podem sobreviver apenas
através da extensão internacional do poder dos trabalhadores. Ao defenderem
políticas nacionalistas, as burocracias stalinistas da Rússia e da China
enfraquecem a ditadura do proletariado e abrem o caminho para a sua derrubada
por uma contrarrevolução interna ou conquista imperialista. A revolução chinesa
(a mais importante derrota para o imperialismo desde a Revolução de Outubro na
Rússia) está agora mortalmente ameaçada por uma guerra nuclear. Uma guerra não
com uma potência imperialista, mas com outro poderoso Estado proletário
burocratizado – a União Soviética.
Apenas
derrubando os governos reacionários de Mao e Brezhnev podem as massas trabalhadoras
russas e chinesas impedir uma guerra uma contra a outra e, ao invés disso,
trazer a unificação política, militar e econômica dos Estados sino-soviéticos
contra o capitalismo mundial.
Por
Unidade Comunista Contra o Imperialismo Através de Revoluções Políticas
Proletárias nos Estados Sino-Soviéticos!
Pela
Defesa das Revoluções Russa e Chinesa Através da Revolução Proletária
Internacional!